segunda-feira, dezembro 27, 2010

ENTREVISTADO: LUIZ NASCIMENTO

JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de dezembro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: LUIZ NASCIMENTO
Sem qualquer parentesco com algum japonês ou descendente, Luiz Nascimento dedicou-se por cinco anos ao aprendizado da língua japonesa, até receber o certificado emitido no Japão, atestando a sua fluência no idioma da terra do sol nascente. Atualmente Luiz Nascimento dedica-se ao estudo do árabe. Autodidata, esse piracicabano é movido por desafios, entre seus feitos está o livro “Memórias Do Bairro Alto”, uma obra onde o autor relata muito do que viu e viveu no tradicional bairro piracicabano. O livro foi lançado em 2009 com grande sucesso. De fala mansa, jeito simples, funcionário público federal aposentado, prefere deixar seu automóvel na garagem e caminhar pela cidade, por alguns pontos onde passa a sua lembrança traz parte de sua história. Dos tempos em que ainda muito jovem trabalhou no Cine São José e no Cine Broadway. Lembranças do Clube Cristóvão Colombo que em seu inicio funcionou em acanhadas instalações no andar superior de um prédio existente até hoje, na esquina da Rua Governador Pedro de Toledo com Rua São José. Filho de Francisco Nascimento e Lucila Nascimento nasceu em 29 de março de 1932 Com o falecimento do seu pai, quando ele era ainda menino, deixou de ter uma vida de muito conforto e teve que trabalhar para colaborar nas despesas domésticas.
Qual era a profissão do seu pai?
Era viajante da Companhia de Cigarros Souza Cruz, ele nasceu no Estado do Rio de Janeiro, viajava por muitos estados brasileiros, sendo que em alguns mais afastados ele se fazia acompanhar de um segurança, seu trabalho era apenas realizar a venda, a entrega era feita por caminhão. Naquele tempo seu traje habitual era terno de linho branco, tínhamos um padrão de vida bastante elevado, meu pai e minha mãe saiam de Piracicaba e iam passear em São Paulo, entre outras diversões iam patinar no Parque da Aclimação. Estudei alguns anos na Escola Normal, hoje Sud Mennucci, fui transferido para o Grupo Alfredo Cardoso que na época localizava-se na esquina formada pela Rua Alfredo Guedes com a Rua São José.
Com que idade o senhor começou a trabalhar?
Aos 13 anos fui trabalhar na Casa Guidotti que vendia eletros domésticos, situada na Rua Governador Pedro de Toledo, entre a Rua Moraes Barros e a São José, seu proprietário era Luiz Guidotti, popularmente conhecido como Rei do Gatilho, pelas suas habilidades de exímio atirador com revólver.
Qual era o seu trabalho nessa empresa?
Fazia a limpeza, colocava acumuladores automotivos para receber novas cargas elétricas, havia um aparelho para recarregar as baterias, chamava-se “Tunga”. Carregava-se simultaneamente até oito acumuladores, era comum a loja receber muitas baterias de pessoas da zona rural, onde a energia elétrica não existia. Muitas vezes fui despachar baterias na Estação da Paulista, eram levadas por trem até seus proprietários que aguardavam a encomenda nas estações situadas junto à linha do trem. Eu saia da loja na Rua Governador, ia pela Rua Moraes Barros até o ponto do bonde da Paulista, levava a bateria ao lado do banco do bonde, descia no ponto em frente à Estação Paulista e a despachava, era muito comum essas baterias serem destinadas á pessoas residentes em Tupi, Caiubi, que retiravam as mesmas nas respectivas estações.
Qual foi o seu próximo emprego?
Fui trabalhar em uma loja situada na Rua Governador Pedro de Toledo, nas proximidades de onde hoje é a Ótica do Flavinho, chamava-se Casa Guerra, o proprietário era José Guerra, um senhor de origem portuguesa, de baixa estatura, sua esposa era uma senhora muito amável, eles eram proprietários de diversas casas que rendiam aluguel. Era uma loja de tecidos, armarinhos, ponchos que ficavam expostos nas portas de madeira. Dalí eu fui trabalhar na empresa J.B. Andrade, proprietária dos cines São José e Broadway, trabalhava no escritório, os ingressos eram selados sendo os selos adquiridos na coletoria federal que ficava na Rua Prudente de Moraes, onde hoje existem umas lojas de artigos esportivos o responsável pela venda dos selos chamava-se Batista Rigo Ao lado do Cine São José existia uma porta com uma escada que nos levava até o andar superior onde eram as acomodações da “geral” do cinema, caminhando por um longo corredor íamos até o local onde existiam três ou quatro salas. Eu pegava essas folhas de selos, prendia com tachinhas sobre um caixão de madeira, derretia a goma arábica, com um pincel espalhava a goma sobre a folha e deixava secar. Esse processo fazia com que o selo pudesse ser colado no ingresso. Passava uma esponja umedecida sobre a goma arábica que tinha sido aplicada no verso do selo e ia colando sobre os ingressos. A entrada adquirida era dada ao porteiro no acesso ao cinema, ele rasgava o ingresso e depositava em uma urna ao seu lado, após encerrar o movimento da bilheteria o gerente do cinema, o Pedro Sacconi, dirigia-se a um corredor externo onde incinerava as entradas contidas na urna. Outra tarefa que eu fazia era levar a programação do cinema para ser publicada no Jornal de Piracicaba e no “O Diário”. Os filmes a serem exibidos eram declarados em um documento que tinha que ser levado á delegacia de polícia para o delegado autorizar a exibição.
Existiam filmes proibidos?
Sim! Principalmente quando surgiram os filmes italianos. Hoje temos consciência de que não havia motivo para que proibissem esses filmes. As cenas tidas como apimentadas hoje são vistas sem que atraiam a menor atenção.
O senhor lembra-se de algum filme que foi motivo de clamor público?
Um filme proibido para menores de 18 anos gerou um alvoroço em frente ao cinema. Chamava-se “Veneno Lento”, em preto e branco, abordava doenças venéreas, assemelhava-se a um documentário. O filme “Feitiço da Cigana”, que passou na mesma época, seguia uma linha mais ousada, deu muito que falar em Piracicaba. Ao classificar um filme proibido para menores de 18 anos era o mesmo que provocar uma corrida ao cinema. Todo mundo queria assistir!
Quem eram os proprietários da empresa J.B Andrade?
Dois sócios vinham a Piracicaba, o Seu Cantidio, que era negro, vinha trajando um capote, descia do trem na Estação da Paulista, onde apanhava um taxi indo até o cinema, descia usando chapéu, fumando um charuto, tudo muito chique. O outro sócio quando vinha fazia o mesmo roteiro de visitas, indo até a cidade de Limeira, lá também eram proprietários de um cinema. Mais tarde a J. B. Andrade passou a ser denominada como Cinemas do Interior de São Paulo. Às vezes o filme que estava passando em Rio Claro deveria ser trazido para ser projetado em Piracicaba, pelas vias normais isso iria demorar muito, o cinema alugava um taxi e alguém ia até Rio Claro, Limeira para buscar o filme.
Como eram acondicionados os filmes?
Era seis ou sete rolos, cada um dentro de uma lata, no formato de uma lata de goiabada, porém maior, essas latas eram acondicionadas dentro de uma lata maior. Lázaro José Gorga, o Zinho, era um radio técnico muito competente, no cinema tinha o cargo de operador, que era quem projetava o filme no cinema, todos os dias, geralmente a partir das 14 horas, ele ia até o cinema, abria a cabine onde havia duas máquinas de projeção, tirava os filmes das embalagens, examinava, deixando tudo em ordem para á noite projetar o filme. Seu auxiliar era José Stengler. No Broadway José Mafezzoli era o operador, seu auxiliar era o Romeu.
O público que freqüentava o Broadway era diferente do público que freqüentava o São José?
O São José era um cinema mais popular, tinha a galeria que era chamada de “geral”. O Broadway era freqüentado mais pela elite da cidade. Ainda menino eu subi no forro do São José, onde pegava pombas, coruja.
O senhor permanecia quanto tempo trabalhando no cinema?
Entrava às oito horas, almoçava em casa, e às quatro horas o escritório era fechado, os funcionários tinham que ir até suas casas, se arrumarem para voltarem á noite. O gerente do Broadway era Max Graner. Durante o dia os gerentes trabalhavam juntos no escritório onde eu trabalhava. Eram preparadas as caixinhas para os bilheteiros, já com as moedas para voltar o troco, havia o controle no número de ingressos a ser vendido, para não ocorrer o excesso de lotação.
Como era a divulgação do filme no cinema?
As fotografias dos filmes eram expostas no saguão do cinema, tanto do filme em cartaz como os que viriam a ser projetados. Ás quinta-feira tinha a “sessão das moças” onde eram projetados dois filmes. Na quarta ou na sexta feira eram projetados três filmes: um romântico, o seriado e o terceiro era um filme de ação ou terror.
O cinema tinha a famosa figura do lanterninha.
Também fui lanterninha! No dia em que faltava o funcionário que tinha essa função eu desempenhava esse papel. Só faltava eu levar a minha cama ao cinema! Eu estava o tempo todo lá. Com o farolete eu indicava o lugar onde a pessoa poderia sentar-se. Ao entrar na sala de projeção a pessoa fica cega, só enxerga a tela. As matinês do Cine São José eram famosas, quando eram apagadas as luzes as crianças batiam o pé no chão, parecia que o cinema iria vir abaixo. Os vendedores de balas circulavam oferecendo bala de café, bala de coco, e um pequeno cone de papel com amendoim dentro.
E quando quebrava a fita do filme?
As luzes eram acesas de uma forma quase instantânea. O operador raspava as duas pontas do filme, passava acetona e juntava-as, estava feita a emenda, às vezes nesse processo eram pulados alguns quadros. A projeção de um filme era feita sempre com duas máquinas de projeção, para cada uma delas havia uma pequena janela, através da qual se projetava o filme. Uma porta deslizante de ferro permitia que ao abrir uma das janelas a outra era simultaneamente fechada. Isso proporcionava que os seis ou sete rolos de filme fossem projetados sem intervalos, ao terminar o rolo de filme de uma máquina era dado o inicio no rolo de filme de outra, movimentando-se essa janela na troca de máquinas, essa movimentação tornava-se imperceptível á quem estava assistindo o filme.
Ocorria às vezes a troca da seqüência de filmes?
Quando isso acontecia era uma tremenda gritaria no cinema.
Qual foi o seu próximo emprego?
Fui trabalhar na Agencia Municipal de Estatística que pertencia ao IBGE, o agente era o Walter Geraldi. Funcionava no prédio que foi a antiga casa do Barão de Serra Negra, derrubada deu lugar ao estacionamento da Câmara Municipal, na esquina da Rua Alferes José Caetano com Rua São José. Nesse palacete havia um enorme porão, com um pé direito alto, podia-se entrar sem ter que se curvar. Foi lá que encontramos um livro de ata da Prefeitura Municipal, fato mencionado em meu livro. Lembro-me que no fim do recenseamento de 1950 após passar a noite toda trabalhando, às seis horas da manhã fomos comemorar o fim dos trabalhos no Bar do Banhara, situado próximo á Igreja São Benedito. Foi nessa época que fui fazer o serviço militar no Tiro de Guerra, as instruções era no Largo da Sorocabana, às vezes o sargento nos conduzia a um descampado onde foi edificado o Colégio Dom Bosco. Em uma madrugada escura acabei caindo em um enorme buraco, era uma das muitas fundações que estavam sendo feitas para ser erguido o prédio do Dom Bosco.
Onde o senhor trabalhou depois de deixar a agencia de estatística?
Fui trabalhar no IAPETEC, Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Empregados no Transporte de Cargas, naquele tempo cada ramo de atividade tinha o seu instituto de previdência. Entrei no IAPETEC em 13 de dezembro de 1951 permanecendo até 31 de maio de 1954, desempenhei as mais diversas funções dentro da instituição, afirmo sem falsa modéstia, com bom desempenho. O agente chamava-se José de Moraes. Eu tinha prestado concurso para ingressar no IAPI, Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários, ele situava-se na Rua Governador quase esquina com Prudente de Moraes. Logo depois foi construído o prédio na Rua XV de Novembro, entre a Rua Boa Morte e a Governador Pedro de Toledo. Passei no concurso como escriturário datilógrafo, ingressei no dia 1 de junho de 1954 permanecendo até 24 de maio de 1982, quando me aposentei. Por 11 anos atendi ao público, era muito bem quisto pelos associados.
Como o senhor conheceu a sua esposa?
A minha esposa Madeleine Furlan Nascimento é bairro altense também! Morávamos próximos um do outro, ela trabalhava em uma oficina de alta costura, de certa forma já tínhamos notado um ao outro. A sua família era sócia do Clube Cristóvão Colombo, eu não era sócio, o Odilon Olivetto era meu amigo e conseguiu com que eu entrasse em um baile de carnaval, isso foi em 1952. A partir da segunda noite passamos a dançar. Em 8 de dezembro de 1955 o Monsenhor Martinho Salgot celebrou o nosso casamento realizado na Igreja Bom Jesus. Permanecemos casados até hoje.
Como surgiu o seu livro?
Há muito tempo senti o desejo de escrever sobre o bairro onde nasci, fui coletando e acumulando informações, fotos. Posso afirmar que 90% do conteúdo do livro é fruto da minha própria memória. A redação final do livro foi feita em dois anos e meio e menos seis quilos de peso que perdi nesse período.
Onde o senhor estudou a língua japonesa?
Foi no Clube Cultural e Recreativo Nipo-Brasileiro de Piracicaba, tive três professoras, sendo que recebi da professora Yeokiko Maeda o maior número de aulas.
Como surgiu a intenção de estudar japonês?
Sou uma pessoa que gosta de desafios!

sábado, dezembro 11, 2010

RICARDO ABE

JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 11 de dezembro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: RICARDO ABE
Os poetas que aclamam Piracicaba em prosa e verso inúmeras vezes citam a elevada cultura do seu povo. Quem não conhece a cidade em toda a sua abrangência pode até imaginar que a verve do artista é simpática a Noiva da Colina. O imenso manancial de cultura e conhecimento que Piracicaba acumula há muitas décadas fazem dela uma cidade muito especial, de capital importância no cenário brasileiro e mesmo mundial. Quem tiver curiosidade a respeito pode colecionar os inúmeros fatos relatados diariamente pela nossa mídia. Muitos desses elementos nós conhecemos pela constante exposição nos mais diversos meios de comunicação, outros preferem colocar a sua obra acima da imagem pessoal, para quem os conhece, e pode avaliar a sua importância, eles são verdadeiros gurus. Temos inúmeras pessoas nessas condições em Piracicaba, estão influenciando a história da humanidade aqui mesmo da nossa cidade. Ricardo Abe é uma dessas pessoas, que em sua simplicidade, como matemático têm realizado proezas, é consultado por mestres e doutores, não só do Brasil como do exterior. Seu pai foi oficial da marinha japonesa, Ricardo é um dos primeiros filhos de imigrantes japoneses a formar-se em curso superior, parece ter apontado a direção á milhares de outros jovens descendentes de japoneses que encontraram na carreira universitária a chave para o sucesso. Nascido em 15 de fevereiro de 1939, tem mais quatro irmãos: Antonio, Marisa, Fernando e Claudio. Casado com a professora Cecília é pai de três filhos: Marcelo, Verônica e Veridiana.
Qual motivo trouxe o seu pai ao Brasil?
Ele era de uma família de posses, em 1935 achou que o Japão poderia entrar em algum tipo de conflito, decidiu então imigrar para o nosso país. Trabalhou em São Paulo a principio no consulado do Japão, depois montou uma lavanderia na Rua Tabatinguera,
Em 1938 ele estabeleceu-se em Piracicaba, montou uma tinturaria na Rua Prudente de Moraes, onde hoje é a Câmara Municipal. Na esquina da Rua Prudente de Moraes com a Rua Alferes José Caetano morava o Santos Bueloni, que foi padrinho de batismo do meu irmão Antonio e da minha irmã Marisa, meu pai era xintoísta, minha mãe era budista, havia uma movimentação de religiosos, padres e freiras que procuravam incentivar o batismo do meu irmão, meu e da minha irmã. O meu padrinho de batismo foi o José Francêz. Nós três fomos registrados no consulado japonês, pelo meu pai, com o nome japonês: eu como Kionobo, o meu irmão Antonio como Kiotomo e a minha irmã Marisa como Kimico, os padrinhos de batismo se empenharam para que recebêssemos nomes próprios usuais no Brasil. Só depois de adulto é que fiquei sabendo que tinha sido registrado como Kionobo no consulado do Japão. Fomos fotografados pelo Lacorte, que deixou exposta á vista do público a fotografia de dois japonesinhos, a curiosidade do povo era em saber quem eram as duas crianças, não era comum fotos de crianças japonesas na cidade. Watanabe era casado com uma descendente de árabe, tinha um restaurante no centro, ao lado do Teatro Santo Estevão. Na época os japoneses estavam fixados na zona rural, eram raros os que moravam na zona urbana.
Onde o senhor iniciou seus estudos?
Fiz o primário no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, o ginásio eu estudei no Colégio Dom Bosco, quando ele começou as suas atividades, funcionava no prédio situado na Rua Alferes José Caetano, ao lado da Igreja dos Frades, onde depois funcionou o Colégio Dr. Jorge Coury. Após certo tempo o primeiro pavimento do Colégio Dom Bosco foi construído no local onde até hoje funciona. Fui aluno da primeira turma do Dom Bosco, isso foi no ano de 1955. O diretor era o Padre Pietro Baron os padres Afonso, Brás, lecionavam, assim como os professores Cotrin, Monteiro. Fui estudar no Sud Mennucci, onde conclui o científico. Eu queria estudar matemática ou física, prestei vestibular na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, entrei e fui aluno da primeira turma, isso em 1959. Os professores do curso de matemática eram todos professores vindos do ITA. Existiam 20 vagas, apenas sete alunos entraram, tínhamos sete professores para sete alunos. Fiquei morando em Rio Claro, nessa época meu pai era proprietário de uma pastelaria, localizava-se na Praça da Catedral, ao lado da igreja, vizinho ao prédio onde atualmente funciona o Bistecão, havia o Bar Santa Terezinha, meu pai ocupava um pequeno espaço e com esse espaço ele me sustentou em Rio Claro, e o meu irmão na Faculdade de Odontologia. Até hoje o pastel do Abe é lembrado por quem os consumia.
O senhor sabe fazer pastel?
Sei! Outro dia fiz 400 pastéis em uma festa de confraternização que houve no edifício onde moro. Para fazer pastel é necessário apenas água, farinha e óleo. Só!
O senhor destacou-se em seus estudos na faculdade?
Fui monitor de um professor de física, chamava-se Heitor Gurgulino de Souza, que foi o primeiro reitor da Universidade Federal de São Carlos, reitor da Faculdade da UNESCO em Tóquio, Ele foi presidente do Conselho Federal de Educação. A faculdade pagava ao monitor um salário, eu morava em um apartamento no único prédio existente em Rio Claro, em frente ao Cine Variedades. Alugaram para nós pelo fato de sermos os primeiros estudantes universitários da cidade de Rio Claro. Éramos muito estimados pela população!
Quem mais morava nesse apartamento?
De Piracicaba eram cinco: Alceu Marozzi Righetto, Canarinho que veio a ser goleiro do XV de Piracicaba, Paulo Adão Monteiro, Rubens Ferreira de Amaral Mello. O Natalino Molfetta era de São Carlos. A estrada para Rio Claro era de terra, terrível, a viagem durava uma hora e meia, quando chovia era difícil, a viagem durava duas horas, duas horas e meia. O curso teve quatro anos de duração. Embora tenha feito o curso de matemática eu gostava muito do estudo da física. Um dia o Professor Heitor Gurgolino telefonou dizendo: “-Quero que você venha para os Estados Unidos, com a melhor bolsa deste país!”. Eu não podia ir, tinha perdido meu pai recentemente.
Como foi a sua relação com o estudo de física nuclear na USP?
Na época éramos poucos alunos, quem se destacava era imediatamente empregado. Quando me formei recebi sete empregos na mão, inclusive para lecionar no Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA. Escolhi o pior: pesquisador em física, eu tomava conta do laboratório de física e trabalhava com radioisótipos, nas férias íamos à Cidade Universitária, em São Paulo, utilizar o gerador de Van de Graaff (Máquina empregada em física nuclear para produzir as tensões muito elevadas necessárias em aceleradores de partículas). Além do Van de Graaff havia o Bétatron (Primeiro acelerador de partículas do Brasil) e o Reator Atômico. Isso foi entre 1961 a 1962, era um estudo avançadíssimo, só existia em São Paulo, eu ia fazer doutorado em Física Atômica Nuclear. Eles nos chamavam de Rio Claro porque em São Paulo não havia alunos de física. Eles queriam criar uma nova mentalidade na área de física. Permaneci nessa atividade até a morte do meu pai, quando tive que voltar á Piracicaba, retornando a estaca zero. Eu formado como professor e meu irmão formado como dentista, voltamos a trabalhar na pastelaria. Meu pai faleceu em março de 1963. Ainda estudante em Rio Claro todos os fins de semana eu permanecia trabalhando na pastelaria para o meu pai descansar.
A partir de quando o senhor passou a lecionar matemática?
Eu trabalhava na pastelaria, não sei como as escolas descobriram que eu era licenciado em matemática, os colégios começaram a insistir para que eu desse aula, em agosto de 1963 comecei a lecionar física e matemática no Colégio Piracicabano. No ano seguinte dei aula no Jorge Coury, Jerônimo Gallo, Piracicabano, Sud Mennucci e Dom Bosco. A Faculdade de Ciências Econômica, Contábeis e Administração de Empresas foi a primeira faculdade aberta pela UNIMEP, fui o primeiro professor a ser contratado para lecionar matemática. O diretor na época era Gustavo Jacques Dias Alvim, dei aula na UNIMEP por 43 anos. Na UNIMEP fui diretor da Faculdade de Ciências Exatas, em 1979 fui convidado a assumir temporariamente a administração da Faculdade de Engenharia no campus de Santa Barbara D`Oeste, permanecendo inicialmente por três anos como diretor, consegui montar um laboratório perfeito e uma biblioteca técnica de alto nível, sempre trabalhei muito com o apoio dos alunos..
Quando o senhor iniciou suas aulas na Escola de Engenharia de Piracicaba, a EEP?
O curso de engenharia foi iniciado em 1968, em 1969 entrei para dar aulas de Cálculo II, matéria que permaneci lecionando até 2001. Fui diretor da Escola de Engenharia de Piracicaba de 1986 a 1989. O Secretario da Educação era José Aristodemo Pinotti, consegui que ele transferisse os equipamentos que estavam na Escola Industrial, cerca de quarenta tornos, que foram colocados aos cuidados da EEP. Estabeleci regras para estágios dos estudantes com excelente aproveitamento prático junto a grandes indústrias. Um aluno de engenharia civil e um aluno de engenharia mecânica eram levados pela Petrobras para estagio. Visitava com os alunos e tinha convênios com empresas como Volkswagen, Ford, Philips, Embraer, Bosch. Sempre fui um diretor participativo, não era diretor de gabinete. Empresas que só recebiam alunos da Politécnica abriram as portas para os alunos da EEP.
O que significa a matemática para o senhor?
O grande problema da matemática é que se diz para decorar as suas fórmulas. Sempre falo, não é para decorar nenhuma fórmula! A matemática não é fórmula você tem que saber o que está fazendo. Não é preciso decorar a fórmula para resolver um problema. No antigo primário estudava-se matemática com aritmética, é uma escola francesa. Para estudar matemática tinha que raciocinar. Com a revolução de 1964 começou a entrar os americanos, que são práticos, No Brasil dispensou-se a escola francesa e permaneceu a escola americana. Esse foi o grande erro cometido no ensino da matemática. Estudar matemática era gostoso porque se pensava. Atualmente as faculdades não preparam os alunos em matemática. O matemático clássico conhece tudo a respeito de matemática, mas, se perguntar onde poderá ser aplicada, ele não saberá responder. A matemática serve para quantificar qualquer tipo de fenômeno físico, químico, biológico, consegue-se determinar uma fórmula para cada situação.
O senhor tem um profundo conhecimento de matemática!
Na matemática não se descobre mais nada! O teorema de Fermat faz 350 anos que foi formulado por ele e ninguém conseguiu provar até agora, ninguém consegue, ficam 40 a 50 anos trabalhando para demonstrar o teorema e ninguém conseguiu. A única coisa que pode ocorrer é quando surge um ramo de uma ciencia, a função da matemática é estudar e quantificar, reduzir a uma fórmula; se for um fenomeno fisico de astronomia tem que se conhecer astronomia.
A informatica ajudou muito o estudo da matemática?
Qualquer coisa que você necessitar da matemática está na internet. De vez em quando surge algum problema, um ex-aluno meu dá aulas particulares, esses dias ele me procurou, um dos seus alunos trouxe um problema de matemática para o qual ele não está encontrando solução. Resolvi na hora geométricamente, não preciso de fórmula matemática.
O senhor recebe consultas do Brasil todo?
Tem muita gente que me consulta, são problemas classicos que não estão no livro. Uma empresa de engenharia de Minas Gerais me consultou a respeito do cálculo de uma ponte. Há professores de universidades de São Paulo que foram meus alunos muitas vezes me consultam. As vezes um professor de concreto afirma que determinada fórmula ditada pela norma técnica deve ser aplicada, se um aluno pergunta como se deduz aquela fórmula ele não saberá responder, ele a recebeu já pronta. Nessa hora esse professor me telefona perguntando como se deduz aquela fórmula. Mando a resposta por e-mail.É natural fazer isso na matemática. As normas tecnicas de engenhria mudaram, antigamente vinham muitas normas prontas, agora as normas tem dedução de tudo. Recebi uma consulta de uma empresa que estava vendendo casas financiadas, de acordo com uma tabela apresentada os compradores teriam suas casas após determinado tempo, fiz os cálculos, cheguei a conclusão de que usando aquela tabela nunca ninguém iria receber nenhuma casa mediante as parcelas que estavam pagando.
Foi desconhecimento ou proposital?
Foi proposital. A empresa encerrou suas atividades. Toda tabela tem uma lógica, se contrariar a lógica está errada. Quando o homem quer manipular ele manipula. Contabilidade é matemática.
O senhor tem alguma relação com a Nasa?
Eu não, quem tinha era o meu professor Nelson Onuchic que dava acessoria para a NASA, eu trabalhava com ele,era seu aluno, aprendi com ele em pós graduação sobre a estabilidade das soluções das equações diferenciais.
Tanto o senhor como seu irmão foram os primeiros descendes de japoneses de Piracicaba que seguiram a carreira universitária?
O fato do meu pai ter sido oficial da marinha japonesa influenciou bastante na sua maneira de pensar, ele dizia que todos os seus filhos deveriam estudar, escolher a profissão que desejassem. O Komatsu que tinha pastelaria em frente a estação de trem, queria que todos os filhos fizessem medicina, três formaram-se médicos. O Natálio Komatsu foi o primeiro descendente de japonês de Piracicaba a diplomar-se em um curso superior, em seguida fomos meu irmão e eu, e depois o Francisco Komatsu. Na época havia uma tendência na colônia japonesa do jovem trabalhar duro na lavoura, nós como estudantes universitários éramos vistos com alguma reserva, uma espécie de bon vivant! Com o passar dos anos reconheceu-se a importância de uma profissão com solida formação universitária.
O seu irmão Antonio jogou no Unidos Futebol Club, de Piracicaba, o senhor jogava futebol?
Eu não jogava futebol, de vez em quando jogava no gol, aos nove anos de idade pesava 80 quilos! Hoje peso 62 quilos!
O senhor pratica algum esporte?
Gosto muito de caminhar, perdi oito quilos nos últimos meses caminhando e diminuindo o sal e o açúcar da alimentação.
Qual assunto aborda o livro que o senhor está escrevendo?
É um livro de matemática aplicada, estou com 1.200 páginas já escritas. Há duas editoras com interesse nele.

JOSÉ RIVADÁVIA SALVADOR (RIVA)

JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Quinta feira, 09 de dezembro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: JOSÉ RIVADÁVIA SALVADOR (RIVA).
Uma vida de glamour, uma festa quase contínua, ambientes com pessoas interessantes, conversas agradabilíssimas, uma existência de sonhos, privilégios de reis, imperadores, milionários, nobres, estadistas, industriais, artistas. Alguns profissionais freqüentam esse ambiente a trabalho, entre eles está um muito especial, cuja função é registrar todos os detalhes do evento, usando palavras e imagens, irá perpetuar a lembrança de algumas horas em que aquele grupo de pessoas esteve reunido. Seu trabalho é o de cronista social, deve ser de cunho jornalístico, informativo. Alguns perdem suas próprias referencias e descambam para um dos caminhos que despertam a ira dos socialites: a odiosa fofoca. Manter a conduta integra é o principio básico de quem se aventura a fazer a crônica social. Um mestre no assunto surgiu de forma espontânea, natural. Não teve a necessidade de apresentar-se á sociedade, ele já pertencia a ela. Com seu jeito simples e elegante conquista facilmente a simpatia de qualquer interlocutor. Não se jacta de suas amizades, pelo contrário, tem o que é essencial ao cronista social que se preze: é discreto! José Rivadávia Salvador, o Riva, é um documentarista dos eventos que ocorrem em nossa cidade. Nascido em Piracicaba a 29 de março de 1957, casado, é pai do médico Rafael Salvador. Riva relembra os tempos em que muitos jovens tinham como lazer reunirem-se a noite na Praça da Catedral, nas imediações da famosa lanchonete Daytona. Embalados por um papo animado, o assunto era sempre sobre as “maquinas” que possuíam época em que se sentia prazer sem a necessidade de alimentar os ânimos com qualquer estimulo além da adrenalina própria da idade.
Rivadávia é sobrenome?
É parte do meu nome, ouvi uma história de que o meu pai conheceu um detetive da policia de Piracicaba, que se tornou seu grande amigo. O nome desse policial era Rivadávia, em sua homenagem meu pai colocou-me esse nome.
Como foi a infância do cronista Riva?
Não guardo nenhuma lembrança do meu pai, ele faleceu quando eu tinha apenas 11 meses, meus irmãos tinham quatro e sete anos a minha mãe ficou viúva com três filhos para criar, com muita determinação ela venceu as dificuldades, trabalhando nos serviços mais humildes, como lavadeira, faxineira, passadeira, nós moramos na Rua Moraes Barros, quase esquina com a Rua Bernardino de Campos, em um imóvel que oferecia condições precárias de uso. Aos oito anos eu comecei a trabalhar entregando medicamentos para os clientes da Farmácia Bom Jesus de propriedade do meu tio José Maria Pereira Campos, no inicio entregava a pé, quando cresci um pouco ele adquiriu uma bicicleta para que eu fizesse as entregas, permaneci lá até meus 15 anos.
Onde foram feitos seus estudos?
Entrei no Colégio Dom Bosco aos sete anos de idade onde permaneci até concluir o curso ginasial. De lá fui estudar no Sud Mennucci, indo fazer o curso de contabilidade na Escola de Contabilidade Cristóvão Colombo.
Lembra-se do nome de alguns dos padres que faziam parte do Colégio Dom Bosco no período em que você estudou lá?
Lembro-me do Padre Bolinha, Padre Luiz, Padre Bordignon (Padre Luiz Ignácio Bordignon Fernandes era muito dedicado aos esportes em geral, estava sempre por dentro de todos eles; entendia e sabia tudo sobre campeonatos; olimpíadas; torneios; classificações; favoritos; lanternas). Não tínhamos as facilidades que hoje existe para a prática de esportes, o Colégio Dom Bosco oferecia diversas opções de esportes, era o quintal da nossa casa.
Em algum momento você sentiu-se tentado a seguir a carreira eclesiástica?
Nunca, aos 15 anos tive vontade de ser jogador de futebol, sempre fui corintiano, meu ídolo na época era o Rivelino. Aos 16 anos eu era o quarto goleiro do XV de Novembro de Piracicaba, eu e o Florindo fizemos teste e fomos aprovados para jogar no Santos que tinha a orientação técnica do Formiga e do Olavo. O presidente do XV de Novembro na época era Romeu Ítalo Rípoli, as negociações entre ele e o Santos resultaram na nossa permanência no XV de Piracicaba.
Após a farmácia onde você foi trabalhar?
Aos 18 anos passei a trabalhar como promotor de vendas da Gessy Lever, passando a seguir a exercer a função de vendedor. Aos 21 anos me casei.
Como você conheceu a sua esposa?
A praça em frente a catedral era aberta ao transito de veículos, a noite estacionávamos os nossos carros ali e ficávamos conversando. Em uma dessas noites ela passou me senti atraído e decidi seguir em frente. Estamos casados já há 33 anos.
Os jovens que se reuniam para bater papo formavam um grupo muito animado?
Entre esses jovens estavam o Junior Benetton, Jô Aroco, Abrahão, Zé Português, Nuno, não ingeríamos bebidas alcoólicas, não havia drogas, bebíamos refrigerantes. Gostávamos muito de nos reunirmos para conversarmos, ir conhecer alguma cidade próxima. Uma das nossas ações mais ousadas foi quando abriu a Estrada do Açúcar, íamos com nossos carros para acelerar um pouco mais, não fazíamos nenhuma loucura. Graças a Deus nunca ninguém sofreu algum tipo de acidente nesses nossos passeios. As nove horas da noite encostávamos os carros na praça, ficava bonito, era um grupo de uns vinte jovens. As pessoas paravam para ver. Existiam outros grupos, inclusive de jovens com poder aquisitivo maior, não havia rivalidades entre nós. Nunca tivemos uma briga. Gostávamos da vida! De carros bonitos! Rebaixávamos o motor, colocávamos a famosa roda “tala larga”. Eu tinha um Fusca 1300 troquei o motor por um 2000. Na época o som era TKR ou Roadstar, colocávamos auto falantes 6 por 9, twitter, vidro Ray Ban, degradê, conta giros, volante esporte de madeira, banco retrátil, fone de ouvido, o painel parecia de avião! Gastávamos dinheiro com o que nos dava prazer: o carro! Com 18 anos adquiri o meu primeiro carro financiado em 36 meses, um Fusca.
Qual era a cor desse Fusca?
Esse foi o problema! Eu já estava trabalhando, com um bom salário, fissurado pelo carro, fui até a União de Veículos, o proprietário era Max Weiser, só tinha a cor verde-abacate, acabei adquirindo! O difícil foi o dia em que resolvi vender esse carro!
Após se casar a sua freqüência á Praça da Catedral diminuiu?
Com as responsabilidades de pai de família surgiram novas obrigações. Fui trabalhar em uma empresa familiar que produzia painéis de comando para usinas de açúcar, onde permaneci por muitos anos.
Com que idade você foi cursar Direito?
Com 48 anos fui fazer Direito, que é uma área que sempre gostei, dentro da classe éramos cinco alunos mais maduros convivendo com jovens de até 17 anos. Estabeleceu-se uma relação muito saudável, eles se apegaram a gente como um irmão mais velho, ou mesmo um pai, me senti muito estimado.
Há muitos anos você está integrado a chamada alta sociedade de Piracicaba, como se deu esse acesso?
Aos 24 anos tornei-me sócio do Clube de Campo de Piracicaba, o Aljovil Martini, o Jova, tinha assumido a presidência do clube, sempre gostei da parte social, aos 26 anos fui diretor social do clube, foi na época em que Antonio Lazaro Aprilante foi presidente do clube, a diretoria era composta por Marco Aurélio Nassif, Lastória, Gordinho, Nivaldo Pizzinatto, Celsinho Coelho, Joaquim Fernando. O Aprilante conseguiu constituir uma equipe que trabalhou muito e deu grandes resultados para o Clube de Campo de Piracicaba. Como diretor social eu trouxe Cauby Peixoto, o pessoal da Jovem Guarda a Wanderléia, Jerry Adriani, Os Vips, Golden Boys, Rosemery. Na história do Clube de Campo nunca havia tido um baile de debutantes, consegui fazer dois bailes de debutantes. Há 30 anos sou conselheiro do Clube de Campo. Atualmente os clubes estão enfatizando muito a parte esportiva, eu acho que a parte social não deve ter a sua importância diminuída, ela agrega muito para o clube. Piracicaba é uma cidade que não oferece muitas opções ás pessoas com cinqüenta e poucos anos de idade. Há uma lacuna nessa faixa etária, isso não ocorre em Campinas ou São Paulo.
Há um fenômeno ocorrendo em quase todo país, a redução de freqüentadores de clubes sociais, o que tem tirado os associados dos clubes?
É a oferta de lazer que ele tem em sua própria casa. Antigamente não se ouvia falar em condomínio fechado.
O condomínio fechado é uma nova leitura do conceito de vila existente antigamente?
Condomínio fechado é uma vila de luxo! Essa população tem em seus domínios a sua piscina, churrasqueira, muitos têm quadra de tênis, campo de futebol, é lá que ele reúne seus amigos aos finais de semana. Dentro da sua casa há uma privacidade maior, o fator deslocamento também pesa.
Isso determina um isolamento do individuo?
Se observarmos, há uma tendência das pessoas isolarem-se, por diversos motivos, a violência urbana é um deles, o fato da pessoa ter um veiculo com qualidades que se destaquem, ou possuir um patrimônio mais valioso, poderá colocá-la á mercê de atos de violência, em razão disso há pessoas que declinam de estar em evidência.
Há quanto tempo você apresenta uma pagina publicada pela Tribuna Piracicabana?
Após seis meses de laboratório em 1 de dezembro de 2004 passei a publicar a página com regularidade, ela está completando seis anos. Hoje faço quatro páginas coloridas todas as semanas.
Como surgiu a idéia de fazer essa página?
O meu mandato como diretor social do Clube de Campo de Piracicaba tinha terminado o Gabriel Elias, que é uma pessoa que prezo muito, disse-me: “Você conhece tanta gente, que tal fazer uma pagina social na Tribuna Piracicabana? Eu conheço o diretor Evaldo Vicente, sei que ele irá aprovar o projeto!”. Respondi ao Gabriel: “- Não é a minha praia, nunca fiz isso, gosto de ir a festas e não de trabalhar nelas!” Eu gostava de sair em coluna social!
Quando você viu a sua primeira página publicada qual foi a sua reação?
Guardo comigo essa página. O prefeito Barjas Negri estava em campanha, o registro foi de um evento que aconteceu na Churrascaria Beira Rio, entre outros estavam presentes Barjas Negri, Paulo Skaff, Tarcisio Mascarin, ao ver a página impressa pela primeira vez tive uma sensação muito gostosa, de estar realizando algo interessante. Tive alegria e temor ao mesmo tempo, fazer o registro de um acontecimento social exige muita habilidade e experiência, há pessoas que são avessas a qualquer tipo de divulgação, a privacidade deve ser respeitada. Fazer cobertura de festas é uma coisa, fofocar sobre pessoas é outra coisa.
Pescar noticia social em águas turvas traz popularidade, mas cobra um alto preço?
O meu trabalho é registrar o que acontece nos eventos, faço a parte social dos eventos, jamais irei invadir a privacidade de alguém. Sempre peço a autorização da pessoa para fotografá-la. O meu modo de ser é esse.
Quem são os principais colunistas sociais de Piracicaba?
Temos três jornais, a Meg, a Cileide Mascarin, no Jornal de Piracicaba, a Sabrina na Gazeta e eu na Tribuna, não existe uma rivalidade, são três jornais distintos, cada um com seu público, não há interesse em prejudicar ninguém.
Uma característica sua é ter sempre uma acompanhante?
Em todos os eventos dos quais participo vou acompanhado da minha esposa, se receber um convite em que não possa ir acompanhado dela deixo de ir ao evento.
Freqüentar festas com essa intensidade implica em ter uma autodisciplina alimentar ou corre-se o risco de ganhar muito peso?
Estou com ótimo preparo físico!
Em média quantas fotos você tira por evento?
De 50 a 60 fotos.
Quem é o famoso arroz de festa?
Sempre iremos encontrar na maioria dos eventos com determinadas pessoas, naturalmente elas são convidadas a uma maioria de eventos. Há um grupo que eu não denomino de arroz de festa e sim de pessoas que prestigiam os eventos a que são convidadas. Existem pessoas que gostam de estar presentes em festas, da mesma forma que há aquelas que fogem de qualquer tipo de evento.
Quem é mais vaidoso o homem ou a mulher?
A mulher é mais vaidosa, mas houve uma mudança de costumes muito grande, quando o homem é vaidoso ele se acha muito mais bonito do que a mulher, é o famoso “pavão”.
Como você vê a sociedade piracicabana?
Rotulo a cidade como muito provinciana. Lógico que há alguma mudança, quem era uma criança há 30 anos hoje participa da sociedade. Casava-se com vinte anos, hoje casa-se com 30 anos ou mais. A vinda da Hyundai a Piracicaba trará consigo de quatro a seis mil novas famílias. A sociedade piracicabana nos últimos 10 anos mudou bastante. Atualmente as pessoas são mais retraídas, não desejam publicidade pessoal.
Você tem algum ídolo?
Deus é o meu maior ídolo. Depois dele o meu filho.
Qual é seu prato preferido?
Costela bovina
Bebida?
Cerveja
Fumante?
Sim
Carro preferido?
Honda
Cor?
Preta
Traje predileto?
Social
Musica?
Romântica
Time de futebol?
Corinthians e XV de Novembro de Piracicaba
Religião?
Católica
Esporte predileto?
Futebol
Perfume?
Escada
Ator preferido?
Lima Duarte
Atriz?
Fernanda Montenegro
Livro de cabeceira?
O Evangelho Segundo o Espiritismo
País que deseja visitar?
Rever Portugal.
Melhor jogador de futebol hoje?
Ronaldo do Corinthians

ALTINO JORGE VIEIRA

JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 04 de dezembro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADO: ALTINO JORGE VIEIRA
Em um dos cursos de fotografia promovido pela Fuji Photo Film do Brasil um dos participantes perguntou ao renomado professor que ministrava as aulas: “-Qual máquina o senhor considera como a melhor para realizarmos fotografias?”. Imediatamente ele respondeu: “- O fotógrafo com sua sensibilidade e suas habilidades é quem define a importância e a qualidade da fotografia, nem sempre o equipamento mais avançado irá representar o melhor trabalho fotográfico, portanto a melhor “maquina” é o indivíduo que opera a câmera fotográfica”. Altino Jorge Vieira é uma das figuras mais populares de Piracicaba Ainda estudante foi um dos comandantes da famosa Fanfarra do Industrial, que deu muitas alegrias á Piracicaba, tocando no Maracanã por ocasião do IV Centenário da Cidade Maravilhosa. Como fotógrafo trabalhou em um período de grandes mudanças no campo da fotografia, retratou os eventos mais importantes de Piracicaba. O arquivo fotográfico que Jorge mantinha em seu estúdio foi inutilizado após uma forte chuva, que reduziu a lixo a quase totalidade do seu acervo pessoal, uma perda inestimável para ele e para Piracicaba. Jorge teve uma foto sua publicada ocupando metade da primeira página do jornal “Estado de São Paulo”, foi na queda do Comurba. Teve intensa participação junto ao Clube Ítalo Brasileiro, desde o seu surgimento até o encerramento de suas atividades. Nascido em Piracicaba no dia 23 de junho de 1940, na Rua Riachuelo, seu pai era o português Altino Vieira, que aos 19 anos aportou no Brasil, sua mãe é a piracicabana Valdomira Ferraz Vieira, eles tiveram seis filhos, sendo que dois faleceram ainda muito novos. Os filhos que permaneceram vivos são: Antonio, José, Altino Jorge e Manoel. Jorge casou-se com Antonia Lazara Di Bene, sendo pai de dois filhos a Ana Lucia e o Jorge Paulo.
Como se deu a vinda do seu pai á Piracicaba?
Meu pai morou em São Paulo e no Rio de Janeiro, até que a Light começou a implantar os bondes em Piracicaba, ele era chefe de turma dos eletricistas, radicando-se em Piracicaba, tendo contraído matrimonio com a minha mãe ele foi chefiar o setor de eletricidade do Engenho Central, onde se aposentou.
Em que escolas você realizou os seus estudos?
O primário eu estudei no Grupo Escolar Dr. João Conceição que na época funcionava ao lado da Igreja dos Frades, em um prédio que existe até hoje, lembro-me das professoras Dona Maria, Dona Elvira, do professor Conca, do diretor, o Professor Negri. Na época eu morava na Rua do Rosário, na altura do número 1700, cheguei a ver a Rua do Rosário receber o asfalto, uma inovação que na época foi muito desfrutada pela criançada com seus carrinhos de rolimã, algo hoje impensável! O Bairro da Paulista era em grande parte ocupado por plantação de algodão. Na Rua Riachuelo havia até a bem pouco tempo a famosa Chácara do Vevé, a Rua Riachuelo terminava onde começava a chácara, um recinto de milionários. Cheguei a jogar futebol nessa chácara, minha posição era de half direito, o time era o Juvenil Riachuelo. O médico José Francisco Botelho, neto dos proprietários da chácara, era praticamente o dono do time. Eu cheguei a jogar contra o Coutinho (José Wilson Honório, nascido em Piracicaba a 11 de junho de 1946, foi um dos jogadores da Era Pelé do Santos, com quem fazia as célebres tabelinhas.). Onde hoje é o SESC era parte da Chácara do Vevé, assim como a área de lazer logo adiante.
Você freqüentava a Igreja dos Frades?
Cheguei a ser mariano, cordigero. Havia a projeção de filmes em um salão junto à igreja. Sempre tive facilidade em me comunicar, o grande violonista Antonio Carlos Coimbra estudava na minha classe, na festinha de quarto ano primário fui o apresentador e o Antonio Carlos com o violão se apresentou. Isso ficou em minha memória. O pai dele, o Miguelzinho, tocava muito bem violão. O ginásio eu fui estudar no Instituto Piracicabano, no Colégio Industrial conclui os meus estudos formando-me como técnico em Desenho Mecânico. Um dos motivos que me levou a estudar no Industrial era a Banda Marcial existente naquela escola. Além de participar fui um dos dirigentes, dos grandes amigos que encontrei lá um deles foi o professor Danilo Sancinetti. Nessa época, aos 17 anos, eu estudava a noite e trabalhava durante o dia na Casa Bischof , foi o inicio do meu trabalho com fotografia.
Na Banda Marcial da Escola Industrial que instrumento você tocava?
Comecei tocando o bumbo, eu ia á frente da banda, fazendo as evoluções. Ocorreu um episódio interessante, Paulo Clarício, Danilo Sancinetti e eu, acompanhando a Banda Marcial da Escola Industrial fomos a um concurso de bandas em São Paulo, o nosso uniforme era muito simples, a representação da cidade de Jaú deu um tremendo show. Ao voltarmos á Piracicaba, disse ao Danilo que deveríamos fazer uma campanha para arrecadar dinheiro e confeccionar um uniforme para a nossa banda. A nossa banda era muito querida, todos os grandes eventos cívicos que ocorriam na cidade eram efusivamente comemorados com a participação da Banda Marcial da Escola Industrial. Nessa época eu já fotografava os eventos, usava uma câmera Rolleiflex. O Comendador Antonio Romano foi quem deu-nos o empurrão inicial para a aquisição do uniforme. Reunimos um pequeno grupo e expusemos ao comendador o nosso plano, queríamos comprar um automóvel para sortear, com o dinheiro arrecadado pagaríamos o carro e empregaríamos o lucro na compra de 90 uniformes de gala, completos, para 90 pessoas, era caríssimo. A alfaiataria que fazia esse tipo de uniforme localizava-se na cidade de Jaú, tudo feito sob medida para cada integrante da banda. A Silvia Hage era nossa baliza, mais tarde ela foi eleita Miss São Paulo. O Comendador Antonio Romano disse que poderíamos adquirir o carro que ele avalizava a aquisição. O carro da época era o Gordini! Onde hoje é o Bradesco, na Praça José Bonifácio, era o Cine Politeama, havia um hall na entrada do cinema, conseguimos expor ali o Gordini que seria rifado. Com o uniforme da Banda Marcial revezávamo-nos oferecendo a rifa. A aceitação por parte do povo piracicabano foi tão grande que em uma semana vendemos todos os números, a nossa previsão era para serem vendidos no prazo de um mês. Devolvemos o dinheiro para o Comendador Antonio Romano. Ele doou do seu próprio bolso um valor adicional, assim como o Comendador Mário Dedini e o Comendador Luciano Guidotti também fizeram doações pessoais. Com essas arrecadações confeccionamos um uniforme muito garboso, lembrava muito o uniforme do soldado da rainha da Inglaterra. Foi feita uma grande apresentação em Piracicaba para apresentar o uniforme á cidade. Apresentamo-nos em São Paulo, tínhamos um toque muito bonito, que incluía marcha de banda, mas incluía também musica popular. Os concursos realizados no Vale do Anhangabaú apresentavam 40 a 50 bandas, eram enormes. A comissão julgadora era composta por militares de alta patente, o próprio governador Adhemar de Barros assistiu nossos desfiles. Quando a nossa banda entrou, arrasou. Isso foi em 1963. Apareceram convites de muitas cidades para que fossemos nos apresentar aos seus moradores. Viajamos por mais de 40 cidades. Lotávamos três ônibus. A televisão transmitia os desfiles do Vale do Anhangabaú. Com isso alcançamos uma repercussão muito grande.
Como era a composição da Banda Marcial do Colégio Industrial?
Á frente ia a baliza, em seguida três harpas, umas três porta bandeiras, duas fileiras com quatro bumbos cada uma, em seguida vinham 10 surdos, umas 20 tarolas, em seguida os instrumentos de sopro, incluindo dois trombones, totalizando 90 pessoas. Era uma coisa maravilhosa. Em 1964 houve os Jogos Mundiais da Primavera no Rio de Janeiro, foi realizado no Maracanã. Estivemos lá, tocando ao lado da famosa Banda dos Fuzileiros Navais, por ocasião do IV Centenário do Rio de Janeiro, o governador Carlos Lacerda foi nosso anfitrião.
O que determinou o fim da Banda Marcial da Escola Industrial?
É difícil afirmar especificamente o que aconteceu. Por mais de 10 anos tivemos muito sucesso em todos os lugares em que nos apresentamos. Participávamos de muitos concursos entre bandas, lembro-me de um concurso em Araraquara onde de 10 troféus conquistamos sete! Ganhávamos troféu de melhor apresentação, melhor repertório, ritmo, e assim sucessivamente.
Como era o ensaio?
Ensaiávamos uma vez por semana, na rua próxima a Escola Industrial, também no local onde atualmente é a Biblioteca Municipal. O evento que você imaginar era abrilhantado pela banda, até mesmo no sepultamento do Comendador Mário Dedini, nós executamos a marcha fúnebre. Quando éramos convidados a tocar em outras cidades era comum sermos a última banda a tocar para não desmotivar a platéia a assistir as demais, com apresentações inferiores a nossa. Nosso desfile em Piracicaba descia pela Rua Boa Morte, todo colégio tinha a sua fanfarra, nenhum fazia sombra para nós, embora o Colégio Dom Bosco, o Instituto Piracicabano e mais tarde o Jerônimo Gallo tivessem boas fanfarras.
Quando foi o momento em que se decidiu que não dava mais para continuar a existir a fanfarra do Colégio Industrial?
Não houve um momento determinante, com o passar do tempo os instrumentos foram deteriorando-se, os uniformes também foram gastando-se, quando o Danilo Sancinetti aposentou-se mudou a diretoria do Colégio Industrial, a escola então recolheu os instrumentos e hoje nem sei mais em que situação se encontra. Os jovens da época tomaram seus destinos, a nova geração infelizmente tem novas formas de ocupação de seu tempo, algumas até prejudiciais a sua educação.
As músicas eram tocadas de ouvido?
Exatamente, eram tocadas de ouvido, não líamos as notas musicais para serem executadas.
Quando foi despertado o seu interesse pela fotografia?
Na época as coisas eram um pouco diferentes do que é hoje, eu fiz amizade com os proprietários da Casa Bischof, situada na Rua Governador Pedro de Toledo, 1005, os proprietários eram o Rodolfo e o José Bischof. Eles tinham um laboratório de revelação de fotografias que o pai tinha construído e que estava sem ser utilizado. Nós só revelávamos fotografias em branco e preto, não existiam fotos coloridas. Os filmes eram revelados em tanques grandes com revelador, água e fixador. Havia o ampliador, mas usavam-se mais a copiadeira. “A parte mais difícil era após revelar, saber qual foto perterncia a quem”! Os filmes eram chapas grandes, 6 por 9, 6 por 6, com 8 e 12 fotos respectivamente.
As fotografias tinham quais motivos principais?
Eram fotografadas crianças, cães e gatos. Ninguém da família tirava fotos de eventos, se fizesse um aniversário era contratado um fotografo profissional, que na época eram poucos, isso em 1960. Na ocasião os fotógrafos de destaque eram o Lacorte, o Caprecci, o Filetti, o Cícero. Na Vila Rezende tinha o Mário Curvinha, ficava na segunda casa após a curva em que inicia a Avenida Rui Barbosa.
Você chegou a fotografar pessoas falecidas antes de serem sepultadas?
Muitas pessoas vindas de outras regiões do país tinham por costume guardar como lembrança a foto do rosto do falecido, principalmente se fossem crianças. Essas fotografias eram muito utilizadas para serem transpostas para a porcelana e colocadas nos túmulos. Houve um caso em Piracicaba que se tornou célebre, ocorreu com o Filetti, a pessoa veio de algum sítio da redondeza, procurou um fotografo para retratar o rosto da criança falecida, só que já era tarde, não dava mais para sepultar naquele dia. Foi quando o responsável pediu para deixar o corpo no estúdio até o dia seguinte. E assim foi feito. Em 1965 eu já era reconhecido como fotógrafo. Quase ninguém tinha máquina fotográfica. Assim como existia o médico da família, o barbeiro da família havia também o fotógrafo da família. A foto da capa do primeiro LP do Pedro Alexandrino foi feita por mim. Fui free-lance de “O Diário”. A foto da queda do Comurba, em 1964 aconteceu quando eu estava na porta do Bischof, ouvi o enorme barulho, meu irmão Antonio era proprietário da relojoaria Esmeralda, que era bem próxima ao Comurba, na hora pensei no que podia ter acontecido á ele. Graças a Deus ele estava no fundo da relojoaria. Pequei a minha máquina Yashica e tirei algumas fotos, não se tirava a quantidade de fotos que se tira hoje.
Como a sua fotografia foi ocupar metade da primeira página do “Estadão”?
O Rocha Netto foi um apaixonado por fotografia, era colaborador da Gazeta Esportiva. Ele disse-me: “- Jorge você tem alguma fotografia da queda do Comurba, o Estadão me ligou pedindo.”, foi então que lhe passei a fotografia que dias depois foi publicada na primeira página do jornal.
Você recebeu algum pagamento pela foto?
Não recebemos nada, naquele tempo não havia essa postura comercial como hoje. Ninguém se preocupava em ser remunerado por alguma foto interessante. Era um prazer ver uma foto de sua autoria ser publicada em um veiculo tão importante. Colaborei muito com a imprensa de Piracicaba, nunca cobrei nada, eu ganhava dinheiro fazendo fotografias de eventos. Tirei uma foto histórica, no dia em que o Presidente Emílio Garrastazu Médici veio a Piracicaba, fotografei quando ele descia a Rua Moraes Barros, a rua foi isolada e o fluxo de transito passou a ser na mão contraria para que o carro presidencial fizesse o percurso até o centro. Fotografei Ulisses Guimarães em Piracicaba, fotografei Janio Quadros em um jantar na Chácara Nazareth eu dei essas fotos para o Deputado Francisco Antonio Coelho.
Você mantém um arquivo de fotos e negativos?
Eu tinha um estúdio na Rua Benjamin Constant, 1123, as calhas do prédio eram antigas. No fundo havia um quarto, onde fiz uma prateleira, com umas 100 caixas de sapato onde eu colocava as fotos e os negativos, bem organizados. Em 1988 tivemos uns três dias de chuvas constantes, que transbordaram pelas calhas do meu estúdio sem que eu percebesse. Uns dias após ter cessado a chuva desci até um laboratório desativado que ficava no porão, fui surpreendido por sinais de água que vinham de cima. Abri a sala onde estava meu arquivo fotográfico e vi que estava tudo perdido. Chorei o dia todo.
Quando você entrou no Clube Ítalo Brasileiro?
Eu tinha uns 30 anos, entrei no Ítalo por acaso, a sede da Sociedade Italiana (Società Italiana di Muto Soccorso di Piracicaba) na Rua D.Pedro I, estava parada, de vez em quando os sócios faziam uma reunião. O Banzato era o zelador do prédio. O Walter que tinha como apelido Italianinho me procurou e disse que o seu pai queria movimentar o espaço. Foi formada uma diretoria, independente da diretoria e fundado o Clube Ítalo Brasileiro, que funcionava em espaço cedido pela Sociedade Italiana. Fomos agrupando pessoas interessadas, montamos algumas peças teatrais, onde inclusive atuei, a primeira delas foi a peça “O Mundo Não Me Quis” de Procópio Ferreira.. Aos poucos conquistamos mais espaço físico no prédio da Sociedade Italiana, passamos a realizar bailes, sendo que o primeiro baile do Hawai realizado em Piracicaba foi trazido por mim, que havia participado de uma festa semelhante em Jundiaí. O Professor Joaquim do Marco foi o primeiro presidente do Clube Ítalo Brasileiro, eu fui diretor social. Começamos com 100 associados, com o passar do tempo adquirimos a área onde seriam construídas as instalações do clube. A ferragem da primeira piscina foi doada por Armando Dedini, coube-lhe o título de associado número 007. Passamos a fazer festas já na sede do clube.
Porque os clubes sociais estão em declínio?
As atividades do Ítalo cessaram em 2008, chegamos a ter 2.200 sócios, ultimamente eram apenas 300 sócios. A família ia ao clube, o menino ia ao futebol, á piscina, ao boche, outros dançavam cada um se encontrava em uma ocupação. Atualmente o jovem não quer saber de ficar com a família.

sexta-feira, dezembro 10, 2010

CLEUSA BELLINI – ASSOCIAÇÃO DOS PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS - APAE PIRACICABA

JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 06 de novembro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADA: CLEUSA BELLINI – ASSOCIAÇÃO DOS PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS - APAE PIRACICABA
O grande salto tecnológico que a humanidade deu no último século infelizmente não teve a mesma correspondência em eliminar preconceitos enraizados por algumas culturas. Ao nascer um ente querido, caso ele seja portador de necessidades especiais, para algumas famílias despreparadas é gerado um mal estar, um complexo de culpa, que acarreta na atitude mais primária, que é esconder o “problema” da sociedade. Diante da mesma situação, outros se realizam como verdadeiros pais descobrem-se senhores de um carinho infinito com relação a um filho especial. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia tem feito grandes progressos para dar melhores condições de vida e realizar a inclusão social do portador de necessidades especiais. A prevenção e tratamento do portador de necessidades especiais avançaram muito. Já ao nascer uma criança deve fazer o Teste do Pezinho, que é um exame rápido de prevenção onde são coletas gotinhas de sangue do calcanhar do bebê com a finalidade de impedir o desenvolvimento de doenças que, se não tratadas, podem levar à deficiência intelectual e causar outros prejuízos à sua qualidade de vida. Através do Teste do Pezinho podem ser diagnosticadas a Fenilcetonúria, o Hipotireoidismo Congênito, a Anemia Falciforme, a Fibrose Cística e demais Hemoglobinopatias. Para que a prevenção seja possível, a coleta deve ser efetuada na primeira semana de vida da criança e as amostras devem ser enviadas o quanto antes para o laboratório. Hoje toda a criança nascida em território brasileiro tem direito ao Teste do Pezinho Básico, totalmente gratuito. Em Piracicaba a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais é administrada por Cleusa Bellini. Instalada em prédio recém-inaugurado com salas amplas e planejadas para a função a que se prestam, e aparelhos necessários á atividade específica. Há de salientar-se que todos que trabalham na APAE exalam um imenso amor ás “suas crianças”. Cleusa Bellini é vila rezendina convicta, nascida em 22 de dezembro de 1949, é formada em Economia pela UNIMEP. Atuou em empresas como a Motocana, do Grupo Dedini, Caterpillar do Brasil e Votorantin. Em 17 de novembro de 1998, já aposentada, ingressou na administração da APAE, que possui 25 diretores e cujo presidente é Paulo Odair Correr.
A APAE de Piracicaba conta com quantos funcionários?
São 80 funcionários, temos 280 alunos, para o próximo ano há uma lista com mais 200 candidatos, que passarão por uma triagem. A escola já se tornou pequena, embora caibam 300 alunos. Quando mudamos para este local estávamos com 219 alunos. A demanda é muito grande.
Qual é a faixa etária dos alunos?
A partir de 2012 a Secretaria Estadual de Educação não irá mais assumir os alunos com mais de 30 anos, ela já nos comunicou a respeito. Esses alunos serão excluídos do convenio com a Secretaria. Atualmente temos em nossa APAE 65 alunos com idade superior a 30 anos, no próximo ano estaremos estudando uma solução que deverá ser tomada com relação a esses alunos.
Qual é a idade mínima para ser atendendo pela APAE?
Não há idade mínima, temos crianças com zero ano de idade até o nosso mais velho, com 52 anos.
Que atividades são realizadas na oficina?
Os alunos trabalham com madeira, tapetes, camisetas, bijuterias, pinturas em gesso, madeira. A nossa oficina é pequena, para o número de alunos que nós temos.
Como é feita a captação de recursos?
Você pode observar os cuidados e a boa qualidade das nossas instalações. Fico até constrangida em dizer que apenas 30% das nossas necessidades são atendidas pelos governos federal, estadual e municipal. O nosso custo mensal é de 170 mil reais, incluindo folha de pagamento, impostos. O prédio em que estamos instalados foi construído no ano passado, pela Prefeitura Municipal, cedido para nosso uso em regime de comodato. O convenio federal é uma vergonha, abri esse convenio em 1998, recebendo por mês R$ 5.085,00 esse valor é exatamente o mesmo até hoje, não sofreu nenhum tipo de correção. As nossas despesas aumentaram nesses 12 anos.
Como a senhora consegue complementar a verba necessária para o funcionamento da instituição?
Saio na batalha todo mês. Graças a Deus até o momento, com muito esforço temos conseguido recursos para continuar o nosso trabalho. Fazemos todos os tipos de eventos possíveis, como a venda de pizzas, bingos, rifas, jantares, almoços. Sempre buscando angariar recursos. Temos no Brasil 2085 APAE, participamos da federação nacional das APAE, há muitas APAE de cidades em que o município ajuda muito. Posso afirmar que em Piracicaba o único prefeito que enxergou a nossa APAE foi o prefeito Barjas Negri. Temos atualmente 3.300 metros quadrados de área construída em uma área total de mais de 6.000 metros quadrados. A APAE de Piracicaba foi fundada em 29 de janeiro de 1986, nesses 24 anos ela nunca tinha saído do lugar. Quando entrei na instituição ela funcionava na Rua Monsenhor Rosa, em uma casa velha, em péssimas condições, com um quadro de 10 funcionários e 45 alunos. Eu me sentia mal naquela situação. A própria alimentação dos alunos era muito precária.
Como é hoje a rotina do aluno?
Ele chega à escola sendo conduzido pelos pais, ou com o sistema de transporte Elevar, que trás o aluno cadeirante, e são muitos nessa condição, há também o transporte feito por peruas particulares. Ao adentrar a escola ele toma o café da manhã composto de leite com chocolate, pão que é feito em nossa própria padaria, esse pão que o aluno consome é com manteiga, ou patê e uma fruta. Há aqueles que têm uma alimentação diferenciada pela sua limitação física, requerem maiores cuidados. As “minhas crianças” comem muito bem aqui, luto muito para isso. Toda sala de aula tem uma professora e uma auxiliar, é praticamente impossível apenas uma professora cuidar de uma classe. Temos atualmente 13 salas de aulas. Os alunos da escola ás 11 horas e 30 minutos voltam para as suas casas. Aqueles que freqüentam a oficina permanecem em tempo integral, temos 50 crianças nas duas oficinas. Temos empresas como a Caterpillar, Delphi, Waller, que formalizaram contrato conosco, onde os alunos saem da nossa escola pela manhã dirigem para trabalharem como aprendizes nessas empresas e voltam para a escola ás 16 horas e 30 minutos. Eles trabalham com embalagem, na contagem. São acompanhados por uma monitora. É interessante observar que realizam suas tarefas com extrema competência. A nossa escola oferece desde o ensino fundamental até o treinamento para que possam atuar no mercado de trabalho. No ano passado tivemos 35 aprendizes que passaram a integrar o quadro regular de funcionários em diversas empresas.
A padaria existente na APAE forma alunos na profissão?
Um dos objetivos é ensinar os alunos a trabalharem em panificação e confeitaria. Um padeiro profissional os orienta. Temos 5 ex-alunos no setor de panificação do Wal Mart., trabalhando registrados como profissionais. Na Kraft Foods Brasil S/A tem mais de uma dezena de ex-alunos trabalhando como profissionais. Na Santa Casa de Piracicaba há ex-alunos trabalhando.
Como é a relação desses aprendizes com os funcionários efetivos dessas empresas?
Muito boa! Temos um aluno trabalhando na CETESB, os funcionários o adoram, não sabem o que fazer por ele. A cada seis meses fazemos uma reunião com essas empresas, onde são abordados diversos aspectos da nossa parceria, e com muita satisfação recebemos elogios aos nossos alunos.
Esses alunos usam o salário de que forma?
Acredito que são orientados pelos pais para aplicarem bem esses recursos. A maioria deles é bem independente, freqüentam shopping, namoram. No ano passado tivemos dois casamentos de alunos, inclusive de casal de deficientes que já tiveram um filho perfeitamente normal. Temos em nossa escola uns cinco ou seis alunos que são casados e pais de filhos sem nenhuma necessidade especial.
O nome da instituição é de “Amigos e Pais” Quem pode ser amigo dos excepcionais?
Qualquer pessoa que deseje ajudar. Estamos instalados na Av. Brasília 1381, Vila Industrial, Telefone: 3413-1233.
A deficiência mental tem diversas origens?
Há centenas de doenças que podem ocasionar essa anomalia, há o fator genético e mais recentemente houve um acréscimo substancial em decorrência do uso de drogas pelos pais. No meu ponto de vista acredito que os governos federal, estadual e municipal deveriam dar mais atenção ao aumento de pacientes portadores de deficiências. É preocupante como cresce o numero de crianças com necessidades especiais. Temos casos de acidentes de transito que transformaram em deficientes pessoas normais.
Se gasta muito mais tratando do que prevenindo?
Um aluno custa para a nossa escola um “per capita” de R$ 900,00. Há setores, como o carcerário, que consomem o dobro “per capita”. O governo não enxerga situações como a nossa, a entidade funciona por estar sendo administrada pela iniciativa de pessoas de boa vontade e graças à sensibilidade de parte da população.
Há alunos que recebem aulas de educação física?
Temos alunos que praticam canoagem na Rua do Porto, orientados pelo nosso professor de educação física, Alan Annibal Schmidt. O SESI cede as instalações para a prática de esportes.
Há fatos marcantes que ocorreram com alunos?
Há sim, alunos que adquirem a capacidade de andar, falar. É maravilhoso!
A relação é mais difícil com os alunos ou com seus pais?
As maiores dificuldades encontraram com os pais. Alguns pais deixam seus filhos conosco sem se importarem com o que acontece com a criança. Já tive que ser muito enfática em algumas reuniões de pais. Há também pais extremamente zelosos e carinhosos. O ambiente doméstico pode afetar muito a conduta de uma criança.
A classe social a que a família pertence determina a conduta da mesma com relação a criança?
Temos um grande percentual de alunos pertencentes a classes menos favorecidas. Há também filhos de famílias abastadas que freqüenta a APAE. O fato de ter melhores condições financeiras não implica que essa criança receba um melhor tratamento por parte dos pais. Alguns aparentam certo desprezo pela situação do filho. Temos em nossos quadros pedagogas, médicos, dentistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, assistente sociais, são profissionais experientes, em alguns casos acredito que são mais carinhosos do que a própria família do aluno. Algumas crianças não querem voltar para casa, querem permanecer na APAE.
Há algum vinculo religioso da APAE?
Não há nenhuma influencia religiosa.
Quanto um pai paga para ter seu filho na APAE?
Não há obrigatoriedade de pagamento. Caso queira contribuir cada um dá o que acha que pode. Alguns não dão absolutamente nada. Há um caso que é gritante, sabemos que se trata de pessoa com bom poder aquisitivo, mas que contribui com uma quantia totalmente irrisória.
Há biblioteca na APAE?
Atualmente não temos espaço pra ter. Pretendo colocar uma sala de música, um teatro, um ambulatório, eu gostaria muito de fazer um salão de festas, nós fazemos muitas promoções. O Lar dos Velhinhos é muito atencioso conosco, eles cedem o salão de festas deles quando realizamos nossos eventos para angariar recursos. Recentemente fizemos uma bacalhoada para 600 pessoas. No dia 17 e 18 de dezembro, as 19 horas, alguns alunos estarão fazendo uma apresentação teatral na Estação da Paulista
Há alguma colaboração na aquisição de medicamentos?
Geralmente a própria família providencia os medicamentos, mas há casos em que nós adquirimos ou recebemos doações da Rede Drogal, da Farma Vip.
Os diretores da APAE são necessariamente pais de alunos especiais?
A diretoria é formada por 25 voluntários, sendo que apenas quatro tem filhos com necessidades especiais.
Com a sua experiência a senhora tem, acha que pode ter muitas pessoas que levam uma vida normal, mas nem imaginam serem portadoras de leve deficiência mental?
Acredito que isso seja possível sim.

sábado, novembro 20, 2010

MARIA APARECIDA BISMARA REGITANO E ANTONIO REGITANO

JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 20 de novembro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADOS: MARIA APARECIDA BISMARA REGITANO E ANTONIO REGITANO

O casal de professores Maria Aparecida e Antonio acabou de chegar de uma viagem a Santos, com ele ao volante do seu carro. Muito animados, com o entusiasmo de adolescentes, ambos enchem de alegria o ambiente. Ele nasceu quando sua família morava na Rua do Rosário esquina com a Rua Rangel Pestana, em Piracicaba, a 23 de setembro de 1931, filho de Amadeu Regitano e Isaura Sartini e ela nasceu na Fazenda Barreiros Luiz da Costa, em Tietê, no dia 18 de abril de 1934 é filha de Antonio Bismara e Maria da Costa Bismara. Antonio é conhecido pelos amigos como “Lemão”, uma corruptela de “Alemão” e Maria Aparecida é conhecida como “Cidinha”. Ambos ministraram aulas para centenas de alunos, foram professores em uma época em que a profissão era reconhecida e valorizada, a população reverenciava aqueles que transmitiam o conhecimento em salas de aula, a remuneração era a altura da função. Em um período em que a indústria automobilística implantava-se no país, recorria-se a diversas alternativas como meio de locomoção. O casal Cidinha e Lemão marcou época ao transitarem pela cidade em uma vistosa Lambretta. Como fosse feita de elástico, à medida que a família crescia ia adaptando-se ao veículo, chegando a cruzar as ruas com o casal e mais três filhos a bordo. Situação impensável nos dias atuais com transito pesado e legislação rigorosa. Cidinha lembra-se com saudades dos tempos em que Tietê produzia as goiabadas e marmeladas tão famosas, do curso de História e Geografia que iniciou na USP, na época funcionando no prédio da Rua Maria Antonia, local que mais tarde entrou para a história pela participação política dos seus alunos. O casal lembra-se do menino Gilbertinho, correndo pelas dependências da casa em folguedos infantis, mais tarde esse garoto tornou-se o apresentador conhecido no Brasil, o famoso Gilberto Barros. A vida de Lemão e Cidinha retrata a vida de muitos casais de professores de determinada época, e também por isso mesmo tornou-se emblemática de um período da nossa história. Lemão resgata uma expressão peculiar e utilizada na época, para dizer que em determinado local havia boas probabilidades de professoras disponíveis para o casamento, um verdadeiro mapa da mina, dizia-se que ali era o “Tufo do Anel Verde”!

Lemão, o seu pai tinha qual profissão?

Ele foi um dos bons sapateiros existentes em Piracicaba, tinha o seu estabelecimento na Rua Governador Pedro de Toledo, em frente ao Hotel dos Viajantes. Esse hotel situava-se na esquina do Mercado Municipal, onde hoje há uma farmácia, no hotel havia um jardinzinho, meu pai tinha uma portinha onde havia uma oficina de concertos e venda de sapatos. O meu avô tinha uma sapataria logo adiante, próxima ao local onde hoje é o Hotel Esplanada, em frente ao Mercado Municipal. Seus vizinhos eram o atacadista Sebastião Ferraz e o armazém de secos e molhados do Romualdo Bertozzi. Onde é o Hotel Esplanada era a loja do Tannus Neder, pai do cirurgião dentista, Dr. Antonio Carlos (Lalo) Neder, que é filho de leite da minha mãe, ele costuma dizer quando me vê: “- Esse ai é meu irmão de leite!”.

Quantos filhos seus pais tiveram?

Cinco filhos: Maria Loreley, Antonio, Amaysa (Mãe do apresentador Gilberto de Barros), Arlete e Vicente.

E seus pais professora Maria Aparecida?

Éramos seis filhos: Luiz Antonio, Agostinho, José Leônidas, João da Mata, Maria Adelaide e Maria Aparecida.

O senhor tem contato com o sobrinho famoso, o Gilberto de Barros?

Tenho pouco contato, de vez em quando ele telefona, entrou para a televisão nem que não queira a vida segue outro ritmo, de vez em quando ele fica até 20 minutos ao telefone, falando conosco enquanto desloca-se de um ponto a outro no trânsito paulistano. Ele foi narrador de futebol, crooner de orquestra. ( Nesse momento Lemão dirige-se até sua discoteca e traz um LP gravado por Gilberto Barros, com uma dedicatória especial aos tios queridos). A prefeitura de Piracicaba fez uma homenagem a Gilberto Barros.
Prof. Antonio, onde o senhor realizou seus estudos?

Freqüentei o Grupo Escolar Barão do Rio Branco, o Externato São José fiz a quarta série, meus pais mudaram da Rua do Rosário para uma das casinhas humildes que havia na Rua Rangel Pestana, junto ao local onde hoje é o Instituto Piracicabano, depois é que ele abriu a sapataria e mudamos para a Rua Governador. Isso no tempo em que fabricavam sapatões, com cravos (pregos) de madeira, e iam vender nos sítios.

O senhor chegou a trabalhar na sapataria?

Houve um tempo em que fiz bastantes chinelos, eu devia estar estudando no ginásio. Lembro-me de ter levado um amarrado de chinelos, uma dúzia ou mais, para os seminaristas do Seminário Seráfico São Fidelis. Nas proximidades da hoje Praça Takaki havia um sapateiro que processava o material cortado pelo meu pai, e fazia calçado, o que hoje chamaríamos de terceirização de mão de obra, algumas vezes fui levar esse material e passava pela Rua do Rosário, um detalhe curioso é que na esquina da Avenida Edgar Conceição com Rua do Rosário havia um ponto de ônibus proporcionando uma aglomeração de passageiros à espera de condução. Atualmente vemos essa cena na Praça Takaki. Eu subia a Rua do Rosário com uma bicicleta Philips, fabricada em 1950 e adquirida na Casa da Chave, situada na Rua Prudente de Moraes entre a Rua Governador Pedro de Toledo e a Rua Santo Antonio. Quando eu estava no ginásio meu pai fabricou um Keds para mim. (Por um período Keds era a denominação para o que hoje chamamos de tênis, Keds foi a primeira indústria a fabricar sapatos com sola de borracha, em 1918), ele era muito habilidoso, fabricava o que hoje denominamos calçados ortopédicos. O calçado “Alpargatas” era feito de lona com solado de corda, conhecido popularmente como “enxuga-poça”, quando molhava a sola estufava. Era um produto que o meu pai vendia muito, vinham em caixas de papelão, transportadas pela Cia. Paulista de Estradas de Ferro. Muitas vezes vim buscar ou despachar mercadorias pela Paulista. Havia um carroceiro famoso que fazia as entregas, lembro-me da sua fisionomia, um homem magro, quando ele melhorou de vida adquiriu uma espécie de camionete. Sofreu um terrível acidente e achou mais prudente voltar a usar veiculo de tração animal.

O senhor continuou seus estudos em que escola?

A partir da segunda série ginasial passei a estudar na Escola Normal, hoje Instituto Sud Mennucci. Em 1951 me formei como professor. Nesse período acompanhava o trabalho do meu pai na sapataria, ele tinha horror à idéia de eu tornar-me sapateiro. A meta dele era proporcionar a melhor formação para os filhos. Eu gostava de montar calçados, quando mudei para Maristela no Município de Laranjal Paulista, montei um banquinho de sapateiro, uma mesa baixa, de madeira, medindo 50 x 50 centímetros, com as divisões feitas por sarrafos de madeira onde eram colocados os diversos tipos de pregos e tachinhas necessários ao oficio. Existia uma gaveta, meu pai dizia que a gaveta de sapateiro era uma bagunça, mas as ferramentas necessárias a prática da profissão eram muitas, tinha a lamparina para esquentar ferramentas, como o pé de porco, uma ferramenta utilizada para dar lustro na beiradinha da sola.

Quando o senhor era jovem quais atividades de lazer eram comuns?

Uma das mais comuns era ir até a Escola de Agronomia Luiz de Queiroz onde o meu tio Pedrinho Regitano foi bedel e era muito querido. Eu me reunia a seus filhos e íamos juntos saborear uma variedade enorme de frutas existentes na Escola Agrícola, como denominávamos a ESALQ. Costumávamos ir a pé pela Avenida Carlos Botelho com seu chão de terra nua ou de bonde, geralmente desviando a medida do possível do cobrador, uma prática comum entre muitos passageiros desprovidos de carteiras recheadas. Iamos até o Campo de Aviação, atual Aeroporto Comendador Pedro Morganti.

Como era denominada uma cidade ou localidade com grande número de professoras candidatas ao matrimônio?

Dizia-se que “Era o Tufo do Anel Verde”, ou seja, o mapa da mina. Uma referência ao anel de professora, uma jóia com pedra da cor verde, o anel de formatura era um acessório muito utilizado pelos profissionais de cada área. Quem se casava com professora tinha garantia de vida estável! Minhas irmãs foram lecionar na Alta Paulista e eu fui lecionar na Alta Sorocabana, em Presidente Venceslau, a Helena Cosentino é que me arrumou uma substituição naquela localidade, no Grupo Escolar Dr. Álvaro Coelho. Daqui até lá eram 24 horas de viagem, sendo que 18 horas eram de trem “Ouro Verde” da Sorocabana, era uma região constituída com casas modestas feitas de madeira, isso foi em 1952. Eu me hospedava em uma pensão com outros cinco professores. O professor tinha salário equivalente ao do promotor público. Um tio da minha mulher era chefe da Casa da Lavoura, meu salário era igual ao dele.

Que traje o senhor usava para lecionar?

Usava um blusão de shantung (Tecido originário de Chan-tung, China, produzido com fio de seda.), zíper na frente, não era permitido abrir o zíper e com gravata.

Dona Cida a senhora formou-se em Tietê?

Estudei no Grupo Escolar Luiz Antunes, depois cursei a Escola Normal Plínio Rodrigues de Moraes, onde fiz ginásio e curso normal. Formei-me em 1953.

Lembra-se dos famosos doces de Tietê?

Sim, e lembro-me de que a Dona Celica era uma das grandes doceiras, fazia doces de goiaba e marmelo, colhi muito marmelo, é uma fruta que dá na ponta de uma vara fina, ela tem o aspecto de um pêssego muito grande, pele grossa e bem amarela, ao natural é uma fruta horrível de se comer, para fazer o doce é necessário cozinhá-lo, passar por uma peneira e depois apurar o doce. Vi fazer doce por muitos anos.

Após tornar-se professora a senhora continuou seus estudos?

Em 1954 ingressei na Universidade de São Paulo, fazia o curso de geografia e história, localizado na Rua Maria Antonia, em São Paulo, fiz o primeiro ano do curso.

Como o senhor conheceu Dona Maria Aparecida?

Em, 1954 houve um baile na Associação Esportiva de Tietê, e a Rainha de Laranjal Paulista, conhecida como Neguinha Salto, filha do prefeito da época, precisava de um rapaz que fosse alto para formar par com ela, na época eu lecionava em Maristela, que pertencia a cidade de Laranjal Paulista. Dançamos a valsa, fiz o papel que chamavam de primeiro-ministro, ela mais alta do que eu. Ao termino da valsa tomamos cada um o seu rumo, não tínhamos nenhum compromisso. Eram festas lindas, com orquestra. Fui tirar uma moça para dançar, levei uma “tábua”, ela não sabia dançar. Abaixei a cabeça, virei de outro lado e convidei a Maria Aparecida para dançar, isso foi em 16 de outubro de 1954. Estamos dançando até hoje!

A senhora retornou a Tietê e passou a lecionar?

Fui dar aula no Grupo Escolar Rural Dona Isabel Alves Lima em Maristela, substituir a professora Dona Idalina Pivetti Piccolo. Estávamos namorando, após um ano e três meses casamos em Tietê. Em 15 de dezembro de 1959 mudamos para Piracicaba. A minha casa é de 1961, construída pelo famoso construtor piracicabano Alfredinho Romano, as casas construídas por ele levam seu estilo inconfundível, estão espalhadas por diversos bairros de Piracicaba, há um quarteirão quadrado inteiramente ocupado pelos conhecidos “sobradinhos do Romano”, construídos em parceria com o Comendador Antonio Romano. Meu marido havia sido removido para Cillos. Fui chamada para escolher a minha cadeira, escolhi a Escola Típica Rural do Olho D`Água, na estrada de Piracicaba a Laranjal Paulista, um pouco depois do Arraial de São Bento, distante a uns 32 quilômetros, ia de ônibus, em estrada de terra. De lá fui lecionar na Escola do Bairrinho, para mais tarde lecionar na Escola Estadual Profa. Mirandolina Almeida Canto, em seguida lecionei na Escola Estadual Dr. João Conceição, onde me aposentei.

Como o senhor ia dar aula em Cillos?

Ia pelo trem da Paulista. Ir era fácil, difícil era voltar! O trem só passava bem mais tarde. Pegava carona com algum caminhão de cana e ia até Santa Barbara D`Oeste onde apanhava o ônibus até Piracicaba. De Cillos fui dar aula no Instituto de Educação Comendador Emílio Romi. Fui convidado a ficar no Setor de Orientação Pedagógica que funcionava na Escola Estadual Olivia Bianco. De lá fui lecionar por 16 anos na EE Prof. Antonio Mello Cotrin.
                               Lemão e o seu primeiro automóvel
Quantos filhos nasceram desse casamento?

Tivemos quatro filhos: Marisa, Amadeu, Jonas e Miriam. Freqüentávamos o Clube de Regatas, meus filhos aprenderam a nadar no Rio Piracicaba, não havia poluição. Tinha trazido de Maristela um barco que eu tinha confeccionado com o auxilio de dois colegas professores.

Há uma característica muito marcante e simpática que era o meio de transporte utilizado pelo senhor durante um período.

A Lambretta foi o primeiro carro da família, adquiri-a em Americana, no Nardini, ela era cor creme, ano 1962. Nunca tive um impacto ou emoção tão grande com nenhum outro veiculo que adquiri mais tarde. Eu nunca tinha andado de motocicleta, o primeiro passeio foi certamente em volta do quarteirão.

Qual foi a reação da sua esposa?

Ficou assustada com as prestações. Para pegar um dinheirinho a mais e pelo fato de ter a Lambretta fui cobrador da Casa Periañes. No dia em que o Comurba caiu, eu estava seguindo para o centro e pelo trajeto regular deveria passar ao lado do prédio. Parei para abastecer em um posto de gasolina quando ocorreu a queda. Dirigi-me até lá e vi a nuvem de poeira que ainda pairava no ar, assim como o desespero de quem estava acorrendo ao local.

Quantas pessoas da família eram transportadas pela Lambretta?

Eu pilotando, a Marisa sentada no pneu atrás, meu filho Amadeu em pé, e o Jonas entre eu e minha esposa, totalizando cinco pessoas!
                                         Jonas, Marisa, Amadeu filhos que com Cidinha e Lemão circulavam nessa possante Lambretta.

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