sexta-feira, novembro 16, 2012

DARIO CORREA DE ANDRADE

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de novembro de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/


                                Dario Correa e sua esposa Maria Idalina


ENTREVISTADO: DARIO CORREA DE ANDRADE
Possivelmente o programa apresentado em rádio, dedicado a música e costumes mexicanos, com maior longevidade no mundo, 50 anos, é apresentado por um brasileiro, em Piracicaba, pelo radialista Dario Correa de Andrade, tenente reformado da Polícia Militar do Estado de São Paulo. O programa de Dom Dario Correa é digno de reconhecimento e um verdadeiro caso a ser estudado por analistas em comunicação. Como um programa se mantém por meio século no ar apresentando músicas mexicanas? A explicação mais evidente é a paixão que Dario Correa tem pelo México. Dom Dario Correa é um cônsul não oficial daquele país. Esteve inúmeras vezes em visita ao México, tanto ao pousar o avião que o conduz, ou levantar vôo, a emoção transborda em seus olhos. Piracicaba tem raros mexicanos que residem nela. O próprio país, só recentemente passou a ter laços comerciais mais significativos com o México. Nascido na cidade de Cerqueira Cesar a 1 de novembro de 1936, é um dos 9 filhos de Cantídio Correa de Andrade e Olimpia Cornélio. Seu pai trabalhava com vendas. Dario frisa que sua origem é bem modesta. Dario Correa é casado com Maria Idalina Rossini Pompermayer Correa de Andrade, que já foi ao México com Dario Correa e fez várias observações sobre hábitos e costumes que conheceu naquele país.


Com qual idade o senhor começou a freqüentar a escola?


Nossa família tinha passado a residir em Botucatu. Com oito anos passei a estudar na Escola Rafael de Moura Campos. Fazer o curso ginasial era privilégio de pessoas cuja família tinha um poder aquisitivo elevado. Durante a semana eu andava descalço, tinha apenas um sapato que era utilizado aos fins de semana. A minha paixão não era ser rico, mas estudar. Fui até o Ginásio Diocesano de Botucatu, cujo diretor era um bispo. Ele me atendeu, perguntou-me qual era a minha necessidade. Disse-lhe que gostaria de cursar o ginásio. Na época não existia ginásio no período noturno. O bispo me arrumou uma bolsa de estudos, deu-me uma botina preta e uma roupa cáqui. Consegui cursar o ginásio na cidade de Botucatu. Um padre da Igreja de São Benedito, em Botucatu, arrumou-me um emprego no Campo de Aviação. Eu tinha uns 15 anos e fui trabalhar lá.


Qual era a sua função no Campo de Aviação?


Era almoxarife. Após concluir o ginásio fui para São Paulo, trabalhar no Campo de Marte. O hangar onde eu trabalhava tinha vários proprietários de aviões. Um senhor, Rufino Lomba, arrumou um quarto para que eu pudesse dormir no Campo de Marte. Ele também me arrumou um curso preparatório, ficava na Rua São Bento no vigésimo primeiro andar. Era um curso para ingressar na escola de aviação de Guaratinguetá. Permaneci por um ano em Guaratinguetá. Voltei para São Paulo onde ingressei na Guarda Civil, isso foi em 1956. A Guarda Civil de São Paulo tinha uma escola na Rua São Joaquim, 580, na Liberdade. Era uma corporação de elite. Os guardas civis trabalhavam com espadins, em cinemas, festividades, nos aeroportos, nas grandes agências como Cometa e Expresso Brasileiro. Como guarda civil fiz no Pátio do Colégio em São Paulo, um curso de espanhol e outro de italiano. Era um requisito necessário para trabalhar em aeroporto, agencias de ônibus. Fiz o curso cientifico, a noite, em uma escola próxima a Praça da República.


Nessa época o senhor morava em que bairro?


Eu era ainda solteiro, morava na Rua Visconde de Parnaíba, no Brás. Depois fui para a Rua Campos Salles.


Em que ano o senhor chegou a Piracicaba?


Foi no final de 1962. No dia 30 de janeiro de 1963 foi inaugurada a Guarda Civil de Piracicaba, na Rua Moraes Barros. No finalzinho de 1962 eu já estava trabalhando na rádio “A Voz Agrícola do Brasil”.


Como surgiu o rádio na vida do senhor?


Comecei na cidade de Botucatu, no “Serviço de Auto Falante do Venceslau” Era um serviço de auto falante com as características de uma emissora de rádio. Era instalado em um automóvel, parava em uma esquina fazia publicidade, como uma emissora de rádio, anunciava os filmes que seriam projetados nos cinemas da cidade, anunciava notas de falecimento e tocava músicas. Fiquei lá alguns meses, em seguida fui chamado pela PRF-8 - Rádio Emissora de Botucatu, cujo diretor era Plínio Paganini. Comecei a fazer um programa das 3 às 5 horas da tarde. O programa chamava-se: “Peça o Que Quiser e Ouça o Que Pediu” Tinha um companheiro que trabalhava lá e foi para a Rádio Record em São Paulo, ele me ajudou a ir trabalhar na Rádio Hora Certa de Guarulhos. Fui contratado pela Rede Piratininga, com emissoras em muitas cidades. Quando vim para Piracicaba a Rádio A Voz Agrícola do Brasil pertencia a Rede Piratininga. No finalzinho de 1962 passei a apresentar um programa onde tocava música mexicana. Muitos ouvintes ligavam perguntando por que eu não criava um programa mexicano. Em 1963 passei a apresentar o programa “México Canta”, na Rádio “A Voz Agrícola do Brasil”. Por 7 meses trabalhei também na Rádio Difusora de Piracicaba.


Em que ano o senhor passou a trabalhar na Rádio Educadora de Piracicaba?


Em 1968 fui contratado pela Rádio Educadora, o programa “México Canta” passou a ser “Noites do México”. Dr. Nelson Meirelles que me contratou. Ele era médico, diretor do INSS, da Santa Casa de Misericórdia. Mais tarde quem assumiu a direção da rádio foi sua filha Dona Ana Maria Meirelles de Mattos. Dr. Nelson Meirelles me ajudou muito, ele me aconselhava muito. Sua residência era na Rua XV de Novembro próxima a Rua Boa Morte. Ele me chamava de menino. Dizia-me para que estudasse. Fiz o curso de Administração de Empresas formei-me em 1978 e mais tarde em 1984 o de Jornalismo. Fiz a Academia de Polícia Militar do Barro Branco em São Paulo.


O programa “Noites do México” irá completar quantos anos?


Comecei no finalzinho de 1962, apresentado música mexicana, depois é que coloquei os nomes dos programas, considero que no final de outubro de 2012 completei 50 anos de apresentação de músicas mexicanas. Na Voz Agrícola do Brasil eu fazia também um programa chamado “Manhãs da Roça”. Na Rádio Educadora fiz muitos programas: “Eu, Você e a Música”, “Só Música Romântica”, com poesias, crônicas. Fiz um programa chamado “Sempre é Bom Recordar”, outro foi “Domingo em Alta Fidelidade”. Fiz o programa “Polícia Militar em Marcha”. Fui assessor de imprensa do quartel.


No quartel existe uma sala de imprensa?


É a “Sala de Imprensa Tenente Dario Correa”. Trabalhei no gabinete de vários prefeitos: Francisco Salgot Castillon, Cássio Paschoal Padovani, Adilson Benedito Maluf, João Hermann Netto.. Trabalhei com o Presidente da Câmara Municipal Homero Anéfalos. Por 10 anos fui oficial de gabinete do prefeito municipal.


Quantas vezes o senhor foi ao México?


A primeira viagem foi para fazer a cobertura da Copa do Mundo de 1986. Depois fui muitas vezes. Mantenho fortes laços de amizade com mexicanos, de certa forma me considero representante diplomático daquele país em Piracicaba. Existe a Escola de Agronomia em Chapingo, próxima a cidade de Texcoco, Essa escola quando mandava seus alunos para fazer pós-graduação, doutorado na Esalq, mandavam que essas pessoas me procurassem aqui. Eu me tornava um padrinho dessa pessoa. Orientava-a em muitos aspectos.


                                                                   CANTINFLAS

O senhor foi convidado a participar de um programa de televisão no México?


Eu estava hospedado na casa de Juan Pitalua, ele disse-me que tinha um irmão que era diretor do Clube de Futebol America. Decidiram me levar á Televisa, para participar do programa de Juan Calderon. Na época meu programa estava a 28 anos no ar. Fui até e Televisa, para ser entrevistado e homenageado. Fui entrevistado também na Rádio Mundo, que naquele tempo tinha 200.000 watts na antena. Fui recebido pelo presidente do México Vicente Fox Quesada, de quem recebi um diploma de gratidão. Conheci muitas cidades: Vera Cruz, Guadalajara, Puebla uma cidade com muitas igrejas cujo teto e revestido em ouro. Em Puebla tem a fabrica Volkswagen. Estive em Guadalajara onde surgiram os mariachis.Mediante um determinado valor, um casal por exemplo, pode pagar para ouví-los a tocar e cantar musicas tipicas mexicanas.

                               Dario Correa em trajes típicos mexicano

O senhor está ha 50 anos apresentando um programa mexicano em Piracicaba, uma cidade que praticamente não tem laços culturais com o México, isso é um fenômeno?


O programa atualmente tem a participação de dois mexicanos, que acompanham do México o programa, via internet. O programa sempre foi apresentado as sexta feiras das oito as 10 horas da noite. Apresento outro programa diário das 4 ás 6 hras da tarde, é o programa “Chapéu de Palha” com música sertaneja de raiz, esse programa está ha 27 anos no ar.


Como é o programa “Noites do México”?


Apresento músicas mexicanas e aspectos de toda cultura do México. É um programa que requer conhecimento sobre a cultura mexicana. Tenho em um local um acervo muito significativo sobre o México. Objetos típicos de cada região, material fonográfico, fotográfico, documentação, certificados e diplomas que recebi. Tenho inclusive a imagem da padroeira da América Latina Nossa Senhora de Guadalupe.


No seu ponto de vista qual o motivo de identificação do piracicabano com a música mexicana?


As músicas mais tocadas no programa são corridos mexicanos. É próxima da música sertaneja brasileira. Muitos ouvintes são apaixonados pelo programa.


Cantinflas foi um grande artista mexicano?


Quando me perguntam como nasceu a minha paixão pela música mexicana, digo que quando era jovem ia assistir os filmes de Cantinflas, nome artístico de Fortino Mario Alfonso Moreno Reyes, ou simplesmente Mário Moreno. Ele trazia os mariachis que surgiram em Guadalajara. Interpretavam músicas lindíssimas do México.Como adolescente me apaixonei pela musica mexicana. Quando fui trabalhar na rádio “A Voz Agricola do Brasil” fui a discoteca e passei a tocar a musica que eu gostava, a mexicana, os ouvintes pediram que eu montassem um programa nessa linha. No dia em que fui ao programa de Juan Calderon, Cantinflas estava assistindo-o. Quando contei essa história, ele telefonou dizendo que ia para o programa imediatamente. Era um programa extenso, deu tempo de ele chegar a Televisa. Os mariachis cantaram, dançaram, fizeram homenagens ao brasileiro Dom Dario Correa. Na tela aparecia a legenda Ciudad de Piracicaba.


Sua paixão pelo México é enraizada, muito forte.


Tanto que quando vou ao México, o avião sobrevoando a capital, começam a cair lágrimas, o mesmo corre na minha volta ao Brasil. Tenho dois países: Brasil e México.


Como é a culinária mexicana?


O taco assemelha-se a uma panqueca, mais mole. A tortilha é uma massa mais crocante. guaca mole é puré de abacate bem temperado, que funciona como um complemento da salada. Os mexicanos são loucos por feijoada brasileira.


É um povo que cultiva o habito de adicionar muita pimenta a comida?


A pimenta é opcional. Uma criança de dois a três anos já se acostuma a consumir pimenta, os “chilis”. Antigamente no Brasil eram vendidos salsichas que ficavam de molho em um vidro. Geralmente em bares e restaurantes pricipalmente á beira de estradas. No México ao invés de salsicha usam pimenta ao molho. Tudo depende da vontade da pessoa, ela pode comer sem pimenta. Barbacoa é um dos pratos mais caros do México. Colocam pedaços de carneiro em uma vala, onde há uma espécie de prateleira. A barbacoa, ou carneiro como é chamado no Brasil é um dos pratos prediletos deles.


Como o senhor se sente, sendo dono de um patrimônio histórico, acumulado ao longo de 50 anos de apresentação de programa mexicano? Sabemos que será muito difícil existir outra pessoa que venha a acumlar tanto conhecimento sobre esse tema.


Tem que saber falar o idioma, conhecer a cultura e manter as amizades que possuo no México. É impressionante como em todos os locais onde vou ao invés de me chamarem pelo meu nome, me chamam por “Noites do México”. Isso ocorre também qundo ando pelas ruas da cidade. Observo também que intelectuais acompanham o programa. Tem muitos jovens apaixonados pela musica mexicana.


O senhor é religioso?


Bastante, quando fomos ao México visitamos a igreja matriz de Nossa Senhora de Guadalupe. É deslumbrante. Tanto ao subir como ao descer as escadarias é impressionante a ornamentação com flores. Em qualquer lugar onde se anda há abundância de flores. É muito comum o mexicano comprar um buque de flores e levar para sua casa, onde é quase unanimidade a existência de uma imagem de Nossa Senhora de Guadalupe.


Alguns habitos e costumes são bem diferentes da nossa cultura?


É um povo com grande epírito cívico, comemoram o dia da pátria com enorme devoção. Os festejos podem durar até uma semana. No natal consomem muito bacalhau, ao invés de peru ou suinos. O Dia de Finados é complétamente diferente do que se realiza no Brasil. Não há pessoas chorando no cemitério, Na noite da véspera de finados eles costumam ir aos cemitérios, tocam música mexicana, comem pratos típicos, isso se dá também no dia de finados. Eles acreditam que o espírito dos mortos vem até a família para visitá-los, e são recebidos com festas e alegria. Quem não for ao cemitério faz uma festa na residência.






WALDIR PEDRO GUIMARÃES

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 13 de novembro de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/



ENTREVISTADO: WALDIR PEDRO GUIMARÃES
Waldir Guimarães como é conhecido reúne qualidades admiráveis. Excelente voz, articulado, possui elevado grau de cultura geral, de raciocínio muito rápido. A sua franqueza e humildade o transformam em um profissional de nível muito elevado. Não só seus ouvintes, mas todo profissional de rádio que o conhece sabe que Waldir Guimarães poderia ocupar com absoluta competência espaço em qualquer emissora do Brasil. Dr. Nelson Meirelles soube perceber seu talento de imediato e o convidou para integrar a equipe da Rádio Educadora de Piracicaba. Waldir é hoje prata da casa, quase uma identidade da emissora. Nascido em Caldas, Minas Gerais a 30 de junho de 1952, filho de Arlindo Monteiro Guimarães e Benedita Ramos Guimarães.


Até que idade você permaneceu em Caldas?


Até cinco anos. Sou muito mais paulista do que mineiro. Andamos por diversos lugares de São Paulo, até vir morar em Piracicaba, no ano de 1973. Era um jovem sonhador, acredito ser sonhador até hoje.






Tema da rádio novela "O Cara Suja"


Você freqüentou qual instituição de ensino?
Entrei no rádio por causa da escola. Fiz o curso primário em Ribeirão Preto, no Colégio Oswaldo Cruz, minha primeira professora foi Dona Elza Chagas, usávamos a cartilha Caminho Suave de autoria de Branca Alves de Lima. Dona Elza ministrou também O Tesouro da Criança. Minha segunda professora foi Dona Francisca. Lembro-me também da Cartilha Sodré. Meu pai era o que na época denominavam-se Guarda-Livros. Nossa família mudou-se para Araras, ele trabalhou na empresa de transportes Sopro Divino existente até hoje, o proprietário era o Sebastião Lolli. Nessa época eu tinha uns 10 anos, fui trabalha na empresa Moagem e Torrefação Guarani de propriedade de Sérgio Orpinelli, o café era pesado embalado e fechado de forma manual. Tinha uns 10 funcionários, todos ainda muito jovens. Um dia eu fui até uma emissora chamada Rádio Centenário. Entrei, olhei, mas não era a minha praia. No dia seguinte um colega disse-me: “-Vamos visitar a rádio novamente”. Voltei, foi quando gostei da mesa de som. Parecia uma nave espacial! Achei muito bonita, pensei se um dia teria condições de trabalhar nessa mesa de som, parecia que seria impossível. No dia seguinte voltei novamente, e fui me encantando com a mesa de som, achando que aquilo era uma coisa acima do que eu poderia fazer. O diretor da rádio chamava-se Francisco Salles Nogueira, era professor. Ele me disse: “-Você gosta daqui?”. Respondi-lhe que havia achado o lugar muito bonito. Ele me perguntou se eu gostaria de aprender a trabalhar na rádio. Disse-lhe que sim. Ele disse que eu tinha que estudar. Ele era diretor da rádio e diretor do Instituto de Educação Cesário Coimbra. Fiz o curso preparatório, prestei o concurso, fui aprovado e passei a fazer o ginásio. Fiquei seis meses olhando. Os programas na época eram com músicas da Jovem Guarda. Os locutores todos com um vozeirão lembro-me do Roberto Raskid. Eu fazia mesa para ele. Naquele tempo era muito mais difícil operar, era vinil, fita de rolo, as propagandas eram jingles em discos de 78 rotações por minuto. Existia o Supersom, um disco de alumínio com dois furos, 78 rotações. Com um pequeno pedaço de papel marcava os trechos que seriam tocados da fita de rolo. Lembro-me de jingles famosos como das Casas Pernambucanas, Cobertores Parayba, Bardhal.. (Waldir cantarola trechos dos comerciais).






Comerciais antigos veiculados pelo rádio

Na época existiam as rádios novelas?
Existiam duas novelas, de manhã com o patrocínio da Gessy Lever. E a tarde sob o patrocínio da Colgate Palmolive. Lembro-me de alguns títulos “O Cara Suja”, “Eu Compro Essa Mulher”, “Quo Vadis”. Grandes atores faziam a rádio novela: Sérgio Cardoso, Lima Duarte, Ézio Ramos, Gilmara Sanches, que foi jurada do programa de televisão feito por Silvio Santos. Ela era muito bonita e tinha uma voz belíssima. Essas novelas eram acompanhadas por todo o mundo, televisão era privilégio de uma minoria.


Qual era o seu horário de trabalho na rádio?


Trabalhava do meio dia até as seis horas da tarde, como eu gostava muito acabava permanecendo na rádio durante a noite. Estudava na parte da manhã.


Como era a remuneração?


Era um salário razoável, um salário normal para a minha idade. Fui fazendo mesa, tinha programa jornalístico, policial, musical. Eu procurava caprichar. Após uns dois ou três anos, um locutor deixou a rádio. O diretor disse-me para dar a hora certa. Entrei no estúdio tremendo, só que dei a hora errada, estava muito nervoso. Passei a dar a hora certa, anunciar a próxima música, tremendo. Fui fazendo isso, comecei a pegar gosto pela coisa, devagarzinho. Lembro-me dos programas apresentados na época, hoje seriam ridículos. Percebi que aquilo eu poderia fazer e que me dava prazer. Eu tinha uns 14 anos.


A sua família via como a sua participação em rádio?


Minha família gostava. Fui fazendo programa musical, parada de sucesso. De repente eu estava no rádio. Fiquei em Araras até 1973. Meu irmão trabalhava na Planalsucar em Piracicaba, vinculado ao IAA Instituto do Açúcar e do Álcool, era o sonho de todo engenheiro entrar no Planalsucar. O filho do Dr. Nelson Meirelles entrou, foi assim que através do meu irmão acabei conhecendo o Dr. Nelson Meirelles. Meu irmão queria que eu mudasse para Piracicaba. Eu não queria sair de Araras, um sábado vim conversar com Dr. Nelson. Era uma pessoa reservada, paternalista. Perguntou-me: “ Você quer vir para cá?” Respondi que não queria sair de Araras. Ele expôs as vantagens de trabalhar em uma cidade maior, mesmo assim minha decisão era permanecer em Araras. Ele disse-me para pensar bem, caso quisesse para voltar a falar com ele. O tempo passou. A Rádio Educadora era na Rua São José esquina com a Rua Governador Pedro de Toledo. Seguia o padrão da Rádio Eldorado, hora certa e música. Um locutor foi desligado da rádio, Dr, Nelson mandou me chamar e disse:me “- Não sei quanto você ganha lá, mas vou te pagar cinco vezes mais”. Dr, Nelson era de poucas palavras. Nessas condições eu vim, com o coração apertado, mas vim. Eu estava ambientado em Araras, as rádios eram diferentes, lá era mais flexível em sua programação, o meu padrão era mais da rádio em Araras. Fiz um horário das 5 ás 7 horas. Outro horário que trabalhei foi das 23 até uma hora da madrugada. No início para mim foi difícil entrar no esquema da rádio. Das 18 as 19 horas havia o programa “Primeira Classe” apresentado pelo Dirlei de Almeida Canto. O programa “Primeira Classe” foi o xodó do Dr.Nelson, ele foi um dos fundadores da Escola de Música de Piracicaba. Ele sentia-se na obrigação de levar música erudita para Piracicaba. O Dirlei deixou de apresentar o programa, por um tempo eu apresentei o “Primeira Classe”.


A Educadora tinha uma programação própria para a época?


Era uma rádio sóbria, no período da manhã tinha um programa chamado “Clube da Frequência Fixa”. Era um programa mais solto, mais leve que iniciava às 8 horas e terminava às 12 horas. Era um programa de uma agência chamada “Orpan”, do Pantaleão Perillo Júnior e do Orlando Biscalchin.


Quando foi fundada a Rádio Educadora?


Foi fundada em primeiro de agosto de 1967. Em 1965 já estava em andamento o processo em Brasília, o Perillo, o Pereira Lopes, estavam envolvidos nesse trabalho. Como o Perillo fez toda a logística, Dr. Nelson concedeu-lhe um horário na parte da manhã da rádio. Através da Orpan esse horário era vendido, quem gerenciava era o Perillo. O agenciador publicitário era o Dario Correa. Ele já tinha o programa “Noites do México”. Quem fazia o programa era Rubens de Oliveira Bisson. Era um programa bem romântico, com bolero, guarânia. Quando o Bisson se ausentava ele pedia que eu fizesse o programa. Eu fazia do meu jeito, tocava flash-back, tocava música italiana. O pessoal gostava, era um estilo diferente, não era o padrão da rádio. Uns dois ou três anos depois o Bisson aposentou-se e eu fiquei no lugar dele. Fiz um programa chamado Tape Top, das oito horas ao meio dia. O programa foi um sucesso muito grande, isso foi em 1975. 1976. O programa estourou, foi um grande sucesso na época. O Waldir Guimarães tornou-se uma celebridade. Até então era um apresentador de programa. Durante alguns anos fiz esse programa. Existia na Rádio Educadora um programa apresentado aos domingos pelo Vovô Simões. Ele adoeceu Dona Ana Maria Meirelles de Mattos, diretora da rádio disse-me que estava procurando alguém para apresentar esse programa. Ela disse: “Tem um rapaz que faz as leituras na Igreja da Vila Rezende, o acho muito bom, tem boa desenvoltura, quero trazê-lo para fazer rádio, embora ele nunca tenha feito. Você me dá uma mão?¨ Eu disse á Dona Ana, que se eu pudesse orientar em algo estava a disposição. Ela disse que o achava muito comunicativo carismático e que deveria fazer bem o programa. Esse garotão era Luiz Antonio Copoli, assim nasceu Titio Luiz, sucessor do programa do Vovô Simões aos domingos. Titio Luiz fez o programa por muito tempo, foi um sucesso muito grande. A Rádio Educadora estava ainda na Rua São José esquina com a Rua Governador Pedro de Toledo. Titio Luiz deslanchou e passou a fazer o programa que ele apresenta até hoje: “Programa da Amizade”. Hoje ele é esse grande nome do rádio.


Você tem alguma paixão além da música?


Eu gostava muito de cinema, é uma paixão. Antes do Titio Luiz começar a apresentar o seu programa, eu apresentava um programa das onze horas ao meio dia, chamava-se “Cartaz de Cinema”.Era diário e no auge do rádio AM, na época a transmissão em FM era incipiente.Era tudo feito com discos de vinil, tínhamos uns 300 discos de cinema, cada dia tocava dois ou três, não tinha essa facilidade que existe hoje. Tocávamos temas de filme: “História de Elza”, “Os 10 Mandamentos”, “Lawrence da Arábia”, na ocasião o programa deu uma audiência razoável. Que é esse programa que apresento hoje na Rádio Educativa, aos sábados, das seis às sete horas da noite, já estou lá há oito anos, com mais de 5.000 trilhas.


Atualmente você faz que tipo de programa na Rádio Educadora?


Totalmente diferente. Do meio dia até a uma e meia participo do programa “Os Comentaristas”, que é um programa informativo, opinativo, totalmente diferente daquele musical. Tenho um programa aos sábados a tarde, que é um programa flash back, um estilo que gosto muito. Tenho um programa aos domingos, das 8 às 10 horas, chama-se: “Programa do Waldirzão”, onde é tocado flash back, música antiga.


Você tem um conhecimento muito profundo de música.


O pessoal diz, mas eu não me considero dessa forma, eu gosto muito de música, colocaram esse rótulo em mim, isso é um peso muito grande. Não sou esse profundo conhecedor de música que falam por ai. Apenas gosto de musica e conheço alguma coisa sobre alguns gêneros. O que eu conheço é o que vivenciei.


Você chegou a receber algum convite para ir trabalhar em alguma metrópole?


Quando jovem passei por essa fase de imaginar em ir para São Paulo. Considerei diversos aspectos e decidi ficar no interior mesmo. Trabalhei em Limeira, Americana, Campinas onde trabalhei na Central, na Educadora que hoje é Bandeirantes, o Sérgio Oba-Oba, trabalhou comigo. Tedeschi que está até hoje lá. Fazia Americana de manhã e Jornal de Limeira a tarde. Paulo Eduardo Temple Delgado fazia de manhã a Rádio Jornal e a tarde Limeira. Foi um aprendizado muito bom, aprendi muito com essas andanças.


Como radialista de sucesso qual a receita que você dá para quem está iniciando agora?


Acho que tem que gostar de rádio. Se não gostar, você não sobrevive. Gostando sua chance de sobreviver é em torno de 70%. Os outros 30% é ganho financeiro, vendas.


Rádio é uma cachaça?


É Diria até que é um vírus. Você sabe disso, você tem esse vírus.


Particularmente no interior temos uma situação diferenciada, onde o próprio locutor comercializa o horário do programa que apresenta.


Isso sempre existiu. No interior se você tiver uma boa carteira de clientes, você é um bom locutor. Eu contrariei essa máxima, nunca fui um bom vendedor. Sou um péssimo vendedor, nunca vendi nada. Tem gente que vende com facilidade, é uma característica pessoal. O Silvio Santos é um exemplo de bom vendedor e bom radialista. O que temos visto são bons vendedores e apresentadores razoáveis. Se você for um bom vendedor e um bom apresentador é como ganhar na mega sena ou super sena. Talvez seja uma deficiência minha, mas não sei vender.


O rádio trouxe-lhe satisfação?


O rádio me trouxe muitas alegrias.


Futebol você já fez?


Fiz plantão, sofri muito. Futebol não é a minha praia. Admiro o XV de Novembro de Piracicaba. Não sou uma pessoa apaixonada por futebol. Tem muitos cronistas que assumem posições de torcedores por razões profissionais.


Existe um ditado que diz que o futebol é o ganha pão da imprensa, isso em escala nacional.


Piracicaba é conhecida em muitos lugares em função do XV. Tem pessoas até no exterior que conhecem Piracicaba em função do XV. Ele é uma bandeira. Ele está fazendo 100 anos. Eu não entendo como uma instituição desse porte ainda não tenha sede própria. Falo como cidadão, como torcedor do XV, acho que já está na hora dele ter o seu estádio.


Há quantos anos você mora em Piracicaba?


Já são 40 anos.


Recebeu o título de cidadão piracicabano?


Não. Nunca me preocupei com isso. Tem gente mais importante que merece esse título. Faço rádio há tantos anos e ainda estou aprendendo, me considero um eterno aprendiz, por incrível que pareça sou uma pessoa extremamente tímida. No rádio sou aquela pessoa extrovertida. Eu, Waldir Guimarães sou extremamente tímido, é um paradoxo. O radio é como se fosse um teatro, faço aquilo, acabou, não misturo as coisas. Consigo separar essas duas situações. Existem pessoas que fazem questão em se apresentarem, divulgarem suas realizações. Eu fico na minha condição de cidadão comum. Não sinto a necessidade dessa janela. Sou mais reservado. Realizo-me ao microfone. Tenho amigos de muitos anos que não sabem que faço rádio. Não sinto a necessidade de falar de algo que não faz parte do assunto. Se a pessoa quer me agradar e acha que falando sobre rádio isso irá ocorrer, ela está enganada. Não sinto a necessidade de dizer que trabalho em rádio, não preciso disso. Isso não significa que estou menosprezando quem se sente bem se apresentando como radialista. Apenas digo que isso é uma característica minha. Um fato que me trouxe muita satisfação, é que em uma das minhas idas ao mercado, fui atendido por uma moça que me disse: “-Você trabalha em rádio!. Reconheci sua voz, você faz um programa na Rádio Educativa, o “Cartaz de Cinema”, eu acompanho o seu programa!” Fiquei contente, ela mostrou-se ser minha fã sem incorrer em elogios banais.Esse tipo de reconhecimento me faz bem. Continuo freqüentando o local, ela me trata da mesma forma que sempre me tratou.


Como é a sua relação com a internet?


Gosto de entrar em trilhas sonoras, algumas informações sobre filmes. Não participo de rede social, raramente uso correio eletrônico. Sempre gostei de preservar minha privacidade.


Mantém alguns hábitos alimentares típicos de Minas Gerais?


Gosto de um queijinho, de leite com farinha. Queijo frito. Gosto de comida simples, arroz, feijão, bife, um refogado, embora não saiba cozinhar. Faço o melhor miojo da cidade. Ovo frito é minha especialidade. Gosto muito de pão com banana.


Já fez cobertura de polícia?


Já. Já fiz de tudo em rádio, você tem que perguntar o que eu não fiz! Já fui discotecário, programador, apresentador. Conheci grandes nomes, como Hélio Ribeiro, Roberto Carlos, Roberta Miranda, que por sinal é uma pessoa muito agradável. Conversei com Dalva de Oliveira um pouco antes de ela falecer. Paulinho da Viola. Morris Albert. Fábio Júnior, também conhecido como Mark Davis,em determinada época. Moacir Franco. A Ivete Sangalo quando veio aqui em 1994 ela deu uma entrevista na Jovem Pan de Piracicaba, ela precisava fazer uma gravação para mandar para o Amazonas, era a época do MD Mini Disc ela gravou nos estúdios da rádio. Conheci Tião Carreiro, cujo nome é José Dias Nunes a ponte pênsil tem o nome dele, autor da música “O Rio de Piracicaba”. Milionário e Zé Rico. João Paulo e Daniel em 1976 gravaram uma vinhetinha para mim embaixo da escada na Rádio Educadora. O Zezé ia muito em Americana.


Como você vê o futuro do rádio?


O rádio sempre irá existir, embora já exista muita segmentação. O Repórter Esso por muitos anos foi a principal fonte de notícias do país. A Voz do Brasil é das 7 as 8 da noite porque era o período de maior audiência do rádio


Qual sua opinião sobre a Voz do Brasil?


Considero um jornal superado, desnecessário. Getúlio Vargas impôs a Voz do Brasil para veicular as notícias do período Vargas em horário nobre. Ficou esse entulho, um horário perdido. Estamos em uma democracia que ainda mantém Voz do Brasil, voto obrigatório. Se for uma democracia isso deixa de ser obrigatório.










sábado, outubro 27, 2012

WALDEMAR BONADIO BERTOLUCCI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 27 de outubro de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/


ENTREVISTADO: WALDEMAR BONADIO BERTOLUCCI
Waldemar Bonadio Bertolucci é nascido a 7 de julho de 1940 em uma fazenda pertencente ao município de Vera Cruz entre as cidades de Marília e Garça. Filho de Antonio Bertolucci e Rosa Bonadio Bertolucci, o casal teve ainda os filhos Oswaldo e Maria Rosa. Seus pais trabalhavam na fazenda de propriedade de Dartiu Xavier da Silveira. A fazenda, com uns 70 alqueires, ficava a uns 12 quilômetros de Vera Cruz, o avô de Waldemar, Domingos Antonio Bonadio era o administrador, Antonio, pai de Waldemar era fiscal da fazenda. A principal cultura era a de café.


Em que ano você saiu da fazenda?


Saí em 1951, quando foi vendida a fazenda, eu tinha 11 anos. Aos oito anos eu já tinha entrado na escola que se situava na fazenda vizinha onde estudei até o terceiro ano primário. Mudamos para Vera Cruz em 1952. Era uma cidade pequena, hoje muita gente mora em Vera Cruz e trabalha em Marília. Ficamos até o mês de junho, mudamos para Tupã, onde concluí o quarto ano primário. Meu pai foi trabalhar com meu avô Giuseppe Bertolucci que tinha um sítio junto com seus irmãos. Eu permaneci na cidade de Tupã. Com 13 anos fui trabalhar na Fábrica de Guaraná Iara, que além de guaraná fabricava quinado, conhaque, engarrafava cachaça fabricada na Fazenda Coqueirão. Iam buscar aguardente com caminhão, enchiam as cartolas de madeira e traziam. O engarrafamento das bebidas, inclusive o guaraná era manual. Com uma concha já com o volume pré-determinado, um funil, colocava garrafa por garrafa o xarope que o químico tinha trabalhado a noite toda fabricando. Tinha uma máquina que completava com água e gás carbônico. Existia um pedal que era para tampar, era uma tampinha de lata com cortiça pelo lado interno. Colocava-se a garrafa em uma base, puxava uma alavanca ela encostava onde deveria receber a água, outra alavanca enchia de água e gás, pisava no pedal e tampava a garrafa.


Às vezes estourava alguma garrafa?


Estourava, usávamos óculos de proteção e um avental de borracha.


Você tinha quantos anos?


Tinha 13 anos. Hoje é proibido trabalhar com essa idade,


Você acha que começar a trabalhar tão novo prejudicou a sua vida de alguma forma?


De jeito nenhum!Acho que só ajudou. Aprendi a ter disciplina e conheci as dificuldades que a vida nos oferece.


O horário de entrada qual era?


Em torno de sete ou sete e meia da manhã. Tinha uma hora para almoço, ia almoçar em casa. Às vezes tinha que ajudar a carregar o caminhão, o guaraná tinha 24 unidades de meia garrafa, a caçulinha eram 72 unidades, 36 em pé e 36 encaixadas com a tampa da garrafa voltada para baixo, eram todas em caias de madeira. A maioria dos que trabalhavam na fábrica tinham a minha faixa etária. Éramos de 12 a 15 funcionários. O sobrenome do proprietário era Proteti. Não cheguei a ficar um ano nessa fábrica. Fui trabalhar em um bar que ficava no mercado velho de Tupã, ali ajudava a vender servir balcão e fazer sorvete. A massa do sorvete era batida a mão. Todo sorvete de massa que era feito lá era bom. Sorvete de creme, coco queimado, coco branco. Às vezes eu torrava o coco ralado em uma frigideira para fazer o coco queimado. Quando acabava de tirar a massa do tambor ficava uma beiradinha grudada que não sai na pá. Colocava a vasilha embaixo da torneira, com a água escorrendo pelo lado externo, a massa derretia e ficava um líquido gelado. Eu colocava em um copo e tomava. Os donos eram dois japoneses. De lá, aos 15 anos fui para Dracena, situada a 125 quilômetros de Tupã. Fui morar com meus tios Natal e Maria Bertolucci.


Qual foi seu primeiro emprego em Dracena?


Fui trabalhar no consultório do médico Dr. Gumercindo Correa de Almeida Moraes Júnior, meu tio trabalhava no posto de saúde, ele que me indicou hoje é uma atividade exercida praticamente pela classe feminina. Ele era clinico geral, aparecia todo tipo de doentes, muitos vindos do Mato Grosso. Eu fazia a limpeza do consultório, esterilizava instrumentos. As fichas dos pacientes eram preenchidas pelo médico. Não havia consulta marcada, ele ia atendendo por ordem de chegada. Iniciava às 8 horas da manhã e ia até o ultimo paciente. Naquela época havia muito panarício uma infecção aguda (provocada por uma bactéria estafilococo ou estreptococo) de um dedo da mão ou do pé. O paciente era tratado no próprio consultório, era ministrada a anestesia Sinalgan, eu ajudava a segurar o braço da pessoa. Aprendi a aplicar a anestesia. Aprendi a aplicar injeção aplicando no próprio médico quando ele estava gripado.


Qual é o segredo para aplicar injeção sem colocar o paciente em risco?


Primeiro é ter todo o material esterilizado. Segundo é não pegar a veia, você aplica, puxa um pouquinho o êmbolo, se não vier sangue pode injetar. Caso vier sangue, empurra a agulha ou puxa um pouco. Permaneci nesse consultório aproximadamente um ano. Fui trabalhar na Casa Jaraguá, uma rede de loja de tecidos localizada em frente a rodoviária de Dracena. Hoje é um jardim. A rodoviária era redonda com dois postos de gasolina, cheia de barzinhos, bazar. Entrei como pacoteiro, fazia pacotes. Quando chegava um ônibus pegava impressos da loja e panfletava junto aos passageiros Se o cliente se interessasse eu levava para a loja. Com isso o gerente da Lojas Riachuelo, de tecidos também, acabou me chamando para trabalhar com eles. Fui trabalhar na Riachuelo, como pacoteiro mesmo. O povo de Mato Grosso, logo na divisa do estado, vinha fazer compra em Dracena. Não fiquei por muito tempo na Riachuelo, eu tinha um amigo que era alfaiate, a sua mulher também costurava, eram recém-casados, tinham uma filhinha. Eu sempre ia visitá-los. Esse meu amigo acabou me convencendo a trabalhar como alfaiate, ele afirmava que era uma profissão com futuro. Nessa época meu pai tinha ido passear em Dracena, achei que aprendendo a trabalhar como alfaiate poderia trabalhar também à noite, sábado, domingo. Eu queria ser alguém na vida, ter uma casa minha. Queria ganhar dinheiro, mas estava difícil ganhar. Isso foi em 1954 ou 1955. Comecei costurando camisa, ainda não cortava. Paletó eu pregava entretela, caseava. Antigamente era tudo feito a mão, hoje é feito por máquinas. Na época a maquina de costura Pfaff era considerada a melhor para o uso dos alfaiates.


Você exerceu o ofício de alfaiate por muito tempo?


Eu tinha um tio, Vergílio Bertolucci, que morava em Andirá, no Paraná, ele era taxista, fui morar com ele. Um primo do meu pai, João, conhecido como Nico, tinha um armazém de secos e molhados em uma fazenda, fui trabalhar com ele. Passei a morar na fazenda na casa do Nico. Vendia muito, só de um fazendeiro atendíamos as famílias de 10 fazendas. Era tudo vendido com vale. (Anotação do valor da compra em um vale). No final de mês o fazendeiro mandava o dinheiro. Os vales variavam de350 a 400 cruzeiros. Do dia primeiro ao dia 10 cada dia as famílias de uma fazenda faziam suas compras. Não tínhamos condições de atender mais de uma fazenda por dia. Eram fazendas de café com colônia de 40, 50, 60 casas. Vendíamos apenas comestíveis, uma época passamos a vender também botinas. Meu primo Nico tinha um caminhãozinho Chevrolet 1951, com ele fazíamos as entregas das compras. Eu aprendi a dirigir nessa época. Um dia descemos em uma tulha para carregar feijão, carregamos, o cunhado do meu primo ficou com receio de que a caminhonete quebrasse achou melhor que depois o Nico a fosse buscar. Eu subi, dei partida e subi de ré até o topo, em seguida a conduzi até o armazém. Eu tinha uns 15 anos. Outro meu primo, que tomava conta da fazenda tinha um caminhão Chevrolet ano 1947. Câmbio seco. A partida era dada no pé. Tem que dar uma acelerada e pisar na embreagem para mudar a marcha.


No armazém vendia cerveja?


Vendia, não havia energia elétrica nem geladeira, a cerveja ficava no chão em cima do piso de cimento. Acho que se tivesse gelada o pessoal não tomaria já tinham se acostumado com a cerveja nessa temperatura. Pedro Coalho era um italiano que às vezes vinha a cavalo, parava no armazém, tomava duas cervejas e ia embora. Falei com meu tio Vergilio e com meu primo Nico que estava pensando em mudar para a cidade, trabalhar e estudar. Fui trabalhar em Andirá, em um posto com a bandeira Texaco, Era de propriedade de Ari Neves, tinha gasolina e óleo diesel, tinha lavador, troca de óleo e um restaurante que era arrendado. Eu atendia no caixa. O frentista também lavava caminhões, nessas ocasiões eu também atendia nas bombas. A bomba era elétrica, às vezes faltava energia tinha que servir combustível girando uma manivela. Naquela época no Paraná havia um trânsito muito grande de caminhões. O posto ficava na estrada existente até hoje, ligava Bandeirantes a Cambará. Hoje é asfaltada, na época era de terra. Quando chovia ninguém andava, tinha que esperar parar a chuva, duas horas depois o trânsito andava de novo. Uma vez choveu quase durante um mês inteiro. Tinha mais de 200 caminhões parados em Bandeirantes.


Colocavam correntes em pneus?


Nem com correntes os caminhões andavam. A terra grudava como uma cola, mesmo andando a pé ela vai grudando no sapato e não sai. As casas na época tinham uma lamina de ferro em um quadradinho de madeira para raspar o pé. Caminhão com corrente ia acumulando o barro e pegava na carroceria em cima. Jeep que era a condução mais utilizada no barro, com tração nas quatro rodas, o barro grudava na roda, pegava na lataria e travava. Se forçasse fundia o motor. O dinheiro dos motoristas desses caminhões ia acabando, para não estragar comeram os frios que um caminhão transportava e tinha também ficado encalhado. Começaram a cortar eucalipto que existia em uma fazenda, na beira da estrada e colocaram na estrada para saírem primeiro os que tinham mais urgência. Quando a estrada ficou enxuta, a bomba do posto não vencia abastecer tantos veículos. Iam ao restaurante para se alimentarem, cobertos de barro da cabeça aos pés. Isso foi de 1955 para 1956.


O dono do posto delegava a administração para você?


Delegava porque era uma pessoa muito doente, quase não aparecia lá, sua esposa que as vezes vinha. Eu depositava o dinheiro do movimento, telefonava para a Texaco em Ourinhos para pedir combustível. Os dois frentistas não sabiam dirigir, eu que colocava os caminhões no lavador. Certa ocasião o proprietário do posto estava internado em um hospital, sua esposa me pediu que eu fosse até Ourinhos buscar a sua filha que estava saindo de férias de um colégio interno. Embarquei em um trem misto, carga e passageiros, e fui até Ourinhos. Fui com o dinheiro para pagar o colégio, as contas da menina na cidade, quitanda, bazar. Vim com ela de trem até Andirá, lá seu avô estava esperando com uma charretinha para levar a neta. Em janeiro de 1957 voltei para Tupã. Meu tio tinha vendido o sítio e tinha comprado um armazém e um cinema em Arco-Íris, então distrito de Tupã.


Você veio trabalhar no armazém ou no cinema?


Nos dois! O cinema chamava-se Cine Arco-Íris, os filmes eram projetados aos sábados e domingos. Era um cinema com paredes de tábua, com janelas dos dois lados, o piso era plano. Existia um palco onde se realizavam bailes, colocavam-se as cadeiras de um lado e eram realizados bailes, carnaval.


Quem projetava os filmes?


Eu! Quando meu tio comprou o cinema já funcionava, Moacir Passador, esse é o seu nome civil, está vivo até hoje, ele era o maquinista, ou seja, quem projetava os filmes, sua família morava em Tupã, ele ia se mudar, fui para ficar no seu lugar. Eu ajudava meu tio no armazém durante o dia e aos sábados e domingos passava os filmes. A sessão começava as 20h00min horas. A máquina era de 16 milímetros.


Era uma máquina só?


Era apenas uma máquina, na hora de trocar o rolo de filme fazia-se um intervalo. Um filme comum, de uma hora e meia, eram dois rolos. Acendia as luzes, tirava um rolo colocava outro, passava a fita. Os filmes eram mandados de Botucatu. Semestralmente eles mandavam uma seleção de filmes, desenhos, documentários, seriados. Os seriados eram passados aos domingos. O filme que mais deu trabalho foi um que quebrou a fita quatorze vezes durante a projeção. O nome desse filme eu guardei: “O Monstro da Lagoa Negra”


 

Como era colado?


A fita tem uns quadrinhos que são tracionados pelos dentes de um carretel da máquina, dobrava-se onde quebrou, emendava, passava durex. Dobrava para cortar na medida certinha.


Quantas pessoas freqüentavam o cinema em cada sessão?


Uma centena de pessoas, ou um pouco mais. O pessoal era todo conhecido. Quando quebrava a fita faziam barulho, batiam o pé. As cadeiras eram comuns, tinha apenas uma ripa pregada unindo seis ou oito cadeiras, para o pessoal não tirar a cadeira do lugar. Permaneci lá até o final de 1957. Meu tio acabou vendendo o cinema para o ex-dono. Permaneci passando filmes para ele por uns dois meses. Eu disse ao meu tio que achava que o movimento comercial no armazém já não precisava do meu serviço. Tinha um viajante que vinha vender mercadorias para o meu tio no armazém, ele era de Tupã, era uma loja que trabalhava também no atacado, vendia armas, munições, ferragens. Vendia de tudo. Meu tio vendia só secos e molhados. O viajante disse-me: “Se você quer ir vá á Casa Dias que eu indico seu nome”. Trabalhei na Casa Dias por mais ou menos um ano. Em Marília ia abrir uma filial das Lojas Coteninga de tecidos, me chamaram, dois amigos iam para Marília para inaugurar a loja. Fui, fiquei morando no Hotel Nove de Julho, na Rua Prudente de Moraes, em frente ao Cine São Luiz. Inauguramos a loja em Marília fomos inaugurar a loja de Garça, peguei uma gripe, fiquei uma semana muito ruim. O movimento da loja após uns três meses caiu muito, já não estava me compensando ficar lá. Voltei para Tupã, um amigo me disse que na Lojas Riachuelo estava precisando de vendedor. Na segunda feira estava descendo a avenida entrei na Coteninga, os colegas brincaram comigo, acharam que eu estava de férias antes de completar um ano. Eu disse que estava indo para a Riachuelo. O gerente me convidou, acabei ficando na Coteninga. Até que um dia resolvi comprar uma caminhonete Ford 1933 e mascatear. A porta era como a da DKW abria ao contrário, chamada de “porta suicida”. Foi a primeira caminhonete que saiu com bomba de gasolina até então era o tanque era por gravidade. Motor 4 cilindros em linha. Passei a vender sardinha fresca. O trem trazia de Santos para Tupã, chegava as quatro horas da manhã em Tupã. O trem descarregava se não fosse buscar ficava na plataforma. Tinha um senhor que era o representante daqueles carrinhos de mão que vendiam na rua, Tupã tinha bastante disso. O senhor que mandava vir o peixe chamava Antonio Valverde, ele mandava vir de 10 a 15 quilos para cada peixeiro e para mim vinha uma caixa de madeira com 50 quilos. O gelo ficava dois a três dias na caixa e não derretia. Todo dia eu pegava 50 quilos e ia vender nos bairros vizinhos: Arco-Íris, Queiroz. Só que além do peixe eu pegava com o atacadista no mercado: repolho, tomate, batata. Saia para a zona rural, e por incrível que pareça o pessoal não tinha esses produtos plantados. Cuidavam de café, plantavam amendoim, mas não plantavam o que consumiam. O que eu vendia de sardinha para japonês! Em Queiroz tinha muitos arrendatários que plantavam amendoim, eu chegava já vinha uma japonesa querendo cinco quilos de sardinha, outra queria três quilos. Eu usava aquela balancinha de mão, com pratinho. A caminhonete quebrava muito, dava muita despesa. Vendi a caminhonete para uma fábrica de colchões, só que fiquei com ela até parar de vir peixe. Tinha mandado um telegrama para Santos suspendendo o envio, mas até certo tempo ele continuava a vir. Até receber o telegrama, cancelar o pedido demorava uns quatro ou cinco dias. Quando não veio mais peixe, entreguei a caminhonete. Em 1960 ia ter censo no IBGE, o pai da Wilma, Tedeskini Scalise, que eu nem pensava que um dia iria ser meu sogro, era o agente regional do IBGE em Tupã. Ele estava arregimentando pessoas para serem delegados censitários. Eu o conhecia porque o cinema usava um selo para ser colocado nas entradas, era o IBGE que vendia. Conversamos, ele me contratou, junto com outros que iriam para outras localidades sob a sua responsabilidade. Fiz um curso de uma semana e fui mandado para Monte Castelo, beirando o Rio Paraná. Naquela época residiam lá oito mil e poucos habitantes não chegavam a nove mil. Assim que cheguei a Monte Castelo, procurei o responsável pelo serviço de alto falante, não existia rádio na cidade, e anunciei que estava contratando pessoas para fazer o censo. Geralmente eram professores que tinham interesse. Dividi o município em setores, dei um setor para cada um, entreguei o material para trabalharem, dei um curso rápido informando o que deveria ser feito. Permaneci lá uns quatro meses. Aqueles professores iam a cavalo pelo meio da invernada, até uma casinha lá nos confins, tudo para realizar um censo bem feito.


A população maior era rural ou urbana?


Era rural. Acabei de fazer o censo, preparei todo material, mapas.


A saúde e a educação eram problemas graves da população?


A saúde sempre foi um grande problema, já foi pior. A educação era melhor, havia mais disciplina, mais respeito. Os professores eram mais respeitados e melhor remunerados.


Após terminar o censo qual foi sua próxima atividade?


Foi na época em que Jânio Quadros foi eleito. Voltei para Tupã, trabalhei algum tempo na loja de um português. Eu tinha um amigo chamado José Pereira França Filho, o Cazuza, pernambucano, ainda muito novo veio para São Paulo, trabalhou como peão em fazenda. Naquela época trabalhar em um banco era um emprego muito valorizado. O Banco Econômico da Bahia estava precisando de funcionário, por indicação do Cazuza, que era cortejado pelos bancos em função do seu elevado patrimônio, ele tinha 34 fazendas, fui apresentado ao gerente. Cumpri as formalidades necessárias e comecei a trabalhar a 1 de outubro de 1961. Minha primeira função foi ser caixa. Naquela época eram dois guichês, com uma gaveta só para dois caixas. Quando entrei tinha um caixa trabalhando, é amigo meu até hoje, chama-se Jayme Zampieri. Usávamos maquinas Burroughs, elétrica, quando faltava energia colocava manivela e continuava trabalhando. Por dois anos trabalhamos com caixa juntos. Fiquei no banco até 2002, foram 41 anos trabalhando no banco. Trabalhei no caixa, no conta corrente, lançando fichas de clientes, tinha uma ficha amarela com várias colunas onde lançava, depois veio uma maquina grande, tinha uma fita que era picotada, soltava um diário grande, carbonado, em três vias. tive que fazer um curso para trabalhar com ela. Quando chegou o computador eu estava afastado prestando serviço no Sindicato dos Bancários de Tupã, onde fui tesoureiro e vice-presidente. Fui suplente de Juiz Classista em Adamantina e Presidente Prudente.


Nesse meio tempo você estudou?


Fiz o curso de madureza, hoje chamado de supletivo.


Quando você conheceu sua esposa Wilma Scalise Bertolucci?


Eu a conheci na época em que estava com o cinema em Arco-Íris. Eu vinha comprar selos no IBGE com o pai dela, ela trabalhava no CPP, Centro do Professorado Paulista, situado ao lado. Às vezes ela vinha conversar com o pai dela logo voltava. Casamos em Tupã. Temos dois filhos: Welton e Fabrizio.


Como começou a sua paixão por avião?


Eu sempre gostei de avião, em Dracena tinha um amigo, Ângelo Sanches, que tinha avião. Em 1966 eu já estava no banco em Tupã, a prefeitura tinha construído um aeroporto novo e o aeroclube de Tupã estava fechado. Tupã tem uma pista boa, asfaltada, com 1530 metros e 35 metros de largura, balizamento e iluminação. Para dar um número maior de associados e reabrir o aeroclube, preenchi uma ficha. Fui procurado por João Marin Berbel, meu amigo, já tinha pertencido ao aeroclube antigo. Nosso instrutor era Manuel Nunes Feijó, de Marília. Comecei a voar em um P-56, motor de 90 HP, Paulistinha fabricado em Botucatu.


Qual foi a altura máxima que você já voou?


Com o Paulistinha foi 4;000 pés se não me engano. São aproximadamente 1.200 metros. Um pé são 33 centímetros.


Quantas horas de vôo você tem?


Tenho entre 800 a 1.000 horas de vôo.


Já teve pane alguma vez?


Só simulada, pane normal eu nunca tive. Uma manobra que eu fazia é o chamado “oito preguiçoso” Fiz vôos rasantes sobre o chamado Rio Feio. Voava com meu irmão, ele levava diversos pára-quedas pequenos, com um boneco, passávamos sobre o rio ele lançava os pára-quedas pequenos para o pessoal que estava pescando no rio. Tem um fotógrafo em Tupã que tirava muitas fotografias na cidade, Na época da construção do CEAGESP a cada quinze ou vinte dias tirávamos uma foto, acompanhamos a sua construção. Ele sentava no banco de trás, eu tirava uma porta do avião, eu ia com o nariz do avião para cima da torre, quando ele me dizia: “-Já” eu tirava o avião para o lado esquerdo e ele pelo espaço onde deveria ter a porta fotografava.


Como se deu a sua vinda à Piracicaba?


Após me aposentar continuei trabalhando por vários anos no banco. O Banco Econômico passou a ser BBV, cujos donos eram espanhóis. Em 2002 foi vendido para o Bradesco. Eles me ofereceram a oportunidade de continuar trabalhando ou se quisesse poderia sair. Eu e outro colega saímos do banco. A minha esposa Wilma se aposentou da escola onde trabalhava. Nossos filhos estavam morando em Piracicaba, decidimos mudar para cá.


Qual a diferença entre Piracicaba e Tupã?


Morei em Tupã quase 50 anos, é uma cidade bem menor do que Piracicaba. Atualmente tenho um circulo de amizades em Piracicaba, além de fazer pequenas tarefas junto aos filhos tenho lido muito.








quinta-feira, outubro 18, 2012

LUIZ ANTONIO LEITE - MADALENA

REPRODUÇÃO DA ENTREVISTA FEITA NOS ESTÚDIOS DA RÁDIO EDUCADORA DE PIRACICABA EM 3 DE MAIO DE 2005
                                                         Foto: João Umberto Nassif

                                                       LUIZ ANTONIO LEITE - MADALENA 

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS Produção e Apresentação Jornalista e Radialista JOÃO UMBERTO NASSIF Transmitido pela RÁDIO EDUCADORA DE PIRACICABA AM 1060 KHERTZ Aos Sábados das 10:00 às 11:00 horas da manhã.
Contato com João Umberto Nassif        joaonassif@gmail.com


ENTREVISTADO: LUIZ ANTONIO LEITE - MADALENA, Presidente do Centro Comunitário do Bairro Boa Esperança.


Luiz Antonio Leite é uma figura folclórica de Piracicaba, muitas vezes você absorto em seus pensamentos foi surpreendido, descontraiu-se com as inocentes brincadeiras que Luiz Antonio Leite proporciona aos habitantes de Piracicaba. Hoje vamos conhecer o lado sério, de trabalho humanitário, de luta pela sua comunidade. O cidadão Piracicabano Luiz Antonio Leite é popularmente conhecido pelo nome de Madalena.


Você é cidadão Piracicabano?


Sou nascido em Piracicaba, no dia 27 de dezembro de 1956. Nasci no local denominado Boqueirão, situado no Bairro Alto. Meu pai chama-se Inácio de Moura, que eu não cheguei a conhecer. Minha mãe é Luisa Leite. Somos em 5 irmãos. Estudei no Grupo Escolar Dr. Alfredo Cardoso. Aos 14 anos de idade comecei a trabalhar. Aos 13 anos de idade ainda brincava de casinha. Não gosto de jogar bola. Meu negócio era mais arrumar a casa, fazer a comida. Meu primeiro trabalho foi na casa da Ditinha Penezzi. Ali aprendi a fazer muita coisa que ela me ensinou. Ela era muito exigente. Na casa dela a maioria era composta de advogados, eu lavava uma camisa branca do doutor, quando ela via um amassadinho ela me chamava e dizia: - Você vai passar essa camisa de novo! Está mal passada! Nunca respondi. Eu passava tudo de novo. Eu queria aprender. Ali aprendi muita coisa, a cozinhar, a fazer doces.


Você chegou a queimar alguma comida?


Cheguei a queimar arroz.(risos) A casa era muito grande. Eu tinha que fazer de tudo, lavar, passar, enquanto o arroz ia secando eu ia fazendo outro serviço. Quando percebia o arroz já estava queimado!


Você se considera bom profissional para limpar uma casa?


Sou. Até agora em todas as casas em que trabalhei nunca ninguém reclamou! Eu faço uma faxina das boas! Tiro tudo do lugar. Não tenho hora para sair. Tem empregada que vai trabalhar, quando o relógio marca 4 horas da tarde quer ir embora. Quando eu trabalhava por dia, entrava às 7:00 horas da manhã e saia às 6:00 horas da tarde. E arrumava a cozinha da janta ainda! Para não deixar para a patroa fazer! No tempo em que eu era mais molecão não tinha onde ficar eu ficava até as seis horas da tarde no trabalho, assim eu também jantava!


Você trabalhava cantando?


Cantando, ligava o rádio, sempre na maior animação.


Você é católico?


Sou católico graças a Deus! Quando era garoto morava no Bairro Alto, ia assistir a missa da Igreja Bom Jesus. Após a missa dormia no banco da igreja. No dia seguinte uma mulher vinha abrir a igreja, me via encolhidinho e dizia: - Menino você dormiu aqui! Ela me dava um copo de leite e pão com manteiga.


Você tinha uma relação amistosa com seus irmãos?


Não. Com meu irmão por parte de pai não. Ele era contra tudo que eu fazia. Não podia ir um colega meu lá em casa que ele tocava. Ele tinha preconceito. Meu padrasto também não gostava muito do meu jeito de ser. Eu ficava muito triste, meus colegas iam me convidar para sair e ele tocava! Eu dizia para a minha mãe, quando tiver uns 14 ou 15 anos de idade vou sair desta casa. Ela adoeceu, não tinha jeito de eu sair. Eu sozinho que trabalhava para sustentar a todos em casa! Até que um dia sai de casa. O primeiro quartinho em que fui morar foi no Bairro Verde, chamado antigamente de Coréia, fui morar na casa da Dona Irene. O meu quartinho era de tábua. A minha cama era de jornal, com uma cobertinha, e uma corda em forma de varal que eu usava como cabide para por as minhas roupas.


Você foi trabalhar em república de estudantes?


Trabalhei na república Canecão, ficava na Rua Benjamin Constant, era uma república antiga. Lá eu cozinhava, lavava roupa, deixava tudo em ordem. Nessa época eu tinha uns 16 a 17 anos. Até aquela época me chamavam de Luiz. Só que eu não gostava que me chamassem por esse nome. O responsável pela república era o Robertinho, ele era o bom da boca, era o homem que tinha mais dinheiro na república. Ele formou-se Engenheiro Agrônomo. Normalmente eu não trabalhava aos domingos, mas ele disse que eu deveria ir trabalhar no próximo domingo. Foi feita uma votação, meu nome foi escolhido em uma eleição pelos estudantes. Quem sugerisse o nome vencedor ganharia uma caixa de cerveja. Teve muitas sugestões de nomes: Maria, Vanessa, etc... Eu não gostei de nenhum. Foi feita uma nova eleição. Na segunda votação o Carlinhos sugeriu Madalena. Teve então o batizado como Madalena, com diploma, churrasco e tudo! Foi muita gente. Meninas, rapazes. Foi a coisa mais linda! Eu tinha feito um arroz de forno.


Você bebe? Fuma? Joga?


Não bebo, não fumo e não jogo!


Você mesmo se encarregou de divulgar o seu novo nome, Madalena?


Eu mesmo. A coisa pegou de uma tal forma que se me chamarem de Luiz sou capaz de até nem responder. Desde criança sou Madalena! Vou responder por Luiz no cartório, no banco. Na minha conta de água vem escrito Madalena. Vem escrito Luiz Antonio Madalena!


Você adotou o nome Madalena em suas duas candidaturas a vereador?


Na primeira candidatura não pude adotar. Deu uma confusão. Colocaram outra Madalena para concorrer comigo. Hoje meu nome para efeitos eleitorais é Luiz Antonio Madalena. Hoje Madalena é um nome oficial.


Você trabalhou em casa de gente muito importante em Piracicaba?


Trabalhei sim. Trabalhei por um período de um ano mais ou menos, na casa do Deputado Federal João Hermann Neto, ali no bairro Cidade Jardim. Lá eu fazia tudo. Cozinhava, lavava, passava. Ele é uma pessoa simples como nós. Ele não tem luxo na comida. A mistura sim, ele gosta de filé mignon, carne toda de primeira! Eu faço tudo isso. Não tenho preguiça.


Na hora das refeições você come junto a família para a qual trabalha ou em um cantinho separado?


Logo que comecei a trabalhar por dia, eu achava chato sentar a mesa com o patrão. Comia na cozinha. Só que eles ficavam bravos. Diziam: Não! Não! Você é como nós! Pode vir sentar a mesa! Passei a sentar a mesa. Até hoje sento a mesa com qualquer patrão.


O guarda-roupa da sua casa tem mais roupa do Luiz Antonio Leite ou da Madalena?


Para falar a verdade tem mais roupa da Madalena. Ela é mais vaidosa!(risos) Do Luiz tem terno, sapato preto, marrom, cinto, relógio. Já usei terno! Fiquei a tarde inteira atendendo ao telefone no meu serviço. E não era homem que ligava, era só mulher!(risos) Algumas diziam que eu tinha ficado muito bonito de terno, por que eu não passava a usar só terno, outras ligavam para falar abobrinha!(risos).


Você colocou terno e foi paquerado por algumas mulheres?


Exatamente! Só que elas perderam tempo à toa! Encostei o terno rapidinho! (muitos risos)


Você quando era criança sofreu bastante, e isso refletiu muito na sua vida toda, e talvez por isso hoje você atua como presidente do Centro Comunitário do bairro Boa Esperança?


A Boa Esperança é um bairro carente. O Javari ainda é mais carente do que a Boa Esperança! O Javari não tem asfalto, não tem luz, o bairro Monte Rei tem muitos problemas sérios. Dá dó. Eu brigo muito para melhorar essa situação. Cobro atitudes dos vereadores, do prefeito. Todo mundo recolhe seus impostos. No bairro Javari ninguém paga imposto, mas eles querem pagar para terem uma situação melhor no bairro! Pagando os impostos, é melhor para a Prefeitura e para os moradores também.


Você trouxe uma pasta com muitas fotografias das ruas com problemas, praticamente não tem ruas, o leito carroçável são apenas enormes buracos. Isso não é uma situação nova, não é uma crítica a administração atual.


Exatamente. Não é uma crítica contra a administração atual. Muitas vezes no meio da noite sou acordado para ajudar alguém do bairro. Esses dias uma mulher recebeu uma cobrança judicial de impostos que o falecido marido estava devendo. Eu orientei para que buscasse um advogado. Defendo muito a prática de esportes pelos moradores. As crianças não encontram um local com um brinquedo, não tem um lugar para ir. Isso é uma forma de tirar as crianças das ruas. O Clubinho só atende das 8:00 da manhã até às 4:00 horas da tarde. E domingo? Como é que fica? Sábados? Feriados? Essas crianças ficam na rua! Se tivesse uma quadra de basquete, um brinquedo qualquer elas não estariam na rua!


Você promove duas festas anuais?


Promovo uma festa em todo dia 12 de outubro e no Natal. Saio pedindo contribuições pelas lojas, e consigo muita coisa! A Mercedes do supermercado Tutti Frutti me ajuda muito! As pessoas que se vestem de Papai Noel me ajudam muito. Tenho que agradecer a essas pessoas e a Deus que me ajuda.


(Nesse momento a ouvinte Silvia faz a pergunta: Estou ouvindo a entrevista da Madalena, acredito que muitas pessoas vivam um conflito interno muito grande sobre a sua opção de vida. Gostaria de saber com que idade ela percebeu que era uma pessoa diferente, quais foram as suas dificuldades, os problemas que ela enfrentou, se ela procurou algum médico, ajuda psicológica, ou simplesmente assumiu a sua condição).


Eu não fui ao médico. Aos sete anos de idade já gostava de brincar de casinha, com bonecas, meu pai era contra, brigava com a minha mãe. Minha mãe sempre me apoiou. Ela dizia: - Não posso abandonar meu filho porque ele é assim! Ele não é o primeiro! Eu sempre quis ser assim, nunca quis mudar. Após perder a minha mãe sofri muito. Resolvi seguir a minha vida do jeito que eu queria. Passei a usar lenço na cabeça, vestidinho, passeava pela Rua Governador Pedro de Toledo de saia, eu não me arrependo de ser assim, para conseguir a minha casa sofri muito! Tenho que agradecer em primeiro lugar a Deus, quando eu não tinha um lugar para morar eu pedia a Ele: Deus eu sei que um dia vou ter a minha casa! Acho que os pais devem apoiar o filho em sua opção e não simplesmente colocá-lo na rua!


Negro, pobre e homossexual, tem que ser muito macho para assumir uma situação dessas?


Com certeza sim.


A ouvinte Ângela do bairro Primeiro de Maio participa do programa dizendo que Madalena trabalhou com ela por quase dois anos, isso foi quando eu tinha meus dois filhos pequenos, a Madalena é a pessoa mais maravilhosa que eu conheci, de uma humildade, de um ensinamento de vida, nunca teve a liberdade que eu ia dizia para ela ter em minha casa. Eu só queria dizer que se tanta gente fosse como a Madalena o mundo seria bem melhor! Na época em que ela trabalhou em minha casa uma criança minha tinha 8 anos de idade outro uns 5, eles cresceram vendo a Madalena, ela é muito carinhosa, uma pessoa que sabe os limites, na rua, Madalena brinca com todo mundo, dentro da sua casa ela é uma pessoa que não tem nada a ver com aquela Madalena! Faz um serviço que ninguém faz melhor do que ela! Em casa todo mundo era Luiz. Meu marido se chama Luiz, assim como meu filho e também a Madalena! Eu era cercada de Luiz! Sou muito feliz de ter tido um dia a Madalena dentro da minha casa.


Você na verdade curte um grande barato quando está no terminal de ônibus urbano, ou na Rua Governador Pedro de Toledo, centro de Piracicaba, ali é a sua passarela,você encontra aquele machão acompanhado é ai que você deita e rola?


Esse machão que passa com a mulher e dá uma de homem, é ai que eu gosto de mexer! Falo Lindo! Bonito! Você é um gatão!(muitos risos). Ele fica sem jeito, e me cumprimenta!


É verdade que uma vez você arrumou uma confusão na Rua Governador, em uma esquina aonde tinha um pelotão de policiais?


Isso foi na véspera de um Natal. Eu estava brincando gritando: Motoristaaaaaaa! Nesses dias tinha aqueles moleques novos de guarda (aspirantes), todo mundo buzinando, eu gritando, na esquina das Ruas XV de Novembro com a Rua Governador, bem na esquina da farmácia, me cercaram. Disseram: - Você está preso! Comecei a discutir feio com eles! Começou a lotar de gente. Um carro que vinha pela Rua XV de Novembro parou bem próximo a mim. Um senhor de terno desceu, era o delegado! A situação foi esclarecida, e assim eu pude seguir meu caminho em paz!


Você é exímio lutador de caratê e capoeira?


É verdade. Só que acho que não há necessidade de ficar falando isso para todo mundo! Eu guardo isso para mim. Se alguém pensa que vai bater em mim, vai se enganar!


Você fez um forrobodó no Estádio do Morumbi em São Paulo?


Foi uma briga que saiu lá. Foi em um jogo do XV de Novembro contra o São Paulo, fomos de trem! A torcida do São Paulo veio para cima de nós, tivemos que bater neles! Não gosto de briga. Não provoco ninguém. Fico na minha! Mas se provocarem, sai de baixo!


Você fazia bagunça no bonde?


Andei muito no bonde! Saia da escola para vir no terminalzinho do centro. Beijava um, gritava!


Você gosta de novela?


Adoro. Não choro, mas eu gosto. Adoro cinema. Não gosto de filme romântico. Prefiro filme de ação com o Rambo, Arnold Schwarzenegger, filme de terror.


Você foi padrinho de formatura de uma turma de formandos?


Fui. Eu não queria ir, não tinha roupa. Fui à casa de uma amiga minha, ela me emprestou a roupa e eu fui. Usei um blusão, uma calça, saia azul com uns desenhos bonitos, e o tamanco no pé! Foi a coisa mais linda!


Esse tamanco seu tem uma história curiosa?


Na verdade é o outro tamanco que eu tinha. Sou muito religioso. Freqüento a igreja da Catedral e a Igreja do Bom Jesus. Vou à missa aos domingos. Confesso-me. É bom confessar! Há uns quatro ou cinco anos eu tinha um tamanco de mola, era um tamancão com uma mola embaixo, esse tamanco eu ganhei de uma pessoa que trouxe da Itália. Eu ia a missa com o tamanco, ele fazia um barulho, que o padre coitado, parava a missa e todo mundo olhava para traz para ver a Madalena chegar!(muitos risos)


Quando você está dentro de uma igreja prestam mais atenção no padre ou em você?


Os fieis assistem a missa. Mas sempre tem alguém que fica olhando para mim!


Você gosta muito de carnaval?


Eu adoro! Saio na Portela. Eu adoro a ala das baianas! Eu saio todo ano de baiana!


Você foi candidato a vereador em piracicaba por duas vezes. Na primeira vez você teve 1200 votos. Na segunda vez você teve 1620 votos. Você hoje é suplente de vereador?


Exatamente isso. Se o vereador Chico D’Água deixar a cadeira hoje ocupada por ele, eu assumo como vereador.


É verdade que você tem o sonho secreto de ser prefeito de Piracicaba?


É verdade. Se Deus quiser. Tenho muita fé em Deus. Vou trabalhar muito para ajudar a classe pobre. Eu ando em todo lugar. Em todos os bairros. Eu tenho dó de ver aquela gente reclamar da vida. Gente que não tem o que comer. Eu não posso ajudar ninguém porque também passo apertado!


Você se informa muito?


Gosto de ler jornal. Assisto os noticiários de televisão.


No seu ponto de vista porque existem pessoas miseráveis?


As pessoas da alta classe pensam mais neles próprios. Eles pensam no povo na hora do voto. Após as eleições, eles não querem mais saber dos problemas que existem nos bairros. Quem é presidente de associações de bairro sabe o que o povo passa. Nós fizemos um trabalho assistencial junto com a igreja, isso quando eu era jovem, naquele tempo não se passava fome. Visitávamos casa por casa, e levávamos cesta básica para cada família necessitada. Hoje você não vê mais isso!


Você conhece o mar?


Nunca vi e nem quero ver! Se me oferecerem uma passagem para Aparecida do Norte, Pirapora, eu vou! Mas sair da minha casa para ir para Santos, não vai acontecer nada. Eu já sou negro, vou para lá para ficar mais preto ainda?(risos).


Meu santo de devoção é São Benedito, Santo Expedito, Nossa Senhora de Aparecida e Bom Jesus de Pirapora. Sou bastante religioso, Graças a Deus!








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