Prof. Dr. Francisco Haiter Neto
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista / joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de outubro de 2009
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: Prof. Dr. Francisco Haiter Neto
A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Piracicaba, realizou, entre 5 e 9 de outubro próximo passado, o 5º Congresso Internacional de Odontologia. Paralelamente, ocorreu a 16ª Jornada Odontológica de Piracicaba. O evento prestou uma homenagem ao Prof. Dr. Carlos Henrique Robertson Liberalli, primeiro diretor da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), em comemoração ao centenário de seu nascimento. Ele foi nomeado por Jânio Quadros em 21 de setembro de 1955 para exercer as funções de instalador e diretor da faculdade onde permaneceu até o final de 1967. Faleceu no dia 26 de setembro de 1970.
O Prof. Dr. Francisco Haiter Neto é o atual diretor da FOP.
Dr. Haiter o senhor é natural de Piracicaba?
Sou de Leme, adoro Piracicaba e principalmente a faculdade. Vim á Piracicaba para fazer mestrado, fiz doutorado em Bauru, o pós-doutorado eu realizei nos EUA. Voltei á Piracicaba, passei a ser o professor titular da área de radiologia odontológica e estou no cargo de diretor da FOP já há três anos e que deve se estender até dia 29 de agosto de 2010.
Qual é a idade do senhor?
Nasci no dia 12 de março de 1964, tenho 45 anos de idade. Para registro, sou o diretor mais novo a ocupar o cargo. Assumi a função aos 42 anos. Desde quando surgiu a FOP sou o décimo primeiro diretor. Sempre gostei da parte administrativa, em 2005 quando estava na defesa do meu concurso de titular, fui questionado quais seriam os meus projetos futuros, visto que estava alcançando o grau máximo dentro da escola, o de professor titular, com pouca idade. Na ocasião eu disse que meu objetivo era de ser o diretor da FOP. Eu adoro a escola, considero que ser diretor muito mais do que conferir importância ou poder, é ter a oportunidade de servir a unidade que tanto prezo.
A atuação do diretor da FOP é semelhante á de um prefeito de uma pequena cidade?
Praticamente é isso! Temos um orçamento, funcionários, dificuldades, a parte administrativa política, a nossa participação junto a toda administração da universidade em Campinas. Além das necessidades fundamentais para o funcionamento físico da unidade, existem os problemas acadêmicos, funcionais, de relacionamentos interpessoais.
Um bom administrador tem que escolher colaboradores com elevado grau de competência?
É importante que o administrador saiba sempre ouvir. Ter calma, ponderar. Toda história tem sempre três versões: a versão do narrador, uma segunda versão de outra fonte, e a terceira que é a de fato o ocorrido. Nessas situações a ponderação é fundamental para conseguir o discernir a versão correta. È essencial ter excelentes auxiliares. Não há tempo suficiente para o administrador abraçar todas as áreas e fazer tudo que deve ser feito.
A clássica figura do “chefe”, diretor de empresa, que passa junto aos subordinados ignorando-os formalmente, é uma postura ultrapassada?
Totalmente ultrapassada! Recebo em meu gabinete o aluno, o funcionário, o professor, a qualquer momento, desde que a agenda esteja livre. Hoje não existem funcionários, são colaboradores. A faculdade gira em função dos docentes, dos funcionários e dos alunos. Considero que é um tripé impossível de ser dissociado. A faculdade não existiria se não tivessem os alunos, funcionários e docentes.
O senhor concentra poder e delega poder, Um ditado popular diz que: “Se quiser conhecer uma pessoa dê-lhe poder”. Isso acontece de fato?
Sim, muito! Esse é um ditado extremamente verdadeiro! Nessas ocasiões é que você realmente conhece as pessoas. Muitas vezes, com um mínimo de poder a pessoa começa a extrapolar, julgam-se donas do mundo, que podem passar por cima das pessoas. Inclusive desrespeitando seus subordinados. Por outro lado, pessoas extremamente humildes, que apesar de deterem poder de decisão, ela não usa da sua posição para obter benefícios pessoais. Isso é próprio da personalidade do indivíduo.
O primeiro diretor da FOP foi o professor Liberalli?
O primeiro diretor foi o Prof. Dr. Carlos Henrique Robertson Liberalli. A história da FOP é muito bonita. Já tínhamos uma faculdade de odontologia. A 18 de novembro de 1914, em reunião no Theatro Santo Estevão, foi fundada a Escola de Pharmácia e Odontologia de Piracicaba, posteriormente chamada de Escola de Odontologia Washington Luiz. Depois de funcionar em vários locais, funcionou na Rua Santo Antonio, 641, antiga casa de Prudente de Moraes, hoje Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes, passando então a chamar-se Escola de Odontologia Prudente de Moraes. Após a Revolução Constitucionalista de 1932, Getúlio Vargas mandou fechar a Escola de Odontologia que funcionou até 1935, formando a sua última turma. Na década de 50 a sociedade piracicabana se mobilizou para que voltasse a ter uma faculdade de odontologia na cidade. A FOP veio de um ensejo, da vontade das forças vivas da época, de voltar a ter uma faculdade de odontologia. Na época ela chamava-se Faculdade de Farmácia e Odontologia, mas nunca chegou a ter o curso de farmácia. Considero como sendo os fundadores todas as entidades e pessoas envolvidas no processo de criação da faculdade: o Jornal de Piracicaba, com Losso Netto, o prefeito Luciano Guidotti, entidades de classe, que batalharam para que a faculdade fosse fundada. O Prof. Liberalli foi chamado para ser o primeiro diretor. Na época o Prof. Liberalli já era um expoente, uma pessoa muito culta, um líder na parte acadêmica, tinha muita credibilidade.
Colocaram a pessoa certa para evitar desacertos?
Exatamente. Foram buscar a pessoa certa porque na fase de iniciação era necessário ter uma pessoa com punho, com respeito, reconhecidamente com poder dentro da sociedade acadêmica.
O prédio utilizado fica na esquina das Ruas D, Pedro I com Rua Alferes José Caetano?
O prédio foi uma doação do prefeito Luciano Guidotti, a prefeitura adquiriu o prédio e passou para a faculdade. A própria faculdade em si era um instituto isolado. Somente após 10 anos de funcionamento ela acabou sendo incorporada a Unicamp. A FOP é um caso bastante peculiar, ela é 10 anos, mais velha do que a própria Unicamp! Quando foi criada a Unicamp existia a Faculdade de Medicina em Campinas e a Faculdade de Odontologia em Piracicaba, na época o Prof. Zeferino Vaz que é o criador da Unicamp junto ao governo estadual, decidiram que iniciariam a Unicamp já com as duas faculdades. O início da Unicamp foi com essas duas faculdades. A FOP sempre foi, e acredito que sempre será uma das unidades mais fortes dentro da Unicamp.
O prédio onde anteriormente funcionava a faculdade pertence a quem?
O prédio da Rua Alferes com a Rua D. Pedro I, foi doado á Unicamp. Ali hoje se realizam dois trabalhos: o curso de Prótese Dentária, gratuito, para a formação de protéticos. E temos a parte social, que é um convenio entre a FOP, a APCD, Arcelor Mittal e a Prefeitura Municipal de Piracicaba, aonde são atendidas 3.000 crianças na faixa etária de 6 a 10 anos de idade, que pertencem á rede municipal de ensino. É um projeto muito interessante, as crianças vão de ônibus fretado para o prédio, lá existe uma sala de aula, a professora vai junto. A matéria do dia é ensinada normalmente, os alunos se revezam na saída da sala de aula dirigem-se até o consultório onde tratam dos dentes, e voltam para a aula normal. A classe inteira trata dos dentes. Há uma merenda que é servida para eles. Esta sendo construído no prédio um novo centro de especialidades odontológicas e faz parte de um projeto grande, que começou com o projeto Pró-Saúde do Governo Federal. A FOP foi contemplada com recursos, estamos atuando com sete Unidades Básicas de Saúde, as UBS, onde colocamos consultórios, nossos alunos vão até lá para atender, fazer parte dos atendimentos á família. Os atendimentos básicos são feitos nas UBS. Os atendimentos mais complexos deverão ser encaminhados para a unidade do centro, onde dentistas e alunos estarão trabalhando em 20 consultórios recém adquiridos.
Nesse prédio deverá existir um museu?
Temos um acordo com a APCD, que já tem um museu odontológico. Estamos cedendo um espaço para a instalação desse museu naquele prédio. A parte superior do edifício está precisando de alguns reparos que estão sendo providenciados pela faculdade e pela diretoria do museu.
O senhor considera relevante a existência desse museu?
Considero que o povo que não tem história não tem futuro. O museu sempre trás ensinamentos. É possível conhecer a odontologia do passado, os equipamentos que eram utilizados assim é que podemos projetar o que existirá no futuro.
Entre as atividades executadas pela FOP existem várias especialidades, uma delas é a Identificação Humana?
Temos diversos setores que presta serviços que chamamos de extensão a comunidade. Um deles é a Identificação Humana, que implica em exames de DNA, de ossadas encontradas em cemitérios, valas. É um processo muito interessante realizado pela área de Odontologia Legal. Temos o atendimento ás gestantes e bebes, até mesmo antes do nascimento é dada a orientação necessária ás gestantes. O Centro de Radiologia Odontológico, que faz exames radiológicos, para os dentistas externos. Atendemos pacientes especiais Em outra área há tratamento oncológicos e de doenças infectocontagiosas, portadores de AIDS, sífilis. Há uma prestação de serviços onde são feitas medições de flúor na água e em dentifrícios. São feitas analises de flúor em água para mais de 40 cidades.
A FOP é o “Hospital de Clinicas” odontológico?
É! Temos uma área de cirurgia bastante atuante, que atende aos pacientes poli-traumatizados, pacientes que colocam implante, pacientes que tem a necessidade de fazer alterações da face. Correções de mandíbulas.
O aumento expressivo de condutores de motocicletas teve como conseqüência um maior número de intervenções?
Temos convênios com hospitais de Piracicaba e região. Nosso serviço é bastante atuante, temos convênios com hospitais de Limeira, Rio Claro, Piracicaba.
O senhor disse que faz parte de seus planos, ao encerrar o período na direção da FOP voltar as suas atividades acadêmicas. Existe a possibilidade de o senhor considerar um convite para ser reitor da Unicamp?
Reitoria! Todo dirigente que gosta de dirigir, gosta de estar presente. Nunca digo não. Digo talvez! Gosto do que faço, sinto-me extremamente realizado como diretor.
Como é a relação da FOP dentro da Unicamp?
A FOP sempre foi muito forte dentro da Unicamp, o nosso segundo diretor o Dr. Plínio Alves de Moraes foi o segundo reitor da Unicamp. Temos um excelente relacionamento com o atual reitor, Dr. Fernando Ferreira Costa, com os pró-reitores, chefes de gabinetes, isso tem trazido um bom andamento dentro dos serviços. Eles costumam dizer que se a administração de um diretor for positiva reflete na própria Unicamp e se for negativa irá refletir também na administração da Universidade.
Existe a construção de uma obra no campus da FOP?
Estão sendo construídas mais duas clínicas, visando a aumentar o atendimento á população carente da região. Como somos uma entidade mantida por recursos arrecadados através de impostos no Estado de São Paulo, temos que dar o retorno para a população mais carente. Posso afirmar que a parte de recursos que são encaminhados ás universidade são muito bem empregados.
O senhor permaneceu por dois anos nos EUA, quais são os comparativos que podem ser feitos tanto de recursos materiais como formação profissional?
Morei na cidade de Seattle trabalhando na Universidade de Washington, de 1997 a 1999. No meu departamento não tínhamos nenhum equipamento tão avançado que nós não teríamos aqui. O que tínhamos era um pouco mais de organização e mais tranqüilidade para trabalhar. Lá tínhamos mais funcionários do temos aqui. Uma das coisas que acredito que ajudou muito o Brasil no desenvolvimento das universidades é a estabilidade da moeda. Principalmente na área odontológica não devemos nada a nenhum país. As faculdades possuem equipamentos de ponta para pesquisa em relação ao mundo. A odontologia no Brasil produz mais de dez por cento dos trabalhos publicados no mundo! Isso mostra o quanto á odontologia brasileira é desenvolvida.
Há estrangeiros estudando na FOP?
Cada vez mais está havendo esse intercambio de estrangeiros. Temos muitos alunos latino-americanos que vem fazer pós-graduação, mestrado, doutorado. Temos alguns alunos latinos americanos e africanos na própria graduação. Cada vez estamos aumentando esse intercambio.
O material utilizado na odontologia em grande parte ainda é importado?
Ainda é importado. O grande problema na odontologia é que o material utilizado ainda é caro. A indústria nacional ainda não consegue fornecer. Na graduação cada vez mais estão ingressando pessoas de baixa renda. A Unicamp tem um programa de afirmação social chamado PAAIS que é um programa de apoio a inclusão social, porém isso gera outro problema, o curso de odontologia é um curso caro, o estudante precisa adquirir seu ferramental. Em conjunto com a reitoria, conseguimos recursos para adquirir kits que são emprestados para esses alunos pelos quatro anos que permanecem aqui. É uma ajuda muito significativa. Em conjunto com a reitoria foi criado para a FOP um auxílio moradia. Após uma triagem, os alunos reconhecidamente carentes recebem esse incentivo.
A Unicamp estabelece cotas para o ingresso do aluno conforme sua ascendência?
Não existem cotas. Acredito que a Unicamp tem o processo de inclusão social mais inteligente possível. Ela fornece para os alunos carentes, que tem toda sua formação na rede pública, são pardos, negros, de origem indígena, pode ser branco mais tem que ser carente. Na média é necessário que o aluno atinja 500 pontos para ingressar na Unicamp, para essas pessoas a universidade oferece de 30 a 40 pontos. Essas pessoas entram para a universidade porque realmente merecem. Um estudo mais interessante é feito pela Unicamp, que acompanha esses alunos depois que entraram. Um ano após o seu ingresso eles não têm nenhum tipo de defasagem com relação aos que entraram sem nenhum tipo de pontuação inicial. Inclusive a maioria esforçou-se tanto que passam a ser os primeiros alunos da sala.