JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 29 de janeiro de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: TARCISO CHIARINELLI
Conceituado e requisitado mestre-de-cerimônias, atuando em solenidades com a presença de autoridades de alto nível, como Presidentes da República, Governadores, Ministros, Prefeitos, presidentes de conglomerados financeiros, industriais. O constante convívio com autoridades das mais diversas áreas em nada afetou o comportamento simples e discreto desse comunicador e grande nome do rádio piracicabano, Tarcísio Chiarinelli. Sua vida pautada pela retidão de caráter reflete no seu trabalho ético e de profissionalismo admirável. Acalentou o sonho de ser um homem de comunicação, em particular do rádio, sem ser visionário e com passos em terra firme trabalhou duro até tornar o seu sonho em realidade. Tarciso Chiarinelli é um dos 10 filhos do casal Rosália Grisotto e Ernesto Chiarinelli, nasceu em 8 de janeiro de 1952 no bairro rural Monte Branco, cerca de 18 quilômetros de Piracicaba. Seu pai trabalhava como conservador de estrada e na agricultura.
Quantos anos você tinha quando sua família mudou-se para Piracicaba?
Tinha de 3 a 4 anos, fomos morar no Saibreiro, assim era denominada a região dos bairros Jardim Elite, Nova América. Logo depois fomos morar no bairro Jaraguá, na Rua Cabriúva. As lembranças que guardo da minha infância são a partir da nossa casa na Rua Dona Anésia quase na esquina com a Rua da Colônia.
Como era a ocupação da área, havia muitas casas?
As ruas não eram asfaltadas, quando chovia brincávamos nas enxurradas, jogávamos bola na rua. A minha vida foi sempre de muito trabalho, não sobrava muito tempo para as brincadeiras de infância. A nossa família cultivava uma horta, meus irmãos e eu plantávamos, a minha mãe acordava cedinho e ia cortar as verduras que deveriam ser vendidas. O meu pai trabalhava na prefeitura e saia logo cedo de casa, a Rua do Rosário foi varrida por ele por muitos anos. Aos 10 anos eu já vendia verduras nas ruas, levava-as em uma cesta de bambu, fazia uma parte da Paulista, o dinheiro apurado ajudava na manutenção da casa, éramos muito pobres. Comecei a usar sapato a partir dos 14 ou 15 anos, até então andava de pé no chão ou com chinelo. Eu tinha uma clientela mais ou menos certa, às vezes vendia logo e retornava mais cedo para casa. Outras vezes tinha que esticar mais o percurso, indo oferecer as verduras até as residências situadas á Rua Benjamin Constant. Iniciava o meu trabalho ás sete horas da manhã e tinha que vender tudo antes do meio dia para poder ir á escola na parte da tarde, estudava no Grupo Escolar Barão do Rio Branco.
Havia algum cliente marcante?
Na Avenida João Conceição, que nós chamávamos de “Rua Atrás da Estação”, havia uma senhora que adquiria verdura quase todos os dias, imagino que possa até ser para me ajudar. Fiz esse trabalho até os 12 ou 13 anos.
Qual foi seu próximo trabalho?
Fui trabalhar no Mercado Municipal, na Banca do Antonio Brancalion, ele tinha duas bancas de sua propriedade, uma em frente à outra, ambas no ramo de mercearia.
Qual foi a sua reação com relação ao novo trabalho?
Dizíamos no mercado que quanto mais forte era o santo mais cedo tinha que levantar, aos feriados ás quatro e meia da manhã eu já tinha que estar no mercado, preparar para abrir às seis horas, no inicio ia ao trabalho a pé, com o tempo comprei na Casa São Francisco uma bicicleta Göricke. Permaneci trabalhando com o Antonio Brancalion por quatro anos e meio, foi o meu primeiro registro em carteira. Recebi uma proposta para trabalhar com o Antonio Ferrante que tinha uma banca de frutas, também no mercado municipal. O forte da banca eram as frutas importadas, a clientela era mais exigente, o memorável radialista Ari Pedroso estava no auge da sua carreira, ele freqüentava a nossa banca, acredito que ele tenha sido uma das minhas fontes de inspiração para ingressar no radio. Outro cliente famoso era o Comendador Humberto D¨Abronzo, a sua esposa telefonava, encomendava as frutas e geralmente quem entregava era eu. A família Coury também realizava suas compras dessa forma.
A que horas você encerrava os seus trabalhos no mercado?
Trabalhava até o final da tarde, algumas vezes, no final da tarde, ia até Campinas, de Kombi, para trazer frutas do Ceasa.
Qual foi o seu próximo emprego?
Fui trabalhar no Centro de Energia Nuclear na Agricultura, CENA, trabalhei na portaria contratado por uma empresa terceirizada. Permaneci por pouco tempo lá. Em seguida fui trabalhar na empresa Angemar, onde permaneci por 13 anos.
Onde se situava a Angemar?
Na Avenida Dona Jane Conceição esquina com a Rua do Rosário, em frente à Praça Takaki, os proprietários eram Luiz Marchini, Antonio Marchini e Marcos Contarini. Entrei como ajudante, fui promovido para balconista e passei a chefe de expedição. Nesse local antes da Angemar se estabelecer era um terreno vazio onde se montavam parques de diversões, circos de pequeno porte, na Semana Santa havia a malhação do Judas com pau de sebo e tudo. Na esquina tinha o Bar Serenata onde hoje é a farmácia Drogal. Na época tínhamos duas farmácias na Rua do Rosário, a Farmácia Nossa Senhora da Penha e a Farmácia São Judas Tadeu, os farmacêuticos atendiam os doentes do bairro, aplicavam injeções, faziam curativos, só depois de algum tempo é que apareceu um pronto socorro na Rua São João, o transporte do paciente era precário.
Na Avenida Madre Maria Teodora circulava caminhões carregados de cana?
Éramos crianças, gostávamos quando chovia porque os caminhões não conseguiam subir o Morro do Enxofre, a rua não era asfaltada, os motoristas precisavam amarrar correntes nos pneus. A água da chuva formava enormes valetas onde nós brincávamos.
Um ponto “turístico” do bairro da Paulista era a descarregadeira de gado?
(Situava-se no terreno, hoje desocupado, entre a Droga Raia e o Restaurante Frios Paulista)
Ali era uma festa! O gado embarcava ou desembarcava do trem, fechava o trânsito na rua para passar o term. Onde hoje é o leito da Avenida Dr. Paulo de Moraes existia o beneficiamento de café colhido na Chácara Nazareth. Eu ia assistir a chegada ou a partida dos trens da Cia. Paulista. Algumas vezes fui de trem até Santa Barbara, Tupi, Caiubi. Fui usuário do bonde, ia em pé no estribo.
Conheceu o Cine Paulistinha?
Era carinhosamente chamado de “Purgueiro”! (risadas cheia de saudades!) Os acentos eram em madeira sem estofamento. Nós não tínhamos muito tempo para divertir, não só eu como meus amigos também, trabalhávamos muito. Naquele tempo havia muitas hortas no bairro da Paulista, quem cuida de horta trabalha aos domingos, feriados, era assim e continua sendo até hoje. Para molhar as verduras era comum tirar água de poço ou de algum ribeirão próximo. No fundo da Rua da Colônia havia um pessoal que cultivava agrião no próprio ribeirão, a água naquele tempo era boa. No domingo a tarde era comum ver os meus colegas cortarem agrião para embalarem e serem vendidos na segunda feira.
Há uma fotografia em que você aparece com barba e cabelo enormes qual era o motivo?
Fiz uma promessa e consegui a graça, a promessa era de ficar um ano sem cortar a barba e o cabelo. Era moda ter cabelos e barba compridos, desde que fossem cuidados, e no meu caso não despontava nem aparava. Nessa época eu já era casado com a Neusa, e tinha o nascido o meu filho Fábio, depois nasceu a Aline. Tenho dois netos, o Fernando e o Murilo. (Tarciso guarda diversas fotos dos netos em algumas de suas gavetas, apressa-se em mostrar, com muito orgulho). Quando fui cortar a barba e o cabelo recorri ao meu pai que também era barbeiro, além de trabalhar na limpeza de rua, ao chegar em casa aplicava injeção nas pessoas que necessitavam e cortava cabelo de quem o procurasse. Após aposentar-se ele trabalhou como jardineiro, guardo comigo a alfange de marca São Floriano, que lhe pertenceu. (Tradicional marca de origem austríaca). Quando fui cortar o cabelo e a barba levei o meu filho junto, ele tinha uns 5 anos, e poderia assustar-se em ver o pai sem o cabelo e a barba compridos. Mantive desde aquela data o uso de bigode.
Como surgiu o rádio em sua vida?
Desde criança tive atração pelo rádio. O Alcides Spironello tinha uma banca no mercado municipal, ele me emprestou um gravador, na época uma verdadeira raridade, eu pegava as propagandas impressas em jornais, os chamados “reclames”, e ficava lendo praticando, fazia isso na minha casa, como havia as vezes muita gente em casa, eu saia e ia até onde estavam fazendo o loteamento da Chácara Nazareth, que tinha ainda muitos pés de café, eu entrava ali perto da Rua do Rosário, e na sombra de um pé de café gravava comerciais, notícias de jornal. Eu ouvia o que havia gravado, gravava novamente, buscando atingir a melhor apresentação possível. Devolvi o gravador e passei a ter contato com pessoas que trabalhavam na “Rádio A Voz Agrícola”, eles me arrumaram uns textos. Naquela época os textos eram apresentados ao vivo nas rádios, não eram gravados. Quem me deu um empurrão foi Antonio José, o Gordo, ele trabalhava como produtor do Garcia Neto, na Rádio Educadora, quando ainda era na Rua São José, esquina com a Rua Governador.
Como você ingressou em uma rádio?
Decidi conversar com o Garcia Neto, foi em uma quinta feira à noite, no horário em que ele apresentava um programa de esporte. Ao chegar ele me perguntou: “-O que você quer menino?” Respondi-lhe: “- Quero ser locutor!”. Perguntou-me se tinha experiência, disse-lhe que não, ele então sugeriu que fizesse um teste. Eu tinha treinado, mas não deu certo, o nervosismo bateu forte. Ele chamou o Gordo e mandou que me desse dois textos para que eu lesse. O Garcia disse que eu poderia ser um bom locutor, mas que no momento necessitava de um profissional com experiência. Encaminhou-me para a Rádio A Voz Agrícola, aos cuidados do Francisco Caldeira, diretor da rádio, ela estava instalada na Rua Moraes Barros ao lado do Chaveiro Expresso. O Caldeira disse-me que não precisava de ninguém naquele momento. Perguntei-lhe se eu poderia ficar apenas olhando o pessoal trabalhar. Eu trabalhava no mercado, tinha o domingo à tarde de folga, ele aceitou. Passei a observar o trabalho feito na rádio, surgiu a Jornada Esportiva, após algum tempo o rapaz que fazia o plantão saiu da rádio, ele era do Mato Grosso. Na época o Abel Bueno tinha um programa de cururu nos domingos á noite, eu passava a tarde acompanhando a Jornada Esportiva, ficava só olhando, de vez em quando o mato-grossense dizia-me: “-Dê esses resultados desses jogos!”.
Você operava a parte técnica?
Nunca operei, nem sei como é que se liga! Nunca fiz técnica.
Como foi o seu progresso profissional na Rádio A Voz Agrícola?
Após determinado tempo o Abel Bueno me disse: “-Ajude-me a fazer o programa!”. Passei a apresentar, a ler uns comerciais, isso foi na década de 70. Era um programa muito solto, muito tranqüilo. A primeira vez que falei ao microfone disse ao Abel que iria ler o texto, ao que ele disse que não deveria ler nada, deveria falar de improviso. Fiz improvisado, e tremendo! Depois surgiu o Márcio Terra, na época ele era diretor de esportes, me convidou para fazer o plantão esportivo, acabei assumindo estimulado pelo Márcio Terra, procurando melhorar cada vez mais. Fiz plantão esportivo por 33 anos!
O que a sua esposa dizia dessa sua dedicação ao rádio?
Ela sempre me apoiou e me incentivou, ela sabia que era isso que eu queria! Eu a conheci na Igreja São José, quando eu tinha uns 20 anos.
Você freqüentava o Cesac?
Fui coordenador de uma SEJOPAC - Semana Jovem para Cristo. Quando havia as festas no Cesac eu era o locutor que dizia: “O rapaz de camisa branca oferece esta música para a moça de vestido azul”, e assim por diante! O Cônego Luiz deu uma grande força para mim!
Quando ocorreu o momento decisivo, de dedicar-se apenas ao rádio?
Fiquei na Rádio Alvorada uns 10 anos. O Roberto Moraes me convidou para fazer o plantão esportivo na Rádio Difusora, ele tinha a equipe completa só faltava o plantonista. Em 1991 eu e o Vanderlei Albuquerque fomos para a Rádio Difusora onde permaneço até hoje, só não faço o plantão esportivo. Sempre tive dois empregos, sempre trabalhei muito. Atualmente já não faço transmissão de carnaval de madrugada. Eu trabalhava na Angemar e por um ano e mio trabalhei em São Paulo. A minha rotina era apresentar um programa sertanejo, “Manhãs na Roça”, na Rádio Alvorada, das quatro horas da manhã até as sete, ia trabalhar o dia todo na Angemar e a noite estudava. Eu já era casado e tinha meus dois filhos. Surgiu a oportunidade de trabalhar em São Paulo, na Rádio Gazeta, na Avenida Paulista, fazia o plantão esportivo, Dinival Tibério tirou e publicou uma foto onde dizia que era mais um piracicabano que ia para São Paulo, isso na década de 70. Fiz um acordo com o Luiz Marchini da Angemar, eu saia do serviço no sábado as 10 horas, tomava um ônibus, ia até São Paulo, fazia o plantão no sábado a tarde e a noite, dormia em São Paulo, na própria rádio, terminava a Jornada Esportiva as onze e meia ou meia noite, acabava dormindo no próprio estúdio, Antônio José Quartarollo, o Tony José, foi quem me levou para a Rádio Gazeta. Logo em seguida ele foi para a Rádio Bandeirantes. Cheguei a fazer plantão em São Paulo na quarta feira à noite. O programa “Manhãs na Roça” tinha um espaço da Secretaria de Serviços Públicos, o secretário municipal era José Flavio Leão que ia até a rádio para dar informações principalmente ás pessoas da zona rural. Após algum tempo ele me convidou para prestar uma assessoria junto a sua pasta. O prefeito era o Dr. Adilson Maluf, o meu contrato de trabalho não tinha nenhuma estabilidade, tive o apoio do Luiz Marchini, que deixou as portas abertas para quando eu quisesse voltar. São fatos que nunca irei esquecer.
Os cerimoniais como surgiram em sua carreira?
Surgiu na época em que o prefeito era o Dr. Adilson Maluf, o chefe do cerimonial e diretor de comunicação da prefeitura era Jamil Neto, Xilmar Ulisses, Gaiad, Benedito Hilário e Waldemar Bilia também participavam. Quando fui trabalhar na prefeitura fiz o cerimonial da inauguração do Campo do Jaraguá, com o apoio do Jamil e dos outros integrantes da equipe. O Jamil trabalhava com muito profissionalismo. Dessa ocasião em diante passei a fazer cerimoniais para a prefeitura.
Qual é o segredo para realizar um bom cerimonial?
É agir com responsabilidade, não subestimar nenhum cerimonial, por mais modesto que pareça ser, cada evento é um desafio e todos têm a mesma importância. Não é qualquer pessoa que enfrenta um público, uma coisa é ser locutor de estúdio e outra é ter um publico á sua frente. Um cerimonial exige uma preparação detalhada antes de ser realizado, conhecimento de cada detalhe, é necessário ter muito jogo de cintura, após ter o cerimonial pronto, normalmente ele se desvirtua. No lançamento da pedra fundamental do novo prédio da FUMEP fui cumprimentado por um ministro de estado pela realização do cerimonial em decorrência de situação anômala e pela forma como conduzi o evento. O cerimonial público tem normas, a lei federal de número 7274 de 9 de março de 1972 regulamenta todos os cerimoniais.. Não é só chegar, pegar e falar.
Você contou quantos cerimoniais já realizou?
Mais de mil com certeza! Não sou o único que faz na cidade e nem na prefeitura. (Realizando os cálculos da média mensal pelos anos trabalhados descobrimos que Tarciso já realizou mais de 5.000 cerimoniais).