sábado, janeiro 22, 2011

GEORGINA MARIA ANTONIA PIRES

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 22 de janeiro de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADA: GEORGINA MARIA ANTONIA PIRES
No Brasil há um século documentos pessoais era quase um requinte a que muitos não se davam ao luxo Em eventos, como casamentos e óbitos, quem fazia os registros era a Igreja Católica, embora em 1875, tivessem sido criados os primeiros cartórios, e em 1888 o registro de nascimentos, casamentos e mortes deveria ser feito obrigatoriamente por órgãos do Estado. Georgina Maria Antonia Pires conforme a sua data de nascimento de 12 de maio de 1911, que consta em seu título eleitoral, estará completando 100 anos de vida. Pelos registros verbais ela nasceu dois anos antes, em 1909, isso implica que ela está com 102 anos de idade pelos relatos orais. Esse diferencial de dois anos é irrelevante em uma vida tão profícua. Nascida em Piracicaba, na tradicional Rua do Porto, é filha do casal Antonio Salvador e Maria Antonia Pires que tiveram doze filhos. Quando tinha seis anos de idade a sua família mudou-se para a vizinha cidade de Rio das Pedras. O que desperta muito a atenção do interlocutor de Da. Georgina é a sua vivacidade, sua alegria de viver, excelente estado físico e mental. Do alto da sua centenária experiência de vida sabe selecionar com extremo bom senso que tipo de informação quer receber da mídia televisiva. Dispensa programações que acha sensacionalista, assim como as apelativas ou indutoras de maus costumes. Incentivada pelas filhas, netas, bisnetas, deixa-se levar pela pintura das suas unhas com desenhos decorativos, tão em moda atualmente. Recentemente ela teve a oportunidade de conhecer o mar pela primeira vez, gostou tanto que já voltou e pensa em futuras viagens. Buscou um terreno mais firme na praia, e sentou-se, tendo o mar aos seus pés. Ela que foi mãe, na roça cortando cana, criou muitos filhos. Dona Georgina, centenária, tem em seu sorriso o verdadeiro retrato da alma brasileira. Simples, de grande sabedoria, dona de fé inabalável na vida e na existência de Deus. A quem o trabalho e a atividade de mãe de família nunca impediram que externasse sua alegria de alma cabocla, nos dias consagrados a festas, onde as músicas, e as danças estiveram presentes com pureza de sentimentos.
A senhora freqüentou escola em Rio das Pedras?
Estudei até o quarto ano primário, tive como professoras no primeiro ano a Dona Maria Augusta, esposa do Seu Neves, no segundo ano foi Dona Olga, no terceiro ano tive aulas com Dona Ladir, Dona Francisca foi a minha professora no quarto ano. Após concluir o primário permaneci ajudando a minha mãe nos serviços domésticos.
Como era a cidade de Rio das Pedras naquela época?
Era um sítio! As ruas não eram calçadas, o trem era muito usado como transporte para Piracicaba, havia o trem de carga, havia também o “lastro” que transportava lenha.
Como era a alimentação cotidiana?
Arroz, feijão, pão feito em casa, não havia padaria, comia-se lingüiça, torresmo.
Havia bailes nessa época?
Existia sim, eu gostava muito de dançar, tocava-se mazurca, valsa, os bailes varavam a noite, eram brincadeiras sadias e de respeito.
Como a senhora conheceu o seu marido?
Conheci Otávio Carvalho quando ainda éramos crianças, ele ia á escola com suas primas. Quando eu tinha dezesseis anos, após três meses de namoro no dia 2 de julho de 1927 casamos na Igreja Matriz de Rio das Pedras. O escrivão foi José Leite Negreiros que trabalhava com o Sr. Osório Martins. Passamos a morar na barreira do Horacio Limonge, depois moramos no Zeca Leite, no Nicolau Marino. Sempre moramos nessas imediações.
Quantos filhos a senhora teve?
Sou mãe de nove filhos, tenho 36 netos vivos, 56 bisnetos e 7 tataranetos.
A senhora sabe o nome de todos?
De um “terno” (uma parte) eu sei, de outro não sei.
Qual era o trabalho que o seu marido fazia?
Trabalhava com enxada, com burros, cortava e plantava cana. Eu o ajudava a trabalhar na roça, além de fazer o serviço de casa. Eu cortava e amarrava duzentos a duzentos e cinqüenta feixes de cana por dia. Levava as crianças na roça, não havia creche para deixar. Com meu filho tracei (serrei) madeira nas terras do Inácio Leite, era cabriúva, guarantã, peroba, cedro, todas madeira de lei.
Qual é a sua religião?
Bastante católica, tenho muita fé em Deus, rezo também para diversos santos como Santo Antonio, Santa Luzia. Toda quartas-feiras eu comungo.
A senhora sempre gostou de festas?
Sempre fui muito festeira, gostava de ir a missa, freqüentar as festas da igreja. Deus nunca me deixou passar por tristeza, Ele quer alegria. Eu com a idade que tenho, como bem. Durmo bem. Passeio. Na semana passada voltei de um passeio que fiz em Itanhaém.
Quem a acompanhou até lá?
Fui com a minha filha e com a minha neta que tem uma casa lá.
Já conhecia o mar?
Fui conhecer agora, achei muito bonito. Entrei nas águas do mar, é muito salgada.
Como a senhora compara os dias atuais com os de antigamente?
Para trabalhar a pessoa tem que estar preparada, tem que estudar. Antigamente mesmo sem estudar a pessoa trabalhava e conseguia ter um salário que o sustentava. Hoje quem não estuda não tem como trabalhar.
A senhora assiste televisão?
Gosto de assistir a missa. Não assisto novela, não me simpatizo com as que são apresentadas atualmente. Gostava de ver “Meu Pé de Laranja Lima”. As notícias do tele jornal eu assisto, são noticias feias! Parece que o mundo vai acabar em água!
A vida para a dona de casa está mais fácil atualmente?
Para a mulher que sabe trabalhar há mais facilidades. Algumas parecem que não estão nunca satisfeitas com o que tem.
Como é a sua saúde?
Ontem eu pesei a minha pressão, estou com 12 por 8. Não tenho diabetes.
E a sua alimentação como é?
Como de tudo, arroz, feijão polenta. Só não como veneno porque mata!
Ao chegar a algum determinado lugar, quem a vê imagina que tenha menos idade?
É comum acharem que sou mais nova. Quando descobrem a minha idade forma-se uma roda em minha volta. Gostam de conversar. Adoram-me!
Nos tempos da sua juventude, como era tratada uma dor de dente?
Colocava-se algum remedinho para passar a dor. Se por acaso a dor não passasse tinha que ir ao dentista extrair o dente. Em Rio das Pedras tinha o Serapião que fazia esse trabalho.
Alguma vez a senhora foi ao cinema?
Fui uma vez, no cinema que havia na Rua Prudente de Moraes, em Rio das Pedras, no prédio onde hoje funciona o fórum local. O filme era sobre a vida da dupla Tonico e Tinoco. Eu gostava muito de ir aos circos que vinham à cidade.
Não havia geladeira, como era conservada a carne?
O toucinho nós dependurávamos em uma espécie de varal, carnes conservávamos submersa em uma vasilha com banha de porco. Fazíamos lingüiça em casa, era bem temperada.
Como eram os colchões utilizados pela família?
Eram feitos com palha de milho, rasgava a palha, cortava com o podão e preenchia. O travesseiro era feito de macela.
Atualmente as pessoas parecem muito agitadas, era assim há alguns anos?
Não era assim! Hoje o povo se afastou de Deus, deu oportunidade para acontecer os roubos, violência, uso de drogas.
A senhora é vaidosa?
Não sou! (Ela diz sorrindo!). Quando tenho uma roupa boa gosto de usar. Eu fazia roupa para todos os filhos, usava-se o tecido de riscado, ou pano bravo mesmo, chamado de “ranca-toco” (arranca toco). Sacos de açúcar eram tingidos e usados para confeccionar as roupas. Éramos muito pobres. Andava-se descalço. Colocava-se paletó e sem sapato, era comum isso, alguns usavam paletó, colete e descalço. Naquele tempo tinha que ir ao sapateiro, tirar as medidas dos pés e encomendar o sapato. Não era comum encontrar calçados prontos para serem adquiridos e usados. Para ir a roça ia descalço, machucava os pés com espinhos.
Lembra-se dos campeonatos de corte de cana?
Meu filho, já falecido, foi campeão de corte de cana, ele chegou a ponto de cortar mil feixes de cana em um dia de trabalho. Cortava e amarrava os feixes. O Américo Guião está vivo até hoje, pode confirmar o fato.
A senhora trabalhou em lavoura de café?
Carpi café, apanhei , plantei e cobri café. Para cobrir o café eram colocados uns pauzinhos sobre a muda nova, formando uma casinha, dando sombra á mudinha. Trabalhei com café na Fazenda Nova Java. Morávamos na cidade, na zona urbana, mas tinha que ir trabalhar nos sítios da região, íamos a pé.
A senhora ajudou a construir alguma casa de taipa?
Ajudei a fazer, fincava-se a madeira no chão, trançava as taquaras, ficava uma pessoa pelo lado interno e outra pelo lado externo das paredes, jogava-se o barro de forma alternada, com isso construíam-se as paredes. Muitos adicionavam estrume ao barro. Para cobrir a casa usava-se o sapé.
Como era o banheiro?
Não existia, usavam-se as imediações da casa como banheiro, ao ar livre. O banho era tomado em bacias, a água aquecida era despejada sobre a bacia. A cada um que se banhava sucedia outra pessoa, o ultimo a banhar-se às vezes já estava cochilando, cansado e com sono. Era comum muitas vezes a pessoa lavar apenas os pés antes de dormir, o banho ficava para o dia seguinte.
Qual é a sua impressão sobre a cidade de São Paulo?
Para mim não tem nada igual a minha terrinha aqui em Rio das Pedras!
Em suas recentes viagens á praia, a senhora andou de barco?
Andei, no meio do passeio comecei a ficar com medo, se caísse na água afundaria como um martelo!
Em sua opinião, após aposentar-se a pessoa deve se recolher em seu canto ou deve passear, divertir-se?
Deve divertir-se, viver. Quando tenho vontade de sair eu saio. Há pessoas muito mais novas do que eu e que não estão com disposição igual a minha. Deus me deu essa condição eu toco para frente até quando Ele quiser.
Ao deitar-se, pela sua cabeça passa uma espécie de filme recordando o passado?
Passa sim.
O que a senhora imagina que possa existir após a morte?
Quem morre se acaba. Ninguém veio contar o que existe após a morte. Assim como Jesus Cristo morreu e ressuscitou, nós também deveremos morrer e ressuscitarmos.
Há a necessidade de se ter muito dinheiro para ser feliz?
Não, basta ter saúde! O dinheiro não trás a felicidade é importante ter dinheiro, pois sem ele não se vive.
Havia caça nas proximidades da sua casa em Rio das Pedras?
Próximo onde hoje estão localizadas as casas da Conferência São Vicente de Paula, existiam coelhos lebres, tatu, lagarto.
                      Residência de Dona Georgina na Vila Vicentina, da Conferência São Vicente de Paula de Rio das Pedras
O que a senhora mais deseja atualmente?
Desejo que Deus dê saúde para nós todos, que todos estejam sempre alegres.
A senhora ouve rádio?
Ganhei um do Dr. Antonio Costa Galvão, que assim como Oscar Waldemar Gramani sempre foram amigos da nossa família. Ambos foram prefeitos de Rio das Pedras.
A seu ver o tratamento entre as pessoas mudou?
Antigamente havia mais respeito, as roupas eram mais recatadas.
Se alguém lhe oferecer uma passagem de avião a senhora viaja pela primeira vez?
Tenho receio, mas se aparecer uma passagem eu vôo! Imagine se eu tiver medo de tudo! Não se pode ter medo!
A senhora tem medo da morte?
Não tenho! Todos nós temos que passar por ela, na hora em que ela chegar eu estou pronta. Com a idade que atingi já cumpri a vontade de Deus, mas se for da sua vontade que eu passe mais um pouco aqui neste mundo eu fico!
A senhora teve um filho que faleceu aos sessenta anos, como é a dor de perder um filho?
Essa dor nunca acaba! Estou contente porque ele está com Deus, a quem ele pertencia.
Existem pessoas que são muito caladas, o fato de não se comunicarem facilmente as prejudica?
Sendo uma atitude existente por habito e não por revolta, temos que respeitar sua postura em não ser tagarela.
Qual é a sua opinião sobre a doença depressão?
(Após um longo silencio, Dona Georgina responde). Acho que um bom serviço resolve! Deixar a depressão de lado e tocar a vida para frente é o melhor remédio.





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