PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de março de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: GUSTAVO JACQUES DIAS ALVIM, Vice-Reitor da UNIMEP.
O ensino ministrado por entidades metodistas trouxe enormes benefícios á Piracicaba, além do ensino básico foi criada uma universidade, a UNIMEP, fator decisivo para a implantação de importantes indústrias em Piracicaba, entre elas a Caterpillar. Após essa etapa a cidade teve um progresso vertiginoso proporcionando infra-estrutura para a vinda de novas e importantes indústrias com tecnologia de ponta. Profissionais formados pela UNIMEP contribuíram com a sustentação necessária ao desenvolvimento de Piracicaba. Um dos grandes nomes do ensino metodista, e que sempre realizou muito em benefício de Piracicaba é Gustavo Jacques Dias Alvim, natural de Vera Cruz, estado de São Paulo, filho de Candido de Faria Alvim e Nair Dias Alvim. Cidadão Piracicabano por decreto municipal, Dr. Gustavo é uma pessoa de personalidade marcante. Bacharel em sociologia pela Escola de Sociologia e Política, em 1959, em direito pela Universidade Mackenzie em 1962, em administração pela Universidade São Francisco, em 1975, em Jornalismo pela UNIMEP em 1988, diplomado em Publicidade e Propaganda em 1963 pela escola denominada atualmente de ESPM. Mestre em Filosofia da Educação pela UNIMEP em 1992, Doutor em Comunicação e Semiótica em 1998. Fez especialização em Administração Universitária no Instituto de Gestão e Liderança Universitária com sede no Canadá. Foi vereador e presidente da Câmara Municipal de Piracicaba, presidente do XV de Novembro de Piracicaba, é membro do Rotary Clube Piracicaba, do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, da Academia Piracicabana de Letras, da Academia Ferroviária de Letras (Rio de Janeiro). Recebeu a medalha Prudente de Moraes concedida pelo IHGP em 1993. Participou como dirigente do Panathlon Clube de Piracicaba, Sociedade Hípica de Piracicaba, Clube de Campo de Piracicaba, E.C. Rezende, Bela Vista Nauti Clube, Federação Paulista de Basquetebol, Lar dos Velhinhos de Piracicaba, Associação dos Amigos do Basquete de Piracicaba. Autor de dois livros: “Autonomia e Confessionalidade” e “O Diário, a saga de um jornal de causas”. Têm mais de 500 artigos publicados. O que fascina na trajetória de Gustavo Jacques Dias Alvim é a sua visão multidisciplinar. O seu intenso relacionamento profissional, com clubes de serviços e entidades sociais, institutos e academias culturais ou agremiações esportivas, são pautados pela nobreza de atitudes e claro discernimento de objetivos sempre em um dinamismo sereno e constante. Com isso ele acumulou uma vivência riquíssima em todos os setores da sociedade. Bom observador, extremamente organizado, coleciona amigos e um interminável número de fatos acontecidos, que com sua pedagogia se transformam em saborosas narrativas. Dr. Gustavo já atuou como vice-reitor da UNIMEP nas gestões de 1991 a 1994, 1995 a 1998 e de 1999 a 2002. De 2003 a 2006 foi o magnífico reitor da UNIMEP No próximo dia 16 deste mês, 4ª feira, às 19h, no teatro da UNIMEP, Gustavo Jacques Dias Alvim assume novamente a vice-reitoria, ocupando um cargo que oferece não só a pompa do mesmo, mas que exige muito do seu ocupante, principalmente em um momento em que o ensino em nosso país mostra ser o verdadeiro Calcanhar de Aquiles da nação.
Dr. Gustavo quais eram as atividades profissionais dos seus pais?
Meu pai era médico e a minha mãe professora primária, ela foi a minha primeira professora, quem me alfabetizou, um grande privilégio, inclusive porque a primeira professora a gente nunca esquece! Estudei no Grupo Escolar Castro Alves, em Vera Cruz. Quando terminei o primário surgiu um problema, Vera Cruz era uma cidade muito pequena, não havia o curso ginasial, uma opção seria viajar diariamente de trem á Marília, distante uns nove ou dez quilômetros. Meus pais julgaram que para uma criança de 10 a 11 onze anos não era uma situação apropriada. Nessa época a minha mãe já manifestava o desejo de vir morar em Piracicaba, meus avós maternos moravam aqui, assim como outros parentes. Meu avô era professor primário, foi diretor de grupo, seu nome era Benedito Cotrim Dias.
O senhor passou a estudar em que escola?
Vim para o internato do Colégio Piracicabano, que funcionava na Rua do Rosário, naquela região onde hoje é ocupada pelo Hotel Nacional e prédios ali existentes, uma vasta extensão de área circunvizinha era de propriedade do Colégio Piracicabano. O internato feminino funcionava na Rua D.Pedro II. No internato tínhamos a praça esportiva, piscina, quadra de basquete, campo de futebol. Na baixada do bairro está canalizado o Itapevinha, afluente do Itapeva. As aulas eram no prédio da Rua Boa Morte. Eu não conseguia entender porque tendo avós e tios morando em Piracicaba os meus pais haviam me matriculado no internato. No inicio reagia um pouco contra essa decisão. Meus pais disseram que “Avós e tios estragam os filhos dos outros”, preferiam que eu ficasse em internato. Permaneci interno por apenas um semestre. Em julho de 1948 meus pais mudaram para Piracicaba.
Como interno o senhor adquiriu muita disciplina?
Foi uma grande escola, depois os meus pais queriam me tirar do internato e eu não queria sair. Estava tão enturmado, tinha horário para tudo, para esportes, estudos, eu tinha que cuidar da própria roupa arrumava a minha cama. Fiz o Tiro de Guerra e assim como no internato acredito que ambos foram muito úteis em minha vida, bem como o período em que morei em pensão, na cidade de São Paulo. São situações que preparam o individuo para a vida, esse período longe da família serve para valorizá-la, dá uma nova visão.
Houve um período em que o senhor estudou em escola estadual?
Conclui o ginásio e o colégio no Sud Mennucci, minha família morava inicialmente em uma casa situada na Rua Treze de Maio entre a Rua Santo Antonio e Alferes, depois passamos a morar em uma casa na Rua Alferes entre a Rua Treze de Maio e a Rua Voluntários, em frente ao Grupo Escolar Moraes Barros. Um fato interessante é que no período em que eu estudava o Curso Científico no Sud Mennucci, iniciou-se o Curso Normal, com a finalidade de formar professores, as aulas eram dadas inclusive à noite. Passei a fazer esse curso também, assim estudava a tarde e a noite na Escola Sud Mennucci. Acabei por desistir do Curso Normal.
Qual foi a sua opção pela carreira profissional?
Eu tinha uma dúvida muito grande sobre qual carreira seguir. Alguns anos antes eu manifestei a vontade de fazer uma escola militar, propriamente o curso de aeronáutica, a aviação foi uma coisa que sempre gostei, por duas vezes iniciei o curso de pilotagem. Ainda criança eu tinha sofrido algum tipo de influência decorrente do clima militarista que havia no período após a Segunda Guerra Mundial, cheguei a optar em cursar o ITA, que é até hoje um dos melhores cursos de engenharia do Brasil, só que eu tinha um problema muito sério com a disciplina de química, havia um pouco de incompatibilidade da minha parte com a matéria. Nessa época fui convocado para servir o Tiro de Guerra na época situado na área denominada “Isolamento”, onde hoje há uma escola estadual na Rua São João, próximo a ESALQ havia uma plantação grande de eucalipto, fazíamos os exercícios de marcha pelo loteamento do bairro Jardim Europa, o estande de tiro era dentro da ESALQ nas proximidades do local onde hoje é o restaurante da escola. Tive uma forte inclinação para cursar Direito, mas tinha também alguns receios.
Quais receios?
Algumas pessoas passavam a idéia de que advocacia era uma atividade em que o bom advogado tinha que ferir alguns princípios éticos. É um conceito equivocado, mas existe, isso não é inerente a profissão e sim a própria pessoa. O fato de ser advogado não significa que será necessariamente um advogado antiético, você pode ser um advogado ético. Isso ocorre em qualquer profissão. No fundo eu desejava fazer direito para depois cursar diplomacia, no Instituto Rio Branco. Conversando com um diretor do Colégio Piracicabano, Norman Kerr Jorge, ele disse que havia uma escola muito boa, a Escola de Sociologia e Política de São Paulo, era uma fundação ligada a USP e que após concluir o curso eu poderia ingressar no Instituto Rio Branco onde era tido como pré-requisito ter feito um curso superior. Prestei o vestibular, entrei e passei a cursar, quando estava no terceiro ano prestei vestibular para Direito no Mackenzie e entrei. Cursei as duas faculdades. Na época freqüentava a ACM, Associação Cristã de Moços, onde jogava muito basquete. Sempre morei nas proximidades das escolas. Fui um dos primeiros estudantes a morar no prédio recém construído da ACM da Rua Nestor Pestana.
Na época o senhor já tinha carro próprio?
A minha loucura era ter uma lambreta, a muito custo consegui convencer a minha mãe a aceitar a idéia, e que ela fizesse um empréstimo na Caixa Econômica para dar a entrada na compra da lambreta. Logo percebi que os motoristas de ônibus da CMTC não respeitavam muito, vendi a lambreta e comprei um Ford 1934, mais velho do que eu! Era um azul tendendo para roxo, o marcador de gasolina era um cabo de vassoura que enfiava no tanque para ver o nível do combustível. Eu já trabalhava em São Paulo na revista Cruz de Malta com tiragem de 18.000 exemplares, ingressei como revisor e terminei como diretor,. Em 1959 prestei concurso para ingressar no Banco do Brasil, após aprovado passei a trabalhar das 13 horas ás 19 horas e continuava meus estudos na parte da manhã. Era uma vidinha puxada, tinha também que jogar basquete, namorar!
Quando o basquete entrou na sua vida?
Quando fui estudar no Sud Mennucci o professor de educação física Mané Bortolotti resolveu formar uma equipe nova do Grêmio Normalista e selecionou alguns meninos, eu era alto, jogava de pivô. Joguei basquete por muitos anos, com 1,83 metros de altura eu me destacava, atualmente um atleta de qualquer time amador tem mais de 1,90 metros. No basquete não é apenas a altura que influi, a envergadura conta muito. Atualmente ás terças-feiras e quintas-feiras eu participo de um “rachão” com os amigos.
Em que bairro de São Paulo ficava a agencia bancaria que o senhor trabalhou?
Era o Banco do Brasil situado na Lapa, escolhi ali por ser a saída para Piracicaba, o ônibus passava a 100 metros do banco. Com o tempo transferi-me para o Banco do Brasil de Piracicaba.
O senhor criou o sistema de consórcio para carros no Brasil?
Você deve ter ouvido falar que o consórcio foi criado dentro do Banco do Brasil, por funcionários, fui o primeiro gerente do que na época chamávamos de cooperativa. Com mais um ou dois colegas de banco criei o consórcio, sistema que mais tarde proliferou pelo país todo. Tenho a história toda de como ele ocorreu, como foi parar no mundo comercial. O primeiro grupo de consórcio tinha 21 participantes, chamava-se Cooperativa Lapa, a garantia de entrega do carro era dada através da entrega de uma nota promissória. O veículo consorciado era um Volkswagen. Quando os carros começaram a ser entregues ao consorciado, outras pessoas quiseram participar. O segundo consórcio que montamos chamava-se Laluz, era entre funcionários do Banco do Brasil da Lapa e da Luz. O automóvel consorciado era um Gordini. Quando vim á Piracicaba fiz um grupo dentro do Banco do Brasil, depois fui trabalhar no Dedini, fiz um grupo dentro da empresa. Conservo essa documentação até hoje nos meus arquivos.
A sua permanência no Banco do Brasil em São Paulo foi até que ano?
Foi até 1963, ano em que me casei, a minha esposa, Vera, morava no Rio de Janeiro, era nascida em Minas Gerais e nos conhecemos em Porto Alegre em 1956! Eu tinha um envolvimento com o trabalho da Igreja Metodista, fui líder da mocidade metodista da época, liderava uma região, tínhamos congressos regionais, nacionais, onde conhecia pessoas de outros lugares, eu já tinha conhecido irmãs da Vera em outro congresso em que ela não estava presente. Namoramos por seis anos, ela morando no Rio de Janeiro e eu em São Paulo. Trocávamos muitas cartas, que conservamos até hoje. Casamos na Igreja Metodista do Catete, em casamento religioso com validade no casamento civil, uma novidade da época. Eu consegui transferência para trabalhar na agencia do Banco do Brasil de Piracicaba, meu desejo era advogar. Ao chegar à cidade comentei com Jair de Toledo Veiga sobre a minha vontade de atuar na área, na época a cidade deveria ter duas dezenas de advogados. O Jair disse que o Dr. João Fleury estava procurando um advogado para trabalhar com ele, o Luiz Abrahão que tinha trabalhado com ele estava saindo para montar seu próprio escritório. Passei a trabalhar no Banco do Brasil do meio dia até as dezoito horas e de manhã trabalhava no escritório de advocacia. Por volta de 1964 pedi minha demissão do Banco do Brasil. Nessa época surgiu a primeira faculdade montada pelo Instituto Educacional Piracicabano, a Faculdade de Ciências Contábeis e Administração de Empresas, a famosa ECA. Era muito difícil encontrar professores de sociologia, pelo que eu saiba havia três pessoas habilitadas na cidade, eu era uma dessas pessoas. Fui convidado para lecionar, aceitei, assumi também a direção da faculdade, sendo o seu primeiro diretor.
A ECA iniciou-se em plena revolução de 1964?
A história da ECA é muito interessante, o primeiro vestibular dela foi a primeiro de abril de 1964. Havia duvida se deveria ou não se realizar o vestibular, os boatos diziam que os postos de gasolina estavam fechados. Tomamos uma decisão, se não faltasse nenhum dos 200 inscritos realizaríamos o vestibular. Não faltou ninguém. A prova foi realizada no salão nobre do Colégio Piracicabano. Começamos a faculdade com duas turmas de oitenta alunos. Por um determinado período de tempo eu ficava de manhã no escritório de advocacia, à tarde no Banco do Brasil e a noite na faculdade. Em 1966 foi constituída a segunda faculdade, a de pedagogia. Em 1970 foi organizada a terceira faculdade, da qual fui ser o seu diretor, a faculdade de direito. Em todas elas eu também lecionava sociologia.
Como se deu o seu ingresso na empresa Dedini?
Foi através do escritório do Dr. João Fleury que atendia grandes empresas de Piracicaba. Houve um momento em que o Sr. Mario Dedini quis que um advogado desse expediente por umas três horas diárias. Dr. João Fleury em função de uma série de compromissos pediu que eu o substituísse nessa atividade. Um dia o Sr. Mario me chamou e convidou-me para trabalhar em expediente integral. Em 1972 eu estava trabalhando na Dedini, realizando muitas viagens, acabei me afastando das faculdades, permaneci na Dedini até 1982, quando retornei as atividades acadêmicas na UNIMEP, exercendo as funções e atividades já citadas.
Haveria muito mais para contar. O papo com o entrevistado foi longo e agradável, porém, infelizmente, o espaço no jornal é limitado. Quem sabe, em outra oportunidade a gente continua. Parabéns, amigo Gustavo, Desejo-lhe feliz gestão.