PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 27 de Julho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
Francisco Lemmo Netto e Francisco, um de seus filhos
ENTREVISTADO:FRANCISCO LEMMO NETO
ENTREVISTADO:FRANCISCO LEMMO NETO
Francisco Lemmo Neto nasceu em Rio das Pedras a 20 de outubro de 1952, filho de Gaetano Lemmo e Maria Capato Lemmo. Seu pai veio para o Brasil em 1925, do sul da Itália, de Maratea Porto província de Potenza.Veio para ficar junto ao seu tio-avô Horácio Limongi nascido em 1898, na mesma cidade de Maratea que chegou a Rio das Pedras em 1914, a Primeira Guerra Mundial estava para ser deflagrada quando ele decidiu vir para o Brasil. Veio com recursos fornecidos pela família. Em Rio das Pedras, na Rua Rangel Pestana havia um casal de italianos que residiam e tinham uma padaria onde ele permaneceu. Ao final de 1914 esse casal vendeu a padaria para Horácio Limongi e mudaram-se para São Paulo. Essa padaria funcionou até a década de 80. Era conhecida como Padaria Limongi ou Padaria do Seu Horácio. A 1 de julho de 1917 ele montou a Indústria de Refrigerantes Limongi situada na Rua Rangel Pestana, 336, a primeira indústria de Rio das Pedras, dia 1 de julho de 2012 a indústria completou 95 anos. No início fabricava gengibirra e itubaina, licores. As fórmulas ele trouxe da Itália. Desde 1917 foi depositário da Companhia Antártica Paulista permanecendo com a família até 1998, por 81 anos ininterruptos foram distribuidores, um dos mais antigos do Brasil. Horácio Limongi casou-se com Maria Cristina Vassalo Limongi, não tiveram filhos. Francisco Lemmo e Maria Limongi são avós de Francisco Lemmo Neto.
Vistas panoramicas de Maratea (Itália)
Vistas panoramicas de Maratea (Itália)
Naquela época como ele conseguia o gás carbônico utilizado para gaseificar o refrigerante?
INDÚSTRIAS LIMONGI - Em seu início.
No início ele produzia de forma artesanal, em um processo muito lento e trabalhoso. Logo passou a adquirir da Usina Capuava, vinha em cilindros. Ele recebeu uma placa como primeiro cliente de gás carbônico da Usina Capuava. As garrafas eram lavadas manualmente com chumbinho para arma de pressão. O engarrafamento era feito uma a uma, com a pessoa trabalhando em pé. Essa indústria permaneceu com a nossa família até 2003. Em 1918 ele passou a produzir também macarrão, no rótulo vinha escrito: “Grande Fábrica de Macarrão Lucânia”, Lucânia era a região de onde ele veio da Itália. A fábrica de macarrão funcionou até a década de 80. Era produzido o macarrão cortadinho e o cortadão, tinha os números 1,2,3 e 4 que era o talharim.Era feito macarrão com ovos. Ele ainda montou um moinho de beneficiamento de arroz. No início da década de 20 passou a produzir sorvete e gelo, os motores vieram da Inglaterra, as máquinas em sua maioria eram importadas. As barras de gelo pesavam 15 e 30 quilos.
A linha de bebidas incluía diversos produtos?
Incluía cacau, aniz, fernet, quinado, capilé, groselha. O gengibre era amassado em um pilão de bronze para fazer o conhaque.
O senhor ajudava na fábrica?
Desde menino, com sete anos, ajudava a colocar selos nas tampas das garrafas.
Qual era a marca da pinga?
“Caninha Capuava”. Foi a primeira pinga de Rio das Pedras a ter registro no INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial na década de 40. Fazíamos vinagre de álcool. Eram produzidas as cervejas pretas “Maltina” e “Malvina”. A cerveja foi produzida nos anos 20 até a década de 50, não cheguei a experimentar por ser criança, mas quem a tomou disse que era muito boa. A distribuição de pães pela cidade era feita com carrinho de tração animal com um baú fechado. No período da Segunda Guerra Mundial meu avô conseguia farinha de trigo com o Moinho Santista, o pão era racionado, eram distribuídas duas bengalas por família, ficava um policial na porta da padaria para impedir qualquer tumulto.
As entregas com o tempo passaram a ser feitas com caminhão?
O primeiro caminhão com a placa estampando o nome “Rio das Pedras” foi de propriedade da nossa família. Era um Ford. Vinha muita mercadoria pelo trem. A Antártica mandava barris de madeira com cerveja, caixas de bebidas eram de madeira. As cervejas vinham em caixas de madeira com palha para não quebrar. Cada caixa comportava quatro dúzias de cerveja. Na época não tinha padaria em Saltinho, o Borsatto por muito tempo ia fazer as entregas de pães, bebidas tudo com carrinho de tração animal, isso na década de 20, 30. Saia de Rio das Pedras cedo e voltava a noite. Os tipos de pães eram a bengala, pão d água, pão de dedo, era um pão em formato de mão com os dedos. Cheguei a ajudar a fazer pão. Eu ia buscar cachaça na Fazenda do João Basilio e Miguel Saliba, com um caminhão Chevrolet, que tinha um tanque de madeira de 6.200 litros, chegava a fazer nove viagens por dia. Na fábrica de sorvetes as vezes faziam fila para tomar sorvete, o meu preferido era o de coco, que vinha com pedacinhos de coco.
Quem da família foi um dos fundadores da primeira usina de Rio das Pedras, a Usina Boa Jesus?
Gaetano Lemmo foi um dos acionistas fundadores, isso por volta de 1951. Foi um dos sócios fundadores do Clube de Campo de Rio das Pedras.
Horácio Limongi realizou obras sociais para a cidade de Rio das Pedras?
Foi um dos grandes financiadores para a construção do Hospital e Maternidade São Vicente de Paulo onde foi presidente e diretor por muitos anos, como presidente ele doou o hospital para a Mitra Diocesana de Piracicaba, foi buscar as irmãs e o Padre Aloísio Beranger no Rio de Janeiro para assumirem o hospital, conservo até hoje uma cópia da escritura de doação na presença do bispo Dom Aniger Francisco Maria Melillo. Horácio Limongi foi membro da construção da igreja matriz, sempre trabalhou como voluntário, sem nenhuma remuneração.Ele foi sócio fundador da “Sociedade Italiana de Beneficência Pátria e Lavoro Rio das Pedras” fundada em 1924, no período da Segunda Guerra Mundial passou a denominar-se Sociedade Cultural Riopedrense. Nessa época os rádios que eles tinham foram apreendidos. Um fato curioso é que havia em Rio das Pedras pessoas que lutaram na Primeira Guerra e recebiam pensão do governo italiano, Horacio Limongi era membro da Rede Consular Honorária, era o agente consular, o cônsul italiano mandava o dinheiro vindo da Itália e ele fazia o pagamento das pensões em Rio das Pedras. Eu era menino quando por diversas vezes fui com ele entregar esses pagamentos. Ele chegou a receber do governo italiano o título de Cônsul Honorário. Foi Presidente da Irmandade do Santíssimo Sacramento, a mais antiga irmandade de Rio das Pedras, fundada em torno de 1905. Dom Aniger, Dom Ernesto de Paula, vinham com freqüência almoçar aos domingos na casa do meu avô. Fui coroinha, na época do Padre Ivo Vigorito, do Monsenhor Cecílio Coury. Era “matraqueiro”, tocava a matraca na Semana Santa, uma das paradas da Verônica era na fábrica, descendo a Rangel Pestana, bem na parte onde tem um vitrô grande, ali enfeitavam. Fui muitas vezes levar capilé, groselha, no Palácio Episcopal, que ficava em frente ao antigo Estádio do XV de Novembro. Era menino, ia com o motorista e o caminhão da empresa.
Horácio Limongi tocava algum instrumento?
Não, mas gostava muito de música, de bandas, nas festas religiosas ele trazia a Banda de Salto que era muito famosa, assim como a Banda de Itu. Era festeiro, trazia, dava o almoço para todos aqueles músicos. Ele ajudou bastante a Corporação Musical Santa Cecília, na época do Maestro Denizart. Era muito amigo de Antenor Cortelazzi. Nas suas voltas de idas a Europa o Seu Antenor fazia questão de ir com a banda tocar em frente a sua casa. Inclusive Antenor Cortelazzi esteve a passeio com ele em Maratea.
Por que Horácio Limongi decidiu morar em Rio das Pedras?
Já havia alguns parentes residindo na região. Ele gostou do lugar e aqui permaneceu. Um de seus irmãos, Aquilino Limongi fixou-se em Itu, outro irmão Brás Limongi fixou-se em Rafard. O Paschoal Limongi morava na Fazenda Lagoa, em Rio das Pedras. Horácio veio no último navio que saiu de Nápoles antes de iniciar a Primeira Guerra Mundial.
De Rio das Pedras a Piracicaba era estrada de terra?
Era sim, a melhor opção era ir a Piracicaba de trem. Fui muito à São Paulo pela Estrada de Ferro Sorocabana, em Mairinque havia a baldeação. De Rio das Pedras â São Paulo demorava umas cinco horas de viagem, se desse tudo certo, se atrasasse, a viagem poderia demorar sete ou oito horas. A linha do trem cruzava a cidade, onde foi a Padaria Cristal e hoje funciona uma escola, havia uma porteira para impedir o trânsito quando o trem passava. Tinha o bar da família Rodrigues, ao lado um açougue e depois a casa do Joca.
Anéis de latão que eram trocados por alianças de ouro;
Lembro-me da campanha “Dei Ouro Para o Bem do Brasil”, onde muitos doaram alianças de ouro e recebiam um anel de latão com esses dizeres acima, isso foi na década de 60. A Rua Prudente de Moraes era calçada com paralelepípedo, existia a Rua Torta e a Rua das Cabras, onde hoje existe a Padaria Moinho Verde. Ainda menino pescava cascudo, cará, no Ribeirão Tijuco Preto, enfiava a mão na toca, era um ribeirão limpo. Às vezes saia com as pernas cheias de sanguessuga. Tinha que esconder essas travessuras do meu pai,
Anéis de latão que eram trocados por alianças de ouro;
Lembro-me da campanha “Dei Ouro Para o Bem do Brasil”, onde muitos doaram alianças de ouro e recebiam um anel de latão com esses dizeres acima, isso foi na década de 60. A Rua Prudente de Moraes era calçada com paralelepípedo, existia a Rua Torta e a Rua das Cabras, onde hoje existe a Padaria Moinho Verde. Ainda menino pescava cascudo, cará, no Ribeirão Tijuco Preto, enfiava a mão na toca, era um ribeirão limpo. Às vezes saia com as pernas cheias de sanguessuga. Tinha que esconder essas travessuras do meu pai,
O senhor chegou a ir até a cidade natal de Horacio Limongi e Gaetano Lemmo?
Conheci Maratea, tem o segundo maior Cristo Redentor do mundo, o primeiro é o do Rio de Janeiro. São Brás está seputado em Maratea. Mantemos contato com os parentes que moram em Maratea.
Como era a relação entre Horácio e outros industriais italianos da região?
Ele tinha muita amizade com o Comendador Mário Dedini, inclusive a primeira caldeira que ele adquiriu para a fábrica foi fornecida pelo Mário Dedini.Era muito amigo de Babico Carmignani, assim como Primo Schincariol. Ele conheceu o Conde Matarazzo, conversavam muito, o Conde Matarazzo nasceu em Castellabate, perto de Maratea. Ele adquiria produtos do Matarazzo para vender na nossa região. Havia uma boa relação entre os italianos. Meu avô era assinante e correspondente do jornal Fanfulla que existe desde 1893. A casa era grande, era normal ter sempre alguns parentes visitando. Um fato interessante é que a padaria assava gratuitamente quitutes feitos no período das festas de fim de ano. Traziam 50 a 60 frangos, 10 a 12 leitoas, teve um ano em que foram assados 150 frangos e 25 leitoas. Entre todas as atividades o total de funcionários chegava a uns 50, o que para a época representava bastante em uma cidade que era bem menor. Alguns funcionários que trabalharam mais de 50 anos conosco ainda se lembram daquela época, o José Valdemar Sturion é um deles.
Em que anos faleceram Horácio e Gaetano?
Horácio faleceu em fevereiro de 1989 e Gaetano em novembro de 2002.
Como eles viam toda as transformações ocorridas?
O senhor tem quantos filhos?
Sou casado com Vera Helena Aparecida Guion Lemmo, temos três filhos: Francisco, Horácio e Mário.
O senhor praticava esportes?
Fui integrante da equipe de atletismo de Piracicaba, o salto triplo era o meu forte. Fiz parte de uma equipe de mergulho que existia em Rio das Pedras, chamava-se MAR Mergulho Autonomo Riopedrense, isso nas decadas de 70 e 80, mergulhava em Angra dos Reis. Entre outros faziam parte do grupo Sérgio Abreu, Dinho Penatti. Por vários anos fui presidente do “Gremio Recreativo e Escola de Samba Opus 6” o mestre de bateria era o Carlos (Carlão) Pontes, ele era mestre de bateria da Zoom–Zoom de Piracicaba, na década de 70. Existiam outros blocos como o “Sortidão”, que era do pessoal dos Cortelazzi, Furlan, a minha esposa participava do bloco “Equichamego”, do Bonassa era o “Risoleta”. O nosso era bloco quando ia para o clube e escola de samba quando ia para a rua. Saía da fábrica as 5 horas da tarde, pegava o material e o pessoal e ia ensaiar no Clube de Campo ou ao lado do casarão do Marino. As famílias participavam. Só na bateria tinha mais de 100 elementos, no total tinhamos uns 200 integrantes, desfilavamos na Rua Prudente de Moraes. Era uma outra época, o povo era muito animado.
Primeira corrida oficial de Interlagos
Copersucar o primeiro carro Fórmula 1 fabricado no Brasil
Como o senhor vê Rio das Pedras hoje?
Quando saia conhecia todo mundo, parecia uma grande família, hoje o contato é com poucas pessoas, ficou uma coisa meio distante. O povo está mais fechado, retraido, se conversa menos, todo mundo correndo. Antes saíamos mais, todos eramos muito unidos. Na época de carnaval, assim como íamos assistir as corridas de Fórmula 1, desde a primeira em 1971, quando ainda não era oficial, assisti a mais de 20 corridas. Cheguei a ver o Coopersucar, primeiro carro de Fórmula 1 brasileiro. Íamos juntos, Sérgio Abreu, Dinho Penatti, Zuim, Luis Leite, Sérgio Caporalli. O narrador era Geraldo José de Almeida, que antecedeu Galvão Bueno.
O senhor costuma levantar-se a que horas?
As 4 horas e 23 minutos da manhã, levanto-me exatamente nesse horário ha mais de 30 anos.