PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 30 de março de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: MÁRIO PURGATO – CASA PURGATO - DESDE 1918
Em Mombuca existe um armazém que é a história viva de décadas de comércio, está nas mãos da família Purgato desde 1918. Funciona no mesmo local, mantém características de um verdadeiro museu do varejo. Para acessar o estabelecimento uma larga escada com 4 degraus dá acesso a um descanso, onde há mais um degrau de uma das três enormes portas de madeira, de duas folhas, com respiros de ferro decorativo sobrepostos Cada detalhe relembra uma época. Mantém os caixotes de venda de produtos a granel, como arroz, feijão, milho, açúcar, trigo, tudo em perfeito estado, com as tampas móveis de madeira, piso em ladrilho hidráulico, o forro é de pranchas largas de madeira, o balcão em uma decoração que lembra um imenso bloco de mármore com tampo de granito. É possível que nem a companhia de cigarros Souza Cruz tenha em seu acervo mobiliário um balcão expositor de cigarros semelhante ao que ela um dia forneceu a Casa Purgato, que o conserva ainda com os nomes dos principais cigarros vendidos pela companhia como “Guanabara”, “Boehmios”, “Rádio”, “Royal Club”. Baleiros com mais de meio século, onde as balas ficam expostas principalmente aos olhos das crianças Ao lado do armazém há um enorme salão onde eram realizadas as festas de casamento, bailes, recepções. No estoque, encontram-se as caixas de madeira para duas dúzias de garrafas, estampando o nome das cervejas Brahma, Antarctica, assim como caixa de madeira para uma dúzia da caninha Capuava, os litros vazios permanecem lá. Há muitos anos essas caixas foram substituídas por caixas plásticas. Uma escrivaninha na área interna ao balcão de atendimento é parte do mobiliário quase centenário. Quem tiver a curiosidade de saber o que era um armazém tradicional, antes da chegada dos supermercados, basta ir até a Casa Purgato. Mário Purgato Júnior, Marinho, é quem administra o estabelecimento, soube inovar os produtos mantendo a tradição do local. Seu pai Mário Purgato nasceu em Mombuca a sete de setembro de 1929, filho de Dante Purgato e Jacira Fonseca Purgato. Cesare Purgato imigrante italiano, avô de Mário adquiriu o armazém em Mombuca em 1918 de um senhor chamado Francisco. Cesare casou-se no Brasil com a também imigrante italiana Adélia. Inicialmente Cesare morou com seu irmão Ângelo em Jundiaí. Na época a linha da Estrada de Ferro Sorocabana passava em frente ao armazém, onde situava a Estação de Mombuca.
Além da pequena Mombuca da época de onde eram os clientes do armazém?
Naquele tempo havia umas seis fazendas na região, três pessoas atendendo no balcão não davam conta do trabalho. Vendia-se de tudo, menos arroz e feijão que os clientes plantavam onde residiam. Meu avô além do armazém expandiu o prédio criando também uma loja, minhas tias e tios também atendiam os clientes. Os granjeiros, que negociavam mercadorias com carrinho de tração animal, pelos sítios da região também vinham adquirir produtos aqui. O pão vinha trazido pelo ônibus logo cedo de Rio das Pedras, eram três a quatro sacos de pães.
Existia mais algum armazém em Mombuca?
Existiam mais dois armazéns um de propriedade de Miguel Kalil e outro de Jorge Farah. O primeiro foi o nosso. O Armazém Purgato continua até hoje funcionando, por aqui passaram meu avô, meu tio Henrique Purgato, depois outro tio, Plínio Purgato que faleceu e o armazém voltou a pertencer ao meu tio Henrique Purgato. Eu comecei a trabalhar para o meu tio em 1940. Abria entre as sete ou sete e meia da manhã. Fechava entre seis e sete horas da noite, de segunda a sábado, domingo trabalhava até o meio dia.
Era um ponto de encontro dos moradores dos arredores?
As fazendas tinham 40, 50 famílias que trabalhavam em cada uma. Naquela época era comum cada família ter de 5 a 10 filhos.
Qual a forma de transporte mais utilizada para ir até Piracicaba?
Era o trem. Para entregar as compras nas fazendas meu avô tinha um carroceiro, o Bernardo Meneguetti, que com uma carroça puxada por cinco animais, lotava-a e levava as mercadorias. Isso quando o freguês não tinha condução própria. Os viajantes vinham vender os seus produtos no armazém, o viajante do Matarazzo chamava-se Samataro. Inclusive ele arrumou um serviço para meu irmão no escritório do Matarazzo em São Paulo, meu irmão trabalhou uns 30 anos para o Matarazzo, aposentou como gerente em Bauru.
Cigarreira fornecida pela Souza Cruz com o nome dos cigarros da época escrito com letras douradas, deve ter quase um século.
Detalhe da cigarreira
O senhor teve quantos filhos?
Sou casado com Iracema, tivemos quatro filhos: Vera, Jacira, Marinho e Regina. Conheci minha esposa quando freqüentava a escola, eu tinha 10 anos ela 8 anos. Quando eu tinha 22 anos nos casamos, em Mombuca mesmo. Continuei trabalhando no armazém e ela passou também a ajudar. Hoje o proprietário é o meu filho Mário.
Quais eram os principais produtos cultivados em Mombuca?
Batata, cebola, algodão, milho. Eram despachados por trem, lotavam os vagões.
A cidade de Mombuca cresceu ou diminuiu?
Estacionou. Agora está melhorando um pouco, já tem duas indústrias na cidade. Mais duas que estão para vir.
O armazém recebeu algum político em campanha?
Muitos políticos passaram por aqui: Adhemar de Barros, Paulo Maluf, Jânio Quadros Um fazendeiro, José Ferraz do Amaral, apelidado por Dr. Juca, ficava conversando com meu avô, bebericavam e conversavam em uma sala mais reservada. No Natal reuníamos toda a família, 20 a 30 pessoas, além de amigos, tínhamos uns amigos que moravam em Mombuca e tinham se mudado para o Rio de Janeiro, no final de ano eles passavam uma semana aqui, ficavam hospedados na casa da nossa família. Quando tinha muita gente iam dormir na casa da família da minha esposa, inclusive eu ia, para dar espaço aos que vinham de fora.
O senhor participou da política?
Participei, fui vereador por duas vezes, duas vezes vice-prefeito. Abrahão José era o prefeito, quando ele ia para São Paulo fazia questão de me levar à sede do governo que ainda era no Palácio dos Campos Elíseos, na Avenida Rio Branco. Adhemar de Barros gostava de Mombuca. A pintora e desenhista Tarsila do Amaral vinha sempre aqui na Casa Purgato, a fazenda do pai dela era em Mombuca, ela tinha muita amizade com as minhas tias. O pai dela era o Dr. Juca. Cheguei a ver os quadros que ela pintava. Ela era bonita, conversava bem. Daqui até a fazenda da sua família são quatro quilômetros de distância.
Um dos produtos muito comercializados era o fumo de corda?
Vendia-se muito, tem um caixão no meio do balcão onde eram colocados dois rolos de fumo, meu avô adquiria de um sitiante chamado Packer, lá do Bairrinho, local famoso pela qualidade do fumo. Os clientes eram exigentes, gostavam de fumo de boa qualidade. Os cigarros que mais vendi em meu tempo foram “Fulgor”,“Yolanda” “Oceania”. Meu pai fumava “Oceania”. Vendíamos cigarros da Souza Cruz, temos um expositor (cigarreira) dada por eles, acho que deve ter uns 90 anos ! Tenho a impressão que já existia quando meu avô adquiriu o estabelecimento em 1918.
A Casa Purgato funcionou muito tempo sem geladeira?
Naquele tempo não existia geladeira, tomavam cerveja quente mesmo. E como tomavam! Os italianos e espanhóis eram loucos por uma cerveja Antárctica, Hamburguesa. Gostavam muito de vinho, sendo o Vinho Virgem, que vinha do Rio Grande do Sul, o preferido deles. Hoje dispomos de quatro geladeiras cheias de bebidas. Naquela época vendiamos Gengibirra e Itubaina do Limongi de Rio das Pedras, eles também forneciam aguardente que o pessoal gostava de bebericar no balcão. Meu avô sempre comprou do Limongi, nós ainda adquirimos produtos Limongi. Lembro-me das linguiças que vinham conservadas dentro de latas com banha, eram produzidas no Rio Grande do Sul. Nós abatiamos dois porcos por sábado, meu tio e e eu levantávamos as quatro horas da manhã, quando eram sete horas os dois porcos estavam na banca para serem vendidos. Minha avó e eu fazíamos linguiça, era feita com carne de porco, pimenta, sal, alho. Primeiro moia a carne, lavava a tripa e enchia com a carne já moida e temperada. Até hoje existe o varal onde dependurávamos a linguiça. A linguiça geralmente já estava toda encomendada.Muitos levavam para casa, dependuravam, deixavam secar para comer crua.
O fregues no final da lavoura, após vender a safra vinha para acertar a conta. As vezes demorava um ano ou menos para receber, conforme o produto que o freguês tinha plantado. Chegamos a ter mais de 200 cadernetas. Geralmente vinham fazer compras aos sábados. Temos fregueses que a vida inteira compraram conosco, suas famílias continuam comprando.
As mulheres adquiriam tecidos para suas roupas na Casa Purgato?
Compravam, as vezes algumas compravam uma peça de tecido e fazia a roupa na mesma estampa para a família toda.
O senhor tinha algum animal de montaria?
Tinha um cavalo chamado Pinhão. Saia com ele só para passear. Tinhamos vacas leiteiras, o leite era para o consumo da família.
Havia festas, bailes?
Quase todo mês tinha baile, era feito no salão grande que temos ao lado. Alguém queria fazer um baile de aniversário nós cedíamos gratuitamente o salão. Assim como festas de casamentos. Os bailes de carnaval eram realizados nesse salão. Naquele tempo não havia asfalto, onde hoje há uma escada em frente ao armazém era um barranco, subia-se por um trechinho de terra.. Meu avô que fez essa escada.
Em cada compartimento destes eram colocados alimentos a granel para serem vendidos por quilo.
Quando os trens paravam na estação em frente ao armazém, os maquinistas vinham tomar uma àgua?
Os maquinistas, chefe de trem que era quem cobrava a passagem, vinham tomar àgua, outros tomavam um aperitivo. O meu tio Angelo Carelli era chefe de estação. Eu ia à Rio das Pedras, Piracicaba, Capivari de trem, até Capivari levava meia hora para chegar. Até Piracicaba levava quase uma hora. Tinha as turmas, que eram funcionários que conservavam a linha, geralmente eram cinco trabalhadores e um chefe. Até Rio das Pedras tinha uma turma, até Capivari tinha outra turma.
A Rádio Tupi de São Paulo, gostava de ouvir as músicas de Vicente Celestino, Francisco Alves. O primeiro rádio de Mombuca foi comprado pelo meu avô, ele adquiriu antes da guerra, teve um período durante a gerra em que italianos não podiam ter rádio em casa. Nessa época meu avô para vir de São Paulo a Mombuca tinha que ter salvo-conduto.(Documento emitido por autoridades de um Estado que permite a seu portador transitar por um determinado território). Quando morreu meu tio meu avô morava em São Paulo, foi uma dificuldade para ele vir até Mombuca, chegou aqui quase na hora do enterro. Na revolução de 1932 alguns cidadãos foram convocados, inclusive um negro conhecido como Campineiro, que era muito amigo da nossa família. Durante a segunda guerra houve racionamento de certos produtos, o querosene era racionado conforme o número de pessoas da família. Não era vendido a vontade. Nós vendíamos óleo comestível a granel, era um tambor de 200 litros colocava-se uma bomba manual que fornecia a quantia desejada pelo cliente. Arroz e feijão não havia racionamento, mas sal também era racionado, cada família tinha uma determinada quantia que podia adquirir por mês. A Casa Purgato já funcionava quando ainda não havia energia elétrica, ainda têm os lugares onde eram colocados os lampiões a querosene. A energia elétrica chegou primeiro em Capivari, depois veio para Mombuca, na época o prefeito de Capivari era nascido em Mombuca, foi ele quem trouxe a àgua encanada. Nós tinhamos àgua de poço, uma bomba puxava àgua para um reservatório de 500 litros.
O senhor gostava do trabalho no balcão?
Gostava e gosto até hoje, trabalhei muito. Gostava das amizades que tinhamos, todo mundo gostava de mim, me chamavam: “- Marinho! Marinho!”.
O senhor é religioso?
Sou católico, fui cursilhista. Padre Adélio foi um dos grandes sacerdotes que trabalhou em Mombuca.
O senhor torce por algum time de futebol?
Para o Palmeiras! Palestra! Tenho uns primos que são corintianos, mas o restante da família são todos palmeirenses. Aqui tinha o Mombuca Futebol Clube, eu era lateral direito, dos bons. O uniforme era roxo e branco, chuteiras com cravinho. Jogavamos contra times de Rafard, Rio das Pedras. As vezes saia algum “peguinha”, uma discussão mais acalorada. Quando menino fui escoteiro, fazia marcha, desfilava no dia de aniversário da cidade, assim como em 7 de Setembro, 15 de Novembro, Dia da Bandeira. O terreno onde hoje está o grupo escolar foi doado pelo meu avô, são 10.000 metros quadrados. O terreno onde está o cemitério de Mombuca foi doado pelo meu avô. Anstes sepultavam os falecidos em Mombuca nas cidades de Rio das Pedras, Capivari, Rafard. Os corpos eram levados em cavalos, carroças. Mais tarde as casas funerárias de Capivari vinham buscar de automóvel. O acompanhamento do enterro era feito pelo pessoal a cavalo. Quando falecia uma pessoa da família usava-se por um ano inteiro uma faixa preta na camisa.