PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de junho de 2014.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de junho de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: GERALDO CLARET DE MELLO AYRES
Geraldo Claret
de Mello Ayres nasceu a 22 de outubro de 1928 em Pirassununga, é filho de Elias
de Mello Ayres e Maria Amélia de Aguiar Ayres que de 1920 a 1936 moraram e
trabalharam em Pirassununga e tiveram os filhos: Maria Aparecida, Maria
Benedita, Maria Cecília, Maria Estela, que foi freira, e Geraldo.
Qual era a atividade dos
seus pais em Pirassununga?
Meu pai era
professor de Biologia Educacional da Escola Normal Oficial de Pirassununga e
minha mãe professora no Grupo Escolar Anexo. Em 1936 os dois vieram para
Piracicaba, nessa época eu tinha oito anos de vida. Cheguei a cursar o primeiro
ano da Escola Normal Oficial de Pirassununga, hoje Instituto de Educação de
Pirassununga. Minha primeira professora, que me alfabetizou foi a professora
Maria das Dores Pinto, conhecida como “Dona Dora”.
Em que local seus pais
vieram morar em Piracicaba?
Meu pai veio e
adquiriu a casa na Rua José Pinto de Almeida entre a Rua Prudente de Moraes e
Rua São José. Essa casa e mais outra ao lado foram recentemente demolidas dando
lugar a um novo edifício.
O pai do senhor veio exercer
a função de professor?
Ele veio
lecionar na Escola Normal Oficial de Piracicaba, mais tarde denominada “Sud
Mennucci”. Minha mãe era professora adjunta no Curso Primário Anexo da Escola
Normal Oficial. É importante salientar que eles mudaram para Piracicaba em
1936, meus pais não tiveram nenhum ganho extra como premio de loteria, herança,
eles, um casal de professores, adquiriram com seus salários uma das 10 casas
mais bonitas de Piracicaba. Atualmente isso é impossível, com isso nota-se a
degradação da função do professor.
Em Piracicaba o senhor matriculou-se
em que escola?
Em Piracicaba passei a estudar o
segundo ano do curso primário, tenho uma característica, fui primeiro aluno de
ponta a ponta. Tenho boletim escolar guardado, as professoras escreviam “100
com louvor”. O aluno segundo colocado
era nota 100. Formei-me no quarto ano no Curso Primário
Anexo a Escola Normal Oficial de Piracicaba
A segunda professora
primária do senhor qual era o nome dela?
Foi Hercília Junqueira, conhecida
como “Dona Ziloca”. Ela foi também a minha professora de terceiro ano. No
quarto ano foi a Dona Cecita, o nome dela era Maria Cecília Almeida. Em
setembro ela aposentou-se, foi substituída pelo professor Mário Gatti, cuja
filha mais tarde foi minha aluna.
Qual foi a próxima etapa?
Eu fiz o ginásio, fui cursar no
Externato São José, a sessão masculina do Colégio Assunção. Na época localizado
a Rua D.Pedro II esquina com a Rua Alferes José Caetano, prédio onde mais tarde
funcionou a FOP – Faculdade de Odontologia de Piracicaba. Lá onde cursei o
ginásio depois fui ser professor titular. O Externato São José era administrado
pelas Irmãs de São José, com casa provincial em Itu, mas de origem francesa. O
Colégio Piracicabano estava se expandindo, de filosofia metodista, o bispo
pediu às irmãs que enquanto não viesse à Piracicaba o Colégio Dom Bosco, de
orientação católica, funcionasse ali no Colégio São José também a sessão
masculina. Terminei a quarta série lá.
Como o senhor ia da sua casa até
lá?
Ia a pé, sozinho, saia da Rua
José Pinto de Almeida, era pertinho. A rua de casa não era asfaltada, passava o
bonde, mas era com pedregulho. Após me formar no Externato São José tive que
prestar um vestibularzinho. Uma seleção para ingressar no curso científico no
Sud Mennuccci. O científico era uma prolongação do ginásio. Éramos 29 alunos
que prestamos esse exame.
O senhor entrou em primeiro
lugar?
Entrei em primeiro lugar. Foi uma
glória muito grande. Durante o curso científico tive professores memoráveis:
Hélio Penteado de Castro, Francisco Mariano da Costa, tive a primeira aula
lecionada por Erotides de Campos.
Como era Erotides de Campos?
Ele dava aulas de química. Foi
amicíssimo do meu pai. A amizade deles já tinha se iniciado em Pirassununga.
Quando vieram para cá, continuaram a amizade, toda festinha, aniversário, ele e
sua esposa Dona Tita, iam em casa. Quantas vezes vi o Erotides de Campos tocar
piano em casa! Uma das músicas que ele fez em Pirassununga recebeu o nome de
“As Covinhas do Teu Rosto”, em homenagem a minha irmã mais velha, que na ocasião
era uma criança. Eu nem tinha nascido ainda. Sei pela tradição. Erotides era
uma alma pura, não tinha vaidade, ele era mulato, cortava o cabelo bem
rentinho, os amigos passavam a mão e brincavam dizendo: “-Como vai o cafezal
ai!”. Ele perdeu os dentes, mandou fazer dentadura. Isso me lembro muito bem,
ele dizia ao meu pai: “-Mello, dentadura é uma coisa ótima! Eu só tiro para
mastigar!”. Faleceu nos braços do meu pai. A nossa casa era na Rua José Pinto
de Almeida, na Prudente de Moraes era a casa dele e da Dona Tita. Após o almoço
ele sentiu-se mal, estava acabando de fazer a capa de uma musica que ele fez em
parceria com o meu pai. Música dele, letra do meu pai. A Dona Tia, esposa dele,
quando viu que ele estava esquisito correu em casa buscar meu pai. Meu pai de
pijama, saiu, correu lá, amparou a cabeça do Erotides, ele morreu. Foi assim. Após
a morte de Erotides, uns quinze ou trinta dias depois, veio substituí-lo Demosthenes dos Santos Correa,
fui aluno da primeira turma daquele professor extraordinário. Tive aula com
Archimedes Dutra, Rossini Dutra filho do Benedito Dutra.
Como eles eram?
O Benedito Dutra gostava de ser músico, e era
músico. O hino do Colégio Assunção a música é dele e a letra é do meu pai. Benedito teve dois filhos, aos quais deu os
nomes de dois musicos famosos: Rossini e Mozart, este era cirurgião dentista. O
Rossini foi professor de música.
Após completar o cientifico o senhor foi fazer qual curso?
Eu não fiz cursinho. Tive um mês, dia sim, dia não,
aulas de física, com o Ésio Apesato que era aluno da agronomia. Prestei o
vestibular e entrei em décimo primeiro lugar na Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz, já era da USP. A Luiz de Queiroz foi criada em 1902, Luiz de
Queiroz era proprietário da Fazenda São João da Montanha. Não tinha filhos, doou para o Estado com a
condição do Estado instalar ali uma escola agrícola. E foi intalada a escola
agrícola. Tanto que por muito tempo foi denominada Escola Agrícola. No próprio bonde vinha escrito o destino como
Escola Agrícola. Quando Adhemar de Barros criou a USP em 1934, a Luiz de
Queiroz foi incorporada na condição de instituto de ensino superior.
O senhor chegou a conhecer Walter Accorsi?
Fui aluno dele e depois amigo.
E os balancês, o senhor participou também?
Sim, tinha o balancê e o chaparê. O balancê era
balançar o bonde no sentido do seu comprimento, principalmente quando tinha uma
prova dificil os alunos queriam adiar, quando o bonde chegava na curva da Rua
José Pinto de Almeida, com a Rua Marechal Deodoro, faziam o balancê, até
levantar a roda do bonde do trilho, ai o pessoal da manutenção tinha que
colocar o bonde no trilho, para isso tinham que usar um macaco, já não dava
mais tempo de aplicarem a prova. Os professores também estavam no bonde, em sua
maioria. Os alunos fazisso mais no “Cara-Dura”, como era chamado o reboque. Ia
um bonde na frente puxando o “Cara-Dura”, logo atraz ia outro bonde, para na
volta trazer a reboque o “Cara-Dura”. Com o balancê, paravam o “Cara-Dura”, o
bonde da frente e o bonde de traz. Eu não sou e não fui um engenheiro agronomo
vocacionado. Não sou de família de fazendeiros. Meu desejo era cursar Direito.
Só que eu não tinha condições físicas nem econômicas para morar em São Paulo. Quando
eu entrei no Grupo Escolar pesava 16 quilos, quando ingressei no ginásio pesava
24 quilos, quando fiz doutoramento na Esalq, já era casado, pesava 48 quilos.
Um colega, Carlos Alberto Ditt,o pai dele era corretor de café em Santos, era
magro, alto, pela midia ele viu que nos Estados Unidos um cidadão chamado
Charles Atlas, era tão fraco que não aguentava andar de bicicleta. Esse cidadão
criou uma série de exercícios físicos, que foi praticando até que dali alguns
anos foi eleito Mister Estados Unidos. Ele vendia a programação dele por 200
dólares. Esse meu amigo, escreveu e recebeu esse manual, começou a praticar e
ensinou alguns exercícios para mim. Fui um asmático terrivel. Após inumeras
crises, um dia surgiu em Piracicaba, oriundo de São João da Boa Vista, o médico
Dr. Sérgio Caruso, com dois tubinhos de cortisona, o remédio era Decadron, do
laboratório Organon, nunca mais tive asma. Fui muito doentio. Não
tive infância, adolescência nem juventude. Eu tinha a impressão de que não iria
viver até os 30 anos. Talvez por isso eu tenha decidido casar cedo. O que Deus
não permitiu que eu tivesse nessas épocas, que foi saúde, eu tive depois na
maturidade. Eu me cuidei, quando percebi que tinha que dar um jeito, comecei a
fazer exercícios, ginástica, andar, nadar, e até hoje faço exercícios. Faço
musculação inclusive. Com 85 anos. Com isso tenho uma esplendida forma física e
mental. Na Esalq tive professores extraordinários, Salvador Toledo Pizza,
Walter Radamés Accorsi, Frederico
Gustavo Brieger, José de Mello Moraes “Melinho”, Graner,
Jaime Rocha de Almeida. Até o segundo ano eu não me encontrei muito na escola.
Quando me casei, nas férias de julho do terceiro ano de Esalq, passei a ser um
excelente aluno. Comecei a sentir atração pela química agrícola. Quando passei
para o quarto ano e fui aluno do Dr. Jaime Rocha de Almeida, que foi o maior
mestre que eu tive, me empolguei com a tecnologia do açucar e do alcool. Fui um
excelente aluno do Dr. Jaime, o que representou um ponto crucial em minha vida.
Em novembro de 1952, de uma turma de 57 alunos, oito se formaram por média, não
precisaram fazer os exames finais. Eu estava entre esses oito. A escola nos deu
uma declaração de que estávamos formados, só faltava a colação de grau. Já casado,
fui atrás de emprego. Ganhei acho que a primeira bolsa do Instituto Brasileiro
do Café, fui trabalhar no Instituto Agronômico de Campinas. Trabalhei um ano
lá. Minha função era estudar a micro-anatomia do cafeeiro. Que até então não
existia no Brasil. Isso foi em 1953. O diretor era o Dr. Carlos Arnaldo Krug. O
chefe da botânica era uma pessoa extraordinária, Dalvo Mattos Dedecca. Comecei a notar que as pessoas
que se dedicam a botânica, aos vegetais, ou são pessoas puras ou vão ficando
mais puras. Fiz esse trabalho sob a orientação dele. Dois anos depois ele
apresentou como tese na Esalq e recebeu o título de doutor. Por um ano eu morei
em Campinas, aluguei uma casa lá, foi um drama para a minha esposa, lá ela não
conhecia ninguém.
Como o senhor conheceu a sua esposa?
Conheci Jurema Rstom de Mello Ayres, filha de Isaac
Jorge Rstom, proprietário da Loja Tigre, ao lado do Grupo Escolar Barão do Rio
Branco, seus pais vieram adultos do Líbano. A conheci quadrando o jardim. Eu
estava com mais dois amigos, e tinha duas moças uma mignom e outra mais
avantajada. Após algumas voltas e alguns fleters eu disse ao meu amigo:
“-Adolfo, com qual eu vou sair?”. Ele me disse: “-Arrisca a menorzinha, é tão
delicadinha!”. Me aproximei e começou o namoro. Isso foi em 18 de dezembro de
1946.
Como foi a abordagem que o senhor fez?
Foi na cara de pau. Disse-lhe: “-Vamos dar uma
saidinha?”. Ela ficou enrubescida, e saimos andar na Rua Governador Pedro de
Toledo. Esse era o passeio.
Qual era a idade de ambos?
Eu tinha 18 anos e ela 13 anos e seis meses.
Namoramos quatro anos e meio. Quando ela fez 18 e eu 22 nos casamos na Catedral de Santo Antonio. O
padre era amigão meu, veio de Capivari, ele tinha sido aluno da minha mãe em
Pirassununga, quando criança. Era o Conego Alécio Adani. O casamento civil foi
realizado na casa do meu sogro, o juiz de paz foi até lá, estavam presentes seu
pai, sua madrasta Lucia Ferro. Minha esposa foi morar na casa da minha irmã,
pela regulamentação da igreja católica, jamais o noivo poderia conviver com a
noiva antes de casar. Na quinta feira a tarde casamos no religioso.
Na época não era muito comum, mas chegaram a viajar em lua de mel?
Viajamos, fomos para Campinas. Fomos de taxi, eram
poucos aqueles que tinham carro. Passamos uma semana e voltamos à Piracicaba. Fomos
morar na casa dos meus pais, era uma casa muito grande, tinha quatro
dormitórios. Três das minhas irmãs se casaram e a quarta foi para o convento.
Naquele casarão ficamos meu pai, minha mãe e eu. Por um ano e meio, até me
formar, moramos juntos com meus pais. Em 1952 eu me formei.
Quantos filhos o senhor tem?
Quando eu ainda era estudante nasceu a minha
primeira filha. Tivemos Maria Estela, Maria de Fátima, Elias e Lilian Regina.
Como o senhor voltou à Piracicaba?
A Dona Aurora, esposa do Dr. Jaime, encontrou-se com
a minha mãe no ponto de bonde, atrás da Catedral, disse-lhe: “- Dona Amélia, o
seu filho Geraldo está bem em Campinas?”. Tem uma vaga aqui com o Jaime. Tenho
certeza de que o Dr. Jaime vai querer ele no departamento. Vim para ser assistente
do Dr. Jaime Rocha de Almeida. Vim morar ao lado da casa do meu pai. Nese meio
tempo eu ganhei uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) para ficar um ano no
departamento de bioquímica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.
Como agrônomo o que o senhor foi fazer em uma escola de medicina?
Fui indicado para a bioquimica, bio é vida, quimica
estuda a matéria e suas transformações. Bioquimica estuda a matéria e suas
transformações que acontecem nos seres vivos. Estuda todos os componentes dos
seres vivos. Seja uma bactéria, um virus, uma levedura, um fungo, vegetal,
animal, água, peixes.
Mas esse tipo de estudo não está mais relacionado a medicina do que a
agronomia?
A bioquimica é uma ciência relativamente nova, não
tem ainda 150 anos. Mas se desenvoveu tanto que uma pesquisa de um professor
eminente de Curitiba, Metry Bacila, de quem fui aluno, ele fez um
levantamento na década de 60, de todos os trabalhos científicos publicados no
mundo, 70% é de bioquímica. A bioquímica estuda, faz o que pode para conhecer a
chamada matéria viva. Fisiologia é bioquímica. Todo fenômeno biológico é
bioquímica em sua essência. Ao dobrar um dedo da mão, realizo uma contração
muscular, isso é fruto de um processo bioquímico. Digestão é um processo
bioquímico. Reconstrução das nossas proteínas, nossos componentes todos é
bioquímica. O estudo dos micro-organismos, a microbiologia é bioquímica. Não é
tão importante a descrição do microorganismo, se era uma bactéria que tinha um
revestimento tipo geléia, se tinha flagelo, se tinha um cílio. Muito mais
importante é saber o que esse microorganismo faz. O que ele produz. Se é
patógeno, se produz moléstias em nós, se é de interesse para a indústria. Os
fármacos não criam funções, remédio nenhum faz milagre, por isso se chama
remédio. Remédio remedeia, não cura. Se curasse 100% bastava dar uma injeção em
um cadáver e ele ressuscitaria. A ação do remédio que é farmacodinâmica é
bioquímica. A interação entre receptores nossos e medicamentos é
bioquímica. A genética clássica, de
Mendel é válida, claro. Mas hoje genética é bioquímica. Sabe-se que toda
proteína que os seres vivos sintetizam são realizadas através da codificação
genética, essa codificação é que determina quais aminoácidos irão se ligar.
Assim como com 25 letras você escreve uma biblioteca, com 20 e poucos
aminoácidos a natureza constrói todas as proteínas do nosso universo. Cada vez
que um organismo aceita uma proteína estranha ele aceita como um antígeno.
Sintetiza outra proteína que é o anticorpo. Por defesa. Se eu sofro a agressão
de um vírus da gripe, que é uma nucleoproteína aquilo é estranho ao meu
organismo. Imediatamente meu organismo sintetiza anticorpos. As proteínas são
essencialmente críticas para cada organismo. Toda ciência biológica dinâmica é
bioquímica.
O senhor mudou-se com a sua
família para Ribeirão Preto?
Fui com a minha esposa e a minha
filha mais velha. Perdemos outra filha ainda muito nova. Lá foi gerado e
gestado meu filho, que nasceu em Piracicaba. Ribeirão Preto foi uma fase muito
agradável para mim. Representou um marco científico na minha vida. Esse meu
filho, Elias de Mello Ayres Neto, é musicista, foi solo da orquestra do Maestro
Ernest Mahle, com 17 anos e meio, prestou exame em cinco faculdades de
medicina, entrou nas cinco. Sem fazer cursinho. Escolheu a Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da USP. Cursando medicina ainda dava aulas de
flauta. Tocou na orquestra de Ribeirão Preto. Formou-se, fez três anos de
residência em cardiologia em Ribeirão Preto. Passados três anos ele foi
indicado ara ficar dois anos com o Dr. Jatene e equipe.
O senhor voltou para Piracicaba
após o período em que permaneceu em Ribeirão Preto?
Voltei e fiquei no Instituto
Zimotécnico, na Esalq, zimotécnico estuda a técnica da fermentação, que foi um
sonho concretizado em parte, do Dr. Jaime Rocha de Almeida.
O objetivo era melhorar a
fermentação da cana?
Até de outros tipos. Não deu tempo,
ele faleceu com pouco mais de cinqüenta anos. Dr. Jaime era uma figura marcante,
flautista da Orquestra Piracicabana, regida pelo Maestro Dutra, foi ele quem ensinou
flauta à Celso Woltzenlogel que era filho de Luiz ( Lulu) Barbeiro que tinha salão de barbearia do lado
da catedral. O Celso Woltzenlogel hoje está em
Londres, e é um dos maiores flautistas brasileiros.
O senhor continuou trabalhando no Instituto Zimotécnico?
Lá eu trabalhava em tempo parcial. Nesse meio tempo
foi criada por força inclusive do Rotary Clube de Piracicaba e outras forças
vivas da cidade a Faculdade de Odontologia de Piracicaba, como Instituto
Isolado do Ensino Superior do Estado de São Paulo. No segundo ano do seu
funcionamento, o catedrático contratado de fisiologia era o Dr. Ben-Hur
Carvalhaes de Paiva, tinha consultório junto com Plinio Alves de Moraes que era
prorietário de Laboratório de Análises Clinicas. Não sei como Dr. Plinio
lembrou-se de mim, convidou-me para durante um ano trabalhar com ele, no
sentido de aperfeiçoar a metodologia. Fui, fiquei uma semana no Hospital das
Clínicas, só na parte laboratorial, fiquei mais uma semana no Laboratório
Fleury, vim com toda metodologia nova e instalei no Laboratório do Dr. Plínio.
Dr. Ben-Hur viu o meu trabalho. Passado um ano, quando na odontologia ele
precisou de um bioquimico, e não tinha na cidade e região dentista credenciado
para instalar e ministrar bioquimica, para dar uma disciplina ela tem que
constar do seu curriculo. A maioria das faculdades de odontologia não tinha a
disciplina de bioqimica. Fui convidado para instalar a bioquimica. Acumulei,
ficava um período na Esalq e outro na FOP, instalando a disciplina, sob todos
os aspectos, desde programação até laboratório, compra de material. Fui
pioneiro como outros foram pioneiros nas outras disciplinas. Passado um ano o
Dr. Jaime conseguiu tempo integral para os pesquisadores do Instituto
Zimotécnico. Tive que deixar a FOP. Nesse meio tempo fui fazer cursos em
Curitiba por quatro vezes, com bolsa, na Universidade Federal do Paraná com Metry
Bacila e colaboradores. Foi quando o primeiro
diretor da FOP, Carlos Henrique Robertson Liberalli, que era
carioca, com sotaque característico ( Dr. Geraldo Claret o interpreta com
perfeição), disse-me: “ – Mello Ayres! Você vai ser professor de bioquímica!”.
Disse-lhe que bioquimica eu tinha consciênca de que sabia um pouco, agora
fisiologia eu apenas estudei. Com seu sotaque carioca, Professor Liberalli
disse-me: “- É mais fácil um bioquímico estudar fisiologia do que um
fisiologista estudar bioquimica!”. Assim passei mais um ano acumulando, após um
ano fui graças a Deus muito bem aceito pelos cirurgiões-dentistas, por todos os
profesores, funcionários, alunos da FOP, dali um ano eu tive coragem, pedi
demissão da USP e passei para a Faculdade de Odontologia, como Professor
Catedrático Contratado. Responsável pela fisiologia e bioquimica. Naquele tempo
havia a Escolinha Walita que ensinava receitas de bolos para as madames para
vender material. Apelidaram a FOP de Escolinha Walita. Acharam que era uma
escolinha incipiente. Chegaram a me parar na rua dizendo: “- Geraldo! Você vai
sair da USP para ser profesor na Escolinha Walita?”. Disse: “- Vou! Sabe por que?
Porque nós vamos crescer juntos!”. A minha profecia, que era compartilhada por
outros, se concretizou. Fiquei na Ododontologia, fui muito bem aceito, fiz toda
a carreira universitária, me aposentei na posição mais alta: professor titular.
Fui pioneiro da bioquimica, como Ben-Hur foi pioneiro da fisiologia, Nobilo na
protese, Merzel na anatomia.
As
dificuldades foram grandes?
Muitas. Uma delas
foi quando o Governador Adhemar de Barros deu um aumento substancial para a USP
e não deu para os institutos isolados de Piracicaba, Araçatuba, Bauru, Ribeirão
Preto, Araraquara, São José dos Campos, Rio Claro. Era um absurdo o Estado
manter dois niveis salariais para o ensino superior. Foi criada a Comissão dos Institutos Isolados do Ensino
Superior do Estado de São Paulo o Merzel era o presidente e eu era o
secretário. Sempre fui idealista. Me empolguei nessa luta e viajei por muitas
cidades onde havia Institutos Isolados, arrebanhando a turma para fazer greve.
Assembléias memoráveis que varavam as madrugadas. A luta foi vencida, saiu a
equiparação. O professor Raphael Lia Rolfsen que me conheceu nessa movimentação
toda em Araraquara, passando pelo gabinete Enio Rocha, funcionário de confiança
de Adhemar de Barros, funcionava como “reitorzinho” dessas faculdades, tinha
sobre a sua mesa o meu nome e o do Merzel para sermos dispensados. Dr. Raphael
imediatamente tomou partido a nosso favor, afirmando que éramos dois rofessors
dignos, competentes e honestos. Fiquei sabendo disso mais tarde.