PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 22 novembro de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO:
ELIAS SALUM
Elias Salum nasceu em Piracicaba a 20 de
agosto de 1929. Filho de Issa Salum e Jamile Abdalla Salum que tiveram os
filhos Antonio, Pedro, Faride, Elias,
João. Elias Salum é Ex-membro do Conselho de Ensino e Pesquisas
da Unimep, Membro fundador do Primeiro Diretório da E.C.A. – Escola de
Contabilidade e Administração, origem da Unimep, Ex-Chefe do Departamanto
Municipal da Educação, Ex-Gerente Administrativo e Financeiro da CIPATEL,
Companhia Telefônica de Piracicaba, Radioamador Classe “A”, remido da LABRE.
Fundador de vários grupos de escoteiros em Piracicaba, Limeira, Americana,
Fundador do Primeiro Jornal “O Funcionário Público” da municipalidade local.
Membro do Conselho de Sentença do Fórum de Piracicaba. Membro fundador da ADERP
(Associação dos Administradores de Empresas).
Membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico do qual foi por duas
vezes presidente. Membro fundador da Sociedade “Amigos do Museu Prudente de
Moraes”. Presidente de Honra da Sociedade Sírio Libanesa. “Persona Grata” da
Câmara de Comércio Árabe de São Paulo. Autor de dezenas de artigos
jornalísticos. Autor do livro “Memórias
dos 20 anos do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba”. Por mais de 10
anos atuou como Relações Públicas da UNIMEP. Detentor de dezenas de diplomas e
certificados de conclusão e participação em cursos em diversas áreas.
Colaborador na criação da Universidade Metodista de Piracicaba. Presidiu a
fundação do Instituto Histórico de Rio das Pedras. Detentor de inúmeras
medalhas de mérito e condecorações culturais. Orador oficial da Academia
Piracicabana de Letras. Professor 1º,2º,3º graus, Contabilista, Radiotécnico,
Administrador de Empresas com especialização em Engenharia Econômica, Graduado
em Letras e Literatura Luso Brasileira, Orador oficial do Instituto Histórico e
Geográfico de Piracicaba, Delegado da LABRE (Liga Brasileira de Radioamadores).
Participou de Conferências e Debates sobre Cultura Brasileira em 1990 na Syria,
(Universidade de Damasco), na Jordânia, Universidade de Ibert-Amã. Orientador
de vários Congressos Culturais e Técnicos Radio amadorísticos.
O senhor sempre teve uma das mais intensas participações em inúmeros
setores educacionais e culturais de Piracicaba. O que o motiva a esse dinamismo?
Meu pai, após a Primeira Guerra
Mundial, participou em Damasco, na assistência aos feridos e sepultamentos dos
que morriam combatendo. Após o término da guerra ele casou-se, meu irmão
Antonio nasceu quando ainda meus pais moravam na Síria. Em 1918, após o termino
da guerra meu pai decidiu imigrar para o Brasil, onde meus tios já se
encontravam. A princípio ele veio para São José do Rio Preto, na década de 20
ele veio à Piracicaba. Quando éramos crianças, ele reunia os filhos, que
sentados ouviam seus conselhos, entre eles que devíamos seguir a religião
praticada no Brasil, a Católica Apostólica Romana e deveríamos aprender e
falarmos o português. Entre suas orientações, uma delas é de que nunca
deveríamos nos entregar ao desafio. Deveríamos enfrentá-lo. Outro conselho que
sempre orientou a nossa vida, e que ele sempre dava: “- Façam o que puderem
pela terra que nos abrigou!”. Éramos ainda crianças, mas ele já perguntava-nos
o que tínhamos feito por Piracicaba!
O senhor iniciou seus estudos em
qual escola?
Eu estudava no Grupo Escolar
Alfredo Cardoso, localizado na Rua São José esquina com Alfredo Guedes, entrava
no portãozinho, já ouvia meus coleguinhas alvoroçados dizendo: “ Turquinho
chegou! Turquinho chegou!”. Eu chorava. Um dia cheguei em casa chorando, meu
pai não tinha saído para o trabalho, ele quis saber o que tinha acontecido. Ele
então me disse: “-Amanhã, antes de ir à escola fale primeiro comigo!”. Ele fez
uma bandeirinha da Síria, que conservo até hoje. Disse-me então: “Amanhã quando
for à escola, leve esta bandeira, abra o portão e fale em alto e bom tom:
“-Turquinho chegou! Turquinho chegou!”. Era uma forma de neutralizar uma
brincadeira que para os demais garotos era uma brincadeira inocente. Meu pai
nos orientou bastante na vida, participei de dezenas de entidades. (Só os
descendentes de sírios e libaneses sabiam qual era o sentimento de serem
erroneamente chamados de turcos. A Turquia dominou uma grande região pelo
terror. Nos passaportes dos imigrantes sírios e libaneses vinha o carimbo da
Turquia que dominava politicamente a região. Portanto denominar de turco um
sírio ou libanês trazia-lhe as lembranças dessa época, em que ele ou seus
antepassados viveram).
O senhor nadou no Ribeirão Piracicamirim?
Aprendi a nadar no Piracicamirim,
quando fui com o Gatão, célebre jogador de futebol e o meu irmão Pedro. Por
muitos anos freqüentei o Clube de Regatas de Piracicaba, eu competia em salto
do trampolim. Junto com Francisco Caldeira fomos classificados em primeiro
lugar no salto em trampolim. Eu praticava halteres, um dia o Cantarelli pediu
que eu simulasse uma luta com o ator Milton Ribeiro, estavam fazendo uma
filmagem, só que ele não me explicou que deveria simular a vitória do Milton,
acabei por colocá-lo em terra, fugindo do roteiro da gravação. Só depois é que
o Cantarelli explicou-me como deveria ser feito.
O senhor atuou como cobrador de
ônibus?
Na época do empresário João
Marchiori, eu era criança quando tinha o ônibus que fazia o trajeto do centro
até o cemitério indo pela Rua Moraes Barros. Depois voltava descendo a Avenida
Independência que era chão de terra. Eu apanhava o ônibus que passava em frente
a minha casa, não havia cobrador, o motorista pedia que eu cobrasse dos
passageiros, facilitava o seu trabalho, com isso ele acabava não cobrando a
minha passagem! Ainda criança, quando havia festa na Igreja Bom Jesus eu era
engraxate. Por um ano fui engraxate, às vezes ia até a Praça José Bonifácio. No
início lutamos com muita dificuldade.
Quando a Catedral de Santo
Antonio pegou fogo o senhor chegou a ver?
Isso aconteceu quando eu morava
perto do cemitério. Alguém passou e disse que estava pegando fogo na catedral.
Peguei o cavalo, desci a Rua Moraes Barros, quando cheguei vi que o incêndio
estava controlado. A Sociedade Sírio Libanesa doou uma parte dos vitrais das
janelas, posteriormente.
O senhor lembra-se onde ficava o
Hotel Orsini?
Ficava na Rua D.Pedro I com a Rua
Boa Morte, o Hotel dos Viajantes situava-se na Rua D.Pedro II com a Rua
Governador Pedro de Toledo, ao lado do Mercado Municipal. O Hotel Jardineira
foi demolido há poucos anos, situava-se na Rua XV de Novembro esquina com a Rua
Governador Pedro de Toledo.
O senhor é um dos primeiros
radioamadores de Piracicaba?
Fundei a Associação dos
Radioamadores de Piracicaba, na década de 1970,
radioamadorismo foi muito importante na época em que não havia
televisão, telefone era precário, as comunicações eram muito difíceis, através
do radioamador comunicava-se com o mundo todo. Guardo cerca de 1.000 cartões
que foram enviados por radioamadores do mundo todo. Recebi do Japão uma
homenagem de bronze. (O Professor Elias nesse momento profere palavras em
japonês).
Quantos idiomas o senhor fala?
Português e árabe. Aprendi alguma
coisa da língua japonesa.
O senhor tem uma paixão pela
fotografia?
Sempre gostei muito, tirei muitas
fotos, o Bishoff é quem revelava
Quando houve a queda do Comurba o
senhor já era radioamador?
Quando caiu o Comurba eu era
radioamador, um fato pitoresco é que todas as emissoras de rádio e televisão
divulgavam que tinha caído o Edifício Luiz de Queiroz, nome oficial do prédio,
pessoas das mais longínquas localidades, como Ceará, Bahia, Amazonas, queriam
maiores informações, muitos tinham filhos e parentes estudando na Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Junto com Arnaldo Ricciardi montamos
uma estação de radioamador na Praça José Bonifácio e começamos a atender o
público. Ficamos dois dias praticamente sem dormir, comunicando-nos: “ PY2-CLZ
(Canadá,Londres,Zelândia - CLZ) Piracicaba. O radioamadorismo deu uma grande
contribuição à Piracicaba, eu entrevistava muitas pessoas, eles vinham para cá,
nos comunicávamos. Aproximava e ampliava o nome de Piracicaba no Brasil e no
mundo.
O senhor apresentou um programa
no rádio piracicabano?
Fui o primeiro técnico da rádio
“A Voz Agrícola do Brasil de Piracicaba”, sou formado como rádio-técnico e em
eletricidade também. Quando foi fundada a “Rádio A Voz Agricola” ficava no
andar superior do local onde atualmente é um supermercado, na esquina da Rua XV
de Novembro, atrás da Catedral de Santo Antonio. Comecei a trabalhar como
técnico e depois como locutor de alguns programas, inclusive infantil. Depois
reuni a Sociedade Sírio Libanesa de Piracicaba e todos os comerciantes de
origem árabe passaram a patrocinar, participavam das aulas que eu lecionava em
árabe, musicas árabe, chamava-se “Jóias Árabes”. Quando chegou um novo gerente
da rádio, ele encarregou-me de ir até Uberaba entrevistar Chico Xavier. Antonio
Cantarelli me incentivou a ir. Fui até Uberaba, expliquei à Chico Xavier , fui
muito bem recebido, tirei umas fotografias junto a ele. Quando nasceram meus
filhos voltei a Uberaba. Chico Xavier era uma das maiores luzes fulgurantes da
humanidade. Lembro-me de uma passagem, onde havia muitas pessoas, todas
tentando expor seus problemas. Ele as organizou, e passou a orar com elas: “Pai
nosso que estais no céu, o pão nosso de cada dia e repetiu, o pão nosso de cada
dia, até que alguém complementou a continuação da oração “perdoai as nossas
ofensas assim como perdoamos a quem nos tem ofendido”, Chico Xavier então
afirmou: “-De nada adianta orar se não praticar! Se você souber apenas reclamar não adianta nada, tem que perdoar!”.
Todos entenderam a mensagem, em 10 minutos esvaziou o salão que antes só tinha
pessoas se lamentando. Chico Xavier era uma pessoa muito humilde, muito
simples. Teve um episódio muito cômico, eu trabalhava como técnico na Rádio A
Voz Agrícola de Piracicaba, levei todo o material para fazer a transmissão do
jogo do XV de Novembro, o jogo era no Estádio Roberto Gomes Pedrosa, o locutor
que ia transmitir o jogo não chegava, telefonei para o gerente da rádio, ele
simplesmente disse-me: “Então você transmite o jogo!”. Disse-lhe: “- Mas eu não entendo nada de
futebol!”. Ele disse-me: “ Não tem problema, irradie assim mesmo!”. Transmiti o
jogo inteiro: “ A bola está de posse de Piracicaba, agora está de posse de Itu,
novamente está de posse de Piracicaba, Itu domina a bola agora!” Foi assim o
jogo todo! Foi a primeira e última vez que narrei uma partida de futebol!
O senhor foi presidente do
Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) em Piracicaba?
Fui presidente e membro fundador.
Foi um movimento muito importante na vida de muitas pessoas, durante anos, jovens e adultos frequentaram as
aulas do MOBRAL, cujo objetivo era propocionar alfabetização a pessoas acima da
idade escolar convencional
Quantos filhos o senhor tem?
Sou casado com Maria Alice de
Paiva Salum, temos dois filhos: André de Paiva Salum, médico, e minha filha
Eliana Salum.
O senhor tem um carinho muito
especial pela Sociedade Sírio Libanesa.
Nas décadas de 40 e 50 eu
auxiliava o Padre Abdalla que vinha de Campinas celebrar a missa ortodoxa, na
própria sede. Eu ajudava o padre, pegava o turíbulo e ele em árabe me dizia
para colocar incenso. Eles falavam só em árabe e eu entendia muito bem. A
Sociedade Sírio Libanesa teve como fundamento associar os imigrantes, acolheu e
apoiou esses imigrantes. A grande maioria assim que chegava, queria ser
mascate, assim como meu pai foi. Diziam a algum membro, como disseram para mim:
“ –Elias, você vai com fulano e mostra onde fica o Bairro do Taquaral,
Batistada, Tupi”. Por uns 15 dias acompanhava o imigrante recém-chegado, ia de
carroça e cavalo. Meu pai foi mascate quase a vida inteira. Um fato curioso
aconteceu no Bairro Taquaral, existe a linha da Estrada de Ferro da Companhia
Paulista, eu estava na carroça, com meu pai, comendo um lanchinho. Chegou um
garotinho e disse-nos: “- Dá uma esmolinha!”. Meu pai perguntou-me em árabe o
que ele queria. Respondi a meu pai, em árabe, que o menino queria dinheiro. Meu
pai tirou quinhentos réis e perguntou-me se era muito ou pouco. Entreguei. O
menino curioso perguntou-me: “ – O que ele está falando?”. Disse-lhe que era em
árabe. O menino aterrorizado disse: “-É turco!”, jogou o quinhentos réis no
carrinho e disparou na estrada de ferro. Gritou: “Turco come gente!”. (Essa é
mais uma lenda que segundo os estudiosos tem sua origem no fato de árabes
apreciarem o quibe cru). Fui coroinha na Igreja Bom Jesus, com o Monsenhor
Martinho Salgot. Já mais mocinho me formei como rádio técnico, montei
alto-falantes dentro da Igreja Bom Jesus. O Monsenhor Martinho Salgot não
gostou da forma como foi montado. Na época criticou meu trabalho. Só que esses
alto falantes funcionaram por muito tempo. Com o passar do tempo tirei os alto
falantes, subi no forro da Igreja Bom Jesus, até hoje meu alicate de corte deve
estar lá, eu o esqueci! O Frei Paulo do Seminário Seráfico interessou-se pelos
alto falantes, levamos para a Igreja dos Frades, e passamos a usá-los durante
as missas.
A família do senhor teve um
estabelecimento comercial?
Na Rua Governador Pedro de
Toledo, ao lado onde atualmente é a Casas Bahia havia a loja Casa da Paz,
trabalhava com tecidos e armarinhos, pertencia a nossa família. Não havia o
trânsito que existe hoje. As pessoas vinham do sítio, eram convidados a entrar
e normalmente adquiriam produtos. Naquele tempo havia muita troca de
mercadorias por produtos agrícolas, animais, ovos. Aos sábados eu levava para
Fernando Gutierrez as mercadorias, que ele iria despachar. Ele estava
estabelecido próximo ao Teatro Municipal, em uma travessa. Naquela época eu
fazia tudo a cavalo, levava mercadorias a cavalo. Meu pai às vezes trocava
mercadorias com cavalo xucro, eu tinha o dom de amansar cavalo. Nessa época
morávamos na Rua Moraes Barros esquina com a Avenida Independência. Onde hoje
há uma árvore enorme era um bosque, daquela região tiravam saibro para fazer
construção. Faziam muito buraco, os caminhões depositavam lixo nesses buracos. Onde
hoje é o Estádio Barão de Serra Negra havia o Bosque Barão do Rio Branco. Eu vivia
dentro do bosque, tinha muitos tipos de frutas, coquinho. Quando dava tempestade e caiam os galhos,
trazia para colocar em nosso fogão que era a lenha. O bosque era um lugar de
lazer para as crianças da região. A Rua Moraes Barros era chão de terra, na
década de 30 começaram a colocar paralelepípedo.
O cemitério era logo adiante?
Quando era ainda criança cheguei
a lavar túmulos no cemitério. Lá não havia água, eu levava de casa. Por uns
dois anos lavei sepulturas. O pessoal que vinha do sítio guardava as carroças e
os cavalos na nossa casa, era uma área grande, ocupava meio quarteirão. Uma
verdadeira chácara.
Não havia um pouco de superstição
com relação ao cemitério?
As moças que moravam no
Piracicamirim vinham quadrar o jardim, na Praça José Bofácio, à noite. Quando eram
umas nove horas da noite elas subiam, nós garotos, pregávamos sustos nelas, com
objetos imitando caveiras. Elas ficavam com medo, eu as acompanhava, embora
fosse apenas um menino. Elas sempre e davam algo como recompensa, geralmente
uma moeda. O cemitério fechava as seis horas da tarde ao toque de um sino. O
porteiro era o Seu Antônio, que morava em uma rua próxima ao cemitério. Algumas vezes ele fechava o portão e a pessoa
fica dentro, ela batia o sino, eu ia correndo e quem tinha ficado pedia que
abrisse o portão. Eu chamava Seu Antonio, ele abria o portão e a pessoa saía.
Era muito comum acontecer isso.
O caixão com o falecido era
carregado por pessoas que subiam a Rua Moraes Barros?
Quando mudamos para lá eu disse
ao meu pai: “-Porque viemos morar aqui, pegado ao cemitério?”. Ele disse-me:
“Morrem duas a três pessoas todos os dias, passam, nos cumprimentam, onde você
vê coisa igual?” Os enterros eram todos feitos a pé, iam revezando na condução
do caixão, todos seguiam caminhando, mais tarde providenciaram uma carroça
funerária, depois passou a ser um carro fúnebre.
De certa forma era uma estratégia
de marketing colocar a loja em um local onde algum dia obrigatoriamente alguém
passava acompanhando o enterro?
Exato. No dia de finados
vendíamos velas.
O que o senhor ia fazer na
Estação da Companhia Paulista quando era menino?
Com 10 a 12 anos eu carregava
malas, quando o passageiro chegava com o trem das 10 horas da noite eu
carregava a mala e levava até o carro de praça que ficava estacionado em frente
a estação. Ou então até o ponto do bonde que ficava logo na esquina em frente.
Com isso eu ganhava duzentos réis, quinhentos réis.
Quais eram as atividades
realizadas na Sociedade Sírio Libanesa?
Jogavam baralho, jogavam taule, um tradicional jogo de tabuleiro árabe para dois jogadores, por vezes chamado de "gamão árabe". O objetivo era a
aproximação e convivência dos associados.A visitação entre as famílias árabes
era muito constantes. Faziam a aproximação familiar, nessa aproximação acabava
saindo casamentos. A Sociedade Sírio Libanesa tinha como principio agradecer,
retribuir, o que o Brasil ofereceu aos imigrantes. Na época de Natal era feita
a distribuição de presentes para pessoas mais necessitadas.
A
Sociedade Sírio Libanesa tem sua sede na Rua Governador Pedro de Toledo, foi
sempre ali?
A Sociedade Sírio
Libanesa quando começou foi em um prédio a Rua Treze de Maio, 52. Proxima ao
Grupo Escolar Moraes Barros. A Sociedade Beneficente Sirio Libanesa foi fundada
a 16 de novembro de 1902 sendo a primeira reunião realizada na casa de Mansur
Elias Zina, a reunião foi composta por vinte e oito pessoas. Naquela época os
ônibus que se dirigiam à zona rural saiam do Largo São Benedito, próximo a Rua
Treze de Maio. Foram abertos diversos estabelecimentos comerciaiais de sirios
libaneses nas proximidades, até hoje existe o prédio onde foi o estabelecimento
de Mario Neme na Rua Treze de Maio. Em 1926 Luiz Coury e outros membros da
Sociedade Sirio Libanesa tiveram a iniciqativa de adquirir um prédio a Rua
Governador Pedro de Toledo, o prédio foi reformado e a Sociedade Sirio Libanesa
mudou-se para lá. A rua do comércio passou a ser a Rua Governador Pedro de
Toledo, no sentido do centro para o bairro da Paulista. Os sirios libaneses
passaram a abrir lojas na Rua Governador Pedro de Toledo. O prefeito Dr.
Francisco Salgot Castillon cedeu a àrea onde situa-se a Praça Sirio-Libanesa.
Entre a Rua Governador Pedro de Toledo e a Avenida Armando Salles de Oliveira.
No centanário da Sociedade Sirio-Libanesa foi feita uma escadaria, com um
portal artístico, unindo a Avenida Armando Salles de Oliveira com a Rua
Governador Pedro de Toledo, simboliza a entrada dos árabes pela Rua Governador
que era a rua do comércio. Por um longo período a maior parte do comércio na
Rua Governador Pedro de Toledo era composta por árabes e seus descendentes. No
livro Sociedade Beneficente Sirio Libanesa, Sua Gente e Sua História, que
publiquei, há a relaçõao de todas essas casas comerciais e seus proprietários.
Poucas pessoas conhecem isso.
Qual é a
importância da Sociedade Sirio-Libanesa para a comunidade piracicabana?
É a beneficência, solidariedade, cultura. Na década de 70
dei o primeiro curso de língua árabe. Recentemente Elias Nader deu um curso
completo sobre a língua árabe. Comemora as datas cívicas da independência da Síria,
dia 16 de abri e do Líbano dia 19 de novembro.
Como é a relação de convivência entre árabes e judeus em
Piracicaba?
Eu tenho uma fotografia com o Jayme
Rosenthal, ele freqüentava muito a Sociedade Sirio Libanesa e eu freqüentava
muito as iniciativas dele. Ele mandou cópia dessa fotografia para o Muro das
Lamentações, colocou lá. A nossa amizade é muito fraterna. Não há problema de
nenhuma natureza entre judeus e árabes em Piracicaba. Sempre houve muito
respeito mutuo. É um exemplo de confraternização.
Piracicaba não tem mesquita, há
alguma razão?
O que temos em Piracicaba é uma
missa ortodoxa celebrada uma vez por mês na Igreja Nossa Senhora da Boa Morte,
junto ao Colégio Assunção-Dom Bosco, os padres maronitas vem na Catedral de
Santo Antonio onde são recebidos pelo Monsenhor Jamil Nassif Abib, e celebram
missas maronitas ai também.
Piracicaba teve uma sinagoga?
Teve uma sinagoga construída em
1926, na Rua Ipiranga, entre a Rua Governador Pedro de Toledo e a Rua da Boa
Morte, que deixou de ser utilizada em 1946. Foi demolida e atualmente só existe
o terreno vazio no local.
O senhor tem uma trajetória como
professor universitário. Quantos livros os senhor publicou?
Praticamente três. Um sobre a
Sociedade Sírio Libanesa, outro sobre o histórico do Instituto Histórico e
Geográfico, e sobre a atuação administrativa dos militares, fui secretário do
Serviço Militar, fiz a Escola Superior de Guerra. Junto com o prefeito Luciano
Guidotti trouxemos para Piracicaba a apresentação do Batalhão de Campinas.
Como o senhor observou a Segunda
Gurerra Mundial?
Em 1939 eu trabalhava na Casa
Espéria. Era caixeiro. (vendedor). Saiu uma lei determinando que as entidades
estrangeiras localizadas no Brasil não poderiam mais realizar reuniões. A chave
da Sociedade Sírio Libanesa ficou sob meus cuidados. Desde essa época dedico-me
à Sociedade Sírio Libanesa, são mais de sete décadas. A Sociedade Portuguesa
ainda se reúne em uma casarão na Rua do Roásio, nós professores formados em
1950 as vezes nos reunimos lá.
Em Piracicaba é pequeno o número
de imigrantes portugueses?
É pequeno. A grande força de
Piracicaba é a imigração italiana e espanhola. Não tenho esses dados
estatísticos, mas acredito que depois seja a colônia árabe, seguida de alemães
e japoneses.
O senhor foi presidente do
Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba?
Fui membro fundador. Assim como
fui do Observatório Astronômico.
O Observatório Astronômico de
Piracicaba foi uma grande luta para consegui-lo?
Fiquei dez anos lutando para
conseguir, até que a prefeitura apoiasse, após 20 a 30 reuniões na Esalq, para
que que cedesse aquela área para nós o
que ocorreu em 1992. Moacyr de Oliveira Camponês do Brasil, me ajudou bastante,
fazia as reuniões lá na Esalq. Continuamos pedindo um local para instalar o
observatório, tinha que ser um lugar escuro, movimentado, de acesso fácil. Em
1992 colocamos a pedra fundamental.
Qual é a capacidade do
observatório?
Posso dizer que é um verdadeiro
exemplo para o Brasil e para o mundo. Um dos maiores telescópios do Brasil está
em Piracicaba. Juntamente com Nelson Travnik fundamos o observatório. O
Observatório Astronômico de Piracicaba foi criado a partir de um convênio
assinado entre a Prefeitura de Piracicaba, Associação dos Amadores de
Astronomia de Piracicaba (AAAP) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz . A construção do prédio com 150.08m2 foi concluída em
quatro meses e a inauguração ocorreu em 2 de outubro de 1992. No dia 17 de
agosto de 2002 foi inaugurado um novo prédio: o Pavilhão de Observações, que
abriga três novos telescópios oferecendo mais opções na observação dos corpos
celestes.
Quem pode freqüentar o
observatório?
É aberto ao público e é um dos
maiores pontos turísticos de Piracicaba. Aos sábados, após as sete horas da
noite, vem muita gente. As escolas levam centenas de alunos para assistirem
palestras.
Quando será montado o planetário?
Já faz 30 anos que estou lutando
pelo planetário, recentemente pedi uma audiência com o prefeito Gabriel
Ferrato, o vereador José Aparecido Longatto está nos apoiando. Dei
todo o planejamento ao Vice-Prefeito, Arquiteto JoãoChaddad, com os custos,
cronograma, sugestão de localização.
Qual é a importância de um observatório para Piracicaba?
É despertar na consciência do ser
humano a existência universal, a criação de um fato desconhecido que atribuímos
ser criação de Deus. Somos muito limitados quanto ao conhecimento do universo.
Já existe pessoas interessadas em irem à Marte.
Qual é o alcance dos equipamentos
existente nesse observatório?
É de alcance quase ilimitado
dentro do universo conhecido.
Pelas observações do senhor, pode-se
afirmar que existe vida além da Terra?
No meu ponto de vista, para
acreditar na existência de vida além da Terra teríamos que ver. Há uma busca de
planetas onde exista água, o ser humano sem água não vive.
O senhor participou do Coral dos
Funcionários da Prefeitura Municipal de Piracicaba?
Participei.
O senhor participou da
implantação da AFPMP?
Fui membro fundador da AFPMP - Associação
dos Funcionários Públicos Municipais de Piracicaba.
O senhor pertence a maçonaria?
Pertenço a Loja Maçônica, posso
dizer que fui membro da fundação de três Lojas Maçônicas: a “Luz e Sabedoria”,
a “Liberdade e Trabalho e a Loja Maçônica de Rio das Pedras. Sou maçom ativo
desde 1970, grau 33.
O senhor foi fundador do
escotismo em Piracicaba?
Fui. Fundei três grupos, entre
eles o Tamandaré e o Paulista.
O senhor conheceu o Palacete do
Barão de Serra Negra, situado na Rua Alferes José Caetano esquina com a Rua São
José, que foi demolido e atualmente é um estacionamento?
Trabalhei naquele prédio! Lá
funcionava a Prefeitura Municipal.
O que leva Piracicaba a demolir
prédios históricos?
É a chamada modernização, como os
engenheiros diziam. Onde era um palacete virou um estacionamento. D.Pedro II
hospedou-se nesse palacete. Eu comecei a trabalhar lá junto com o prefeito
Luciano Guidotti.
No ponto de vista do senhor, não
existe algumas lacunas, o poder público tomba um imóvel, mas não oferece
contrapartida que incentive o proprietário a manter as características
originais do mesmo
Como professor universitário por
quarenta anos, na Unimep, eu dava aulas sobre administração. Iniciava as aulas
dizendo: prever, planejar, organizar, comandar e coordenar. Trabalhei com o
Prefeito Luciano Guidotti, que me chamava de “Beduino”. Tínhamos um dialogo
aberto e franco, sugeri a ele que um dia na semana dedicasse a ouvir a opinião
pública, da própria população. Toda terça-feira ele ouvia o público. É ter a
sensibilidade de sentir quais são as aspirações e interesses da comunidade. Deu
um bom resultado.
O senhor conheceu o Teatro Santo
Estevão?
Eu freqüentava muito! Gostava de
ouvir o pai do nosso vice-prefeito, arquiteto João Chaddad. Manoel Chaddad, seu pai, cantava cururu em
português, mas com sotaque árabe. Ele participava do cururu que existia lá
geralmente aos sábados à noite. Manoel Chaddad se destacava bem, era um bom
cururueiro.
O Teatro Santo Estevão era
bonito?
Era muito bonito, freqüentei
muito. Quando Leandro Guerrini ficou secretário da Educação tinha seu
escritório lá e eu freqüentava constantemente seu escritório.
O Teatro Santo Estevão foi
derrubado porque oferecia algum risco?
Não. A alegação é de queriam
fazer a praça. Atrás do Teatro Santo Estevão eu fazia toda solenidade festiva.
Derrubaram provocando a revolta da maior parte da população, foi derrubado na
calada da noite.
Na ante-sala do gabinete do
prefeito havia um sofá, é verdade que determinado vereador simulava ler um
jornal e ficava escutando pela porta entreaberta, as ordens do prefeito.
Imediatamente esse vereador dirigia-se ao bairro objeto das melhorias e
anunciava com antecedência as benfeitorias que seriam feitas como se fosse
fruto da sua atuação?
Era o vereador (Elias dá o nome
do vereador, já falecido). Isso era comum, e não foi atitude apenas desse
vereador. A pessoa tinha a sensibilidade de sentir o que o prefeito iria
planejar e com essa informação sobressaiam junto ao eleitorado. Luciano
Guidotti foi uma mensagem de Deus para Piracicaba. O número de escolas que ele
abriu, o Ribeirão Itapeva que cortava a cidade e ele canalizou, o número de
ruas, avenidas, que ele fez. O advogado Jacob Dhiel Neto costumava me perguntar
“-Beduino, o que vocês vão fazer em tal lugar?” O Jacob queria saber tudo que o
Luciano iria fazer, ele era contra. Havia uma rivalidade pessoal entre os dois.
. Dizia-lhe que não sabia e que tinha que fazer o que o prefeito pedisse.
O Monsenhor Jorge, da Matriz
Imaculada Conceição, qual é seu sentimento em relação a ele?
É patrício. Nasceu para ser
sacerdote. Tem a sensibilidade de ouvir as pessoas. Muito estimado pela
população piracicabana. Pertence a Sociedade Sírio Libanesa, Continua dando às
pessoas uma verdadeira luz de conhecimentos para uma vida melhor. Converso
muito com ele, somos muito amigos. É uma pessoa de grande valor para a nossa
cidade.
O que o senhor diz sobre
Monsenhor Jamil Nassif Abib, pároco da Catedral de Santo Antonio?
É meu afilhado da Sociedade Sírio
Libanesa. Semanalmente estamos juntos! Ele tem muito interesse no idioma árabe.
É uma pessoa de cultura excepcional.
O que o senhor diz a respeito do
escritor, jornalista, historiador, advogado, Cecílio Elias Netto?
Cecílio Elias Netto empresta o
brilho da sua inteligência, registra a história de Piracicaba de uma maneira
ampla, de conhecimento não só dos grandes intelectuais, como as pessoas mais
simples. É um verdadeiro exemplo. Eu trabalhava com Tuffi Elias, que é o pai
dele, lembro-me da persistência de Cecílio, é uma pessoa determinada. Um
idealista. Admiro muito a cultura do Cecílio.
Elias Salum, quando encontro uma
pessoa amiga de que forma devo cumprimentá-la?
(O Professor Elias Salum responde
em árabe, pedimos que traduzisse, é o que se segue).
“Suas palavras passam a residir
em meu coração, em minhas palavras, em minha boca, e em meu pensamento”. A
resposta deverá ser: “Tomara a Deus que seja assim!”