sexta-feira, maio 22, 2015

GILBERTO FRANZONI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de maio de 2015
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
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            GILBERTO FRANZONI COM A MEDALHA DE GRANADEIRO DO IMPERADOR

ENTREVISTADO: GILBERTO FRANZONI
O 1° Batalhão de Guardas é a versão atual do Batalhão do Imperador, criado em 1823 por D.Pedro I. É herdeira das mais gloriosas tradições da guarda pessoal do Imperador. D.Pedro I ,em outubro de 1822, mandou reunir no Campo de Santana todas as tropas da guarnição e escolheu, homem a homem, oitocentos militares, que logo passaram a integrar o Batalhão do Imperador. .
                        CERTIFICADO DE INTEGRANTE DO BATALHÃO DO IMPERADOR
Gilberto Franzoni é natural de Piracicaba, nasceu na Vila Rezende a 8 de fevereiro de 1943, filho de Paschoal Franzoni e Carmem Gutierrez Franzoni que tiveram ainda os filhos Antonio e Adilson. Seu pai trabalhou por muitos anos na Dedini. Gilberto iniciou seus estudos na Escola Imaculada Conceição, dirigida por freiras.
A escola era dirigida por freiras, eram aceitos meninos também?
Aceitava! Nós éramos sete meninos na classe e umas trinta meninas aproximadamente. Isso no início da década de 50. Lembro-me que tive aulas com a Irmã Boaventura, tinha a professora Dona Maria, que não era freira. Fui coroinha na capela do próprio colégio, o Instituto Baroneza de Rezende.  Na época as freiras eram todas brasileiras.
Aonde foi o seu primeiro emprego?
Fui trabalhar em um escritório de contabilidade, isso por volta de 1954 a 1955. Permaneci por uns dois anos trabalhando lá, o proprietário era Roberto Carvalho, conhecido como Coba, era na Avenida Rui Barbosa.
Quais eram as diversões comuns na época?
Saíamos da Vila Rezende e íamos aos cinemas: Politeama, São José, Colonial, Palácio, assistia a primeira sessão em um cinema, a segunda sessão em outro, depois pegava o bonde e ia para a Vila Rezende, às onze horas da noite.
Havia uma rivalidade muito grande entre os moradores dos diversos bairros, inclusive da Vila Rezende?
Era uma rivalidade bem forte. O bairrismo predominava.
A única linha de bonde das três que existiam: Paulista, Agronomia e Vila Rezende, a da Vila tinha dois bondes correndo no sentido contrário, e em determinado ponto havia um desvio na linha para dar passagem a um dos bondes, aonde era esse local?
Era na Rua Campos Salles.
Qual era a sua atividade no escritório de contabilidade?
Eu ia até as empresas que eram clientes do escritório, buscar os livros contábeis. A maior parte dos clientes era da própria Vila Rezende, havia clientes até do Areião.  Ia a pé. Às vezes me aventurava a utilizar a máquina de escrever, “catando milho”. Era uma máquina Remington. Após dois anos que permaneci no escritório fui trabalhar na Dedini, como ajudante do torneiro que era o Seu Henrique Stoccomo. Funcionava onde hoje é a Avenida Mário Dedini. Fui estudar no SENAI, fiz o curso de três anos, e passei a trabalhar em torno. O SENAI já era próximo ao Colégio Dom Bosco. Comecei o curso em 1956 e conclui em 1959. Naquela época eu ficava seis meses na escola SENAI e seis meses na empresa. Formei-me como torneiro mecânico. Fui trabalhar na seção que chamávamos de “Seção das Bombas”, onde eram feitas as peças voltadas à usina de açúcar. Eu só fabricava quem fazia as instalações e manutenções era o setor de ajustagem.
O senhor conheceu o Comendador Mário Dedini?
Eu o via quando passava pela seção. Era um homem forte, muito bom.
Os funcionários do Dedini iam muito ao Restaurante do Papini. O senhor ia também?
Eu ia ao Grisotto, que também ficava na Avenida Rui Barbosa. O Restaurante Grisotto foi fundado em 1947. O proprietário era Elpidio Grisotto. Naquela época a coxinha de frango feita pelo Grisotto era imbatível.
O bom ali era coxinha e chopp?
Naquele tempo lá não havia chopp, tomava-se cerveja Antártica, Faixa Azul!
A que horas o senhor entrava no serviço?
Entrava às seis e meia da manhã, ia almoçar em casa, naquele tempo não havia restaurante na empresa, eu morava em uma das casas de propriedade do Dedini. O Dedini havia construído muitas casas para seus funcionários. Era na Rua Dr.Kok, hoje Monsenhor Jerônimo Gallo,terminava na Capela São Luiz, quem construiu a capela foi Mário Dedini. Lá havia festas, ele participava.
Ali era uma região com muito mato?
Era muito mato, mais abaixo no Nhô Quim era tudo brejo. No Algodoal havia o famoso Bairro do Pitá. Tinha a plantação de sisal, de propriedade de Virgilio Lopes Fagundes.
Em que data o senhor passou a ser funcionário da Dedini?
Dia 10 de novembro de 1955 e saí em janeiro de 1965.  Trabalhei em uma oficina na Rua Moraes Barros chamada Roma,fazia cabeçotes de carros, sai fui para a Nardini, em Americana, fiquei um mês, fui para São Paulo trabalhar em uma empresa próxima ao Parque Antártica, fazia filtros de carros, chamava-se Impeca, fiquei dois meses lá. Voltei a Piracicaba e fui trabalhar na empresa Motocana, lá trabalhei de 1966 até 1987 onde me aposentei. Era de propriedade de Leopoldo Dedini e Arnaldo Ricciardi. Fabricava carregadeira de cana-de-açúcar. Foi uma das pioneiras no Brasil, tinha uma concorrente, a Santal, de Ribeirão Preto. A Motocana localizava-se na Rua Primeiro de Agosto, na Vila Rezende. Adquiriam um trator de linha, vindo da fábrica, e colocavam-se os implementos para transformá-lo em carregadeira de cana. Eu fazia a parte hidráulica. Usinava por dentro o tubo aonde ia o mecanismo hidráulico. Era sócio também o Bragion, que saiu e junto com o Sérgio D`Abronzo montaram a Hima-Transhid, uma empresa que teve muitos equipamentos comercializados. O Leopoldo Dedini colocou Roberto Carvalho como diretor da empresa.
Um fato que marca a vida do senhor até hoje é ter ido servir no Batalhão de Guarda, como isso se deu?
Foi em 1963, eu tinha 19 anos. Eu me alistei no Tiro de Guerra de Piracicaba, formamos uma fila, eu estava na frente, meu irmão logo atrás. O oficial que estava selecionando mandou que eu escolhesse o Rio de Janeiro ou Brasília para ir servir. Meu irmão foi dispensado do serviço militar.
                                                           GILBERTO FRANZONI
O que passou pela sua cabeça na hora?
Fiquei em dúvida. No ano anterior, em 1962 já tinha ido um pessoal servir o Exército em Brasília. Decidi optar por ir para o Rio de Janeiro, fui servir no Primeiro Batalhão de Guarda, no bairro São Cristovão.

Estamos falando de 1963, a véspera da Revolução de 1964.
Eu dei baixa em dezembro, a revolução foi em março do ano seguinte. Eu tinha servido onze meses e pouco.
Após ser selecionado aqui em Piracicaba, como foi essa viagem ao Rio de Janeiro?
Fomos de trem da Companhia Paulista até Campinas. Em Campinas fomos para o G Can, um ônibus nos levou até lá. Ficamos uns três ou quatro dias no G Can, até que um ônibus da Viação Cometa nos levou até São Paulo, para embarcar na  Estrada de Ferro Central do Brasil na Estação  Roosevelt. Foram vinte horas de viagem de trem de São Paulo ao Rio de Janeiro. Descemos na Estação Central do Brasil  no centro da cidade do Rio de Janeiro. A cidade era muito bonita, eram outros tempos, sem tanta violência. Lá estava nos esperando o caminhão do Exército. Assim que chegamos já fizemos os exames médicos, cortamos o cabelo a moda militar e fomos fotografados. Dali a uma semana nós recebemos o fardamento. Tinha a farda para tirar guarda, farda de passeio, calção azul para ginástica.
O Batalhão da Guarda tinha alguns requisitos especiais?
Quando era tocada a corneta tinha um tempo para descer do alojamento, já fardado e armado. Usávamos a metralhadora INA. O pessoal que tirava guarda no quartel usava o mosquetão.
Era obrigado a saber a desmontar e a montar a arma?
O mosquetão sim. A metralhadora era simples. No quartel quem tirava guarda era a CIA. CPP. A Primeira, Segunda e Terceira Companhias tiravam guarda fora do quartel: no Ministério da Guerra, Monumento aos Mortos, Estande de Tiro, Palácio Laranjeiras, que era onde ficava o Presidente da República.
Na época o presidente era João Goulart?
Ele tinha assumido com a renuncia de Jânio Quadros, foi um período de muitas greves.


O senhor chegou a conhecer a primeira dama Maria Thereza Goulart?
Só de vista. Era uma mulher atraente.
Quantos soldados compunham o Batalhão da Guarda?
Éramos mil soldados. Hoje ao que consta são seiscentos soldados do Batalhão da Guarda.
Vocês formaram um grupo com características próprias, que se mantém unidos até hoje?
Ao chegarmos não conhecíamos ninguém, conhecia daqui de Piracicaba o Roberto Simioni, o Lalá, da Loja do Lalá, o Leleca Rossin, Moacir, Manarim, Galvani.
Qual era o seu nome de farda?
841 Franzoni.
Foi criado um grupo de Veteranos de Piracicaba e cidades da região que foram soldados do Batalhão da Guarda?
Na ultima ida nossa foram 15 companheiros para o Rio de Janeiro. O José Rolin vem de van de São Paulo, passa me pegar, passa pegar o Gamaleão, vamos buscar mais três companheiros em Rio Claro e quatro em Limeira. Quando fomos convocados, de Piracicaba éramos 180 soldados. Estimo que estejam vivos mais de uma centena desses soldados.  
No Rio de Janeiro vocês ficam hospedados onde?
Ficamos alojados no quartel. Não há nenhum custo. Só tomamos o café da manhã e saímos passear, não almoçamos nem jantamos no quartel. No ano passado reformaram o alojamento, ficou muito bonito. O quartel é de 1870, é a antiga Cavalaria, RCG. O General Figueiredo foi desse quartel. O nosso quartel, onde ficamos quando servimos, foi vendido para a Guarda Civil a poucos anos.
Quando vocês chegam qual é a reação dos militares que estão na ativa?
Geralmente chegamos à noite, o sargento do dia nos recebe e leva-nos para o alojamento. É mandada uma lista antecipadamente dos visitantes. Isso geralmente ocorre na quinta feira. Na sexta feira é feita a festa da entrega do “braçal”, se tiver 400 soldados para receberem o braçal, terão também 400 madrinhas. No nosso tempo não havia esse tipo de cerimônia. Geralmente no dia seguinte a nossa chegada, somos recebidos por um coronel, que nos conduz a uma sala, onde estabelecemos um dialogo. Somos convidados a entregar as medalhas aos soldados que se destacaram. É montado um palanque onde ficam as autoridades militares, nós somos convidados a permanecer juntos a eles.
O Exército valoriza seus ex-soldados?
Eles gostam muito de nós. Sempre dizem que não precisamos ir apenas a dia de festa, de entrega dos braçais, que ocorre geralmente no Dia das Mães, mas que terão o prazer em nos receber sempre.
Geralmente quantos dias vocês permanecem no quartel?
Em torno de quatro dias. Cada coronel tem uma norma própria de conduta, alguns mandam dois tenentes nos acompanharem, armados. Sempre nos recomendam sobre os cuidados a serem tomados, quais locais e horários são mais convenientes, como por exemplo, o passeio no bondinho sobre o Complexo do Alemão, a noite não é recomendado passear no mesmo. Nesses passeios turísticos não estamos acompanhados de escolta.
O que o senhor sente ao ser valorizado por uma instituição como o Exército?
É uma satisfação indescritível. Após o soldado receber o braçal há o desfile, e nós abrimos o desfile, vamos em trajes civis, existe uma camisa personalizada que usamos, está escrito BG. Logo em seguida, acompanhando-nos vem a tropa com uns 400 soldados. Geralmente o tenente-coronel nos acompanha.
Há um hino característico do Batalhão de Guarda?
Existe um CD com músicas executadas pela Banda Sinfônica do 1° Batalhão de Guardas comemorativo aos 180 anos de existência do Batalhão de Guardas, fundado em 1832 e que realizou esse CD em 2012.
Em algum momento o senhor pensou em seguir a carreira militar?
Fomos convidados para ir servir no Canal de Suez, mas da nossa turma ninguém aceitou. Houve muitas melhorias na profissão militar. Quem cursa a Academia de Agulhas Negras já sai com o posto de tenente. No meu tempo era mais difícil, um capitão já tinha mais de cinqüenta anos.
Há locais históricos conservados pelo Exército?
O Forte de Copacabana com canhões Krupp, a Fortaleza Santa Cruz, em Niteroi,  uma das mais antigas instalações militares do Brasil, onde a prisão permite que o preso fique só deitado, ele não consegue ficar em pé, pela altura do teto. A Academia Militar de Agulhas Negras. São lugares muito bonitos, que visitamos.

Em 1963 a situação política do país estava delicada, isso o preocupava?
Não, só fui até o aeroporto, Cinelândia, na Central do Brasil, tinha muita greve, os trens paravam. Havia uma tensão no ar.
O soldado do Exército era respeitado pela população?
Muito.



sexta-feira, maio 15, 2015

ANSELMO PEREIRA RODRIGUEZ

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 

JOÃO UMBERTO NASSIF 

Jornalista e Radialista 

joaonassif@gmail.com 

Sábado 9 de maio de 2015

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana 

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ENTREVISTADO: ANSELMO PEREIRA RODRIGUEZ


Anselmo Pereira Rodriguez nasceu a 16 de março de 1937, em Ponte Vedra, Provincia de Galícia, Espanha.Filho de Domingos Pereira Presa e Pilar Rodriguez Esteves. Casado com Neyde Marly Barnez Rodriguez, nascida em São Paulo, nascida a 23 de junho de 1937, filha de imigrantes espanhóis. Anselmo é o filho mais novo de seis irmãos: Maria, Manoel, José, Domingos, Antonio e Anselmo. Atualmente Anselmo e Neyde residem em Piracicaba.
Os pais do senhor exerciam qual atividade na Espanha?
Eram agricultores, um agricultor espanhol geralmente plantava de tudo: milho, centeio, trigo, muita uva. Meu pai tinha uma serraria. Naquela época para curtir couro usava-se casca de carvalho. Ela era retirada, deixava secar e depois se mandava para as indústrias.
Nessa época a energia era fornecida através de usinas ou era energia gerada por moinho com roda água?
Já existia a energia elétrica e também se usava a energia gerada em moinhos movidos a roda de água. A energia elétrica era utilizada na serraria que trabalhava com carvalho, pinho de riga e a energia do moinho de água era mais para moer grãos: trigo, milho. Como na época havia muito pouco trigo fazia-se muito pão de milho, assado no forno a lenha. Era um pão forte, fazia-se o que era chamado de “miga”, um pão amassado composto por uva e alho. O pão era amassado primeiro com o alho, eram cozidos, formava-se uma pasta, tinha-se uva a vontade ao lado e se comia. Era um prato forte, essa é uma característica que tínhamos na Espanha, todos os alimentos eram muito fortes. Meu pai fazia vinho, tínhamos o tinto e branco. Fazíamos o vinho xerez , em castelhano, jerez, um tipo de vinho fortificado, licoroso o vinho alvarinho. Estávamos muito próximos da fronteira, da minha casa até Portugal levava uns quarenta minutos. Tínhamos dois pontos para atravessar a fronteira: Salvaterra de Miño e por Tui, onde havia a ponte internacional, muito vigiada no tempo de Francisco Paulino Hermenegildo Teódulo Franco y Barramonde, ou simplesmente Francisco Franco, general e chefe de estado espanhol. Franco liderou um governo de orientação fascista na Espanha de 1936 até sua morte, em 1975. Essa ponte tem uma curiosidade, só passava trem da Espanha para Portugal, há uma história que se conta, de que quando foi inaugurada, era uma ponte muito alta, Portugal e Espanha fizeram um tratado, o trem que conseguisse passar primeiro tinha o direito de vir para a cidade, dizem que os portugueses foram até a metade da ponte, parece que voltaram. Já o maquinista espanhol pôs toda a velocidade na maquina dizendo: “-Se cair, que caia!” e passou! E assim ficou, a Espanha tinha o direito de ir à Portugal, mas Portugal não tinha o direito de atravessar a ponte para vir a Espanha.

Havia escola nas proximidades?
Tinha, não podíamos faltar. Trabalhávamos no campo ajudava. Na época da colheita o dia clareia cedo, íamos para o campo com os pais.
Com que idade o senhor começou a trabalhar?
Acho que comecei a trabalhar com a idade que comecei a comer. Andava na frente do boi, naquela época não tinha trator. A terra era arada por quatro bois. Os bois recebiam o nome de Malhado, Pintado, Galhado. Como o tempo esquentava muito tínhamos que estar de madrugada no campo, depois esquentava muito e os bois se cansavam. Saíamos cedinho, nem tinha clareado e já estávamos no campo. Tinha que levar o adubo, colocar o adubo todo no campo. Depois vinha o arado. Alguns iam ajudando com as enxadas, nos cantos, onde não entrava o arado direito, meus irmãos e minha mãe iam fazendo esse trabalho. Umas nove, nove pouco, a minha mãe vinha em casa, pegava o almoço e levava para o campo. Era uma vida muito difícil, embora sempre estivéssemos sempre alegres e muito contentes. Era tuda na tração animal e pessoal, não havia maquina nenhuma.



O senhor tinha noção do tamanho da propriedade?
Nós tínhamos muitas propriedades, não muito grandes, mas eram propriedades muito boas. Nós íamos para o campo, em torno das oito horas da manhã, minha mãe nos arrumava direitinho e íamos para a escola, a pé. Fazíamos uma corrida com a piçarra debaixo do braço.
O que era piçarra?
Não havia caderno. Era uma pequena lousa de piçarra, com madeira em torno dela e um piçarrim para escrever nela. Era uma lousa (de piçarra) e uma espécie de giz (piçarrim).
E para apagar o que tinha escrito como se fazia?
Apagava-se com a mão ou com um paninho.
O senhor lembra-se do nome de alguma professora?
Lembro-me do nome de um professor, Dom Antonio, naquela época não estudavam meninos e meninas na mesma classe. Havia classe de homens de um lado e classe de mulheres do outro lado. Tive outro professor por dois anos, José Açores, que por sinal depois ele veio para o Brasil. (José Ozores ou José Açores é o famoso Pepe Gordo que foi procurador do Pelé). Ele tinha muita amizade com o meu pai, vinha tomar chocolate quente em casa, com meu pai. Aprendi muita coisa com ele, se não aprendesse apanhava! Professor naquela época usava palmatória, dava sopapo. Depois fui estudar com Dom Francisco, sacerdote da nossa aldeia. Ele disse ao meu pai: “- Domingos! Você poderia colocar este seu filho para estudar no seminário. Aí eu já não ia mais para o campo. Ia de manhã para a escola, voltava, almoçava e ia estudar com o sacerdote.
Qual era o padroeiro?
O santo padroeiro da nossa cidade era São Pelágio (ou Paio), natural da Galícia. Após a preparação, entrei para o Seminário Diocesano de Tui. Era encostado com o Rio Minho, de Portugal. Lá permaneci por dois anos como seminarista interno.

A vida como seminarista interno era rigorosa?
Era muito rigorosa. Pior do que se estivesse no exército. A comida era horrível, os padres muito rigorosos. Tinha sempre um cheiro forte de lentilha. Se aparecesse uma lacraia na alface, tirava-se aquele pedaço e comia o resto. Ou comia aquilo ou não comia nada, não havia outra coisa para comer. Naquela época existiam poucos seminários na Espanha, portanto estavam todos muito cheios. Havia poucos padres, nós chamamos os padres de curas, os padres das cidades incentivam os pais para mandarem os filhos para o seminário.
Como funcionava, havia um dormitório amplo?
Era um salão muito grande, as caminhas uma ao lado da outra, isso logo que o seminarista ingressava ao seminário, os alunos do terceiro ano ficavam em um salão, os do quarto ano em outro salão, eram todos separados por ano que estudavam. E sempre passavam os chamados reitores de disciplina, andavam de um lado para outro, para ver se estávamos dormindo, conversando com um amigo. Por volta das oito horas da noite batiam o sino todos tinham que ir dormir. As seis horas da manhã tocava o sino, lavávamos rapidinho. Naquele frio tinha que tomar banho frio e andar sempre limpinhos. As vezes usávamos a alça-coelho, era colocado no pescoço, branquinho, algumas vezes jogávamos futebol, toda semana ou de quinze em quinze dias, a minha mãe, meu pai ou minha irmã, iam me levar um pouco de comida e roupas limpas.  Nos seminaristas, às vezes lavávamos alguma peça de roupa, púnhamos embaixo do colchão, de manhã estava sequinha! De manhã levantávamos íamos à capela, fazíamos a oração, tudo em latim, depois íamos tomar café, em seguida íamos para a aula, tínhamos aulas o tempo todo, até o a hora do almoço, em seguida tinha o recreio, voltávamos, descansávamos uns quinze ou vinte minutos, íamos fazer a oração da tarde, essa era a nossa rotina de segunda a segunda, aos domingos era bom porque tínhamos as visitas. Só íamos de férias para casa no Natal. Aí passávamos um mês e pouco em casa.
Quanto tempo de estudo o senhor tinha para tornar-se padre?
Eram doze anos de estudos, eu estudei dois. Eram dois anos de latim, cinco de filosofia e cinco anos de teologia. Eu entrei para o seminário com doze anos. Durante as nossas férias havia muitas festas religiosas, em louvor ao nosso padroeiro. Eu acabava voltando para o seminário porque tinha medo em dizer ao meu pai que não queria ir mais.
Até que o senhor decidiu não continuar no seminário?
Eu cheguei junto ao padre orientador espiritual e disse-lhe que não suportava mais aquela vida. Ele escreveu uma cartinha muito bonita para o meu pai, Disse-me: “-Já que você não tem vocação, leva esta carta e entrega ao seu pai!”. Entreguei. Meu pai não gostou muito. Voltei a trabalhar na lavoura, onde permaneci até os 18 anos. Nesse meio tempo meu pai faleceu, quando ele era vivo ninguém saia de perto dele. Apareceram uns parentes da minha mãe que estavam aqui no Brasil, foram visitar a minha mãe. Conversei, perguntei se não poderia vir ao Brasil com eles. Tinha que ter uma carta convite emitida no Brasil, com o trabalho garantido aqui. Havia uma lei que determinava que em cada dez funcionários sete devesse ser brasileiros e três poderiam ser estrangeiros. Acabei embarcando no navio
Santa Maria, vapor português, no Porto de Vigo 16 de abril de 1955.
A viagem demorou quantos dias?
Foram treze dias de viagem, aportei em Salvador, Bahia. Meu primo já estava me esperando, fiquei morando com eles na Cidade Alta, na Avenida Sete de Setembro. Eles tinham um estabelecimento comercial, a Sequeiros & Rodriguez Cia. Ltda., fui trabalhar com eles na Cidade Baixa, na Rua Campos Salles,63. Fiquei lá quatro anos.
O senhor sentiu-se mais livre no Brasil?
Aqui eu tinha muito mais liberdade, na Espanha as regras eram rígidas. Tinha muitos espanhóis, nos reuníamos para ir à praia aos domingos. Com a língua logo me adaptei.
Sai dessa empresa e fui de ônibus para o Rio de Janeiro, tentar a sorte lá. Não consegui nada, fui então para Belo Horizonte. Também não arrumei nada lá, vim para São Paulo. Em São Paulo fiquei no Bairro Santa Cecília. Fiquei muito impressionado com aquelas avenidas enorme. Fui até a Praça da Republica, tinha um primo que trabalhava lá no escritório da Swift, onde era promotor. Ele era muito conhecido dos supermercados Peg-Pag. O primeiro supermercado do Brasil foi o Sirva-se, aberto em 1953 em São Paulo. Em 1957 São Paulo ainda vivia com seu comércio de armazém e vendas, mercearias e quitandas; foi aí que inauguraram o primeiro supermercado na Rua das Palmeiras: o Peg Pag.Fui trabalhar como repositor.Em pouco tempo passei a ser chefe do depósito. Permaneci lá por uns dois anos. Tinha que digitar o valor e a seção a qual pertencia o produto. Aos sábados eu trabalhava nos caixas também. Naquela época caixa trabalhava com gravata. Para entrar no cinema tinha que ir de gravata. Isso foi por volta de 1959. O centro de São Paulo era muito bonito, você podia andar tranqüilo. Conheci a minha esposa em uma festa de família, nos casamos na Igraja Santa Margarida Maria, no bairro Aclimação, fomos morar ali perto em um apartamento na Aclimação mesmo.




(No Brasil o primeiro supermercado da cidade, e do Brasil, foi inaugurado em agosto de 1953, com o nome 'Sirva-se'. Ficava na esquina da rua da Consolação com a alameda Santos. Os proprietários tentavam pela primeira vez implantar aqui o sistema norte-americano de vendas no varejo, o auto-serviço, como era chamado, que possibilitava uma escolha mais livre dos produtos por parte do consumidor, dispensando a presença do vendedor.
O Estado de S. Paulo - 4/9/1953)


No Brasil. O primeiro supermercado da cidade, e do Brasil, foi inaugurado em agosto de 1953, co

Como o senhor fazia  para ir trabalhar na Rua das Palmeiras morando na Rua Lins de Vasconcellos na Aclimação?
Ia de ônibus, bonde. Havia muitos restaurantes espanhóis no Brás, o La Coruña já existia. No Largo da Concórdia tinha dois ou três restaurantes espanhóis. Íamos comer o cozido, o puchero, polvo. Os espanhóis todos tinham uma bota de vinho.
O senhor continuou no Peg Pag?
Não, eu saí para montar um barzinho na Rua Japurá, na Bela Vista. É uma região onde moravam muitos italianos e espanhóis. Ali tive a honra de conhecer Agostinho dos Santos
                                                      AGOSTINHO DOS SANTOS

 e José de Vasconcellos,




                                                         JOSE DE VASCOLNCELLOS

foram tomar café ali em uma madrugada. Após uns oito meses vendemos e fomos para a Pompéia. Compramos um restaurante, trabalhávamos em baixo e morávamos em cima. Era na Avenida Pompéia próximo ao campo do Palmeiras. Ali os jogadores do Palmeiras vinha comer bife na chapa com cerveja. Conheci vários jogadores do Palmeiras: Gilmar, Ademir da Guia. Estávamos começando a ter um progresso maior, quando deu uma enchente muito forte. Perdemos tudo. Fomos para a casa da minha cunhada. Arrumamos um apartamento na Rua Vergueiro e mudamos para lá. Eu arrumei um serviço na Rua Pinheiros. Voltei a trabalhar como empregado de uns franceses que tinham comprado As “Lojas Três Leões" uma loja de departamentos. Eles transformaram nos “Supermercados Sugar”. Ficava próximo ao Largo da Batata. Ali permaneci cerca de um ano. Fui trabalhar com um primo meu que tinha um hotel no Brás. Trabalhei um bom tempo lá.
Associei-me a um espanhol, adquirimos um bar na Rua Augusta, dois quarteirões abaixo da Avenida Paulista, no sentido centro. Era um desfile de uma multidão aos finais de semana. Ali foi bar, lanchonete. Ficamos ali um bocado de tempo.
É um ponto excelente?
Muito bom. Coloquei certas restrições, pela manhã não vendia bebida alcoólica. Tinha muitas boates na redondeza, o pessoal saia das boates e queriam continuar a beber. Atrapalhava os clientes que queriam tomar o café da manhã. 


                                            ROBERTA CLOSE   A Roberta Close tomou muito café ali. Era uma menina perfeita, muito bonita. Muito educada. Ela sempre vinha com as amigas tomava café. Eu abria o estabelecimento as seis horas da manhã, meu sócio fechava em torno da meia noite. Ali passavam muitos artistas para tomar café. Tínhamos seis funcionários.
O senhor era querido ali naquela região?
Era respeitado.
O ultimo emprego do senhor foi onde?
Foi em um hotel de propriedade de dois primos na Rua General Olimpio da Silveira.
O senhor voltou à Espanha?

Estive diversas vezes, a passeio, ficava hospedado na casa paterna.  A Espanha evoluiu muito, os campos hoje são todos trabalhados com máquinas, cada um com seu celular. 

sábado, maio 09, 2015

GENERAL DE BRIGADA EDSON DIEHL RIPOLI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 9  de maio de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 



ENTREVISTADO: 
GENERAL DE BRIGADA EDSON DIEHL RIPOLI

                                                      PASSAGEM DE COMANDO

Piracicaba é uma cidade historicamente pródiga em talentos. Nas mais diversas áreas. O primeiro presidente civil da republica brasileira, Prudente de Moraes após concluir seus estudos iniciou sua carreira como advogado e como político em Piracicaba, aqui viveu muitos anos, aqui faleceu, seus restos mortais encontram-se sepultados em Piracicaba. O controvertido governador Adhemar de Barros Filho, que construiu o maior hospital da América Latina, o famoso Hospital das Clínicas nasceu na Rua Boa Morte. Grandes cientistas responsáveis pela importante posição agrícola do Brasil estudaram na “Escola Agrícola”, nome pelo qual o piracicabano denomina a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. O ensino básico teve o pioneirismo de Miss Martha Watts, a atuação de Sud Mennucci. Culturalmente uma cidade riquíssima. A instalação dos sistemas de água encanada, energia elétrica e canalização de esgotos ocorreram em Piracicaba ainda no século XIX. Tecnologias avançadas proporcionaram uma situação de pioneirismo para Piracicaba em relação às outras cidades brasileiras. A instalação da primeira metalúrgica, a Krähenbhül, e da Companhia de Navegação Fluvial Paulista, colocaram Piracicaba como pioneira no processo de desenvolvimento industrial da Província de São Paulo, como era denominado o Estado de São Paulo. Artistas, escritores, músicos, inventores como o gênio da mecânica João Bottene, que entre muitas criações construiu diversas locomotivas, Mário Dedini, pioneiro em equipamentos para a indústria sucro-alcooleira A atuação de Luiz de Queiroz no desenvolvimento industrial de Piracicaba acabou sendo o ponto de partida para a instalação do abastecimento de energia elétrica da cidade e a primeira a ter linha telefônica. A primeira indústria a se instalar em Piracicaba foi a Oficina Krähenbühl em 9 de maio de 1870. A Krähenbühl foi também a primeira metalúrgica da Província de São Paulo e fabricava troles, tílburis, charretes, carroças, carroções, jardineiras e carros fúnebres. Ficava instalada na antiga Rua do Comércio (Governador Pedro de Toledo) e dava fundos para o córrego Itapeva, na grande porção de terras que seu fundador, o suíço Pedro Krähenbühl. Nos esportes Piracicaba sempre mereceu destaque, no basquete, no futebol. Duas características acompanham o piracicabano, o seu amor pelo Esporte Clube XV de Novembro fundado a 15 de novembro de 1913 e seu sotaque característico, com o “erre” acentuado. Edson Dhiehl Ripoli é piracicabano, ainda muito jovem decidiu seguir a carreira militar. Ingressou na extremamente rigorosa Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), sendo o primeiro colocado de uma turma de 365 cadetes. Em 31 de março de 2015 foi promovido ao posto de General de Brigada, o primeiro general piracicabano. E quinzista roxo! 
O General de Brigada Edson Dhiehl Ripoli é o mais jovem general do Exército Brasileiro. Foi condecorado com as seguintes medalhas nacionais: Ordem do Mérito Militar – Comendador; Medalha Militar de Ouro; Medalha do Pacificador; Medalha Mérito Tamandaré; Medalha Marechal Hermes – Bronze com uma coroa; Distintivo de Comando Dourado; Medalha Corpo de Tropa – Bronze; Medalha Prêmio Conde de Linhares; Medalha do Mérito do Ex-Combatente do Brasil; Medalha Sangue dos Heróis; Colar Comemorativo do Sesquicentenário da Revolução Sorocabana. Medalhas de Condecorações Estrangeiras: Medalha do Mérito Militar, de Portugal; Cruz da Ordem do Mérito Militar com Distintivo Branco, da Espanha (Condecoração feita pelo então príncipe, hoje rei da Espanha; Medalha de Ouro, da Itália; Medalha Esportiva de Bronze, da Alemanha;Medalha de Proficiência no Serviço de Tropa, da Alemanha;Medalha Libertador General Bernardo O’Higgins, do Chile;Medalha Francisco José Caldas - Aplicação, da Colômbia;Medalha das Nações Unidas – UNAVEM III.Medalha das Nações Unidas por Serviços Especiais.
                                                     PASSAGEM DE COMANDO
O senhor nasceu em que data?
Nasci a 9 de dezembro de 1964,em Piracicaba, sou filho de Romeu Italo Ripoli e Maria Apparecida Diehl. São seus irmãos Caetano Ripoli (Falecido), Bete Ripoli e Roberto Godoy.
O senhor fez seus primeiros estudos em que escola?
Entre 1971 e 1978, estudei na Escola Paroquial São Norberto (Igreja São Judas Tadeu) e na Escola Estadual Benedito Ferreira da Costa. Minha primeira professora era Dona Dulce, na Escola São Norberto.
O então colegial, em qual escola o senhor freqüentou?
Saí daqui com 14 anos, em  17 de fevereiro de 1979 assentei praça na Escola Preparatória de Cadetes em Campinas.



O que o levou a ingressar nessa escola?
Tomei a decisão de seguir essa carreira, prestei esse concurso, passei e fui. Foi uma decisão minha não houve nenhum incentivo familiar, não tenho nenhum parente que seja ou tenha sido militar.
O senhor identificou-se com o curso?
Acredito que sim, quando me formei ao final do curso que durou três anos, fui classificado como o primeiro aluno da minha turma composta por 210 alunos. Isso foi em 1981.

Qual foi a próxima etapa em sua carreira?
Fui para a cidade de Rezende, ingressei na famosa Academia Militar de Agulhas Negras – AMAN. Lá permaneci por quatro anos onde cursei o ensino universitário. Diplomei-me em 7 de dezembro de 1985, fui mais uma vez o primeiro aluno da turma de 365 cadetes, na época eu recebi a espada das mãos do presidente da república José Sarney.
Para quem conhece a rigorosa disciplina e o nível de excelência do ensino da Academia de Agulhas Negras, sabe o quanto é difícil cursá-la. Qual é o segredo para ser o primeiro aluno da turma?
Muito estudo! Quando conclui o curso e recebi a espada das mãos do presidente da república, para mim foi uma realização muito grande.
Terminado o curso qual foi o destino determinado ao senhor?
Em janeiro de 1986 me apresentei no quartel de Jundiaí, no 12º Grupo de Artilharia de Campanha. Era aspirante a oficial. Por oito meses permaneci como aspirante a oficial, nesse período ganhei uma viagem com a Marinha de Brasil, fui viajar por seis meses para Estados Unidos, Europa. Fui com o navio de guerra, na época denominado Custódio de Melo, hoje é o Navio Escola Brasil. Nesse período permaneci vinculado ao quartel de Jundiaí, fui promovido a segundo tenente em agosto daquele ano. Um ano depois promovido a primeiro tenente. Permaneci em Jundiaí de 1986 a 1989.
Nessa viagem com a Marinha do Brasil como era o uniforme que o senhor utilizava?
Era o uniforme do Exército adaptado. Usava os uniformes normais do Exército, mas tinha o uniforme de bordo, que era uma bermuda, uma sandália. Eu usava calça verde, eles usavam calça cinza, com a camiseta branca do navio.
Quais eram as atividades desenvolvidas pelo senhor a bordo?
Eu freqüentava todas as atividades do pessoal da Marinha. Tinha todas as instruções que eles recebiam. Tirava serviço no passadiço igual ao pessoal da Marinha. Quando chegava aos portos obviamente saia para conhecer as cidades.
O que é “tirar serviço” em um navio?
A navegação é dia e noite, quando está no mar não para nunca. O guarda-marinha, que é equivalente ao aspirante a oficial, tinha uma escala de serviço, ficavam cuidando da navegação. Eu permanecia ali, entrava na escala também, não ficava sozinho, é claro que tinha ali os oficiais. Acompanhava o radar, observando onde nós estávamos. Praticamente cuidando da navegação. Foi uma experiência interessantíssima. O pessoal daquela época passou a ser promovido a Almirante no ano passado. Mantenho contato com alguns deles até hoje, inclusive na minha entrega de espada na semana passada estava um amigo almirante, que é da minha turma, viajou comigo. E um amigo fuzileiro-naval esteve comigo no Rio de Janeiro no dia 31 de março ultimo. Essa viagem foi uma experiência diferente. Só um que viaja por ano. Era eu e um companheiro da Força Aérea que tinha se classificado em primeiro lugar na Academia de Pirassununga. Todos os tripulantes eram da marinha, menos eu e esse companheiro da Força Aérea.
Como o pessoal da Marinha via a permanência de dois companheiros um do Exército e outro da Aeronáutica, embarcados?
O relacionamento era ótimo! Receberam-nos muito bem.
Ficar 24 horas dentro de um navio é uma experiência muito marcante?
Não é fácil não. Para se ter uma idéia, de Fortaleza para Miami foi uma travessia de nove dias. De Miami para a França foram dez dias de mar, dentro daquele navio, vendo só água e céu é complicado realmente. Pensar que quando viaja e pega um avião em dez horas está na Europa. 
Isso foi em um período em que não tinha internet?
Não havia internet, mas quando chegávamos conseguimos telefonar para o Brasil. Nem GPS. Existia, havia um sistema de navegação.  Tinha um sistema de telefone via satélite, dentro do navio, era caríssimo. Essa facilidade que temos de mandar mensagens pelo celular claro que não existia. O que fazíamos era quando chegava a algum porto, íamos até um telefone público e telefonávamos.
Após essa viagem o senhor dirigiu-se para onde?
Voltei, continuei trabalhando em Jundiaí como tenente, em 1988 fiz um curso de especialização em comunicação no Rio de Janeiro, foram seis meses, permaneci até dezembro de 1989 em Jundiaí. Fui nomeado instrutor do Curso de Artilharia da AMAN em 1990 e 1991. Foram dois anos muito bons. Terminado esse período fui promovido a capitão, em dezembro de 1991, e fui transferido para Itu, para o 2° Grupo de Artilharia de Campanha Autopropulsado- Regimento Deodoro, chegue em Itu em janeiro de 1992 permaneci três anos em Itu, nesse período fiz o curso de aperfeiçoamento, que é um curso obrigatório para capitães, é feito no Rio de Janeiro, tem a duração de seis meses. Retornei à Itu. No final de 1994 fui designado para a Missão de Paz da ONU, a primeira delas. O ano de 1985, inteiro, eu passei em Angola. Na época Angola tinha um conflito a UNITA, em tese apoiada pelos Estados Unidos e o MPLA - Movimento Popular Pela Libertação de Angola que esta no governo até hoje e é teoricamente apoiado pelos soviéticos. Houve vários acordos na tentativa de paz, e em um desses acordos Protocolo de Lusaka, realizado em  20 de Novembro de 1994, estabeleceu-se a UNAVEM III - United Nations Angola Verification Mission III, missão que integrei, ao longo desse ano fiquei em duas sedes, primeiro em Luena, que era ao Leste do país, dominado pelo governo e depois fiquei em um lugarejo chamado Chiteno, deve ter uns 500 habitantes, é mais ao Sul e era dominado pela UNITA.

O senhor estava em uma base brasileira?
Não, eu estava sozinho, com militares estrangeiros. Posteriormente o Brasil mandou um batalhão para lá. Éramos uns 10 observadores brasileiros, cada um em um canto do país. Eu fiquei no Quartel Regional de Luena, uns quatro meses e depois fiquei uns oito meses em de Chiteno, um lugarejo muito pobre, muito pequeno. Éramos um time de quatro militares, monitorávamos a área, informávamos o que estava acontecendo, foi uma experiência muito interessante. Os angolanos por falarem também o português, gostam muito dos brasileiros. Fazíamos nosso papel inclusive com interpretes, no primeiro quartel regional em que fiquei o chefe era um coronel holandês, eu era o tradutor, falava do português para o inglês.
O senhor fala quantos idiomas?
Uns seis. Estudei, fiz provas em inglês, francês, espanhol, italiano e alemão. O sexto idioma é o português, claro! Desses cinco idiomas estrangeiros empreguei pelo menos quatro em missões. O primeiro em Angola em inglês, na Alemanha o alemão, no Senegal em inglês e francês, e agora nessa última missão em espanhol. Esse estudo de idiomas foi extremamente válido porque o Exército me empregou muito bem. Ele sabia que eu falava diversos idiomas e me mandou para diversas missões. Após permanecer um ano em Angola retornei ao Quartel de Itu ao 2º Grupo de Artilharia de Campanha Autopropulsado entre 1996 e 1998. Voltei como capitão para Itu. Estudei para o Estado Maior, que é um concurso interno feito pelo Exército, fui promovido a major, em 1998 e fui para o Rio de Janeiro na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, sediada no Rio de Janeiro entre 1999 e 2000, obtendo o título de Doutor em Ciências Militares. Terminado o curso fui como Oficial de Estado-Maior, chefiar a 3ª Seção da Artilharia Divisionária/5, sediada em Curitiba – PR, nos anos de 2001 e 2002. Ai fui designado para ir para a Alemanha. Fui para Colônia, para a escola de idiomas das Forças Armadas Alemã. Fiz um curso de nove meses de alemão, já sabia o alemão mas aperfeiçoei bastante, e depois fui para Hamburgo onde entre 2002 e 2004, realizei o Curso de Estado-Maior das Forças Armadas na República Federal da Alemanha. A diferença e que é uma escola da OTAN, onde aprendemos a doutrina da OTAN.
                                      DIVISAS DE GENERAL DE BRIGADA
Qual é a visão que o estrangeiro tem do militar brasileiro?
Há um relacionamento muito bom, normalmente o Exército seleciona bem os militares que vão para o exterior. Nessa missão em que fiquei por dois anos lá, conheci pessoas do Leste Europeu, da África, da Ásia, de todos os cantos do mundo. Na Alemanha há dois cursos diferentes, o primeiro que é Curso para oficiais da OTAN. E o curso que eu fia era para o pessoal de países não pertencentes a OTAN. latino-americanos só havia eu e um chileno. Havia muitos africanos, asiáticos e do leste europeu. Foi uma experiência excelente. Pela primeira vez fui com a minha família, minha filha com 12 anos teve que aprender alemão.
O senhor é casado?
Sou, a minha esposa é a Renata, é de Piracicaba, formada em odontologia. Nossa filha, Karina, também é piracicabana.
Após a permanência na Alemanha para que localidade o senhor dirigiu-se?
Terminado o curso na Alemanha, fui para Brasília, no Centro de Comunicação do Exército, que é o órgão do Exército que trata com a imprensa. Após um mês fui designa do como comandante do 2º Grupo de Artilharia de Campanha Leve - Regimento Deodoro, em Itu onde permaneci nos anos de 2005 e 2006. Na época cheguei a ter até 700 subordinados. Aquele prédio é de 1868, foi o Colégio São Luiz até 1918. Funcionou por 50 anos como colégio. Em 1918 o Exército negociou o prédio e instalou um regimento de artilharia lá. Dia 20 de janeiro faz 97 anos que o Exército está instalado naquele prédio.
Após a Alemanha o senhor fez algum outro curso no exterior?
Terminei o comando em Itu e fui para Brasília para servir no Gabinete do Comandante do Exército. Transferido para Brasília - DF, em 2007 trabalhei na Assessoria/3 (Assuntos Institucionais) do Gabinete do Comandante do Exército. Em 2008 e 2009, fui Assessor Militar da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Em 2009, integrei a Assessoria/2 (Assuntos Jurídicos) do Gabinete do Comandante do Exército. No ano de 2010, fui o Conselheiro Militar Principal do Escritório das Nações Unidas para a África Ocidental (UNOWA), em Dakar no Senegal. É uma missão que cuidava de 15 países, monitorava o que acontecia na Nigéria, Niger, Libéria, Costa do Marfim. Foi uma missão mais tranqüila do que a primeira, lá em Angola não tinha como me comunicar, ficava totalmente isolado, cheguei a ficar 35 dias sem falar com a família para saber se estava vivo ou morto. No Senegal não, a tecnologia tinha evoluído, já tinha Skype. A alimentação era elaborada por pessoas locais. Dakar para os padrões africanos é uma cidade muito boa. A missão era bilíngüe inglês e Frances, o chefe era um diplomata da Argélia.
GENERAL DIEHL RECEBENDO A ESPADA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA JOSÉ SARNEY POR TER SIDO O MELHOR ALUNO DA ESCOLA MILITAR DE AGULHAS NEGRAS  DA TURMA DE 1985  COMPOSTA POR 365 CADETES
Terminada a missão o senhor retornou para onde?
Retornei pela terceira vez para o gabinete do Comandante do Exército, que é o órgão da organização do Exército que assessora o comandante. Em 2011 e 2012, servi na Assessoria/3 e na Assessoria de Contratações Internacionais do Gabinete do Comandante do Exército. Nesse período, fui também gerente do Projeto Estratégico do Exército ASTROS 2020. No final de 2012 fui designado para ir para a Espanha. Entre janeiro e março de 2013, realizei o Curso de Altos Estudos Estratégicos para Oficiais Superiores Ibero-Americanos, no Centro Superior de Estudos da Defesa Nacional, em Madri, Espanha. Em seguida, permaneci como instrutor daquele Centro até janeiro de 2015. Retornando ao Brasil, fui Chefe da Assessoria/3 do Gabinete do Comandante do Exército. Fui promovido ao posto de General de Brigada em 31 de março de 2015 e designado Comandante da Artilharia Divisionária da 1ª Divisão de Exército, situada em Niterói, cargo que assumi dia 28 de abril de 2015. Ela cuida instrução de seis grupos de artilharia.

                                                          GENERAL DIEHL

domingo, maio 03, 2015

PAULO JUSTO BUENO MORETTI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de maio de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 


ENTREVISTADO: PAULO JUSTO BUENO MORETTI





Em 22 de março de 1995, um grupo de cerca de 30 amigos aficionados pelo ferreomodelismo (trens em miniatura), reuniu-se na Rua Alferes José Caetano,701, dependências da Verna Variedades, onde foram deslocados balcões, expositores, e mesinhas com cadeiras. Foi especialmente convidado um aeromodelista (praticante de hobby de aviões em miniatura) para relatar sua experiência de ter fundado uma associação. O lendário Oda, já falecido, contou como se iniciou no hobby do aeromodelismo, e que aquele momento era muito significativo para nós ferreomodelistas. A palavra foi usada por diversas pessoas presentes, de todas as faixas etárias. Desde então acalentamos o sonho de realizar efetivamente uma associação. Nos fundos da loja Verna existia um enorme salão, que tinha sido no passado a área de preparação de pães e doces, da Padaria Brasileira, com dois enormes fornos. Era um prédio com uma área bem definida como loja, e nos fundos, onde um dia foram feitos muitos pães e assados, foi ocupada pela Associação Piracicabana de Ferreomodelismo. Por ali passaram muitos ferreomodelistas, hoje nomes consagrados: Tarcisio Lessa, Paulo Lessa, Avary Perches, Paulo Moretti, Antonio Lima, Geraldo Zaratin, Guido Sarin, Gilson ABC, José Mattos, que chegou a dar aulas de maquetes naquele local e muitos outros cujos nomes constam em ata. Foi criado o logotipo e carteirinhas da associação. Paulo Moretti sempre foi um entusiasta tanto dos trens como da associação. Na ocasião seus filhos ainda muito pequenos já o acompanhavam. Construímos uma maquete modular, com 14 partes independentes, porém que poderiam ser conectadas. Cada parte media 1,50 metros por 0,75 cm de largura, totalizando 21 metros de percurso. O circuito tinha 3 linhas independentes, que se conectavam no início e no fim de cada módulo. A paisagem ficava a cargo do "dono" do módulo. Existia uma fiação embaixo da maquete que funcionava como rede de alimentação para os trilhos. Essa maquete ficou por duas vezes exposta no Shopping Piracicaba, 30 dias cada vez que para lá foi levada. Eram necessárias duas viagens de uma caminhonete F-4000 para leva-la. A primeira exposição de maquete de ferreomodelismo ocorrida em Piracicaba foi na Casa do Povoador, onde a Verna expôs uma maquete cedida por Gilson A.B.Camargo. A segunda exposição pública ocorreu na agência do Banespa da Rua Moraes Barros, quando uma maquete foi trazida da fábrica Frateschi de Ribeirão Preto até Piracicaba, em um caminhão 3/4 tipo baú. Todos os eventos que envolviam a APF, as várias exposições realizadas em diferentes dependências da Unimep, inclusive na Faculdade de Arquitetura tiveram a participação ativa da Verna como incentivadora e mediadora. Acreditem, mas foi realizada uma exposição de trem elétrico dentro de um cemitério! O Cemitério dos Americanos, em Santa Barbara D' Oeste, em uma festividade da comunidade norte-americana e seus descendentes no Brasil. Paulo Moretti estava presente nessa exposição com seu material. Participamos de inúmeras exposições, inclusive os incontáveis sábados à tarde em que montávamos nosso material rodante em duas maquetes móveis, nas dependências já precárias da Estação da Paulista. Guido Sarin e sua família foram incansáveis nessa tarefa. Foram dezenas de apresentações onde a maioria do público eram crianças de periferia, que jamais tinham colocado os olhos em uma maquete! Foi contratada uma empresa especializada (Telas Gomes), para cercar o local onde a enorme maquete modular foi pela última vez montada. Foram tomados todos os cuidados para não furar as paredes, mas sim usar braçadeiras, com o objetivo de preservar um ambiente histórico (Estação da Paulista). Tomamos todos os cuidados necessários para preservar a maquete, mas a população de pombos que infestava o local achou por bem "retocar" a maquete com suas fezes. Os cupins devoraram a madeira. Vândalos cortaram os fios de força da malha central que ficava embaixo da maquete. Nosso sonho permanece na nossa saudade, e nas imagens fotografadas e filmadas. Mas o mais importante nós conseguimos: motivar os talentos adormecidos, revelar artistas que o tempo perpetuará. E isso o cupim não corroeu e nem os pombos destruíram. Hoje estamos felizes em ver a Estação da Paulista restaurada. Nesses muitos anos, percorremos um longo caminho, mas em momento algum desistimos do nosso sonho: a Associação Piracicabana de Ferreomodelismo - APF, ter um espaço aonde possa lembrar a história do trem na formação da nossa cidade e região. 


A primeira oficial exposição de ferreomodelismo de Piracicaba e Região foi realizada em parceria com a Frateschi Trens Elétricos, de Ribeirão Preto e a Verna de Piracicaba, com o apoio do vereador José Pedro Leite da Silva e da Secretaria da Cultura, cuja titular Rosângela Camolesi incentivou muito. Foi em um sábado, dia 8 de abril de 2006 no barracão existente logo no final da ponte pênsil, no Engenho Central. Uma segunda exposição foi mais tarde realizada na Estação da Paulista, já restaurada, sendo que na ocasião o Prefeito Barjas Negri inaugurou essa exposição.
Cabe ressaltar que cada ferreomodelista tem sua característica pessoal, como se fosse uma impressão digital. Ao conhecedor, basta olhar uma maquete e logo dirá quem é o autor.
Em 30 de abril de 1854 foi inaugurada a primeira linha ferroviária do Brasil, o que fez com que data se transformasse em o Dia do Ferroviário. O vereador Pedro Kawai decidiu homenagear os ferroviários, heróis esquecidos que muito fizeram para o progresso do nosso país, para Piracicaba, realizando um evento com inicio no dia 24 de abril de 2015 nas dependências do SEST SENAT. Foi feito o lançamento de um rico documentário denominado “Alma de Ferro”, História e Lembranças de um Passado Ferroviário assim como exposição de cerca de uma dezena de maquetes ferroviárias. Paulo Moretti e Guido Sarin participaram ativamente com as suas obras e material rodante. 

Paulo Justo Bueno Moretti nasceu a 1 de fevereiro de 1955, na Rua Governador Pedro de Toledo, centro de Piracicaba, é filho de Justo Moretti Filho e Dina Moretti.que tiveram também as filhas Adriana e Lia.
Em que escolas você estudou?
Escola Estadual Professor Elias de Mello Ayres, depois COTIP- Colégio Técnico de Piracicaba, onde fiz engenharia e administração. Tenho dois filhos, Ralf e Caio.
Como surgiu essa exposição de ferreomodelismo?
Fui procurado pelo vereador Pedro Kawai. Junto com alguns amigos fizemos a montagem das maquetes e dos dioramas.


Qual é a escala utilizada para realizar essas maquetes?
O diorama conta o pedaço de uma situação. Como se fosse a fotografia de um local. Ele retrata uma situação dentro do contexto da ferrovia. São relativamente pequenos, estáticos. As maquetes foram feitas em duas escalas: uma em escala HO que é 1:87, ou seja, 87 vezes menor que a original. Outra é a escala N, que é a metade da escala HO. Ou seja, 1:164.
O material é de procedência nacional?
O material rodante em parte é de procedência nacional. Temos material de procedência japonesa, européia de uma forma geral e algumas dos Estados Unidos. A maioria das maquetes que estão expostas foi realizada por mim, são maquetes semi-profissionais. São maquetes de fácil locomoção, não tem uma grande parafernália eletrônica, que hoje é utilizada em maquetes profissionais. Tenho algumas maquetes analógicas, outras digitais, mas ainda não estão ligadas a um computador. No Brasil estamos engatinhando nessa área de informatização de maquetes. Em São Paulo temos pelo menos duas maquetes ligadas ao computador, que dá todos os comandos para as máquinas irem buscar vagões, descarregar vagões. Ainda é algo de valor elevado, fora da nossa realidade.
Paulo, você além das exposições locais, participou de diversas exposições?
Devo ter participado de 12 a 15 exposições. Participei também de concursos de ferreomodelismo de várias cidades, sendo que em vários desses concursos tive a felicidade de ser classificado em primeiro lugar. Fui convidado por um amigo, Armando Canhão, de Coimbra, mandei três trabalhos, quando os trabalhos são escolhidos ninguém sabe quem é o autor, para minha surpresa, os três trabalhos que mandei na categoria “Construções”, ganhei em primeiro, segundo e terceiro lugar.

O reconhecimento é cultural ou financeiro?
Reconhecimento financeiro não existe nenhum. E eu também não busco isso. Há o reconhecimento cultural e a satisfação de ter o meu trabalho reconhecido.
Quando surgiu essa sua atração pelo ferreomodelismo?
Ainda criança eu ganhei do meu pai alguns trens, não eram brinquedos, já era equipamento voltado ao hobby. Era da marca italiana Lima. Com o tempo fui aprimorando, muitas tentativas, hoje estou realizando trabalhos em um nível bom, em um patamar de realismo dentro do ferromodelismo.
O custo do hobby é alto?
Há duas formas de se praticar o modelismo: uma é comprar todo o material e montar. É a maneira de custo mais elevado. Outra forma é você mesmo criar suas peças, modificando materiais. É o que eu faço. Comprar pronto, ou comprar “kit” é muito fácil. Só que você não tem uma peça exclusiva. Gosto justamente disso, exercitar minha criatividade. Com isso consigo um efeito muito superior do que o material pronto.
Quantas maquetes você trouxe para essa exposição?
São quatro maquetes rodantes e em torno de meia dúzia de dioramas.
Tem alguma peça que você considera diferencia da das demais?
Uma é a Estação da Paulista, que eu tive que medi-la em todos os seus detalhes, desenhar, depois executar na escala 1:87. Outra é um diorama estático, uma estação do Mandaqui em São Paulo, era um ramal da Sorocabana, já extinto, fiz através de fotos. Até onde sei é o único diorama existente dessa estação.
Quanto tempo você usa para fazer uma peça dessas?
Como não é meu meio de subsistência, faço isso aos finais de semana. Por exemplo, a maquete da Estação da Paulista levou seis meses para ser concluída. É um trabalho de paciência, não pode ter pressa. É um trabalho que dá prazer, você faz cada peçinha com carinho, com tranqüilidade. Isso me dá uma paz, um sossego, me desligo do cotidiano. O grau de concentração é muito grande. Fico imaginando como vou fazer encaixar, o final de semana é pleno em cima da maquete.
A busca pelo realismo é incessante?
Cada vez mais! Cada peça que faço  melhoro o meu nível. Aprendo coisas novas, aprendo como fazer de outra forma, melhor, mais fácil, mais bonita. A cada maquete que faço vou melhorando o meu grau de aprimoramento. O olhar para cada objeto é diferenciado: uma tampinha de desodorante pode tornar-se uma caixa de água!
Qual é a faixa etária que se interessa pelo ferreomodelismo?
Pela minha experiência de outras exposições, posso afirmar que ela atinge tanto a criança, como o adolescente, o jovem, o adulto. Todos gostam!
Você dá cursos, aulas?
Já cheguei a dar algumas oficinas de maquetes. Como fazer árvores. Como transformar peças para modelismo. No ano passado até fui convidado pelo Colégio CLQ a fazer uma maquete  com os alunos. A partir do momento em que a maquete passou a tomar forma o interesse deles foi muito grande. Neste ano fui convidado novamente a dar algumas aulas para alunos da oitava série.
Há um choque entre a tecnologia que domina as novas gerações (celulares, games) e o trabalho artesanal com maquetes?
Existe  esse choque, não é pequeno. Isso de certa forma me entristece, a juventude não cria com suas próprias mãos, não elabora trabalhos manuais. De certa forma é uma geração passiva, que senta em frente a um computador, onde consegue coisas maravilhosas, só que cada vez mais está se perdendo a habilidade manual e a transformação que pode ser feita manualmente. O jovem passa a ser o consumidor de um produto, ao passo que quando realiza, por exemplo, uma maquete, ela está produzindo alguma coisa. O jovem, em sua maioria, ao ficar junto a um computador, está produzindo alguma coisa, mas principalmente está sendo orientado a ser consumista. Em geral deixa de lado a sua criatividade. Com isso perde grandes artesãos. Hoje já não existem mais alfaiates, relojoeiros que saibam consertar um relógio mecânico. São profissões em extinção.
Isso pode ocorrer com a construção de maquetes?
São poucas pessoas no Brasil que desenvolvem essa arte, comparada a população do país. Não sei precisar quantas, mas sempre haverá pessoas que irão desenvolver suas habilidades manuais. A tendência hoje no ferreomodelismo é a pessoa adquirir tudo pronto. Monta com algumas falhas, e põe aquilo para funcionar. O modelista que fabrica todas as suas peças, cria do nada alguma coisa que fique bonito, dê um impacto, isso está cada vez mais difícil. O próprio meio induz as pessoas a comprar e montar kits, a fazer um diorama ou uma maquete. E não é esse o propósito. O bom modelista tem por obrigação criar suas peças.

E as maquetes eletrônicas?
São muito bonitas, gosto, admiro. Você pode programá-las. Você pode fazer inúmeras manobras como se estivesse dentro da cabine de um trem. Só que você está sentado em uma cadeira em frente a uma tela! É gostoso, mas não é mais prazeroso do que fazer uma maquete física.
Nos lançamentos imobiliários usam-se maquetes eletrônicas ou maquete físicas?
São usadas as duas modalidades. Em qualquer lançamento você vê uma maquete física, é um chamariz. No caso de uma residência, principalmente os arquitetos fazem toda a parte de arquitetura através da maquete eletrônica, inclusive a decoração interior, isso dá um impacto muito forte. O consumidor irá se encantar pela maquete eletrônica. Sob o ponto de vista comercial é muito importante uma maquete física e uma maquete eletrônica. Os softwares são cada vez mais poderosos, é um processo muito rápido.
Você utiliza-se desses meios?
Na construção civil tive curso de AutoCAD, na parte de modelismo existia um software chamado CadTrem, ele fazia alguns circuitos, ele auxiliava. Mas nada melhor do que você pensar e você criar. Às vezes fico dias pensando como fazer uma peça. Algumas vezes, em um “clique” vem com toda a clareza do mundo como devo fazer aquela peça. Você tem ferramental próprio para o modelismo?
Tenho uma oficina completa. É uma oficina para hobby. Ali tenho máquinas específicas: micro-serra, micro-torno, todo ferramental que utilizo para fazer essas peças. Existem algumas ferramentas que eu criei.
Você vê a possibilidade do modelismo ser utilizado como terapia em instituições tais como locais de detenções?
Como terapia com toda certeza sim, não só no modelismo, mas qualquer atividade que seja feita e ocupe o tempo com certeza irá beneficiar muito o recluso. Quando estou me dedicando ao modelismo me esqueço do mundo. Para mim é um remédio! Quando você cria alguma coisa em que não tenha nenhum interesse a não ser a satisfação pessoal, isso se torna automaticamente uma terapia.
Material rodante, que são locomotivas, carros de passageiro e vagões, você tem idéia de quantos  possui hoje?
Devo ter por volta de 300 a 400 peças. Tanto na escala HO 1:87 como na escala N 1:160. Existe uma outra escala com a qual não trabalho, que é a escala 0 (zero), ela é grande 1:43,5 e tem a escala Z que é 1:220. Ou seja, são peças 87; 160; 43,5 e 220 vezes menor que o modelo original.
Existe em São Paulo, no Parque Ibirapuera uma maquete coletiva, muito grande, e possivelmente a mais antiga do Brasil ?

É da SBF – Sociedade Brasileira de Ferreomodelismo Esses dias o Alberto, que é um dos diretores, me convidou para fazer uma estação para essa maquete. É a maior do Brasil, talvez a mais importante. Entreguei-a semana retrasada. É uma estação de ramal, pequenininha, não tem nome, colocaram lá “Estação Moretti”.  

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