segunda-feira, março 14, 2016

CECÍLIA SODERO POUSA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 27 de fevereiro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: CECÍLIA SODERO POUSA

A religiosa Irmã Cecília Sodero Pousa nasceu em Piracicaba a 31 de dezembro de 1931 a Rua do Rosário, nas proximidades do Grupo Escolar Moraes Barros.
A que distância do Grupo Moraes Barros ficava a residência da família da senhora?
Fica a apenas duas quadras, no sentido centro bairro. Era uma rua por onde o bonde passava, Dizem que nasci assim que o bonde passou, às oito horas e vinte minutos da noite. Sou filha de Orlandina Sodero Pousa e José Pousa de Toledo, ambos eram professores. Papai lecionava no bairro Pau Queimado, ele não saiu de lá por sua própria opção, ele queria lecionar no meio dos trabalhadores, agricultores.
Qual era o meio de transporte que ele utilizava para ir até a escola?
Usava seu próprio carro, sendo que levava também outras professoras.
A senhora lembra-se que modelo de carro que ele utilizava?
Sei que em certo momento ele utilizava uma “baratinha” azul. Eram veículos da época.
A senhora teve irmãos?
Tive uma irmã, Ângela Pousa de Coimbra casada com Plauto Lapa Coimbra, filho do Sr. Lamartine Teixeira Coimbra, que era Diretor do Instituto de Educação Sud Mennucci  O Plauto era sociólogo e advogado, trabalhou muito na área jurídica em Piracicaba. Isso na década de 50. A minha irmã era professora, ocupava cargos de orientação de ensino.
A senhora começou seus estudos em qual escola?
Foi no Grupo Escolar Moraes Barros. Minha primeira professora foi Dona Elisa Magalhães, ela deu aulas nos meus quatro primeiros anos. Conclui o primário e fui prestar exame no Instituto de Educação Sud Mennucci para entrar no ginásio. Ali fiz o ginásio e o curso Normal onde me formei como professora. Tive aulas com professores da família Dutra: Desenho, música.
Nessa época Erotides de Campos lecionava na Escola Normal?
Lecionava, embora eu nunca tenha sido sua aluna o conheci muito por que ele era muito amigo do meu pai. Meu pai também era musicista. Ele tem coisas lindas. Era seresteiro, aceitava muito as letras que os amigos dele faziam e pediam para ele colocar a música, então ele entrava muito na dinâmica daquela letra.
O pai da senhora frequentava a casa de Erotides de Campos?
Frequentava!
Qual era o instrumento musical que o pai da senhora tocava?
Meu pai tocava flauta. Estudava até de madrugada, dormíamos ao som da flauta dele.
Com isso despertou na senhora a vontade de tocar algum instrumento?
Desde oito a nove anos eu tocava piano. Estudei piano, até receber o diploma do Conservatório Musical de São Paulo. Depois estudei os cursos adjacentes que eles chamavam de Canto Orfeônico Eram cursos que nos preparavam para sermos professores de música. no ensino médio. Estudei na Escola do Maestro Julião. Estudei  piano com Fritz Jank No exame do Conservatório eu toquei uma música de autoria do meu pai chamada “ Meditação” que foi muito aplaudida. Uma valsa muito bonita.
O que significa a música para a senhora?
Eu nunca pensei nisso! Para mim significa a harmonia do Universo. A coletividade dos seres do Universo. Que faz esse Universo caminhar, crescer, produzir, Produzir artes, produzir o belo, o bom, a música reúne tudo isso, uma imensa produção dos sons que ela pode criar. A minha mãe na juventude dela tocou piano e a minha irmã Ângela tocou piano em sua infância. Sou formada como professora pela Escola Normal e também como professora de música e como musicista, pianista.
Quando a senhora concluiu a Escola Normal qual foi a próxima etapa?
Continuei a estudar música, em São Paulo. Eu viajava, não todos os dias, porque o curso era dado às vezes por semanas, depois eram feitas as provas.
A senhora ia como para São Paulo?
Ia de trem, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro era muito boa! Para as aulas de piano com o Fritz Jank que morava nas proximidades do Cemitério da Consolação, no bairro Pacaembu, eu ia sozinha. Para os cursos de formação musical, com o Maestro Julião, a minha mãe ia também porque ela fez o curso.
Em seguida o que a senhora fez?
Eu tinha que decidir o futuro da minha vida. Através de muitas experiências, muitos contatos, de visitar muitos setores da sociedade e refletir eu resolvi dedicar a minha vida a um trabalho popular. Comecei uma série de estudos, especialmente a Educação Popular.
A senhora ingressou em uma instituição religiosa?
Essa organização religiosa tem o nome de congregação, é a Congregação de Nossa Senhora – Cônegas de Santo Agostinho,é uma congregação agostiniana, fundada a mais de 400 anos. É muito antiga, então o nome também é antigo, a sede no Brasil é em São Paulo, a sede internacional é em Roma, mas trabalhamos muito mais em Paris.
Quais idiomas a senhora fala?
Falo o português, francês e espanhol. Não estudei inglês, quando comecei a estudar inglês em Piracicaba a minha irmã faleceu, ai eu parei. Nunca tive a necessidade explicita do inglês, na Congregação todos pelo menos entendem, lê um pouco ou fala mesmo o francês. Após concluir a universidade trabalhei no setor internacional da Congregação
Em qual universidade a senhora estudou?
Primeiro morei por dois anos em São Paulo, no bairro Pompéia, depois em Perdizes. Estudei Letras, na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre. Uma universidade católica, que era conduzida pelos Irmãos Maristas. Morei seis anos em Porto Alegre, logo após ter ingressado na Congregação. Lá eu estudava e dava aulas. Fui lecionar em um colégio bom, novo, em uma região nova de Porto Alegre, adiante um pouco de Viamão.
Nesse período de permanência em Porto Alegre a senhora adquiriu algum habito típico gaucho, como tomar chimarrão?
Não chegou a ser habito, mas posso dizer que gostei demais de Porto Alegre, assim como gostei muito do contato com as minhas companheiras de lá, com as quais até hoje tenho uma amizade muito boa. Apreciei muito a força desse povo, a autonomia que eles têm a força de produzir e amar cultura. Valorizar sua cultura. Eles preservam e apreciam sua cultura, produzem muita cultura, eles crescem. Eles afinaram a intelectualidade. Agora é mais direta, mais simples, mais orgânica.
A tão decantada “globalização” faz com que muitos percam sua identidade?
Isso ai, agora acho que tem que voltar para outra ponta. Depende da educação que as pessoas recebem ou não recebem. Depende da educação que penetra e que transforma, ou da educação que fica na superfície. Que passa e se esquece. A educação do berço está junto. Toda educação da vida fortalece a educação do berço. Ou então nos leva a ignorar. Procurar outros destinos.
Como educadora, em sua opinião, a aprovação quase compulsória de um aluno que não reúne o mínimo de conhecimentos básicos não é prejudicial ao aluno?
A meu ver a educação é muito institucionalizada. Quanto mais institucionalizada mais ela foge dos valores atuais. Mais ela entra nos esquemas propostos desde o passado. Penso que a educação tem que partir da experiência, da vida, dos valores. A educação não pode partir da instituição senão será repetitiva. E ela não pode ser repetitiva, tem que ser criativa.
A senhora acredita na formação do caráter do indivíduo?
Acredito! Senão não se forma ninguém! A educação é a formação do caráter pessoal e coletivo. A minha Congregação é educadora. Tem como trabalho nesse grupo a educação. Essa reflexão sobre educação é a proposta de processos criativos e educativos.
Cada instituição tem um lema, qual é o lema da Congregação a qual a senhora pertence?
O lema vem de quem fundou há 400 anos. Nós seguimos duas frases. Um delas é: “ Bem à todos, mal à ninguém.” Essa é uma frase do início da Congregação. A outra frase é pensando um pouquinho nos valores religiosos::“ Faze-o crescer”.
Quem fundou a Congregação?
Foi um vigário, de paróquia. Ele era cônego de Santo Agostinho. Era uma congregação masculina. Isso em um condado da França. Ele era um visionário, tem muitas cartas, completamente fora do estilo da época. Essas duas frases não dele, são da fundadora que fundou junto com ele, as Canonisas ou Cônegas de Santo Agostinho (Canonicæ Sancti Augustini) (CSA), fundada, em Lorena, França, em 1597, pela beata Alice Leclerc sob orientação do Padre Pierre Fourrier, com a finalidade de dedicar à educação das jovens. Inicialmente, a congregação tinha o nome de Cónegas de Nossa Senhora (Chanoinesses de Notre-Dame), mas em 1932 foi reformada, com o nome de Cónegas de Santo Agostinho.
A senhora de Porto Alegre foi para qual cidade?
Após seis anos em Porto Alegre vim para São Paulo, a Rua Caio Prado. Ali estava nosso colégio, que foi vendido, o Colégio Des Oiseaux, demolido em 1974.e até hoje não fizeram nada, é um estacionamento. Era um colégio lindíssimo, tinha um palacete na entrada. Tinha uma capela lindíssima. Tínhamos alguns momentos guardados por 400 anos. Um desses momentos era que nós rezávamos o ofício da igreja que é o que os padres rezam até hoje, o breviário. Rezávamos inteiramente. Era sete vezes na capela durante o dia. Para poder cumprir esse programa para cada dia. Essa capela era muito bonita, tinha uns lugares que chamamos de estalas, eram cadeiras especiais que davam toda a volta em todo o correr da capela. Quando tínhamos hóspedes, pessoas que também gostavam de rezar eles entravam também nas estalas.
Quantas irmãs residiam a Rua Caio Prado?
Quando eu entrei tinha umas oitenta.
A senhora permaneceu lá até que ano?
Fiquei no Colégio Des Oiseaux, que é o Colégio das Cônegas de Santo Agostinho, fazendo estudos por uns três anos, aprofundando os conhecimentos teológicos. Entrando em um campo em que teria que trabalhar com tudo, mais uma luz de fé. Fiz um curso de teologia, fiz um curso de experiência de missão, foi na época do Concilio Vaticano II, por volta de 1962 a 1963. Depois disso trabalhei um pouco com as jovens que estavam chegando à Congregação. .Ao mesmo tempo pedi para ir para o Nordeste.
O que a levou a fazer esse pedido?
Está  na base da minha escolha de vida. Resolvi dedicar a minha vida a essa população. Naquele tempo tínhamos apenas uma casa em Recife. Quando cheguei ao Nordeste a coisa cresceu, criaram-se outros grupos. Quando eu vim para ficar havia o colégio em Recife. Tínhamos um programa que atendia tanto as alunas filhas  de usineiros, mas também tinha escolas para pessoas que não podiam pagar. Eu  cheguei ao Nordeste em 1970. Cheguei a Recife, era uma comunidade com umas 18 a 20 irmãs. Havia varias sulistas, paulistas. O convento e o colégio lá foram criados pelas nossas irmãs da Alemanha. Nós de São Paulo fomos criadas pelas belgas. O que aconteceu é que quando anexaram os condados na Europa a Congregação foi perseguida e as que conseguiram fugiram para Portugal. Foi uma perseguição política Nesse desmembramento e saída para outro país, se formaram vários mosteiros separados. Como se formaram núcleos diferentes, depois esses núcleos foram se reunindo em uma modernidade mais avançada. A Congregação assumiu características do pais onde estavam sediadas, Alemanha, França, Bélgica. Até que decidiram ir em missões em outros continentes, para o Brasil inicialmente vieram as belgas que se instalaram em São Paulo.Depois as alemãs vieram para o Nordeste. Os dois grupos mantiveram a comunicação entre si, porém com muitas coisas diferentes entre elas. Com tradições diferentes. Após ficar em São Paulo estudando, passei dois anos na Bélgica em um grande colégio da Congregação. Era próxima a Bruxelas, eu ia todos os dias até Bruxelas para estudar. Isso foi em 1966, de lá fui para Paris várias vezes, seguíamos cursos interessantes.
Deixar a Europa e ir para o Nordeste do Brasil foi uma decisão de coragem?

Quando eu morei em São Paulo viajei muito com as irmãs que eram professoras do nosso colégio em São Paulo, elas levavam grupos de alunas para conhecer o Nordeste. Talvez o meu primeiro impacto foi nessa viagem que fiz com as alunas, nós ficamos hospedadas com as irmãs que eram alemãs, mas que eram da nossa Congregação levantávamos as cinco horas da manhã com as noviças para ver os jangadeiros partirem na busca de peixe as famílias na praia, as mulheres rezando para ter bom tempo, todos os cantos de Dorival Caymi. Tudo isso era uma coisa muito bonita. A questão da vida, da sobrevivência.  Isso me tocou muito, até hoje me lembro. Íamos também para ver os jangadeiros que chegavam da noite, com os peixes, vendiam quase tudo ali. Eu tive a sorte de visitar bastante o Nordeste, não só Recife. A nossa educação é muito sólida. Uma das  irmãs que veio liderando essa excursão, é introdutora no Brasil dos métodos ativos em educação, que já abre pistas para Paulo Freire, para toda essa gente que depois fez toda uma metodologia para educação popular.  A nossa irmã é que trouxe de cursos que ela fez na Europa com um padre chamado Faure era o grande idealizador desses métodos mais ativos. Isso nós  levávamos para todos os cantos. 
A senhora está morando no Nordeste do Brasil desde que ano?
Desde 1970, portanto são 46 anos. A sua permanência por tanto tempo permitiu acompanhar o desenvolvimento de várias gerações, muitas mudanças.
O que mudou no Nordeste nesse período de quase meio século?
Morei 14 anos no sertão, havia o sistema de coronelismo, inclusive com a anuência de uma autoridade eclesiástica em conluio com os coronéis, para manter os “status quo” (no mesmo estado). Fui expulsa do sertão pelos coronéis. Era um trabalho que incomodava o sistema político e social deles, Fomos obrigadas a sair de lá, se permanecêssemos os pobres seriam sacrificados, naquele tempo havia o processo das listas das pessoas que seriam abatidas ou sacrificadas, pessoas que incomodavam a política deles. O meu nome estava em duas dessas listas. Quem nos contava era o povo trabalhador. Nós tínhamos muito contato com os sítios, saíamos muito para os sítios, e isso incomodava demais porque as cidades eram pequenas diante dos sítios, era o curral humano dos coronéis. Nós ficamos sete anos no Estado de Pernambuco e sete anos no Estado de Alagoas. Era um lugar onde Pernambuco e Alagoas eram limítrofes. Não podíamos manter grandes escolas, tínhamos que manter pequenas escolas. Em periferia, no interior, era esse o publico que precisava de nós.
E as filhas dos fazendeiros, frequentavam as escolas?
Elas estavam nos grandes colégios de Recife. Quando cheguei ao Nordeste fui eleita no ano seguinte fui eleita Regional no Nordeste, fiquei coordenadora nessa região. Meu trabalho era mais de animação dos pequenos grupos das irmãs. Nossa mentalidade naquele tempo dizia que era bom ir conviver mais com o povo e não ficar em colégio. Uma pessoa que teve muita influência em nossa decisão foi Dom Helder Câmara. Uma senhora que trabalhava para ele tinha uma filha que estudava conosco  no colégio de Recife, e Dom Helder ia lá às vezes por causa dessa menina. Um dia ele me disse: “É muito bom o colégio, mas tem muitos colégios religiosos aqui em Recife, as Damas Cristãs, os Maristas, os Dominicanos, muita gente trabalhando na formação do povo que era a elite da sociedade, seria tão bom se vocês descobrissem um valor em sair deste ambiente, não para rejeitar, mas para fazer uma coisa diferente, ir um pouco para o interior, ver o que se passa por ai, ver a educação como é que anda por aí criar um sistema de educação popular”..  Foi ele quem deu o primeiro empurrão. E daí começamos a discutir isso na comunidade das irmãs. Essa discussão nos levou a fechar o colégio de Recife. O colégio era bom, não tinha problemas financeiros, professores bons, mas a coisa caminhou tão forte na linha missionária que em 1974 resolvemos fechar o colégio. Foi uma zoada em Recife. Ninguém entendia. Tivemos que explicar, fazer um processo bem detalhado, com os pais dos alunos, professores, amigos, com pessoas que se juntavam a nós no colégio, e todo o mundo ajudou a fechar esse colégio. Chamei de São Paulo duas irmãs: uma para cuidar das finanças e a outra para ser a diretora do colégio nesse momento de fechamento. Organizamos-nos com elas e fechamos o colégio, Daí que eu fui para o sertão.
Para qual localidade do sertão a senhora foi?
Fui para Itacaratu, Pernambuco, é um município aonde tem muitos indígenas, os Pankararus, ali nós não criamos a primeira comunidade nossa, descemos a serra, embaixo tem uma vila que pertence a Itacaratu, nessa vila nos estabelecemos, chama-se Caraibeiras. O povo da região é artesão de redes de dormir, ou cobertas e cama, tudo feito no tear. Naquele tempo eram dependentes profundamente dos donos dos fios, que recebiam as redes prontas, quem fabricava rede guardava tudo, o fiozinho que sobrava, a lãzinha que saia da tecelagem, quando eles entregavam as redes para quem deu o fio, tinham que colocar junto tudo que tinha saído dos fios. Se desse um peso diferente os tecedores teriam que pagar. Era um cuidado para não deixar desviar nada. Se levassem 50 quilos de fio e recebessem de volta 45 quilos, os tecedores tinham que pagar cinco quilos de fio. Nós trabalhamos muito com esse pessoal do artesanato.
Qual era a alimentação básica deles?
Macaxeira (mandioca), comem muito inhame, muito milho, carne de bode, ovelha e também boi. Íamos a feira, eles matavam os bichinhos e vendiam o fígado quente. A matança dos bois não dá nem para pensar. Nos insurgimos muito contra essas coisas, como dependia dos homens que viam de longe para fazer essas coisas as nossas preces não ajudavam muito. Comiam muito feijão, que é o que eles plantam, além de comerem macarrão e bolacha. Morava conosco uma irmã francesa, que até hoje mora comigo, a Irmã Genevieve Remy ela ia comprar pão pela manhã, era bem jovem, tinha vinte e poucos anos, todo mundo a chama de Dona Gê. O padeiro dizia: “ Dona Gê! O pãozinho francês está quente!” Ela chegava em casa com aquele pão feito com água de barreiro. Marrom. Eles não tinham consciência do que seria a manifestação de bactérias. Essa irmã é enfermeira, ficou nove anos nessa vila, fez um trabalho maravilhoso de educação, saúde pública, sanitária, ela formou pessoas. Trabalhou muito a saúde alternativa, os remédios alternativos com o pessoal da roça. Quando saímos de lá tinha muita coisa nascendo e o povo assumindo. A gente só trabalha se o povo assumir. Não fazemos no lugar do povo. Há uns dez anos mais ou menos. Voltamos para lá, e encontramos as pessoas com quem trabalhamos, que já são mãe de famílias, e essas pessoas que ela formou, são todas que ocupam os cargos no posto de saúde de lá, e ganham para isso.
Essa consciência, motivada por uma vocação religiosa não deveria ser uma consciência nacional?
Precisaria ser! Sinto-me na obrigação de dizer sobre as mudanças de dez anos atrás para hoje. Obviamente que tudo não é ótimo. O Estado da Paraíba é o estado campeão da violência contra as mulheres. É um sentimento vivo da tradição do povo machista, como acontece em muitos lugares do Brasil. O sentimento vivo das classes sociais diferenciadas. O Nordeste é muito popular e pobre financeiramente. Por outro lado no Nordeste existe uma elite. Os ricos, que administram, que sabem tudo, que mostram os caminhos, isso é uma elite intelectual, financeira, social, amoral e não ética. Tem uma elite que vive isso muito forte, esse sentimento vivo sustenta essa discriminação. É uma confirmação da classe dominante que vem do passado, do tempo das capitanias hereditárias, dos ricos de Portugal.
Há a influencia da colonização holandesa?
Os holandeses eram poderosos, tem o poder e tem a riqueza, as duas coisas às vezes coincidem, mas também podem não coincidirem. A pessoa pode ser poderosa sem ter riqueza. A classe de elite do Nordeste é poderosa e construiu a riqueza do Nordeste. Os pobres do Nordeste até chegar um Lula no governo não tinham nada. Os que subiam na política, deputados, senadores, vinham como representantes da região em Brasília, eles maltratavam o povo. De Caraibeiras fomos morar em Inhapi, próximo a Canapi, terra da Ex-mulher do Collor, a Roseane, seu pai é um dos coronéis. Tem mais dois irmãos dela, um que fica em Inhapi e outro que fica em Mata Grande. São as três principais cidades da região. Os irmãos da Roseane são quem dominam a região, eles que nos mandaram embora. Esse espírito de posse que eles têm, a terra é deles, tudo é deles, o povo é deles, os votos são deles O Nordeste não digo que seja feudal, mas é agrário. É uma região agrícola do Brasil.
E a seca?
A seca é um fenômeno, que atrapalha que não é agradável.
Pode ser resolvido esse problema?
Não será resolvido.
Israel conseguiu resolver!
Aqui para o Brasil, pelo menos Roberto Malvezzi pensa assim, é um problema que temos que conviver. O que o Governo da Presidente Dilma fez? Milhares de cisternas. Hoje não falta água para aquele povo. Caso não tenham água na cisterna por ficar dois ou três meses sem chuva, o Governo Federal manda carros pipa enchendo de água a cisterna deles. Os governantes dos Estados do Nordeste tem a intenção de abafar isso: não parte deles e ao mesmo tempo tira o poder que eles tem. Não generalizo e nem posso generalizar, há regiões que são atendidas a contento outras ainda não, há um impedimento na ação do governo central.
O fato de pode mostrar que é possível, que é viável já não é um grande avanço?
A Dilma proporcionou a aquisição de máquinas para eles trabalharem no campo, motos para eles irem trabalhar geralmente em locais distantes, essas motos permite que eles tragam o que puderem da produção, inclusive água. As mulheres andavam até seis quilômetros com duas latas de água. A tarde voltavam a pé mais seis quilômetros para pegar água para a noite. Eu sei porque vivi 14 anos no campo, e até então era tudo movido por tração animal e tração braçal. Fui muito para a roça com eles, aquelas roças imensas. Que não eram deles e sim dos senhores da terra. Isso tem a ver com aquelas listas de nomes de pessoas. Essas pessoas trabalham como “alugados” aos senhores da terra, eles vão até a casa do proprietário da terra para receberem o salariozinho deles. Escutavam toda a conversa e nos contavam. Nós mantemos o contato com elas até hoje, elas nos escrevem ou telefonam, Dizem: “Precisam ver o campo como está! As hortaliças como estão!”. Isso é mérito da Lula e da Dilma. Nenhum político fez isso antes. Nem os políticos nordestinos.
E o Movimento dos Sem Terra – MST?
Eu tive contato mais seguido quando o movimento começou na área, isso a mais de vinte anos, agora não sei como estão na área. Eles estavam na área há vinte anos como os donos da verdade, tínhamos pessoas das comunidades de base da igreja, eram boas pessoas, trabalhavam bastante, tinham casas de farinha. Aí começaram a dar cursos e a fazer uma análise histórica da igreja, a meter o pau na igreja. A Igreja não é santa não, mas precisamos entender o tempo, a época, porque agiram assim. Que mentalidades tinham.
A seu ver o MST saiu do seu objetivo principal?
Acho que mais pela falta de pessoas que orientassem, o movimento crescia e tinham poucos lideres. bem situados. Lá no sertão eles ficavam sozinhos e nós procurávamos ajudar. Hoje acho que amadureceram, não estou falando da região, estou me referindo ao movimento.
É inegável que existe uma rejeição ao MST por parte da população em decorrência das atitudes de alguns líderes.
É um movimento que cuidando de si está cuidando dos outros. É mais do que sabido que eles têm muita gente hoje no Brasil. São muitas famílias com muitas crianças, eles instituíram escolas com métodos ativos, dinâmicos, usam muito a metodologia do Paulo Freire. Eles cuidam deles, essas crianças estão crescendo, já têm jovens cursando as universidades. Entre as faculdades cridas recentemente está nascendo uma de medicina para cuidar dos membros do MST. Eles não são egocentristas, são missionários.
Pode  existir correntes de pensamentos divergentes dentro do MST?
Isso pode existir. O movimento é muito grande, alguns não permanecem. Devem produzir o trabalho exigido pelo MST. São conduzidos, tem os animadores, tem que trabalhar, não podem apenas ir e desfrutar tem que trabalhar para poder usufruir.
E a Amazônia como a senhora vê?
Conheço pouquíssimo a Amazônia. Acredito que o perigo de perdermos a Amazônia já foi mais forte. Acredito que exista muito preconceito, são criados pelos que não querem perder nada, então eles atacam E há uma tendência dos preconceitos se popularizarem. A nossa organização tem uma unidade na Amazônia, sendo que uma das integrantes é quase doutora em Engenharia Florestal. Temos outras irmãs que dirigem o grupo, vão para congressos, elas são ótimas. Estão abrindo uma casa na fronteira da Bolívia, Peru e Acre. São quase todas descendentes de indígenas. Elas conhecem a vida indígena. Estive lá há dois anos, elas tiveram uma reunião entre elas, eu participei, elas puxaram muita coisa de mim, tive que dizer o que pensava e também o que eu perguntava, elas respondiam, eu disse o que pensava, o que eu via, dentro do trabalho delas que não é só social é também político. 
A senhora está morando no Nordeste do Brasil desde que ano?
Desde 1970, portanto são 46 anos. A sua permanência por tanto tempo permitiu acompanhar o desenvolvimento de várias gerações, muitas mudanças.
O que mudou no Nordeste nesse período de quase meio século?
Morei 14 anos no sertão, havia o sistema de coronelismo, inclusive com a anuência de uma autoridade eclesiástica em conluio com os coronéis, para manter os “status quo” (no mesmo estado). Fui expulsa do sertão pelos coronéis. Era um trabalho que incomodava o sistema político e social deles, Tivemos que sair de lá, se permanecêssemos os pobres seriam sacrificados, naquele tempo havia o processo das listas das pessoas que seriam abatidas ou sacrificadas. Entre as faculdades cridas recentemente está nascendo uma de medicina para cuidar dos membros do MST. Eles não são egocentristas, são missionários.
Com relação aos medicamentos naturais, obtidos das plantas qual é a impressão da senhora?
Eles estudam muito as plantas, são doutores em plantas e efeitos. Sabem muito sobre o assunto, fazem misturas, há remédios feitos por eles que são preciosos. É uma grande riqueza, abandonada de um lado e explorada de outro lado. Os norte-americanos, japoneses, já vieram explorar muito as patentes. Houve um momento em que isso esteve em perigo. 


domingo, março 13, 2016

ANTONIO GORGA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 13 de fevereiro de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: ANTONIO GORGA


Antonio Gorga nasceu a 4 de agosto de 1928, em Piracicaba, no Bairro Alto, próximo onde atualmente é o Corpo de Bombeiros, na Avenida Independência. Ali era uma região formada por chácaras: das famílias Gorga,Carrara, Picinatto, e outras. Já existia o Cemitério da Saudade, o famoso Bosque do Cemitério, onde hoje é o Estádio Barão de Serra Negra.  Mais abaixo, na Rua Silva Jardim, onde hoje existe um grande supermercado, era o local onde ficava vivendo isolados os doentes de hanseníase na época uma doença incurável. Permaneciam próximos a caixa de água da prefeitura, a área atrás da chácaraonde residia a família Gorga, depois teve ali o “cano frio”. Era um terreno vago, tinha umas casas muito precárias. A terra era ruim para o cultivo, conhecida como piçarra. Não produzia nada, não dava nada.
Como é o nome dos pais do senhor?
Miguel Gorga e Maria Irma Rubens Gorga, brasileiros, filhos de italianos. Meus avôs vieram da Itália como imigrantes, conheceram-se durante a viagem, chegando a São Paulo casaram-se.
Foram morar em que localidade?
Vieram morar nessa chácara em Piracicaba, ela era propriedade de um comerciante que morava em São Paulo. Essa pessoa trouxe o casal para cá, instalando-os como empregados. Não era uma área muito grande, devia ter em torno de 2 alqueires (48.400 metros quadrados), abrangia uns quatro quarteirões, incluindo boa parte da atual Avenida Independência. Não existia a Avenida Independência, era um carreador, um caminho, depois a avenida foi alargando, entrando na chácara, até então um dos lados da chácara ficava ao lado da estradinha de terra que mais tarde tornou-se a Avenida Independência. Na realidade a estradinha foi aberta no meio da chácara. Onde hoje há a Clinica do Dr. Bicudo, aquela esquina era o canto da chácara. Dali até o cemitério deve dar uns 200 metros. Atualmente o cemitério chega até ao lado do Corpo de Bombeiros, o cemitério cresceu.
Naquele tempo havia muitas superstições, que ainda existe até hoje, não havia nenhum receio de estar morando tão próximo ao cemitério?
Não, pelo contrário! Colhíamos mamão verde, furávamos o mamão, simulando um crânio, colocávamos uma vela dentro, no canto do cemitério, em cima do muro, acendíamos a vela, eu tinha uns sete ou oito anos, ficava esperando voltar a moçada do bairro que tinha ido ao centro a noite. Lá pelas nove a dez horas voltava todo mundo, atravessavam o bosque de canto a canto, quando chegavam junto ao muro do cemitério viam aquela “caveira”, alguns saiam correndo com medo, outros já sabiam. Nós ríamos muito. Era uma brincadeira sadia.
A água era de poço ou encanada?
Ali não havia poço, atrás da chácara já tinha a caixa de água que distribuía água para a cidade toda. Essa caixa de água existe e funciona até hoje. Tínhamos água, mas não tínhamos a luz elétrica. Ficamos muito tempo sem que a energia elétrica chegasse até lá. Tínhamos que estudar a luz de vela, lamparina. Tapávamos o nariz, a fumaça do querosene deixava-o preto. Usávamos também o lampião a querosene. Fogão a lenha. A cama tinha colchão com palha de milho. Para fazer o colchão tínhamos que rasgar a palha “na unha”. Como não havia energia elétrica, a comida era conservada na banha de porco. Tínhamos três “cevas” para porco, comprava um porquinho, colocavam-os na ceva, os três, quando um estava gordo era abatido, minha mãe e meu pai faziam a linguiça. Em cima do fogão a lenha tinha um varal, enchia esse varal de linguiça, a gordurinha ia pingando. Eu ia ao grupo escolar, levava como lanche o pão que a minha mãe sempre fazia em casa, com dois gomos de linguiça curtida no fogo, eu sentava para comer a molecada ficava ao meu lado, eu tinha que dar um pedaço para cada um.
O senhor estudava em qual escola?
Estudava na Escola Normal (mais tarde denominada Sud Mennucci). O Grupo Escolar Alfredo Cardoso não existia ainda, foi implantado mais tarde. A Escola Normal era a mais próxima que existia na época. Cruzávamos onde hoje é o campo de futebol do Palmeirinha, com isso diminuíamos a distância. Ali era tudo pasto, só tinha terra ruim, só piçarra. A nossa chácara já pegou uma parte de terra melhor. Era uma terra boa.
O que a chácara produzia?
A chácara era inteirinha de frutas, um pedaço era horta. A renda da chácara era só verdura e frutas, era tudo levado até o mercado municipal, a minha avó Rosa é que tinha a banca no mercado. Era uma mesa quadradona, grande. Isso no tempo de mercado antigo. Meu tio Antonio (Nico) Gorga, todo dia engatava o carrinho no animal. Minha avó tinha sete filhos e duas filhas. A chácara era pequena para sustentar tantas pessoas, a maioria saia para aprender um ofício. Tenho tios que são marceneiros, carpinteiros, meu pai foi trabalhar na Escola de Agronomia, assim como o meu tio Francisco. Naquela época meu pai estudou a noite, formou-se como guarda-livros (contador). Só que ele não gostava dessa atividade. Ele entrou na Escola de Agronomia no setor de Horticultura, isso na época do Dr. Phillipe Westin Cabral de Vasconcellos. Meu tio mais velho do que o meu pai, Francisco Gorga morava na Escola Agrícola, era chefe do setor de Horticultura. Abriu uma vaga, meu pai falou com o Dr. Phillipe e foi trabalhar na roça da escola. Mais tarde ele passou a trabalhar só na horta. Passou um tempo, meu tio Francisco aposentou-se, o Dr. Phillipe chamou o meu pai e o nomeou como chefe da seção. Meu tio mudou-se para a cidade, a casa onde morava na Escola Agrícola ficou disponível, meu pai mudou-se para lá, na época eu tinha nove anos de idade. Havia cinco colônias de casas na Escola de Agronomia. A nossa casa era logo depois do ponto final do bonde, havia uma série de casas, a nossa era a segunda casa. A primeira casa era a carpintaria. Após trabalhar por 35 anos na ESALQ meu pai aposentou-se.
Após concluir o primário o senhor fez algum curso?
Fui estudar na Escola Cristóvão Colombo, mais conhecida como Escola do Zanin. Não cheguei a me formar, parei de estudar no ultimo ano. Eu não gostava dessa atividade, não conseguia permanecer por muito tempo em ambiente fechado. Eu tinha uns 17 anos. Quando estavam fazendo o aviário na Escola, aqueles postinhos de cimento, as cercas de tela, foram feito tudo com menores de 18 anos, era a criançada que trabalhava ali. Naquele tempo podia. Apareceu uma vaga na seção, fiquei sabendo, fui falar com o Dr. Phillipe. Fui para a Horticultura, varrer a sala de aula, limpar e trabalhar no laboratório.
O que o senhor fazia no laboratório?
O primeiro serviço era fazer café. Todo mundo tomava e gostava! No laboratório fazia análise de abacate, o Montenegro estava fazendo a tese, ele desejava passar para catedrático. Eu analisava a gordura de cada tipo de fruta. A floração. Às seis horas da manhã eu ia ao campo esperar abrir a primeira flor, para ver se era masculina ou feminina.
Como o senhor conhecia se era uma flor masculina ou feminina?
Há uma diferença bem perceptível entre uma e outra. O abacate depende muito do cruzamento. A flor de abacate às seis horas da manhã está se abrindo, são todas flores masculinas, não tem uma flor feminina. Isso dura até ao meio dia, pontualmente. Ao meio dia vai fechando aquela flor masculina e vem abrindo a flor feminina. Fica fora de posição para a abelha fazer o cruzamento. Tem variedades de abacates que é ao contrário, de manhã abre a flor feminina e a tarde abre a flor masculina. A abelha tem como trabalhar, ela leva o pólen da flor masculina para a flor feminina. Tinha que conhecer as variedades e plantar de forma alternada. De tal forma que a abelha pudesse trabalhar de uma planta para outra. A polinização era feita pela abelha.
Essas abelhas vinham de qual lugar?
Eram nativas e do apiário da Escola de Agronomia.
Que tipo de abelha havia no apiário da Escola?
Popularmente era conhecida como abelha italiana, naquele tempo não havia a abelha africana. Uma das atividades que eu tinha que saber fazer era a enxertia, conforme a variedade se faz uma estaca para se fazer uma muda. Tem estaca que enraíza bem e outras não. Têm que ter bastante habilidade para preparar tudo isso. O milho é muito utilizado quando se trata de uma planta grande, uma arvore com aquele torrão de terra grande, faz-se uma cova grande, joga-se bastante milho embaixo, é um adubo, não fermenta e não prejudica a raiz. Ele ajuda, dá um alimento à raia para puxar o enraizamento, já é próprio para isso.
Em que tipo de árvore eu  posso usar esse processo?
Em qualquer uma, a jabuticabeira por exemplo. Se você quiser mudar ela de lugar, sendo uma jabuticabeira grande, tira-a com um torrão de terra grande, um guincho, transporta-a para uma cova grande, conforme o tamanho da árvore pode-se colocar cinco, dez quilos. Irá servir como adubo. Se for uma jabuticabeira pequena, onde seja plantada em uma cova de um metro de comprimento por um metro de largura, jogam-se uns 5 quilos de milho. Quando a jabuticabeira foi retirada foi cortada a raiz, terá que sair outra raizinha. O milho irá ajudar.
Em que ano o senhor começou a trabalhar na Escola de Agronomia?
Foi em 1943 aposentei-me em 1985. Aos nove anos mudei com a minha família para uma casa na Escola Agrícola. Com 16 anos eu queria trabalhar. Trabalhei com o Dr. Phillip uns 15 anos. Meu pai aposentou-se, o Dr. Phillip me chamou e perguntou se eu queria substituir a vaga do meu pai. Eu quis, já estava bem entrosado com a rotina do campo, nessa época eu já não estava mais no laboratório. O Dr. Montenegro queria que eu permanecesse em função da sua defesa de tese. Tudo que era enxertia, estaquia eu fazia. Continuei morando na casa, antes disso a escola estava mudando um pouco e precisava dos prédios. A ESALQ adquiriu aquela parte da frente, próxima a Avenida Centenário, era tudo propriedade particular, não era da escola e construiu uma casa para o meu pai ali. Quando meu pai aposentou-se eu fiquei na casa em que ele morava. Já era fora da Escola, embora pertencesse a Escola.
A condução que o senhor usava para ir ao centro da cidade era o bonde?
Usava o bonde para ir a qualquer lugar, a Avenida Carlos Botelho era com o chão de pedregulho. As lâmpadas eram muito fracas, não chegavam a clarear nem o chão. Quando perdia o último bonde, as onze horas, tinha que vir a pé. Ia do centro até a Rua Santa Cruz e caminhava até chegar a Escola. Tudo terra. Pedregulho e cachorrada latindo atrás, a gente andando a noite no escuro.
Quando o senhor assumiu a chefia, quantos funcionários o senhor tinha como seus subordinados?
Tinha 73 funcionários. A seção de horticultura era a maior seção da Escola. Todos os parques da Escola, esses gramados, a Engenharia, o tanque, tudo era cuidado pela horticultura.  Só nesse parque eu tinha 10 funcionários. Tinha mais funcionários no  pomar, dos dois lados do Campo de Aviação.
Ia até o Campo de Aviação?
O Campo de Aviação está no meio do pomar. A Usina Monte Alegre precisava de uma área ideal para utilizar como campo de viação. A área escolhida foi onde está até hoje. A divisa da Usina Monte Alegre é logo após o campo, onde tem um declive, tinha uma nascente de água, dentro da Escola, é a que abastece a Escola hoje. O Morganti, propôs à Escola em trocar: ele dava uma área que lhe pertencia e a Escola dava-lhe a área onde estava o pico, ideal para a pista do Campo de Aviação. A Escola concordou. Foi feita uma permuta, o terreno dele que era só cana-de-açúcar nós transformamos em um pomar. Depois o Campo de Aviação precisou de mais terreno, o governo passou a doar mais alguns pedaços. Então arranca todo o pomar e vai aumentando o campo. A Fazenda Areão era ocupada pela ESALQ, atualmente encontram-se instaladas a Escola de Engenharia de Piracicaba e a Faculdade de Odontologia de Piracicaba FOP- UNICAMP.
Os produtos que a ESALQ produzia eram comercializados?
A horta pertencia a Horticultura, tinha três homens trabalhando na horta. Havia dois homens trabalhando na floricultura, plantávamos todo tipo de flor. Os produtos que colhíamos, vendíamos, nós precisávamos da renda, não tínhamos dinheiro.
Quais máquinas eram utilizadas?
Era tudo movido com burro. Arado, burro carroça. Depois de muito tempo adquirimos um trator Zadruga, esse trator está lá até hoje. Depois ganhei da seção de máquinas  um trator velho para cortar a grama da Escola, era um Massey Ferguson. Antes a grama embaixo das árvores era cortada com alfanje. . Aí comprei o tratorzinho pequeno, coloquei o trator grande no campo e o pequeno em locais onde o acesso era mais delicado. O resto da turma estava toda no pomar, carpindo na enxada. Eram pomares grandes de abacate, laranja, manga, tínhamos 56 variedades de mangas. Mais tarde o Professor Salim Simão ficou catedrático e passou a ser conhecido pelos seus conhecimentos inclusive na cultura de mangas. O Professor Salim Simão tinha uma grande confiança no meu trabalho, delegava muita responsabilidade para que eu cuidasse com afinco do pomar. Tenho boas lembranças do Professor Salim, uma excelente pessoa. Foi uma pessoa que teve muitas dificuldades no seu inicio, ele morava no sítio no hoje Bairro da Pompéia, quando chovia ele tinha que vir de lá e não tinha carro. O irmão dele o trazia com uma charretinha, debaixo de chuva. Ele já era professor. Naquele tempo tinha um livro em cima da mesa do Filipão, como era conhecido o Dr. Phellipe, era o livro-ponto, os professores assistentes tinham hora para entrar e hora para sair. Tinham que assinar o livro.
O senhor conheceu o Professor Doutor Friedrich Gustav Brieger?

O Professor Brieger foi um grande amigo, ele gostava muito de mim. Ele tinha verba, conseguia junto a seus contatos no exterior, a Fundação Rockefeller estimulava o ensino e a pesquisa, destinando recursos próprios.  O Dr. Brieger tinha um grande prestigio junto a Fundação Rockefeller, com isso obtinha recursos com mais facilidade. Até mesmo os meios de locomoção eram renovados anualmente. Dispunha de implementos agrícolas e até mesmo tratores com facilidade. Tudo doado por entidades estrangeiras. O Brieger era uma pessoa que trabalhava muito. Um dos seus objetivos era ter a maior variedade de orquídeas possível. Para aumentar a coleção da ESALQ. Na nossa região, percorríamos toda a redondeza de Piracicaba. Cada vez que ele saia com a perua para procurar novas espécies de orquídea ele me telefonava e íamos juntos. Passávamos o domingo no mato coletando orquídeas. O Brieger era excelente, um cientista. Conheci o Professor Dr. Guido Ranzani, o “Guidão”, era gente boa! Foi o responsável pela criação e direção do Centro de Estudos de Solos da ESALQ. A ESALQ me proporcionou além de uma carreira a realização de grandes amizades, com pessoas de grande projeção como o Professor Dr. Jairo Ribeiro de Mattos, um grande amigo, com o qual sempre que podemos conversamos e trazemos as lembranças gloriosas dessa grande instituição que é um orgulho para Piracicaba e para o Brasil, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – ESALQ. 
Antonio Gorga nasceu a 4 de agosto de 1928, em Piracicaba, no Bairro Alto, próximo onde atualmente é o Corpo de Bombeiros, na Avenida Independência. Ali era uma região formada por chácaras: das famílias Gorga,Carrara, Picinatto, e outras, elas tomavam parte do leito carroçável da Avenida Independência que não era senão um pequeno “carreador”. Seu avô trabalhou na ESALQ. Seu pai trabalhou e morou na ESALQ  por 35 anos. Aos nove anos de idade Antonio Gorga mudou-se com seus pais para uma casa pertencente a ESALQ. Aos dezessete anos foi um dos garotos que ajudou na construção do aviário da ESALQ. Antonio Gorga trabalhou na ESALQ de 1943  até aposentar-se em 1985. Foi encarregado da Horticultura, que além de cuidar das verduras e legumes, cultivavam flores das mais variadas espécies. Foi responsável por 73 funcionários. Um dos seus passatempos prediletos era acompanhar o reconhecido cientista Professor Doutor Friedrich Gustav Brieger, ambos aos finais de semana internavam-se nas matas da região em busca de novos espécimes de orquídeas, formando um dos mais ricos acervos de orquídeas brasileiras. Antonio Gorga sempre foi um homem de campo, Como auxiliar de laboratório em seu trabalho praticamente anônimo teve participação fundamental nas experimentações que geraram grandes teses de renomados nomes da ESALQ. Fez muitas amizades, com nomes de expressão no cenário nacional. Conserva muitos amigos, entre eles o Professor Doutor Jairo Ribeiro de Mattos, um apaixonado pela ESALQ e pelo Lar dos Velhinhos de Piracicaba, local que conheceu mais proximamente quando ainda era estudante da ESALQ e foi responsável pelo plantio de inúmeras mudas de árvores.  Antonio Gorga manifesta sua tristeza em ver o pomar que formou e aos poucos foi sendo substituído por outras culturas, por construções de prédios.Antonio Gorga nasceu a 4 de agosto de 1928, em Piracicaba, no Bairro Alto, próximo onde atualmente é o Corpo de Bombeiros, na Avenida Independência. Ali era uma região formada por chácaras: das famílias Gorga,Carrara, Picinatto, e outras, elas tomavam parte do leito carroçável da Avenida Independência que não era senão um pequeno “carreador”. Seu avô trabalhou na ESALQ. Seu pai trabalhou e morou na ESALQ  por 35 anos. Aos nove anos de idade Antonio Gorga mudou-se com seus pais para uma casa pertencente a ESALQ. Aos dezessete anos foi um dos garotos que ajudou na construção do aviário da ESALQ. Antonio Gorga trabalhou na ESALQ de 1943  até aposentar-se em 1985. Foi encarregado da Horticultura, que além de cuidar das verduras e legumes, cultivavam flores das mais variadas espécies. Foi responsável por 73 funcionários. Um dos seus passatempos prediletos era acompanhar o reconhecido cientista Professor Doutor Friedrich Gustav Brieger, ambos aos finais de semana internavam-se nas matas da região em busca de novos espécimes de orquídeas, formando um dos mais ricos acervos de orquídeas brasileiras. Antonio Gorga sempre foi um homem de campo, Como auxiliar de laboratório em seu trabalho praticamente anônimo teve participação fundamental nas experimentações que geraram grandes teses de renomados nomes da ESALQ. Fez muitas amizades, com nomes de expressão no cenário nacional. Conserva muitos amigos, entre eles o Professor Doutor Jairo Ribeiro de Mattos, um apaixonado pela ESALQ e pelo Lar dos Velhinhos de Piracicaba, local que conheceu mais proximamente quando ainda era estudante da ESALQ e foi responsável pelo plantio de inúmeras mudas de árvores.  Antonio Gorga manifesta sua tristeza em ver o pomar que formou e aos poucos foi sendo substituído por outras culturas, por construções de prédios.
O senhor praticou algum esporte?
Joguei futebol em um dos principais clubes do futebol amador que foi o São João da Montanha. Esse time tem a origem do seu nome na Fazenda São João da Montanha, de propriedade de Luiz Vicente de Souza Queiroz e doada ao Estado para a construção de uma escola agrícola. Eu jogava como beque esquerdo, o pessoal reclamava um pouco porque eu jogava meio pesado. Joguei todo o campeonato, fiquei tri-campeão na cidade. Um dos nossos adversários mais ferrenhos era o River Plate  da Vila Rezende.
O senhor conheceu o Dr. Jairo Ribeiro de Mattos em que época?
Eu o conheci quando ele ainda trabalhava na Casa da Lavoura. Depois que ele ingressou na ESALQ.
A ESALQ cresceu muito?
A escola cresceu, mas a meu ver o piracicabano não a valoriza como foi no passado. Era muito frequentada pela cidade todos os dias. Andavam, passeavam adquiriam verduras, tinha um ponto de venda de frutas, verduras, flores. Tínhamos mudo de todo tipo de planta que se possa imaginar, principalmente as frutíferas. Da estrada do Monte Alegre para lá, aquilo era tudo viveiro de mudas. Vendíamos barato. Eu tinha o preço da concorrência, como as mudas de Limeira, por exemplo, vivíamos pela metade do preço. A cada 15 dias ia até o Mercado Municipal de Piracicaba, fazia um levantamento de preços e vendia cinquenta por cento mais barato. Com esses recursos fazia uma caixinha para as necessidades básicas da seção. O dinheiro da renda do mês eu recolhia para a reitoria, a reitoria devolvia à diretoria da escola, Setenta por cento do valor vinha para o nosso departamento, trinta por cento ficava com a finalidade de ajudar nas despesas da diretoria.
E defensivo agrícola já era utilizado?
Usava-se muito pouco. Não tinha dinheiro para adquirir também, naquele tempo as coisas eram difíceis. O mais utilizado na época era o BHC,  um inseticida sua sigla advém do nome inglês - Benzene Hexachloride - é um produto que combate pragas na lavoura Seu uso foi banido.
E  a frase a frase “Ou o Brasil acaba com a Saúva ou a Saúva acaba com o Brasil”?
Eu tinha três homens o dia inteiro trabalhando só na máquina para exterminar a saúva. A máquina era composta por uma ventoinha, dentro de uma caixa de ferro fundido, enchia de carvçao, colocava fogo no varvão, colocava a saída de uma mangueira na entrada do “olheiro” do formigueiro. Abria a tampa  daquela fornalha colocava duas colheres de arsênico. O arsênico descia junto ao carvão em brasa e saia junto com a fumaça. Essa fumaça entrava pelo canal, ficavam dois homens, andando com a enxada na mão e fechando os “olheiros” onde saia a fumaça. Matva aquele mas vinha outro, vinha muito do Monte Alegre, da usina de cana-de-açúcar. Ninguém ia matar saúva em cana. Em novembro os iças saiam voando, caia no meio do pomar, caiam por todos os lados. Tinha dois homens que no tempo de içã pegavam a enxada e iam para o pomar passear. Quando o içá cai, afunda e forma uma panelinha para ela. As sauvinhas já começam a sair. Nesse caso não precisa de veneno, com a enxada cavoca e mistura tudo. Mata com a enxada, Isso um mês depois que o içá caiu e já formou um formigueirinho. Quando está em um local cheio de capim, não se enxerga com facilidade essa panelinha.
E cobras tinha muitas?
Cobra sempre teve. Nunca tivemos funcionários picados de cobra. Tinha jararaca, jararaquinha e jaracuçu. A jararaca tem uma característica, você pensa que ela foi embora ela volta, é dissimulada. Cobra não ataca as pessoas. Nós é que as atacamos. Se você não bater nela ela n]ao faz nada. Ela vai embora, foge da gente.
Hoje é comum termos estudantes de agronomia do sexo masculino e feminino, antigamente era assim também?
Era comum ter no máximo uma ou duas moças que estudavam agronomia. Ultimamente aumentou muito o número de mulheres que fazem o curso. Hoje a ESALQ está mais voltada à pesquisa.
Como surgiu a intenção de construir uma usina de açúcar dentro da ESALQ?
Surgiu com a iniciativa do Professor Dr. Jaime da Rocha de Almeida, diretor da ESALQ. Naquela época as usinas de açúcar estavam no auge, com uma usina funcionando dentro da escola o aluno tinha a facilidade de aprender tudo ali dentro, já para sair, trabalhar ou montar uma usina. Ao que contam a verba para concluir o prédio da usina infelizmente não foi deliberada. E caso estivesse entrado em atividade atualmente não teria mais condições de funcionar.
O senhor conheceu o Engenho Central?
Muito! Carregava bagacinho de cana para usar na composição de esterco para a Horticultura. Eu mandava o caminhão com dois homens, até a hora do almoço lotava o caminhão de bagaço de cana de açúcar. Na zootecnia eu mandava uma carroça por dia, eu aproveitava o esterco dos bezerros. Todo dia um funcionário meu colocava uma carroça na esterqueira para curtir. Não tinha dinheiro para comprar adubo. Plantava milho para alimentar 36 burros. Eram burros chucros, que vinham de Minas Gerais, tinha dois funcionários meus, dois irmãos: Silvio Pavão e Virgilio Pavão, dois irmãos, que os domavam. Três burros eu tirava para puxar charrete. Um era para uso da esposa do Dr. Phillipe em sua charrete esse era o único que usava ferradura. Os demais não precisavam porque só andavam na terra.
O Rio Piracicaba passa pela ESALQ?
Passa entre a Fazenda Areaão e o bairro Santa Rosa. O Piracicamirim passa no meio da ESALQ,Tem um salto no meio do mato, é uma beleza, Tinha a colônia da Zootecnia, a colônia da Fazenda Modelo, a colônia da Horticultura, a colônia do prédio principal e a colônia do Pombal. Todas cheias, hoje estão todas fechadas. Hoje estão todas fechadas.
O senhor mantém contato com o pessoal daquela época?
Infelizmente com poucos, uma boa parte já faleceu. Dos funciorios, de setenta e poucos sei de apenas dois que estão vivos.
Atualmente temos frutas com aspectos muito bonitos, mas não são tão saborosas como eram antigamente. Por que?
Quando trabalhava na Hoticultura da ESALQ cheguei a usar uma variedade de caqui permitia transformá-lo em passa, plantei uma verdadeira coleção de Tâmara na ESALQ.Colhia a tâmara, colocava em um quarto, passava enxofre pra não dar fungo, deixava amudaerecer, todos os dias tinha que ir lá colher. Hojes são frutas sem sabor, não tem açúcar suficiente, são produtos híbridos. Antigamente tinha a laranja Serra D`Agua, era enjeitada, é uma laranja antiga, ninguém ligava para ela, Agora deram esse nome á um tipo de laranja baiana. Hoje o  mamão é uma fruta que está bem cultivada. Infelizmente a pulverização aérea da cana-de-açúcar destrói tudo. E depois que me aposentei, no meu sítio tive leiteria, parei. Passei a trabalhar com carneiro, cheguei a ter 300 cabeças parei também.
Sou muito amigo do Marinho, da Agropecuária Marinho. Trabalhamos na ESALQ na mesma época.  Conheci muito Dr. Walter Accorsi. Assim como era utilizado fórceps para fazer um parto humano com dificuldades, o Spalini usava trator para auxiliar as vacas a parirem. Isso é muito antigo. Urgel de Lima, formou-se e tornou-seprofessor da ESALQ onde aposentou-se. 

MARLENE DE LIMA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 30 de janeiro de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: MARLENE DE LIMA 

Marlene de Lima nasceu na cidade de Rio Claro, a 24 de maio de 1954, filha de Francisco de Lima, caboclo, e Maria de Lourdes Ondas de Lima, nascida no Brasil. Marlene esclareceu que quanto a palavra Ondas do sobrenome da sua mãe tem um motivo muito interessante, seus avós maternos vieram da região de Trás-os-Montes, Portugal, e narra a história que o avô gostou muito do mar,  o nome dele era Joaquim Carvalho, quando chegou ao Brasil ele colocou seu nome como Joaquim Ondas.
Marlene qual era a atividade profissional do seu pai?
Meu pai era ferroviário, aos 17 anos ele ingressou na Companhia Paulista de Estradas de Ferro, sua função inicial era colocar dormentes nos trilhos. Fez carreira dentro da Companhia, passando por todas as funções: ajudante, foguista, maquinista de locomotiva a vapor. Quando eu tinha 12 anos levava comida para o meu pai na Estação de Rio Claro. Ele fazia as devidas manobras no pátio da estação e discretamente eu permanecia na locomotiva nesse passeio encantador. Moramos sempre na Rua 8-A, Bairro Vila Nova, na cidade de Rio Claro. Meus pais tiveram onze filhos: Maria José, Eunice, Maria Tereza, Marlene, Neusa, Francisco, João Carlos, Sonia Regina, Roseli, Marcelo e José Carlos. Foi uma infância difícil, mas feliz, morávamos em uma casa de quintal muito grande, com muitas plantas frutíferas, vivíamos subindo em árvores, havia frutas durante o ano todo. De casa até a estação de trem, a pé, demorávamos vinte minutos. Passava pela Vila Indaiá, Cidade Nova, chegava à porteira da Avenida 8. O movimento de trens era intenso, por sermos filhos de ferroviários tínhamos uma carteira de identificação que nos permitia viajar de trem. Nossos avôs paternos moravam em São Paulo, íamos sempre para lá, os avós maternos moravam em Itirapina. Em sua carreira como maquinista ocorreram dois desastres graves com o meu pai, um deles foi no dia de Natal, ele estava indo para Rincão, o trem de passageiros lotado, quando ele entra em uma curva, tinha chovido na noite anterior, o barranco caiu. O trem entrou no meio do barranco, meu pai passou o Natal lá, mas graças a Deus ninguém se machucou. A máquina já era elétrica.
A sua característica de preservar a memória da sua família surgiu naturalmente?
Desde pequena eu percebi que tinha o interesse em saber tudo sobre a história da minha família, poucos tinham esse interesse, meus irmãos não entendiam porque eu queria saber tanto. Meu primo, Alfredo Ondas, também tem o mesmo interesse pela história da nossa família. Talvez esse gosto fez com que, quando eu cheguei em Piracicaba e me tornei atleta, depois funcionária pública, eu continuasse os registros naturalmente. Comecei a perceber que isso não era rotina das pessoas, aumentou meu interesse em guardar esse material e disponibilizar às pessoas interessadas. O que eu disponibilizo é muita coisa. Fui professora da rede estadual no bairro Boa Esperança, nos anos de 1987 a 1992, ali registrei umas 200 fotos dos alunos em atividade. Fiz um álbum para esses alunos com todas as fotografias dentro, constantemente esse álbum vai para o bairro, permanece um mês rodando pelo bairro e retorna. Fiz exposições fotográficas, já realizei bastante coisa com o meu material.
Marlene você estudou em escola pública?
Éramos muitos filhos, com uma vida muito dura, eu tive a felicidade, ou o destino, de desde cedo estar envolvida em política, mesmo sem saber. Ao lado da nossa casa havia uma chácara, era de propriedade de parentes próximos ao Dr. Ulisses Guimarães. Eles praticamente nos adotaram com relação ao material escolar necessário. Viam a luta dos nossos pais. Eu não tinha noção da importância disso tudo. Fiz o curso primário no Grupo Escolar Indaiá. A quinta e sexta série eu fiz na Escola Professor Armando Bayeux da Silva, a sétima e oitava séries eu estudei na Escola Professor Odilon Correa. Por volta de 1970 não havia a facilidade de fazer o ensino médio como é hoje. Tinha que prestar um vestibular para entrar, quis o destino que eu não passasse nesse vestibular, fiquei apavorada, meus pais incentivaram muito os filhos a estudarem, tive a sorte de encontrar um amigo que disse que também não havia passado no vestibular, mas ele havia encontrado uma escola técnica, CTA- Colégio Técnico Agrícola de Rio das Pedras. Nesse colégio havia Economia Doméstica para as mulheres, que era equivalente ao ensino médio, foi uma luta fazer o meu pai entender que tinha que sair de Rio Claro para morar dentro da escola! Duas colegas, vizinhas da minha casa também se interessaram e o pai de uma delas nos trouxe até o Colégio de Rio das Pedras. Com isso formei-me em Técnica em Economia Doméstica. Foram três anos de curso, no segundo ano, a professora de Educação Física descobriu que eu tinha talento para o atletismo. Eu corria muito bem. Ela trazia os alunos para participar dos campeonatos em Piracicaba. Foi ela que me disse que Piracicaba tinha uma equipe de competição e que era importante que após concluir o curso de Economia Doméstica, que eu procurasse o pessoal de Piracicaba, era possível que eu conseguisse entrar na equipe. Assim eu fiz. Terminando a escola não voltei para a minha casa. Empreguei-me como balconista na Eletroradiobraz de Piracicaba, arrumei uma pensão para morar, fui procurar o Idico Luiz Pellegrinotti, o “Deco”.  Ele estava treinando uma turma de jovens para formar uma grande equipe. Isso foi em 1975. Ele pediu que eu corresse na pista de atletismo em volta do campo do XV de Novembro, acho que dei umas 8 ou 10 voltas. Quando eu parei ele disse-me: “-Daqui a três meses irá ocorrer os jogos regionais de São Carlos, você quer participar?”. Disse-lhe que queria. Ele me colocou na equipe, com isso ganhei uma bolsa de estudo para fazer a Faculdade de Educação Física, em troca eu iria ser atleta da cidade de Piracicaba. Foi uma grande alegria, em três meses já consegui obter resultados, passei a participar de todas as grandes competições no país, fui bi campeã brasileira universitária, bati o recorde no dia 12 de junho de 1977 no Ibirapuera, onde nós fomos campeãs estaduais em uma das provas, revezamento 4 por 400 metros, foi corrida no tempo de 3 47.9 um tempo fantástico para a época. As quatro corredoras eram: Conceição Jeremias uma grande atleta que participou de cinco olimpíadas, Aparecida de Fátima Adão que era campeã Sul Americana, campeã Brasileira, Maria Teresa Ferreira que tinha batido o recorde mundial juvenil na França e eu, Marlene de Lima, campeã Brasileira. Participei de jogos regionais, dos jogos abertos, participei de muitas competições.
Você tem uma idéia de quantas competições já participou?
 Foram três anos intensos em que participei de todas as grandes competições do país todo. Fui sexto lugar do Troféu Brasil em Porto Alegre, fui finalista dos 800 metros, na final Piracicaba conseguiu colocar Aparecida de Fátima Adão e eu.
A prática dessa modalidade dá condições ao atleta de participar de uma corrida nos moldes da São Silvestre?
Na realidade até daria na época, mas como eram muito intensas as competições no Brasil todo, tínhamos o Campeonato Paulista, Troféu Bandeirantes, Jogos Regionais, Jogos Abertos, Campeonatos Universitários, Campeonatos Regionais, o tipo de treinamento era especifico para as provas de 400 e 800 metros, são corridas de velocidade e a São Silvestre é uma corrida de fundo. Todos os meus tempos, na época, eram para menos de um minuto, eu fazia para 59 segundos. Em Porto Alegre consegui correr 800 metros em 2 minutos e 17 segundos.
Sem querer ser saudosista, você acha que o atletismo sofreu um processo de decadência?
Atrás dos atletas tem que ter a mão de um grande técnico. Nós tivemos a felicidade de nessa época ter o Idico Luiz Pellegrinotti, que era um visionário, um idealista. Ele sonhava em transformar todos os seus atletas, não só em campeões de pistas, mas em campeões da vida. Ele lutava muito para que todos nós estudássemos. A grande maioria desses atletas que passaram pela mão do Idico Pellegrinotti tornou-se vencedores dentro e fora das áreas esportivas. Posso citar alguns nomes como Dr. Mário Telles, hoje um ortopedista de renome, o Fifi que era da Guarda Mirim de Piracicaba tornou-se um conhecido engenheiro. Muitos profissionais da Educação Física, como eu, Marlene de Lima, Olaria, Margarida, Aparecida de Fátima Adão, Denise Schiavinatto. A psicóloga Rita Furlan, Maria Eugenia, filha do Zequita aqui de Piracicaba, atleta do meu tempo, hoje fisioterapeuta da Seleção Brasileira de Ginástica Artística, onde ela é responsável pelo Mario Zanetti, o Campeão das Argolas. O técnico era muito importante, ele participou de três estágios na Alemanha, buscava conhecimento. Eu acredito que estávamos no momento certo. Naquele tempo havia um interesse muito grande dos jovens pelo esporte, eram mais idealistas, participativos. Dentro das escolas estaduais éramos orientados para a prática esportiva. O esporte era tido como algo fantástico. De repente o ensino mudou. No momento em que a Educação Física mudou de turno já se quebrou a prática do esporte. O grande problema de não termos mais um basquete em Piracicaba, um atletismo tão forte, é porque houve uma interrupção dentro das escolas de base. Se for perguntar, todos os grandes atletas começaram na escola de base. Hotência, Paula, foram incentivadas dentro da escola estadual.
Isso significa que o esporte deve ser incentivado nas escolas?
A força do esporte está nas escolas. Na base. Desde pequenininho, quando entra no primário, até ele chegar à idade de definição, quando ele entra para o ginásio. Isso não existe mais. O mundo mudou, as mídias chegaram, as realidades são outras.
Voce acredita que os pais são responsáveis por essa mudança?
É um conjunto, responsabilizar apenas os pais não é correto, eles não têm força junto as escolas, quem tirou isso tudo das escolas foi a diretriz de ensino. Ela transformou a Educação Física dentro de uma grade curricular no horário de aula. Como um aluno pode ter matemática, português, educação física e história? Não se admite isso! Voce vai com uma roupa comum para a escola, fui professora da rede estadual até 2011. Sai decepcionada em 2011, quando me aposentei da rede estadual. Dei aula de educação física por 25 anos. Boa parte desses anos todos foi de pura alegria. Consegui passar para muitos jovens a importância da pratica do esporte. A importância dele se tornar atleta para poder ter uma ascensão social através de bolsa de estudo.
Em sua visão a indumentária utilizada em uma aula de história não irá ser apropriada para a prática de uma aula de educação física?
Em hipótese nenhuma! Entendo que a educação física tem que ser o contra turno, em um turno as aulas normais e em outro turno a educação física. É dessa forma que ira se conseguir estimular o jovem a não ter a preocupação de uma sala de aula. Ele vai lá para praticar o esporte. Esse jovem terá muito mais possibilidade de se interessar por aquilo que será passado se estiver fora de um horário de aula normal.
Nos três anos em que você estudou no Colégio Agrícola de Rio das Pedras qual era a sua forma de lazer?
Morávamos em frente a Igreja Matriz em Rio das Pedras, hoje no local existe uma agência bancária, ali residiam todas as meninas que estudavam no colégio interno, nós passávamos o dia no colégio íamos até esse alojamento só para dormir. Nós ajudávamos a limpar a escola, a fazer as refeições, tinha uma cozinheira, nós éramos ajudantes. Muitos produtos que consumíamos vinham da horta dos meninos que estudavam no Curso Técnico Agrícola. Tínhamos grandes professores, como por exemplo, Frederico Alberto Blaauw, uma sumidade, deu aula de português no CTA de Rio das Pedras. Regina Dória Sanflorian foi minha professora de educação física, na cidade de Rio das Pedras, ela que descobriu que eu tinha talento para o esporte. Fui muito feliz em Rio das Pedras porque foi um marco de mudança na minha vida. Aos domingos nós alunas íamos à missa, depois ficávamos no alojamento, não tinha televisão, eu lia muito. Lembro-me que eu tinha muitos livros. Tinha uma grande amiga Dirce Salati de Almeida, infelizmente ela já faleceu. Eu pratiquei atletismo só por três anos, tive uma lesão muito grave e não pude participar mais de esporte. Nesses três anos fui muito feliz, conheci muita gente por conta dos Jogos Regionais e Jogos Abertos, convivia muito com Maria Helena, Heleninha, pessoal do basquete, assim como convivi muito com o pessoal do vôlei, todos os esportes se interagiam. Logo que me formei, Maria Helena, Heleninha, viajavam com a Seleção Brasileira e me convidavam para substituí-las nas escolas onde lecionavam educação física. Foi dessa forma que ingressei como professora na rede de ensino estadual. Eu já era funcionária publica municipal, logo que terminei a minha carreira dentro do atletismo tornei-me uma estagiária de educação física, e logo me tornei professora de educação física da rede municipal. Naquela época não havia concurso, havia a indicação. O Fernando Guerra e o Luiz Antonio Chorilli disseram-me que estava começando um movimento muito grande na cidade e que era um trabalho social. Instituir educação física nos centros comunitários da cidade. Com essas pessoas eu tinha muito respeito, o que eles falavam para mim, eu fazia. Fui para o Centro Comunitário dar aulas. Eu mal sabia que no ano de 1977 estava começando um grande projeto social, que se tornou a minha carreira na Prefeitura do Município de Piracicaba. Um trabalho social atuando em centros comunitários, junto a Associações de Bairros, em vários projetos voltados à população em um trabalho integrado com várias secretarias de governo.
Você continuou lecionando na rede estadual de ensino?
Naquela época o fato de ser professora na rede estadual não estabelecia um vinculo com o Estado como tem hoje, em que você é obrigado a ter 20 horas semanais de aulas. Com 9 horas semanais já podia ser professor da rede estadual. Por um bom tempo eu entrava dando aulas de educação física as seis e meia da manhã e às nove horas da manhã já estava livre para trabalhar na prefeitura. Sempre sob a orientação da Maria Helena que me dizia: “-Nunca deixe a rede estadual, nunca deixe a prefeitura, porque lá no futuro você irá ter um ganho muito grande”. No ano de 2008 aposentei-me na prefeitura do município e no ano de 2011 aposentei-me na rede estadual. Sou muito grata à essas pessoas que me deram a mão lá no passado. Lecionei na Escola Mirandolina de Almeida Canto de 1983 a 1986. No ano de 1987 fui lecionar na Escola Samuel de Castro Neves, no bairro de Santa Olímpia, para mim foi uma alegria enorme. Imagine trabalhar em uma escola que quando chegava a safra não tinha aluno. Eu perguntava à diretora: “- Onde estão os alunos?” e ela respondia: “- Eles estão todos cortando cana-de-açúcar!” Eu ia no meio do canavial. É uma pena que eu não tenha fotografado. 

A professora de Educação Física Marlene de Lima já foi atleta de destaque nacional. Conviveu com as grandes estrelas do esporte nacional radicadas em nossa cidade. Apaixonada pelo esporte, Marlene de Lima conseguiu a proeza de unir a máquina pública para incentivar a prática esportiva. Passou por diversos governos, das mais variadas correntes políticas, mantendo o foco no esporte. Tem como característica pessoal documentar através de fotografias a evolução ocorrida no esporte piracicabano nos últimos quarenta anos. Aposentada, continua com sua paixão dedicando-se ao esporte da Terceira Idade. Tem revelado valores significativos nessa área, mas acima de tudo, ajudado a proporcionar uma qualidade de vida melhor aos integrantes da Terceira Idade.  
Antigamente, nas escolas publicas, as aulas de educação física eram fora do horário normal utilizado para outras matérias?
As aulas de educação física tinham horário diferenciado. Havia muito empenho em adaptar tudo para incentivar o aluno. Em Santa Olímpia um aluno manifestou seu desejo de jogar tênis de campo. Construímos na terra uma quadra de tênis de campo. Comprei as raquetes e meus alunos passaram a ter aulas de tênis de campo. Tenho no facebook um grupo chamado Arquivo fotográfico de Piracicaba, já tenho uns trinta álbuns e essa história que estou contando pode ser vista em um dos álbuns que estão lá. Inclusive há fotos das adaptações feitas nas aulas de educação física, como eram feitas na década de 80. Era tudo feito com muito carinho e os alunos fazendo aulas com qualidade. Sai da Escola Samuel de Castro Neves e fui para a Escola Carlos Sodero no bairro Boa Esperança, onde fiquei de 1988 até 1992. Também uma escola fantástica. Depois fui para a Escola Helio Penteado de Castro, no Parque Piracicaba – Balbo onde permaneci até o ano de 1996. Em seguida fui para a escola de Tupi, voltei para a Escola Mirandolina de Almeida Canto onde trabalhava com a criançada de primeira até quarta série. A primeira coisa que fiz na escola, junto com a diretora, foi resgatar a fanfarra. Fui buscar o famoso Zé Hélio, ele desenvolveu um projeto na escola. Quem comandava a fanfarra eram os alunos mais velhos, o Zé Hélio treinou a criançada, ele era o professor, mas quem conduzia a fanfarra eram os próprios alunos.
Como vocês conseguiram adquirir os instrumentos?
Através de doações, a Associação de Pais e Mestres da escola conseguiu doações, compraram, tinha uns quarenta alunos que participavam. Foi um marco na escola a participação da fanfarra em desfiles de 7 de Setembro, encontros de fanfarras no Engenho Central, tenho tudo documentado, eram eventos que aconteciam no Engenho e eu trazia as fanfarras. . Em seguida fui para a Escola de Anhumas. Depois fui para a Escola de Tanquinho. Aposentei-me quando lecionava na Escola Estadual Professora Avelina Palma Losso localizada no bairro Santa Rosa. 
O que você acha sobre a divulgação das realizações feitas em Piracicaba?
Por conta de coordenar o trabalho com o pessoal da Terceira Idade viajo muito. Faz 40 anos que estou em Piracicaba, só trabalhando, eu não tenho família em Piracicaba, isso permite que eu esteja disponível diuturnamente para o trabalho. Faço o que gosto, convivo até hoje com o pessoal da prefeitura, tenho trânsito em todas as secretarias de governo, conheço muita gente. Eu tiro o chapéu, esta cidade faz muito. Todas as secretarias de governo que atuam com crianças, jovens, adolescentes, com adultos, cada um fazendo o seu trabalho. Desde o tempo em que eu atuava de uma forma direta na prefeitura, sempre dizia que os grandes terminais de ônibus da cidade de Piracicaba: Terminal Central, da Paulicéia, Cecap, Piracicamirim, Vila Sônia e São Jorge, só esses terminais abrangem uma grande massa da população que usa o serviço. Eu que vivi muito tempo, usaria algumas formas para divulgar mais ainda os eventos que ocorrem na cidade.
Você trabalhou quantos anos?
No Estado foram 25 anos, na Prefeitura Municipal de Piracicaba estava na Secretaria de Esportes, aposentei-me após 33 anos de trabalho. A maioria dos projetos que desenvolvi era de finais de semana. Acredito que foi quase um sacerdócio dentro da prefeitura do município.  Todos os projetos em que eu era envolvida eram sociais: Jogos Comunitários, Manhãs de Lazer, Trabalhos com Terceira Idade, eventos de lazer na cidade, eram voltados à população, desenvolvidos junto com diretorias de centros comunitários. Preparava-se tudo durante a semana para realizar aos finais de semana.
A cada mudança de administração possivelmente são estabelecidas novas metas e novos objetivos. Isso às vezes não chocava com o projeto que você estava desenvolvendo, principalmente se o projeto era para ser realizado em longo prazo?
No ano de 1992 fui convidada a escrever sobre exatamente isso. Escrevi a respeito umas 10 páginas para uma editora ligada a UNIMEP. O título era “A Eterna Transição do Esporte e Lazer na Cidade de Piracicaba” Mencionei todos os governos para os quais trabalhei e quais eram os projetos públicos e no final consegui concluir que os projetos de uma forma ou de outra que o Esporte fazia, não foram interrompidos. A população não era tão grande como é hoje, há 35,30, 25 anos, os grandes bairros da cidade como Piracicamirim, Jardim São Paulo, Paulicéia, Santa Terezinha, Balbo, já estavam acostumados com as atividades de lazer aos finais de semana, aos campeonatos de futebol. Não havia o interesse por parte da administração que assumisse em terminar esses projetos. Eram seqüenciais. Tanto que os jogos comunitários têm 33 anos de existência. Eram projetos suprapartidários. Posso afirmar que a parte que eu coordenava não teve interrupção. Obvio que tinha novas ópticas de trabalho. Eu ia adequando.
O basquete que já nos deu muito orgulho, e em particular, o basquete feminino, como está hoje?
Eu costumo afirmar que o basquete de Piracicaba quem viu, viu! Tenho gravações de grandes partidas da Paula, de vez em quando eu vejo. Quem viu as grandes estrelas como nós tivemos, peguei o finalzinho da Maria Helena e Heleninha, mas tive a oportunidade de acompanhar toda a geração da Paula, sendo que me tornei uma amiga da família, particularmente da Dona Hilda Gonçalves, era uma mulher apaixonada pelo trabalho dela, brigava pelas filhas, pelas escolinhas, para dar condições para que continuassem. O esporte é uma atividade muito bonita, essas meninas são maravilhosas, comove ver a humildade da Paula, da Branca. Essas coisas me emocionam. O esporte mostrou tudo isso para mim. Convivi com muitos “monstros sagrados”. Mantemos relacionamentos com amigos que conhecemos há quarenta anos, estrelas que brilharam no cenário nacional. Há uma grande amizade entre nós.
Quantas medalhas você conquistou?
Acredito que são umas 80 medalhas, muitos troféus e muitos prêmios na carreira. Um prêmio fantástico me foi dado pelo “Educando Pelo Esporte”, que é o Premio Rocha Netto. Tive o meu trabalho reconhecido o tempo todo.
A seu ver o esporte tem que ser repensado em nosso país?
Tem que ser totalmente repensado, a educação em nosso país tem que ser repensada. A mudança que se faz necessária passa pela educação. Não se resolve a educação com idéias mirabolantes, a criança tem que passar o dia inteiro na escola, o ensino e a educação tem que serem completos. Transformar o aluno em um futuro cidadão tire-o um pouco dessas mídias que atuam no subconsciente, é o subconsciente que rege a nossa vida. É só analisar um jovem que fica o tempo todo nas mídias sociais, você acha que ele terá algum bom caminho?
O que você diz sobre a Terceira Idade?
No governo Collor eu trabalhava na Secretaria do Desenvolvimento Social, na prefeitura do município, aconteceu uma reunião da LBA – Legião Brasileira de Assistência, com todos os profissionais que atuavam em áreas sociais, ela convocou todas as forças vivas da cidade, o SESC, o SESI, a Prefeitura do Município, e veio com a diretriz de que o segmento da Terceira Idade deveria ser estimulado. O SESC fez algumas reuniões preparatórias com os técnicos, alguns palestrantes, esse segmento para nós era novidade, até então nossos pais ficavam dentro de casa, de chinelos, esperando talvez a morte chegar. E vem de repente essa possibilidade de trabalhar. Juntamente com outros profissionais fomos pioneiros, nós começamos a atuar junto a Terceira Idade. Foi uma alegria muito grande. Isso foi no ano de 1985, o primeiro Clube da Terceira Idade foi no Jardim Primavera, chamava-se Clube da Vovó, eram mulheres que se reuniam no Centro Comunitário e nós da Educação Física que estudávamos as possibilidades: gincanas, caminhadas, encontros no Engenho Central, o projeto foi crescendo, fui trazendo profissionais para ajudar, não demorou muito estavam jogando até vôlei adaptado. Eu tenho fotografias dessa época. Imagine um grupo da Terceira Idade, em circulo, fazendo exercícios, isso na Escola de Agronomia Luiz de Queiroz.  Até a forma de vestirem-se mudou. Deu certo de tal forma que se iniciou uma febre de atividade em 1992 a UNIMEP, o SESC, a Prefeitura e outras entidades reúnem-se e lançamos os Primeiros Jogos Municipais da Terceira Idade. Esses jogos existem até hoje. É direcionado aos grupos da Terceira Idade da cidade, onde tem jogo de malha, bocha, jogo de baralho (buraco), dominó. No ano de 1995, na cidade de Osasco começa um movimento de jogos de competição. O professor José Orlando de Almeida foi até a cidade de Osasco, ajudou-a a se organizar, durante 10 anos seguidos Piracicaba foi convidada especial dessa grande competição da cidade de Osasco, onde se reuniam representantes de toda a Baixada Santista, Grande São Paulo e Piracicaba.
Mais ou menos quantos idosos de Piracicaba participavam?
Partiam mais ou menos 45 idosos atletas que permaneciam por uma semana lá. Fomos 10 anos campeões dessa competição, até que um dia terminou, ninguém conseguia ganhar da representação de Piracicaba. Em 1997 o Governo do Estado de São Paulo lançou os Jogos Regionais e os Jogos Estaduais do Idoso. Sou coordenadora dos Jogos Regionais do Idoso em Piracicaba desde o primeiro è realizado pelo Governo do Estado de São Paulo, através do Fundo Social de Solidariedade coordenado pela Primeira Dama do Estado, Dona Lu Alckmin e pela Secretaria de Esportes, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo. Eu não coordeno sozinha, sou aposentada, não tenho vinculo interno com a prefeitura. Eu coordeno a Seleção Piracicabana da Terceira Idade em conjunto com a professora Renata Ganciar da Secretaria de Esportes.
Essa competição envolve quantos idosos?
Essa competição tem a participação de 300 cidades, são 25.000 atletas a partir de 60 anos, com diversas categorias, a última é dos atletas de 85 a 90 anos. Passamos por 10 fases de classificação, Piracicaba é da Região de Campinas que abrange 55 municípios. O primeiro e segundo colocado das quatorze modalidades coletivas e individuais vai para a grande final. Piracicaba ostenta por 10 anos seguidos o fato de ser campeã regional e 6 vezes campeã estadual nos últimos anos. É uma das maiores equipes do Estado de São Paulo. É uma das maiores competições do gênero na América Latina, realizada pelo Governo do Estado de São Paulo, em 2016 estaremos completando 20 anos de competições.
O Governo Federal não participa dessa iniciativa?
Há uma tendência de esse projeto tornar-se em Jogo Brasileiro dos Idosos. O projeto já está em Brasília, estamos encontrando uma dificuldade muito grande porque a rubrica, a verba, está dentro de um Ministério onde é dividido com os Jogos Brasileiros dos Indígenas. Há uma luta para que também tenhamos o nosso quinhão.
Os Jogos Regionais do Idoso exige muitos recursos? 
A logística dele não é tão complicada, a prefeitura participa com seus profissionais na modalidade de vôlei e atletismo. Os atletas treinam nos próprios municipais. Há parcerias, como a prefeitura e o Clube de Campo, onde ocorre a natação e o tênis de campo. Com o Clube Cristóvão Colombo com o tênis de campo.
Até por uma razão financeira incentivar a saúde dos idosos é muito mais barato do que o governo arcar com tratamentos de saúde de pessoas sedentárias?
O médico Dr. Pedro Mello, Secretário da Saúde, foi Secretário de Esportes em 2005 até 2012, em sua gestão era enfático o tempo todo para que os idosos tivessem motivação em atividades, sempre dizia que a relação custo-benefício é muito maior mantendo o idoso em atividade do que deixá-lo em casa sujeito a doenças próprias da idade e do sedentarismo. O Dr. Pedro é um grande incentivador juntamente com o Secretário de Esportes Lazer e Atividades Motoras João Francisco Rodrigues de Godoy, o Johnny, que é um entusiasta.
Hoje vemos que a pessoa integrante da Terceira Idade tem um comportamento menos formal do que há algumas décadas.
Brinco muito dentro do ginásio de esportes quando viajo, olho para os pés dos atletas, os tênis chamam muito minha atenção. São pessoas com 60,70,80 anos com roupas esportivas, descontraídos. O município os incentiva nesse aspecto. São roupas lindas fornecidas pelo próprio município. Neste ano tivemos o patrocínio da Amhpla. Conseguimos patrocínios para que essas roupas sejam feitas: roupa de vôlei, de atletismo, para jogar truco. É obrigatório o uso do uniforme. O truqueiro nosso é o José Beneditto Massarutt, já foi por diversas vezes campeão estadual nessa modalidade. O companheiro dele é o Odair Athanazio.
Marlene, Piracicaba tinha um grande acervo de troféus da Comissão Municipal de Esportes, onde eles se encontram?
Tenho um sentimento muito grande com relação a esses troféus, eu gosto de preservar a história. Muitos desses troféus estão com as modalidades. Eu acredito que há muitos troféus guardados em alguma sala do Estádio Municipal. Acredito também que já passou do tempo para que esses troféus sejam resgatados, reparados, organizados, para que fique em algum lugar onde todos possam ter acesso.
Você acredita que Piracicaba está na hora de criar seu Museu do Esporte?
Já passou da hora! Acho que poucas cidades têm o material que nós temos. Hoje os museus usam a mídia, com a possibilidade de que cada modalidade esportiva possa passar tudo que ela tem. Quantas modalidades têm em nossa cidade que foram grandes campeãs? Quantos atletas olímpicos têm em Piracicaba? Quantas histórias serão perdidas? Embora eu estivesse lotada em uma secretaria, trabalhei no gabinete dos prefeitos junto a todas as primeiras damas. Eu coordenava projetos de eventos com isso participava de todos os eventos. O primeiro prefeito com o que trabalhei foi João Hermann Netto a primeira dama era a Macau, depois Adilson Maluf, foi quando entrei mesmo no gabinete com a primeira dama Rosa Maria Bologna Maluf. Foi quando fiz parte de uma comissão formada pela Rosa Maria, Silvia Petrocelli, Claudia Paleo, era um grupo que gerenciava todos os projetos, eventos de esporte e lazer da cidade. Rosa Maira que é a responsável dos Jogos Comunitários, pela Festa das Nações, hoje Rosa Maria é atleta da Seleção Piracicabana da Terceira Idade. É uma grande atleta de natação, representou Piracicaba nos Jogos Regionais do Idoso. Classificou-se para os Jogos Abertos do Idoso, ela esteve em dois grandes eventos nas cidades de Mogi-Guaçu e na cidade de Campinas. Foi podium, medalhista, ela consegue no Clube de Campo me ajudar a agregar mais pessoas.
Hoje você tem sob sua supervisão quantos atletas da Terceira Idade?
Eu trabalho só com atletas de Piracicaba, são 150.
E esse pessoal da Terceira Idade que freqüenta as academias de bairro?
São milhares, passa dos 5.000. Quem pode afirmar com precisão é o Clevis  Spada e a  Mônica Graner da Secretaria de Esportes.
Esses aparelhos são importantes para incentivar o atleta?
São fundamentais, hoje em dia sabemos que o nosso corpo quando chega a certa idade se você não colocá-lo para funcionar, se não for ativo, a sua tendência é não ter energia para pensar, seguir sua vida.  Nosso corpo nada mais é do que atividade o tempo todo. È ele que vai oxigenar o cérebro.
Marlene de Lima como atleta como é?
Hoje faço pequenas caminhadas, sou apaixonada pelos meus atletas de 60,70, 80 anos. Supervisiono o trabalho acompanho o treinamento de natação, atletismo, vôlei, tênis de campo, tênis de mesa, são atividades intensas onde eles têm que submeterem-se ao ano todo a treinamentos, para competirem e representar bem a cidade.
Você cobra rendimento dos atletas?
Na realidade não preciso cobrar dos atletas da Terceira Idade. Eles têm dentro deles essa vontade. É uma alegria ver Amires Cobra, aos 87 anos nadar 25 metros! Rubens Machado, aos 88 anos ir viajar para nadar representando nossa cidade. Felício Lantanze com 86 anos praticando natação e dança de salão. Esses atletas com 80, 90 anos, são uma grande alegria. João Caetano Fonseca, irmão de Pecente, descobre que é capaz de representar a cidade de Piracicaba aos 83 anos. Contaram para mim que tinha um senhor do Lar dos Velhinhos que fazia caminhada, eu precisava de um senhor para fazer 600 metros de caminhada em Mogi-Guaçu. Fui até o Lar do Velhinhos, conversei com a assistente social, e fui conversar com o Barbieri. Seu filho levou-o a Mogi-Guaçu, ele fez a caminhada de 600 metros. Só que ele não ficou famoso só pela caminhada, é que quando terminou a competição ele perguntou se podia cantar o Hino de Piracicaba. Ele cantou, parou completamente a pista de atletismo. Antonio Carlos Bicheiro, um português que tem dois filhós médicos, é aos 80 e tantos anos corredor da São Silvestre, ele tem um pacote de medalhas.
Voce nasceu em Rio Claro, esta há 40 anos em Piracicaba, já é Cidadã Piracicabana?
Um dia escutei Cecílio Elias Netto dizer que para ser cidadão piracicabano basta chegar à beira do Rio Piracicaba, se molhar, se batizar, eu já fui lá e me batizei! Eu amo esta cidade, tudo que conquistei foi aqui. Convivi com monstros sagrados, com profissionais incríveis como Aracy Lovadini, todas primeiras damas do município com as quais atuei, particularmente a Rosa Maria Bologna Maluf, Janete Machado, Vanda Campos, Sandra Negri, atualmente a Dona Selma Ferratto. Foram primeiras damas fantásticas que me ajudaram muito. Asssim como todos os secretários de esporte que passei por eles: Rubens Braga, José Carlos Hebling, Dr. Pedro Mello, o Secretário de Esportes, Lazer e Atividades Motoras João Francisco Rodrigues de Godoy, o Johnny, é tanta gente que é impossível lembrar o nome de todos. As mídias de Piracicaba, sempre colaboraram e muito no desenvolvimento do nosso trabalho. Quando vou a Câmara Municipal recebo um carinho muito especial dos vereadores, em especial do João Manoel e do Longatto. Sendo que esses dois vereadores eram líderes comunitários e trabalhavam com crianças carentes. Eu organizava os campeonatos para as crianças carentes, era muito comum recebê-los em minha sala o João, o Longatto com as careteirinhas das crianças. Fica uma amizade muito bonita. Tenho que agradecer muito aos líderes de Associações e Centros Comunitários de todos os bairros de Piracicaba. Foram eles que junto com os profissionais da prefeitura, particularmente as assistentes sociais, deram inicio a tudo isso. Eu era da área de Educação Física estava junto com elas. Os grandes projetos públicos surgiram em momentos muito felizes da prefeitura. Tudo estava para fazer e foi feito. José Roberto Pianelli (Beto Pianelli) foi meu Secretário de Esportes, outra pessoa fantástica. Conto com o apoio muito especial do Dr.Pedro Mello,que em janeiro de 2009,fez eu entender que tinha ainda muito para contribuir na comunidade, com o meu trabalho,e desde então estamos próximos com objetivo único:possibilitar melhor qualidade de vida aos praticantes do esporte-competição da terceira idade.




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