sábado, maio 13, 2017

FRANCISCA LUCILENE DA SILVA SANTOS


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 06 de maio de 2017.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
 
 


ENTREVISTADA: FRANCISCA LUCILENE DA SILVA SANTOS
A entrevistada de hoje, atualmente com 42 anos, relata fatos acontecidos recentemente, a cerca de três décadas, facetas da realidade de nosso Brasil, que tem nuances da obra dostoievskiana. Ou de um romance de Victor Hugo. Uma história de extrema superação, provações, o limite do ser humano e o poder da sua força de vontade. É sem duvida uma história viva que envolve quase todos os sentimentos: amor, ódio, sabedoria, conhecimento, garra, luta, vitória, solidariedade, carinho, perdão. Francisca Lucilene da Silva Santos nasceu a 3 de janeiro de 1975 em Acopiara no estado do Ceará, filha de José Francisco da Slva e Maria Alacok dos Santos Silva que tiveram três filhas: Lucilane, que mora no Rio de Janeiro, outra filha é Luiciane que mora em Recife e Lucilene que reside em Piracicaba.



Você permaneceu em Acopiara até que idade?
Morei com meus pais até meus nove anos. Nesse período frequentei o que lá é chamado de prézinho, é a alfabetização. Para os pais não era importante os filhos estudarem, se soubesse escrever o nome para eles você já tinha estudado o máximo. Como as famílias eram muito pobres, geralmente colocavam os filhos para trabalharem na roça. As meninas de uma forma geral eram dadas para outras famílias, com mais posses, para serem empregadas domésticas, babás. Os meninos geralmente ficavam em casa para ajudar na lavoura.







A partir dos nove anos ocomo foi a sua vida?
Quando eu tinha quatro anos meus pais separam-se. Meu pai contraiu novas nupcias e eu passei a ser cuidada pela minha madrasta e pelo meu pai. Em uma cidade vizinha minha madrasta conheceu uma pessoa residente em Piracicaba. Essa pessoa pediu que ela lhe desse para cuidar , a minha irmã mais nova. Minha madrata disse-lhe que não poderia dar para essa senhora a minha irmã mais nova, isso porque o meu pai gostava muito dessa filha. A minha irmã mais velha também não porque ajudava nos serviços domésticos. Mas que eu estava disponível e também já sabia lavar roupa, limpar a casa.
Nessa época eu tinha nove anos. Minha madrasta perguntou ao meu pai se ela poderia me dar para essa pessoa. Meu pai respondeu afirmativamente. Um fato interessante é que ela citou que o nosso destino seria São Paulo, ela não mencionou Piracicaba. O que todos os nordestinos sabem é que são três dias de viagem até São Paulo em viagem feita de onibus.
Como voce se sentiu?




Senti que me invadiu uma sensação de que nunca mais iria ver o meu pai. Mesmo ele tendo me dado para aquela senhora, eu queria a minha família! ( Nesse momento uma forte emoção dificulta a narração de Lucilene). Nós morávamos em um sítio minúsculo, minha madrasta e meu pai me levaram logo muito cedo até essa cidade vizinha, quando foi chegando próximo o meu pai não quiz subir no onibus. Nós, nordestinos, (Lucilene narra com a voz carregada de emoção), pedimos para o pai abençoar-nos. É comum dizer: “Benção papai!”, quando chegamos ,partimos, dormimos  ou acordamos. Pedi para ele me abençoar, disse-lhe de costas voltadas à ele, isso para os costumes do local é imperdoável. Para mim tinha outro significado, eu não queria que ele visse que eu estava triste, que iria chorar. Não queria mostrar que ainda não era forte o suficiente para sobreviver no mundo. Mesmo assim meu pai me abençoou. Nesse momento minha madrasta entrou no ônibus e em diálogo com aquela senhora disse ter levado os meus documentos, só que eu não iria sem ter alguma compensação financeira. A senhora deu cinquenta cruzeiros e perguntou: “-Esse é o preço dela?”. Minha madrasta respondeu afirmativamente entregando os referidos documentos pessoais que permitiriam a minha viagem. Assim vim para Piracicaba.
Você foi vendida, como uma escrava, um objeto ou uma coisa?
Fui uma dessas crianças nordestinas que foram vendidas.
Voce passou a morar na casa dessa senhora até que idade?
Ela era casada, tinha um filho, assim que cheguei imaginei que iria estudar, como eu já tinha sido alfabetizada, sabia ler e escrever. Eu já gostava muito de ler, quando via uma figura, um livro eu viajava. Em Piracicaba tive que aprender a fazer os serviços que lá não existiam, Aqui tinha geladeira, televisão isso não existia onde eu morava. A própria forma de trabalho tive que aprender. Eu vim como empregada doméstica para ela.
Quanto você ganhava?
Ela não me pagava.
Como você se vestia?
As pessoas davam doações de roupas para ela e era o que eu usava, ela nunca comprou uma peça de roupa para mim.
Você sentava-se a mesa para tomar as refeições com a família?
Eu não comia com eles. Não podia. Eu pegava o meu prato, e ia comer na lavanderia. Isso para mim não era problema, porque nem comida eu tinha na casa dos meus pais. Na hora de comer eu  pensava nas minhas irmãs e em meu pai, imaginava que eles não deveriam estar comendo a mesma coisa do que eu. Eu sabia que um dia iria voltar à casa dos meus pais. Eu pensava: “-Não vou ficar sempre assim, vou crescer, ficar mais velha, vou voltar um dia”.
E porque você não deixava o emprego, onde não ganhava nada, além de roupas usadas e comida?
Ela me ameaçava com a polícia. Ela dizia: “-Se você tentar fugir a polícia irá lhe prender, você será presa!”. Eu não tinha cometido nenhum crime, só que eu não sabia que não seria presa sem ter cometido nenhum delito. Aos treze anos eu comecei a trabalhar no Mercado Municipal, no Pão de Queijo Mineiro. Ela que arrumou esse emprego para mim. Comecei trabalhando como balconista. O meu salário era integralmente entregue a essa senhora. O meu patrão era o Donizetti, já falecido.
Qual foi a sua sensação trabalhando junto ao público?
Lá eu me senti bem! Eu convivia com outras pessoas, trabalhando, ali tinha outras adolescentes. Era bom conviver com essas pessoas. Os donos do box, meus patrões, tornaram-se meus amigos. Ali eu me sentia bem. Lembro-me que pegava o onibus as cinco e meia da manhã, morava no bairro Santa Rosa. Era para trabalhar até as duas horas da tarde, eu pedia para fazer hora extra, Pedia para ficar, já que eu não iria para a escola, para mim não era importante ficar lá na casa. Quando essa senhora e o seu marido brigavam geralmente eu era o ponto de descarga da ira dos dois, isso sem nenhum motivo. Ela me agredia fisicamente. O filho também me agredia. O ex-marido, já falecido, tentava me seduzir. Eu relatava isso à ela, por incrivel que pareça ela se revoltava contra mim. O argumento que ela utilizava é que eu não me vestia de forma adquada. Minha roupa era a mais discreta possível, uma calça jeans e uma camiseta, Não chamava a atenção de ninguém.
Esse senhor era alcoolatra?
Sim! E ela também! Bebiam todos os dias.
Após sair da casa dessa senhora voce teve algum contato com ela?
Em 2014 fui visitá-la. Para que eu me sentisse melhor fui até lá, dar um abraço nela, acho que eu precisava mais daquele abraço do que ela. Eu estava com 39 anos.
No Mercado Municipal você permaneceu por quanto tempo?
Fiquei por dois anos, eu contei ao meu patrão que essa pessoa que dizia ser minha tia não era parente minha, relatei a situação como havia chegado à Piracicaba. Meu patrão entrou em contato com o Conselho Tutelar, essas pessoas não puderam mais ficar comigo, fui mandada de volta para a casa do meu pai. O Conselho Tutelar de Piracicaba entrou em contato com o Conselho Tutelar no Ceará, meu pai teve que me esperar na rodoviária, viajei com autorização do Juizado de Menores. Eu estava com 15 anos. Recebi os valores aos quais eu tinha direito, esses valores recebi integralmente.Fui embora. Quando cheguei meu pai estava me esperando na rodoviária, junto com um conselheiro tutelar. Meu pai levou-me para o sítio. Entreguei a ele a importância que havia recebido quando deixei o emprego no Mercado Municipal.
Como você foi recebida na casa do seu pai?
Sofri preconceito por parte do meu pai, da minha madrasta e das minhas irmãs. O meu pai  achava que eu tinha ficado em Piracicaba e tinha me prostituido, coisas desse gênero. Nessa época eu já tinha uma carteira de trabalho assinada. Mostrei ao meu pai. Eu não podia sentar nos mesmos lugares que as minhas irmãs sentavam, ficou reservado meu copo, meu prato, uma colher, meu lugar para sentar-me e uma rede. As roupas que havia levado, que eles consideravam que eram roupas boas para lá, foram passadas para as minhas irmãs. Algumas roupas velhas das minhas irmãs foram passadas para mim.
Qual foi o serviço que você foi fazer?
Fui trabalhar na roça, fui colher algodão. Eu queria voltar para Piracicaba, não àquelas pessoas que me trouxeram pela primeira vez, mas para os amigos que eu conheci. Trabalhando no box do Mercado Municipal eu fiz muitos amigos em Piracicaba. Eu tinha uma amiga, escrevi para ela, disse-lhe que precisava de ajuda, ela disse que eu poderia ficar em sua casa até arrumar um local para morar. Disse ao meu pai que eu ia voltar para cá, ele gostou, disse-me para não esquecer de mandar uma ajuda financeira. Voltei e fui trabalhar em uma padaria no bairro Santa Rosa. A senhora que tinha me trazido tinha um bar, eu trabalhava meio período na padaria e meio período no bar da sua propriedade.
Você recebia algum dinheiro para trabalhar no bar da mulher que um dia a havia comprado?
Não recebia nada, mas também não havia guardado nenhum rancor por ela. Eu sabia que não estva debaixo do teto dela e que o seu marido não poderia tentar fazer algum tipo de assédio. Ela sempre me prometia que iria me ajudar. Por um ano trabalhei com ela sem que ela me desse absolutamente nada. Disse-me que o dinheiro que teria para receber era o valor que eu estava pagando pela minha liberdade. Ai eu parei de trabalhar para ela. Continuei trabalhando na padaria, conheci uma pessoa, começamos a namorar, casei, tivemos três filhos: Alef, Carla e Ana Júlia. Permanecemos casados durante doze anos. O casamento já estava bem desgastado quando fiquei grávida da minha terceira filha. Foi um momento decisivo, ele não pretendia ter um terceiro filho, tive que fazer a escolha entre minha filha ou ele, Escolhi uma das pessoas mais preciosas da minha vida, a minha filha Ana Julia. O comportamento dele mudou muito, tornou-se agressivo, ausente. Passei por violência doméstica. Ele não admitia que eu saisse de casa para trabalhar. Ele dizia que não queria passar vergonha junto a seus amigos, dizendo que a sua mulher era uma empregada doméstica. Adquiri cicatrizes físicas, em meu rosto inclusive. Fiz vários Boletins de Ocorrências que não o demoveram de continuar a me maltratar.
Vocês divorciaram-se ?
Quando a Ana Julia completou quatro anos eu disse-lhe que queria acabar o casamento, queria que ele fosse embora. Ele disse-me que como era eu quem estava querendo terminar o casamento deveria me retirar e levar os filhos. Na noite em que eu manifestei a minha decisão, estava com a minha filha no colo, fui agredidada violentamente, coisas que a minha filha viu e guardou com ela. Imediatamente fui colocada para fora de casa com as crianças, fui acolhida por uma amiga que era minha vizinha. No dia seguinte decidi arrumar um comodo que fosse, iria pagar com o meu trabalho de faxina. Arrumei dois comodos. Por dentro estam rebocados, por fora não. Não tinha mais nada: vaso sanitário, pia, chuveiro, eram paredes nuas. Os vizinhos se mobilizaram e começaram a trazer cada um uma coisa: cama, botijão de gáz, torneiras, alimentos, fogão. Ai eu fui procurar trabalho. Na época a faxina custava R$ 30,00 eu dizia: “Faço para você por R$ 10,00! Se não gostar você nem me paga.” Consegui em duas semanas juntar o dinheiro do aluguel, que era R$ 250,00 incluindo água e luz, Fiquei feliz, porque agora eu sabia que aquilo chamava-se liberdade! Eu podia deitar em minha cama e dormir sem sobressaltos. Um aspecto que pesava muito é que além de ser ameaçada as crianças também sofriam ameaças. Isso causou feridas emocionais muito profundas. Eu ia trabalhar, as crianças ficavam em casa, sozinhas. Tinhamos ganhado um guarda roupa, que por falta de roupas estava vazio, o combinado era de que se escutassem um barulho na porta entrariam no guarda roupas e fechariam a porta do movel. Isso foi por sugestão da minha filha que na época tinha de oito para nove anos.
Seus filhos passavam o dia sozinhos, trancados nos dois comodos?
Exatamente. Só que os vizinhos vinham trazer a comida. Eu me preocupava muito com a segurança deles, tinha uma porta de vidro, com uma abertura, elas eram orientdas por mim para pegarem a comida por ali. A minha recomendação era de que não abrissem a porta para ninguém. Embaixo da cama tinha um colchãozinho e um travesseiro para elas deitarem. Vivemos um bom tempo assim. Elas me aguardavam chegar para tomarem banho. Com o passar do tempo elas passaram a ir para a creche, a mais velha passou a ir para a escola, foram amudurecendo.  Minha irmã do Rio de Janeiro convidou-nos para ir morar lá. Fui para o Rio de Janeiro com as crianças. Ficamos em uma cidadezinha chamada Conceição de Macabu. A minha filha teve problemas de desidratação em alto grau por causa do calor. Voltamos para Piracicaba.
E você voltou a trabalhar?
Fui trabalhar como empregada doméstica para umas pessoas maravilhosas, que amo até hoje que são Dona Regina e Seu Jayme Duarte, moram na Rua João Bottene, na Vila Monteiro. Eles me ajudaram muito. Eu não tinha uma geladeira,eles tiraram uma geladeira para mim, uma cama para as minhas filhas, até mesmo o luxo de um celular! Eu digo para eles que me tornaram uma pessoa rica. Seu Jayme perguntou se eu gostava de ler, quando respondi que gostava ele deu-me um livro, ele me incentivava para voltar para a escola, eu tinha uns trinta e três anos. Achava que estava velha para estudar. Meus filhos estudavam: na Escola Municipal Professor Francisco de Almeida Kronka, uma filha estudava na Escola Professora  Abigail De Azevedo Grillo, na Escola Estadual Comendador Mário Dedini. Mesmo mudando de bairro eu sempre as coloquei na escola.
Você tinha um sonho, ver um time de futebol?
Tinha o sonho de ir até o Estádio do Morumbi, ver o São Paulo jogar. Os filhos do Seu Jayme me arrumaram o ingresso, fui até o Morumbi assistir o jogo. Ele tinha um filho corintiano tinhamos uma rivalidade futebolistica bem acentuda! Eu já me considerava uma pessoa feliz.


                                            SÃO PAULO FUTEBOL CLUB


            HINO DO CORINTHIANS




HINO DO XV DE NOVEMBRO DE PIRACICABA (OFICIAL)




                     HINO DO XV DE NOVEMBRO DE PIRACICABA (POPULAR)

Voce chegou a conhecer alguém, um outro companheiro?
Conheci o Richard dos Santos. Ele é jardineiro. Como já tinha passado por experiências inesquecíveis, não pretendia repeti-las. O tempo foi passando ele sempre conversando comigo. Pegávamos o mesmo ônibus para ir trabalhar. Eu gostei do jeito dele,  quando ele não estava no ônibus eu sentia sua falta, daquela pessoa para conversar, uma pessoa inteligente, que me ouvia. Ele ia até a minha casa para conversar, mas não entrava, eu não queria. Ali era o nosso espaço sagrado, meu e dos meus filhos. Ficávamos conversando na calçada. As vezes ele levava algo para comermos, comíamos ali mesmo na calçada. Até que após ele insistir muito fui conhecer a sua família., sua mãe, irmã. Aos poucou fui me sentindo segura no seio dessa família. Até o dia em que o Richard perguntou-me na frente da sua mãe se eu aceitava namorar com ele. Minhas filhas estavam juntas, também tomaram partido dele e disseram-me para aceitar. Aceitei.
                                      COM SEU MARIDO RICHARD DOS SANTOS










     UM DOS LIVROS QUE GUARDA COM MUITO CARINHO: FOI UM PRESENTE            ESPECIAL, ERA UM DOS PREFERIDOS DE UMA SENHORA QUE AMAVA LIVROS.
SUA FILHA DOOU PARA LUCIANE COMO PROVA DE AMIZADE.

Você sempre menciona suas filhas e o seu filho?
Ele estava no nordeste, morava com uma tia minha, depois veio morar em Barueri, com um tio dele, ele é ajudante de padeiro, lá ele ficava também por causa da academia, ele luta Muay Thai ,está em Piracicaba ha uns três anos.
Você e o Richard se casaram?
Moramos juntos por uns quatro anos, ele sempre insistindo em casarmos. Quando fomos casar desbrimos que eu ainda não estava divorciada. Quando saiu o divórcio, marcamos a data do casamento. Dia 8 de novembro de 2014.
Qual foi o traje que usaram no casamento civil?
Eu realizei um sonho, casei usando a camisa do São Paulo. Ele usou terno. O casamento foi no civil. As vezes eu acordo e penso, será que isso está mesmo acontecendo? Minhas filhas confiam nele, o chamam de pai. Dentro do meu lar existe proteção, nunca serei agredida, nem com palavras. Ele nunca falou com tom de voz mais alto sequer. A minha filha mais nova perguntou-lhe um dia: “- Richard, eu posso lhe chamar de pai?” . Ele respondeu: “-Claro filha!”. Ela se emocionaou, saiu gritando pelo quintal, abraçou a amiguinha dela e disse: “- Eu tenho um pai!”. Eu não sabia que isso fazia falta para ela. A figura paterna fazia falta para ela. Passou um tempo a minha filha mais velha foi chamando-o de “Papi”. Naturalmente passou a chama-lo de pai. O meu filho considera o Richard como seu melhor amigo, O Richard tem 31 anos. Minha sogra os chama de netos. É um tesouro da minha vida tudo isso.
Como é a sua alimentação?
Não como carne, nada de origem animal. Sou vegana por respeito a vida dos animais. Assim como não quero morrer também não quero que nenhum animal morra. Ainda mais eles tão inocentes. Será que não temos uma outra chance? Essa chance também quero dar aos animais. Não tenho o direito de tirar a vida deles. Eu acredito que existe um criador. Se eu vestir uma calça vermelha e uma blusa verde vai ficar muito estranho. Mas uma árvore? Verde com flor vermelha! E assim muitas coisas, sou encantada com a natureza.
Você gosta de ler?
Muito ! Sempre tive livros. O primeiro autor que li foi Machado de Assis. Ganhei na mesma época um livro editado pelas Testemunhas de Jeová: “Histórias Bíblicas”. Tinha ilustrações que eu achava maravilhosas. Muitas vezes eu passava em frente  alguma casa e via alguns livros, com a maior naturalidade perguntava se a pessoa não tinha nenhum livro para doar. Com isso ganhei muitos livros. Aprendi a ler melhor, hoje leio um pouco de tudo. Eu tenho o curso primário, que por força de lei fui obrigada a fazer para receber meus direitos trabalhistas.
Você tem preferência por algum tipo de leitura?
Não tenho preferência, existe livros que eu não leio. Não leio aquilo que não acrescenta nada à minha vida. Os demais leio de tudo.
Você tem uma idéia de quantos livros já leu?
Devo ter lido aproximadamente uns mil livros. Se for um final de semana, de sexta para sábado, leio um livro. Gosto muito de Agatha Christie.Gosto do gênero que envolve investigação. Mas leio de tudo, enciclopédias.
Você já leu “O Príncipe”?
Li “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel. Achei interessante, é um estrategista, ele não valoriza as pessoas, isso fica claro quando ele escreve “mate todos os seus inimigos e se precisar os seus amigos o restante não interessa”.
Sob o seu ponto de vista existem príncipes como o descrito por Maquiavel nos dias atuais?
Existe e muitos. Acho que isso que está acabando com a classe pobre.
O que desperta uma grande admiração em você é a sua vontade, sua gana, em vencer através da cultura.
Com as minhas filhas conversamos sobre religião, política, todos os assuntos. Eu digo à elas: O que o governo quer de nós? Para ele nós não precisamos mais estudar. Quanto maior for o seu conhecimento é pior para eles. Você irá querer igualdade. E o que irá fazer? Irá incentivar. Aqui na minha casa você irá dizer as coisas que você pensa, mas irá falar com respeito comigo. Infelizmente há pessoas que quando você expõe seu pensamento ela vem agredi-lo. Eu não sou de direita, não sou de esquerda, sou pela igualdade. Eu assisto o horário de propaganda eleitoral, fico muitas vezes pensando, a pessoa tem um bom nível de estudos, porque fica ofendendo as pessoas? Política se discute, mas jamais empurrar um político garganta abaixo.
O que está faltando para você retomar os estudos?
Eu queria fazer necropsia. Sou apaixonada pelo corpo humano, por tudo que existe dentro de nós, essa máquina perfeita que somos.
Você realiza ações beneficentes, humanitárias, por iniciativa própria e outras através de grupos?
Eu e toda a minha família atuamos como voluntários da entidade Gatos do Cemitério da Saudade, O objetivo de nossa comunidade é aproximar as pessoas da realidade dos gatos que são constantemente abandonados nas ruas e nos cemitérios de Piracicaba. Outra ação que fazemos é com os moradores de rua de Piracicaba. Geralmente quando está chegando o inverno arrecadamos roupas, agasalhos, distribuímos diretamente à eles nos pontos em que eles ficam. Eu, meu marido, minhas filhas, preparávamos 100 refeições e levávamos para eles, Não tínhamos como levar de ônibus essa quantidade toda. Conseguimos com que algumas pessoas participassem, mas chega uma hora que essas pessoas cansam. Não temos mais como levar. A nossa expectativa é de conseguirmos um veiculo para transportar o alimento e os sucos que são distribuídos. Essas pessoas que estão na rua não precisam apenas de alimentos, precisam de roupas, de respeito, tem pessoas que estão na rua por serem dependentes químicos, eles mesmos dizem. Levávamos o alimento e sentávamos, conversávamos um pouco. Conhecíamos uma parte da realidade deles. A ponto de quando faltava alguém em algum local onde distribuíamos eu sabia quem estava ausente.
Você tem um projeto para minimizar essa situação?
Já transmiti por e-mail à autoridade competente, trata-se de um projeto muito simples, de baixo custo. Em alguma área que estivesse disponível, construir um barracão grande, por mais rústico que seja, com camas de alvenaria, um chuveiro, uma pia para eles lavarem suas roupas, funcionaria como abrigo em dias de chuva. Tanto no Natal como no Ano Novo eles são tirados das ruas. Eles têm que se esconderem. Há uma determinação de que a cidade tem que estar “limpa”. As roupas deles são jogadas no lixo. No Natal e no Ano Novo não se encontra morador de rua na praça. Nem eu sabia aonde levar comida para eles. Às vezes levava as marmitas e voltava com elas porque não encontrava ninguém.
Quem arcava com os custos dessas marmitas?
Eu e meu marido. Algumas pessoas começaram a se juntar conosco. Se eu vejo alguém com frio eu me sinto mal, eu passei esse frio.
Como é o processo da lona plástica?
O metro da lona plástica não é muito caro. Quando vou comprar peço para eles cortarem de dois em dois metros. Colocam a lona no chão, em cima põem o papelão deles, Cobrem o papelão com a lona. Outros colocavam a lona embaixo do papelão, e a outra ponta sobre as cobertas. Essas coisas eles já não tem mais, eles não ficam o ano inteiro com alguma coisa. Mesmo a roupa, pelo fato de não ter onde lavar chega uma hora que eles têm que jogar fora.
A seu ver o que falta à essas pessoas?
Falta tudo! Falta dignidade! A meu ver, a Igreja, o vereador, o prefeito, eu diarista, temos responsabilidade sobre essas pessoas. Tem que acabar com essa história de ficar esperando tudo do governo. Como você vai cobrar se uma determinada rua está alagada se ao passar você jogou um papel? Falta espírito de comunidade, as pessoas têm que se unirem. Algumas pessoas fazem atos de benemerência, mas fotografam, divulgam, Outros interesses as movem. Minha filha com treze anos nos acompanhava, mostrávamos uma realidade que ela não conhecia. Quando entravamos em nossa casa perguntava a ela: O que você sente? Que somos ricos perto deles! Para que vou querer um sofá novo se o que tenho está perfeito e me atende? Se por acaso todos os lugares do sofá, poltronas e baquinhos estiverem ocupados, a pessoa pode sentar-se no meu chão porque ele é limpo! Eu ganhei meu celular da minha patroa senão estaria usando um que é muito antigo. Passei o antigo para a Ana Júlia. Ela preferiu que o mesmo valor que eu gastei com o celular da irmã mais velha fosse aplicado na aquisição de livros que ela, Ana Julia, queria. Ela fez uma lista de livros, só que se fosse comprar todos aqueles livros daria mais. A Gatos do Cemitério arrecada doações para arcar com algumas despesas com médicos veterinários, remédios, decidi fazer um bazar de livros este ano. Postei no meu facebook. A nossa presidente Elcian Granado colocou no face dela, A Sra. Marta Alleoni doou os livros que foram da sua mãe. Ela disse-me que gostaria que eu ficasse com pelo menos um livro porque eu tinha o mesmo amor pelos livros que a sua mãe tinha. Fiquei com o livro “E O Vento Levou”, eu sabia que ali havia um tesouro. Os outros livros poderiam ser vendidos, esse livro que ficou comigo precisa ser restaurado. Era o único, os outros estavam todos encadernados, ela cobria os livros. Conseguimos vender, eu não quis pegar esse dinheiro em minha mão, foi direto para as clínicas.
Você tem uma filha autodidata em uma língua estrangeira?
A Ana Júlia tem treze anos, começou a se interessar quando conhecemos o Richard, ele gosta de assistir animes em japonês, ela se interessou, gostou do som das palavras, as vezes ela assistia em português, com a legenda em português, ela dava pausa na televisão e ficava horas escrevendo, começou gradativamente a falar e foi absorvendo a cultura japonesa. Não só pelos animes, mas por tudo. Ela desenha, os desenhos que ela faz são todos ligados a cultura japonesa. Eu mostrei o material dela para uma escola de desenhistas profissionais e se ela fosse entrar já iria para a turma avançada. Estou tentando arrumar mais dias como diarista para pagar o curso para ela.
Você investe muito em livros?
Eu não me interesso em adquirir o último modelo de celular, ou adquirir uma televisão nova, minha televisão fica dias desligada. Não me interessa uma roupa nova. Essas coisas para mim não tem valor. Se eu sair para adquirir um tênis, fico pensando, mas eu tenho ainda aquele tênis.  Quando vou comprar procuro adquirir um resistente. Não preciso daquele tênis, mas preciso daquele livro! Passo nas livrarias que vendem livros de segunda mão (sebos), aquele livro chama outros livros.
Sua filha lê o que está escrito em japonês?
Lê! Aprendeu sozinha! Inclusive ela chegou a conversar com japoneses mesmo, eles me disseram que ela falava muito bem.
Ela tem vontade de ir para o Japão?
Ela quer ser Mangaká (cartunista ou quadrinhista)
A chamada “depressão” que afeta o jovem hoje pode ter várias causas você pode identificar alguma?
A depressão da juventude pode ter origem em passar o dia inteiro na internet, ali estão expostos todos os modelos ideais de corpo, produtos de consumo, só que isso nem sempre é possível ser realizado ou acessado. Existe um mundo artificial, criado com inúmeras cirurgias plásticas, tratamentos de imagens, há jovens que se frustam facilmente por não terem nada disso. Seus idolos são artificiais. Um livro é uma viagem. Para ler um livro não gosto de roupa apertada. Não quero nada que me incomode. Fecho a porta do meu quarto, meus filhos não me incomadam, se quiserem alguma coisa dão aquela batidinha na porta. Faço o mesmo com eles quando estão lendo. É uma viagem. Para onde você vai?  Eu estava lendo “O Fantasma da Ópera” eu não vou querer ter a aparência do Fantasma e não vou ter a aparência da Christine você tem uma idéia, cria uma aparência, mas vai criar aquela história. Ele pegou aquela rua deserta, onde todas as janelas eram pintadas uma de azul outra de amarela, são coisas em que você tem no que pensar. Por exemplo, ela caiu no lago, você também cai!  Eu vivencio a personagem. Acho que os jovens precisam dessa viagem para o lado bom. Tem um livro que eu estava lendo, “O Oceano no Fim do Caminho”, é uma criança filha de pais carinhosos, mas que tem que se distanciar para trabalhar, eu vivi os lados da mãe que tem que sair e deixar o filho. Eu me identifico com essa situação. Li os três livros de Jogos Vorazes, adquiri no Recanto dos Livros do Lar dos Velhinhos, eu me emocionei, aquela jovem era só uma menina. Ela queria apenas viver. Ela teve que batalhar pela familia, o seu pai foi morto pelo governo, eles tinham liberdade restrita.
Você lê vários livros ao mesmo tempo?
Não! Levo um livro na minha bolsa para ler no onbus. Outro livro leio em casa. Esses dias pensei, estou com 42 anos e nunca li Dom Casmurro! É isso que acho que falta. No quarto das minhas filhas não tem televisão. Quando uma delas chega, muitas vezes conversamos sobre livros, uma delas me indicou “Caixa de Pássaros”. Ela advertiu-me: “-Você vai detestar o final, mãe!”. Eu não detestei o final, é a história de uma mulher forte, ela tem que batalhar por dois filhos, em um lugar que tem monstros, geralmente esses monstros eu não vejo como aquela criatura horrenda, vejo como o sistema de hoje. Tem uma criaturas que eles não podem olhar que enlouquecem. O que não podemos olhar hoje que a gente enlouquece? Você vai pensar nos direitos que nós não temos mais! Na educação que não podemaos mais dar para nossos filhos. Eu não sonho por mim, sonho para meu filhos, o meu sonho para eles não é eu querer que você seja isso, ou faça aquilo. Quero que você seja feliz. E aprenda a batalhar pelas coisas que você quer! Já começa a apender em casa, levantou-se, arruma a sua cama, seu quarto. Comeu, lava seu prato. Eu não sou dura com os meus filhos, é a realidade! Quando eu estava grávida eu lia para os meus filhos. Cada uum dos meus filhos tem uma música.
Essas histórias e essas músicas voce contava e cantava enquanto eles ainda estavam em seu ventre?
Exatamente! Para o meu filho a música que eu cantava era Tente Outra Vez;  da minha filha maios velha: Como é Grande o Meu Amor Por Você e da Ana Júlia é Eu Sei Que Vou Te Amar. (Lucilene emociona-se muito). Você tem que mostrar aos filhos que as coisas são difíceis, mas não tão dificeis que eles não consigam alcançar.
Você lê jornal?
Gosto muito do jornal impresso. Tem muits informações boas, coisas que acontecem em sua cidade. Gosto de ler crônicas. Outra coisa importante é na escola tratar muito bem os professores, não há nada na vida que você não consiga se não tiver um professor. Se não fosse a minha primeira professora, que me alfabetizou, a Dona Soleni, eu não teria aprendido a ler. Foi a pessoa que abriu os meus olhos. Os pais devem orientar os filhos para respeitarem os professores. Alguns professores vão para a escola amendrontados as vezes. Se você tem um filho violento, precisa de ajuda, procure uma psicóloga para ele. Converse com ele.
Seu pai está vivo?
Sim, está vivo. Ele mora no mesmo lugar, tenho contato com ele. A madrasta também está viva, hoje ela me trata bem. Mandei um aparelho celulr para o meu pai, quando eu ligo para saber como ele esta, algumas vezes mandei dinheiro para comprar remédio ou o próprio remédio daqui para lá. Não é porque ele foi um maior incapaz de cuidar dos filhos que eu devo ter raiva.
Você colocou uma situação que aconteceu no nordeste, a seu ver isto pode ocorrer em qualquer parte do país inclusive aqui?
Perfeitamente, pode acontecer em qualquer local, inclusive presenciei aqui em Piracicaba fato semelhante. A violencia, falta da presença paterna.
Você já pensou em escrever um livro?
Minha filha escreveu para mim, um cordel. De tudo que me aconteceu eu sempre sai com dignidade, sempre me respeitei. Quem deve sentir vergonha é o agressor e não a pessoa que é agredida. Muita gente não está preprada para ter filhos. Os pais não impõem limites aos filhos. Um filho com 20 anos deixa o tenis no meio da sala, a mãe vai e guarda. Considero isso um absurdo! Os pais tem que ensinar os filhos e não fazer por eles.
Você é a favor do controle da natalidade?
Sou! Quando a Ana Julia Nasceu eu fiz laqueadura, consegui na justiça. Essas pessoas que estão na rua, que necessitam de um livro, comida, um abraço, não negue, o rico é aquele que pode dividir, não importa o quanto ganha. Principalmente para esses irmãos que vivem na rua, tanto irmãos animais como nossos irmãos humanos. Eles já vivem tão sem dignidade ali. Eles não são invisiveis. Não são lixo. Eles precisam de nós. Estão deixando enfeiada a cidade, deixando suja? É só aquele espaço que eles tem. A gente pode fazer algo melhor para eles, eu não me conformo em não ter feito nada para ajudar.
Voce acredita que uma ação sem engajamento político, bandeira religiosa, um envolvimento do ser humano para com o ser humano de resultado?
A maioria somos nós, não somos pequenos, só estamos de joelhos, no dia em que nos unirmos vamos lutar pelo que acreditamos. A minha patroa paga o meu salário e exige conforme deseja. Os governantes não recebem salário que nós pagamos? Então não deixam de sererm nossos funcionários! As  pessoas tem medo de cobrar! Chegar junto a um político bajulando ou endeusando eles, não está correto. Eles trabalham para nós.Vamos tratar de igual para igual, falar com eles. Vamos cobrar. Exigir. Só que as pessoas tem medo disso. As mulheres vítimas de violência não se envergonhem, denunciem o agressor.


LUCILENE E SUA FILHA ANA JÚLIA, DE APENAS 13 ANOS.
ANA JÚLIA É AUDIDATA, FALA E ESCREVE FLUENTEMENTE JAPONÊS.
 APRENDEU COM MUITAS HORAS DE DEDICAÇÃO APENAS OBSERVANDO FILMES JAPONESES. 
 ARTISTA, DESENHA MANGÁ, DESENHO TÍPICO DO JAPÃO, USA MATERIAL IMPROVISADO, ADQUIRIDO EM PAPELARIAS COMUNS.
O SEU SONHO É IR PARA O JAPÃO.




 
                                                                                  
 
 
 




























sexta-feira, abril 28, 2017

DULCE ANA DA SILVA FERNANDEZ


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 29 de abril de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/            




ENTREVISTADA: DULCE ANA DA SILVA FERNANDEZ

 

Dulce Ana da Silva Fernandez, escritora, poetisa, professora aposentada, tem em seu currículo um grande número de premiações e participações em antologias literárias. Nascida em Tietê a 24 de novembro de 1935, filha de Paschoal André da Silva, e Maria Berengam da Silva que tiveram oito filhos: Nair, Ida, Dulce, José Carlos, Moacir, Sonia, João e Lourenço. O pai de Dulce era comerciante. Alguns dos títulos e prêmios recebidos por Dulce em concursos literários: Tietê 1993 Conto: Lembranças; Tietê 1998 Conto: Bons tempos aqueles; Alumínio 1998 Conto: Bons tempos aqueles; Tietê 1999 Conto: No Arrulhar dos Pombos; São Vicente 1999 Conto: Nhá Dita; Tietê 1999 Poesia: Quem somos nós? ; Piracicaba 2000 Poesia: Gavetas da História; Tietê 2000 Poesia: Eternas Lembranças; Tietê 2000 Conto: A Esteira dos Peixinhos Dourados; Mogi-Guaçu Poesia: Vovó Mil Olhos; Tietê 2001 Poesia: Síndrome da Solidão; Tietê 2001 Conto: Valeriana; Tietê: 2002 Conto: Uma inacreditável Fênix; Cerquilho 2003 Conto: Uma inacreditável Fênix. Participação em Antologias Literárias: Almas Densas-1999-Barra Bonita; Meu Tirano Rio Tietê (conto); XVI Concurso de Poesias Mogi-Guaçu Vovó Mil Olhos (poesia); Concurso de Poesias Monteiro Lobato 2000 Taubaté Poema das Cores (poesia); Festival Literário da Terceira Idade 2000 Piracicaba- Gavetas da História (poesia); 500 Outonos 2000 São Paulo Eternas Lembranças I Repique do Réquiem (poesias); E por falar em Amor 2001 São Paulo Quadro Único (conto); Sinfonia Falada Opus I 2001 Itapetininga A Promessa (conto); Reverberações 2001 São Paulo Sempre há Tempo – Eternas Lembranças (poesias); E por falar em Amor II 2002 São Paulo Sinfonia de Mi-a-Dó (poesia e crônica); Escrevendo Mulheres 2002 São Paulo Nhá Dita (conto); Talentos da Maior Idade 2002 São Paulo Tonga (conto); Luz e Sombra 2002 São Paulo História de Pescadores I (conto); Energia Latente 2002 São Paulo O Faraó Destituído (conto); A Forja da Liberdade São Paulo História de Pescador II (conto); A Árvore da Vida 2003 São Paulo Caminhada alegre e ruidosa (conto); Prêmio Literário Cidade de Itapetininga 2003 Bicho-Homem (poesia); Marcas do Tempo V-2003 Descalvado Mulheres (poesia); Dias de Poesia  Itapetininga Vovó 1000 Olhos – Dulce Ana da Silva Fernandez; Dias de Poesia 2003 Itapetininga Efemeridade- Estações da Vida Versos Soltos; Sinfonia Falada Opus II 2003 Itapetininga; Rebuscando Emoções O Dia “D” Normalidade Efêmera (mini-contos) Idiossincrasias 2004 São Paulo O jogo do destino (crônica e poesia).

A senhora formou-se professora em qual cidade?

Sou formada professora pela Escola Normal de Tietê.
O início da sua carreira como professora foi em qual cidade?

Comecei a lecionar em São Paulo, com 21 anos, eu tinha a tia Clementina que morava em São Paulo, foi onde me hospedei. Naquele tempo uma viagem de ônibus para São Paulo levava quatro horas. Eu morava no Brás e lecionava na Vila Maria. Permaneci lá por um ano.
                                                       FESTA DE SÃO BENEDITO


Como era dar aulas naquela época?

Era uma beleza! Isso porque naquela época o aluno ia com uma fome de novos conhecimentos, de saber. Ele não tinha acesso a televisão, as mídias, eletrônicas, isso fazia com que o aluno adorasse em ir à escola. Era uma forma de distração para o aluno. Nós tínhamos muita facilidade em manter a disciplina. Quando o professor entrava na sala de aula os alunos levantavam-se. Havia um grande interesse pela história, eu sempre tive muita facilidade em alfabetizar. O professor era respeitado pelos alunos e muito querido pelos pais dos alunos. O salário do professor proporcionava-lhe uma vida com dignidade. Eu também dava aulas para duas turmas do SESI a tarde, das seis da tarde às nove da noite. Das seis as sete e meia era uma turma e das sete e meia às nove horas da noite era outra turma.  


                                            MICHEL TEMER NASCEU EM TIETÊ

           MICHEL TEMER RECITA O POEMA E CONTA A HISTÓRIA DO RELÓGIO


Como a senhora ia do Brás até a Vila Maria?

Ia de bonde até o Largo da Concórdia, lá pegava o ônibus até a Vila Maria. O bonde era aberto nas laterais. No Largo da Concórdia havia um banco onde esperávamos o ônibus chegar. Foi ali que conheci o meu marido. Tudo começou com um flerte, eu sentada, ele em pé, naquele tempo havia um respeito muito grande, era normal os homens usarem paletó e gravata. O nome dele era Jose Carpintero Fernandez, natural da Espanha. Ele veio com o pai dele, quando tinha 19 a 20 anos. No início tive um pouco de receio, ele era de um país estrangeiro, com idioma diferente, mesmo eu tendo facilidade em entender o que ele dizia.

Após casarem a senhora passou a dominar a culinária espanhola?

Aprendi muita coisa, entre eles o famoso puchero. Doces diferentes. Estive por duas vezes na Espanha, uma vez fiquei por 30 dias, outra por 59 dias, aprendi algumas receitas.

Quantos filhos você tiveram?

Tivemos três filhos: Carmen, José Ricardo e Fernando Henrique. Tenho cinco netos.

A senhora conciliava o trabalho de dona de casa, mãe, esposa, com o seu trabalho como professora?

Conciliava bem! Eu tinha uma pessoa que ajudava no trabalho doméstico.

Após casar-se a senhora e seu marido foram morar em que bairro de São Paulo?

Fomos morar na Vila Maria! A nossa casa ficava próxima a escola e ao serviço do meu marido. Ele trabalhava na CMTC – Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos, na parte administrativa. Naquela época Jânio Quadros costumava visitar os hospitais, a CMTC, geralmente eram visitas de surpresa. Ele era um político muito querido naquela época.

A senhora é também poetisa?

Sou! Tenho lançados quatro livros: “Cirandeira” é o primeiro livro, onde eu conto a história dos meus familiares. O segundo livro é “Pescadora de Emoções”, é um livro em que tenho contos, o terceiro livro é “Uma Aventura Divertida”, é um livro infantil, o quarto livro é um de poemas “Janelas da Vida” O primeiro livro “Cirandeira” é em prosa e verso.

Em São Paulo a senhora permaneceu por quanto tempo?

Fiquei uns dois anos, em seguida fui para a localidade de Iepê, situada depois de Assis. Meu marido saiu da CMTC e mudamos para aquela localidade na divisa com o Paraná, atravessando o rio já estava no Estado do Paraná. Lá eu permaneci por um ano e depois escolhi uma escola próxima a Itaquaquecetuba, meu marido montou nessa localidade um comércio. Ali permanecemos por uns 12 anos.  Eu sempre queria voltar para Tietê.



O que a cidade de Tietê tem de tão atrativo?

Meus familiares eram todos de Tietê. É uma cidade hospitaleira, o povo é muito carinhoso, as amizades desde a infância, É uma grande família.


                                                              Tietê antigamente

Tietê tem  famas marcantes, uma delas são os doces caseiros, inigualáveis.

Tietê mantém até hoje essa fama e a qualidade dos seus doces. Além de ser a terra de Cornélio Pires, nascido em Tietê, São Paulo, em 1884, foi escritor, compositor, conferencista, jornalista, contador de causos, folclorista e poeta. Gravou Jorginho do Sertão, folclore paulista adaptado por Cornélio Pires, lançado em 1929 por Mariano e Caçula. A primeira moda de viola gravada no Brasil.

Outra característica, quase folclórica, é que todos são conhecidos por um apelido.

É também conhecida como cidade dos apelidos, tanto que segundo contam, um senhor fez uma aposta com um amigo de que iria até Tietê e permaneceria por alguns dias sem que ganhasse qualquer apelido. Hospedou-se em um hotel, e de lá não saiu nesse período, a não ser para de tempos em tempos fumar na sacada do apartamento. Após alguns dias, ciente de ter ganhado a aposta, desceu de mala e cuia, para rumar à sua cidade de origem e embolsar a aposta certamente ganha. Estava de plantão apenas o camareiro, que prontamente chamou o gerente do hotel nos seguintes termos: “Seu gerente, o senhor pode vir até aqui que o hospede do apartamento 21 vai-se embora, o Cuco!” O hospede saia na sacada, à semelhança de um cuco de relógio! Ganhou um apelido e perdeu a aposta! O apelido do meu marido era Espanhol.



Por manter suas tradições, preservar a arquitetura, a cidade tem um aspecto muito próprio.

Inclusive as igrejas são muito famosas. A igreja matriz é uma igreja muito bonita. A Igreja São Benedito é centenária. Todos os anos têm procissão, com a vinda de pessoas de longe para participar das cerimônias religiosas ali realizadas. A Igreja Santa Terezinha é anexa ao local onde se formam padres.

Tietê tem bailes de carnaval muito famosos?

Tietê teve antigamente bailes de carnaval muito famosos, embora eu não participasse desses bailes porque havia algumas regras que meu pai fazia questão em manter, entre elas era o horário que tínhamos que estar em casa, geralmente em torno das dez horas da noite. Os bailes geralmente começavam às onze horas da noite.

Lá existiam vários clubes, mas dois eram muito conhecidos, havia até certa disputa entre eles?

Existe até hoje, são os clubes Recreativa (Sociedade Recreativa de Tietê) e Esportiva-Tietê Esportiva Clube (TEC). Há o conhecido e tradicional Hotel Cuitelo. Há uma pensão tradicional, muito boa, é a Pensão do Lazarim. No meu tempo de menina em Tietê havia pouquíssimos automóveis, a criançada brincava na rua, eu morava a uma quadra do jardim, brincávamos onde chamávamos de coléginho. Em Porto Feliz, Laranjal Paulista, Conchas não havia a Escola Normal, as estudantes vinham e ficavam no Colégio das Madres. Naquele tempo fechavam as portas das casas que se abriam para a rua somente na hora de dormir. Tanto as portas como janelas ficavam abertas.

A senhora lembra-se dos doces feitos na época?

A tradicional e famosa goiabada, pessegada, cocada, doce de abóbora, doce de batata, todos doces caseiros. Até hoje existe esses doces. A goiabada cascão é muito procurada. A minha mãe fazia esses doces. Papai gostava de pescar, o Rio Tietê era maravilhoso, as águas eram prateadas, não havia poluição. Pescava o peixe dourado, grande. Quando ia de bote trazia os peixes cascudos espada, em casa havia duas cozinhas, a cozinha externa tinha fogão a lenha, colocávamos para “moquear” os cascudos. O cascudo espada é grande, tem uns dois palmos aproximadamente. Colocávamos no fogão, quem ia passando por perto do fogão dava uma virada, para soltar o couro dele. Daí, fazíamos uma suculenta sopa de cascudo! Era deliciosa! Em casa tinha caldeirões de alumínio grande, ficava cheio de peixes fritos. Lembro-me de que havia o Hotel Lenzi, e mais três ou quatros hotéis, algumas vezes eles nos procuravam para adquirir peixes, tal era a quantidade que o Rio Tietê fornecia.

Quais eram as brincadeiras infantis da época?

Os meninos brincavam de pega-pega. As meninas brincavam de casamento espanhol, ficava um grupo de um lado e outro grupo de outro lado, os meninos escolhiam as meninas com quem queriam se casar, no final, quando todos tinham sido escolhidos, dava o braço e dirigiam-se ao altar que tinham montado, ali havia um menino que fazia o papel do padre. Em seguida todos voltavam a sentar-se. Às vezes fazíamos uns docinhos. Tinha uma amiga que morava no Pátio do Mercado no lugar onde é a prefeitura atualmente, como o quintal era grande a sua mãe deixava armar uma barraquinha e montar um circo. A entrada para o circo eram cinco palitos de fósforo sem ter sido usado. E levavam os docinhos também, algumas meninas vendiam os docinhos. Tietê tinha um cinema. As terça e quinta feiras a entrada era mais barata. Passavam filmes de Flash Gordon.

E rádio como era?

Rádio tinha! Não existia televisão! Ouvia novelas, muitas casas tinha a chamada vitrola onde eram tocadas músicas da época.

Do período da Segunda Guerra a senhora lembra-se de alguma coisa?

Lembro-me que foi para a guerra um rapaz de uma família conhecida em Tietê, combateu na Itália, e ao término da guerra voltou para Tietê. Ele narrava que nas trincheiras, muitas vezes insetos, pequenos animais, subiam pelas roupas, eles não podiam fazer um movimento sequer, para não serem notados.

Quando a senhora tornou-se uma jovem, qual era a distração preferida em Tietê?

Tínhamos o hábito de passear pelo jardim, havia a reta que ia e a reta que voltava, ali que fazíamos as chamadas “paqueras” ou flertes. O rapaz dava um sinal e a moça saia do meio das outras para conversar com o moço.

Como era dado esse sinal?

Era com a cabeça, nós já sabíamos o significado, então a moça ia para a segunda reta, que era a chamada “reta dos namorados”.

Onde a senhora busca inspiração para as suas poesias?

Minhas poesias nascem em qualquer lugar! Em uma folha, em uma gota de água. Em um olhar, em um passeio, uma caminhada. Elas brotam conforme a inspiração. Muitas vezes chega a inspiração, eu estou fazendo o almoço, tenho que desligar o fogão e fazer a poesia, tem que ser naquela hora. Às vezes de madrugada eu perco o sono, encosto no travesseiro e já escrevo. Eu tenho muita facilidade para escrever os contos.

Como a senhora vê o jovem atualmente?

A meu ver, a mídia eletrônica chegou de forma atropelada, muita novidade em curto espaço de tempo, acredito que ainda não existiu o tempo suficiente para definir o espaço que cada elemento deve ocupar. O essencial que é a leitura, os livros, estão sendo substituídos por um meio de comunicação que é mais fácil e mais rápido. Não vejo isso com bons olhos. Acredito que é importantíssimo o aluno ler e escrever. Infelizmente sente-se que muitos jovens não têm o habito de escrever. A falta do habito de escrever faz com que ele escreva de forma errada.  Essa realidade está evidenciada nas redações de vestibular, onde há alunos cuja nota é zero. Estamos retrocedendo! Até o homem da caverna escrevia nas paredes das cavernas! Tinha vontade de escrever! Uma maioria dos alunos de hoje não tem essa vontade. Perderam!

De certa forma, os símbolos esculpidos nas paredes das cavernas foram substituídos por símbolos tecnológicos, deixando de lado a ordenação gramática e literária?

O homem da caverna não tinha outra opção, não detinha conhecimentos, o homem de hoje têm opções, pode obter esses conhecimentos. Simplesmente ele busca o caminho mais fácil, há uma pressa descomedida.

Qual é a importância da leitura para uma pessoa?

A leitura é maravilhosa! Ela transporta as pessoas, faz com que conheça novos lugares, desenvolve os neurônios, faz com que a pessoa raciocine,

O leitor deve apenas ler, ou ler e analisar aquilo que foi escrito?

Com o passar do tempo, após adquirir o habito de ler, surge a facilidade de ler, analisar e reter aquilo que está lendo. Entender qual é o objetivo que o autor busca.

Há autores que escrevem ao vento, ou seja, mais para se vangloriarem de que escreveram algo?

Infelizmente isso ocorre. Só que o leitor é de certa forma crítico o suficiente para ver que ali não há nenhum conteúdo, nenhuma mensagem, ele simplesmente abandona aquela leitura vazia.

O chamado livro de auto-ajuda como a senhora vê?

Acho bom. Há pessoas que não tem facilidade em ter um pensamento positivo. Esses livros ajudam a pessoa analisarem melhor seus pensamentos. Temos cerca de 60.000 pensamentos por dia, sendo que quarenta por cento deles são perfeitamente descartáveis. Um livro que melhore a qualidade desses pensamentos pode ajudar muito.

Atualmente recebemos uma carga de informações muito grande, isso exige uma filtragem maior?

Nós não dominamos essa carga, temos que selecionarmos o que serve e o que não serve.

A televisão sob seu ponto de vista exerce uma função importante?

Ela pode ser útil, basta sabermos fazer a seleção e o tempo de permanência diante dela. Há aspectos positivos e negativos, cabe a pessoa decidir o que pretende. É só selecionar o joio do trigo.

A senhora pratica exercícios físicos?

Faço. Musculação, oficina da memória e equilíbrio. Aos 81 anos é fundamental fazer exercícios. Sempre tive participação ativa junto aos alunos, nas aulas de ginástica, teatrinho, onde até interpretava alguma personagem. Todo sábado fazia o Culto à Bandeira, era uma hora de festa: com música, dança, quem tinha aptidão cantava, fazia teatro, quem tinha boa oratória lia uma poesia. Em Tietê eu participo das festividades alusivas a Cornélio Pires. Quando ele faleceu pediu que fosse sepultado de pijama, para que suas roupas fossem dadas aos pobres. Ele deixou para a cidade a Casa dos Meninos, que era uma chácara grande que ele tinha. Tietê teve também Benedicto Pires de Almeida, o Zico Pires, que escreveu em dois volumes a Cronologia Tieteense.

A senhora conquistou muitos prêmios, e tem uma memória privilegiada.

Ganhei alguns prêmios, e tem uma poesia da qual gosto muito, chama-se “Relicário de Um Vespertino” é sobre um raio de sol que visita a casa de uma idosa. (Dulce declama a poesia com total domínio trazendo muita emoção).

 


História do Município de IPIÊ
Fonte: Livro Iepê minha amada e querida de José Candido da Silva Filho
Famílias Pioneiras - Antônio de Almeida Prado, Francisco Severiano de Almeida, José Lino Santana, João Rudino Santana, Anfrísio Rodrigues, João Antônio Rodrigues, Tertuliano Machado Coutinho 1º Presbítero da Igreja Presbiteriana Independente, em cuja casa iniciou-se a primeira comunidade evangélica de Iepê. Em meados de 1917 chegam Anfrísio Rodrigues e Júlia Coutinho Rodrigues; dez anos depois Antônio Zanoni, em 1934 Germano Gonçalves dos Santos e Leônidas Ribeiro Passos, em 1937 Emiliano Salustiano e no ano de 1938 Antônio Francisco da Silva (Antônio Rosa) e José Cândido da Silva.  O Sertão dos Patos, onde se localiza Iepê atualmente, era povoado desde o ano de 1917 por algumas famílias. Neste mesmo ano, a Companhia Brasileira de Colonização (responsável pelo loteamento das terras da região), doou dez alqueires de terras para ser fundado o patrimônio de São Roque da Boa Esperança. Este estava localizado no município de Conceição do Monte Alegre, comarca de Campos Novos Paulista, nas proximidades do Córrego do Patos.  O local desenvolveu-se com o decorrer dos anos, no entanto, os moradores sentiram a necessidade de ser construída uma escola, para que seus filhos recebessem educação formal. Francisco Severiano de Almeida, mais conhecido por Chico Maria, tentando solucionar o problema, procurou os dirigentes locais solicitando autorização para a construção da escola.      Estes não aceitaram a sua proposta por questões meramente religiosas, pois Chico Maria era protestante e o Patrimônio pertencia à Igreja Católica. Então ele propôs que fundada a escola o professor seria católico. Mesmo assim, a idéia de Chico Maria não foi aceita.
A situação agravou-se mais ainda quando faleceu um protestante e foi sepultado no cemitério local. Os dirigentes do Patrimônio mandaram cercar o cemitério, deixando do lado de fora o túmulo do protestante.  Depois do ocorrido, Chico Maria foi à residência de João Santana comunicar-lhe a idéia de fundar um novo patrimônio, onde houvesse liberdade religiosa para todos os credos. Desta feita, os dois dirigiram-se à casa de Antônio de Almeida Prado, sobrinho de Chico Maria. Este, depois de saber dos planos do tio, doou dez alqueires de terra para a fundação do novo patrimônio.

     Em abril de 1923 foi criado o patrimônio de "Liberdade" nas terras recém doadas. No ano seguinte, ocorreu a primeira tentativa de criar o Distrito de Liberdade, mas não deu certo. Somente em 29 de dezembro de 1927 que Liberdade passou a ser um Distrito de Paz, com o nome de Iepê, sob jurisdição do município de Conceição do Monte Alegre. Caio Simões propôs o nome de Iepê, que na tradição lingüística Tupi-guarani significa liberdade, pois já existia no Estado de São Paulo um outro patrimônio com esta denominação.

Em 05 de julho de 1935, Iepê deixou de pertencer ao município de Conceição do Monte Alegre e passou à jurisdição de Rancharia, permanecendo até o ano de 1944. O distrito, em 5 de agosto de 1940, passou a ser constituído de duas zonas, sendo a primeira zona Iepê, e a segunda Alegria. Iepê só foi emancipada no dia 30 de novembro 1944. Esta data passou a ser comemorada a partir de 1990, pois antes a comemoração era feita no dia 24 de junho, dia de São João Batista, o padroeiro da cidade.

A instalação do município ocorreu no dia 1º de janeiro de 1945, com a nomeação do primeiro prefeito municipal de Iepê - Dr. Agenor Roberto Barbosa. O município era composto de dois distritos de Paz: Iepê e Agicê (ex-Alegria). Passados quatro anos, nesta mesma data, foi instalada a primeira Câmara Municipal da cidade, tendo como primeiro presidente o Sr. Odilon Amâncio Taveira.  Em 24 de dezembro de 1948, o Distrito de Paz de Agicê foi desmembrado de Iepê, no entanto, no dia 30 de dezembro de 1953 incorporou o Distrito de Nantes pelo Decreto - Lei nº 2456.      Em 1963, Iepê teve a sua primeira vara distrital criada, como não foi instalada, revogou-se a lei em 1969. No dia 7 de junho de 1988, foi aprovado, pela segunda vez, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, o Projeto de Lei nº 725/87, a criação da Vara Distrital de Iepê, que foi instalada quatro anos depois


Cornélio Pires
(Tietê, 13 de julho de 1884São Paulo, 17 de fevereiro de 1958) foi  jornalista, escritor, folclorista, Empresário e [Ativista Cultural] brasileiro.
Iniciou a sua carreira viajando pelas cidades do interior do estado de São Paulo e outros, como humorista caipira.
Em 1910, Cornélio Pires apresentou no Colégio Mackenzie, hoje Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, um espetáculo que reuniu catireiros, cururueiros e duplas de cantadores do interior. O Colégio Mackenzie foi fundado e sempre mantido pela Igreja Presbiteriana, à qual Cornélio Pires pertencia.
Ambicionando cursar a Faculdade de Farmácia, deslocou-se de Tietê para a cidade de São Paulo, a fim de prestar concurso de admissão. Não tendo obtido sucesso em seu intento, conseguiu empregar-se na redação do jornal O Comércio de São Paulo. Posteriormente trabalhou no jornal O Estado de S. Paulo, onde desempenhou a função de revisor. A partir de 1914, passou a trabalhar no periódico O Pirralho.
Foi autor de mais de vinte livros, nos quais procurou registrar o vocabulário, as músicas, os termos e expressões usadas pelos caipiras. No livro "Conversas ao Pé do Fogo", Cornélio Pires faz uma descrição detalhada dos diversos tipos de caipiras e, ainda no mesmo livro, ele publica o seu "Dicionário do Caipira". Na obra "Sambas e Cateretês" recolhe inúmeras letras de composições populares, muitas das quais hoje teriam caído no esquecimento se não tivessem sido registradas nesse livro. A importância de sua pesquisa começa a ser reconhecida nos meios acadêmicos no uso e nas citações que de sua obra faz Antonio Candido, professor na Universidade de São Paulo, um dos grandes estudioso da sociedade e da cultura caipiras, especialmente no livro Os Parceiros do Rio Bonito.

Cornélio Pires foi o primeiro a conseguir que a indústria fonográfica brasileira lançasse, em 1928, em discos de 78 Rpm, a música caipira. Segundo José de Souza Martins, Cornélio Pires foi o criador da música sertaneja, mediante a adaptação da música caipira ao formato fonográfico e à natureza do espetáculo circense, já que a música caipira é originalmente música litúrgica do catolicismo popular, presente nas folias do Divino, no cateretê e na catira (dança ritual indígena, durante muito tempo vedada às mulheres, catolicizada no século XVI pelos padres jesuítas), no cururu (dança indígena que os missionários transformaram na dança de Santa Cruz, ainda hoje dançada no terreiro da igreja da Aldeia de Carapicuíba, em São Paulo, por descendentes dos antigos índios aldeados, nos primeiros dias de maio, na Festa da Santa Cruz, a mais caipira das festas rurais de São Paulo).
A criação de Cornélio Pires permitiu à nascente música caipira comercial, que chegou aos discos 78rpm, libertar-se da antiga música caipira original, ganhar vida própria e diversificar seu estilo. Atualmente a música caipira é chamada de música raiz para se diferenciar da música sertaneja. A música caipira dos discos 78rpm nasce, no final da década de 1920, como o último episódio de afirmação de uma identidade paulista após a abolição da escravatura, em 1888, que teve seu primeiro grande episódio na pintura, especialmente a do Ituano Almeida Júnior, expressa em obras como "Caipira picando fumo", "Amolação interrompida", dentre outras. A ironia e a crítica social da música sertaneja originalmente proposta por Cornélio Pires, situa-se na formação do nosso pensamento conservador, que se difundiu como crítica da modernidade urbana. O melhor exemplo disso é a "Moda do bonde camarão", uma das primeiras músicas sertanejas e uma ferina ironia sobre o mundo moderno.
Após encerrar a sua carreira jornalística, Cornélio Pires organizou o "Teatro Ambulante Cornélio Pires", viajando com o mesmo de cidade em cidade, aplaudido por onde passava.
Cornélio Pires é primo dos escritores Elsie Lessa, Orígenes Lessa, Ivan Lessa, Juliana Foster e Sergio Pinheiro Lopes.


                                          MUSEU HISTÓRICO CORNÉLIO PIRES
                                           JOÃO NEGRÃO E CORNÉLIO PIRES

Cornélio Pires e o espiritismo

Cornélio Pires pertencia a uma extensa família de presbiterianos e, na juventude, frequentava as reuniões da igreja com os seus familiares.
Durante as suas viagens pelo interior do país, teve contato com vários fenômenos mediúnicos, particularmente algumas comunicações do espírito Emílio de Menezes, que muito o impressionaram. A partir de então passou a estudar as obras espíritas principalmente as de Allan Kardec, Léon Denis, Albert de Rochas e alguns livros psicografados pelo então jovem médium Francisco Cândido Xavier. A partir de então dedicou-se ao Espiritismo, com particular interesse pelos fenômenos de efeitos físicos.
Nos anos de 1944 a 1947 escreveu os livros "Coisas do outro mundo" e "Onde estás, ó Morte?", tendo falecido quando se dedicava à redação da obra "Coletânea Espírita".
Pouco antes de falecer, retornou à sua cidade natal, onde adquiriu uma chácara, tendo fundado a instituição Granja de Jesus, um lar para crianças desamparadas, que não teve a oportunidade de ver implantado.
Foi tio do jornalista espírita José Herculano Pires, tradutor e estudioso das obras de Allan Kardec e associado à corrente científica do Espiritismo brasileiro.

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