domingo, agosto 13, 2017

TOMAS BACELIS BACCHI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 12 de agosto de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/


http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: TOMAS BACELIS BACCHI


 

Por volta de 2013, a então Presidente do Lar dos Velhinhos, Cyonéa Ed Ramos, apresentou aos voluntários João Umberto Nassif e Vera Pereira Bueno Nassif um desafio: reorganizar o “sebo” do Lar. O espaço requeria atenção especial dada as suas condições precárias. Tudo tinha que ser refeito e organizado. O casal aceitou a empreitada. Após alguns meses, já funcionando, apareceram algumas pessoas desejando colaborar. A primeira delas era uma adolescente, muito interessada em leitura: Júlia Frias. Pouco tempo depois ela trouxe um colega de escola Tomas Bacelis Bacchi, acompanhado de seus irmãos Gaudre e Kazys. Graças a muito trabalho, o então sebo foi conquistando pessoas ligadas à literatura piracicabana. Pessoas com nome de expressão na cidade foram se tornando voluntárias. Como por obra divina, a caridosa e dedicada Irmã Hilda, ativa colaboradora do Lar dos Velhinhos, vendo que tinham limitações de espaço físico e condições precárias de trabalho,  indicou um espaço que o Dr. Jairo Ribeiro de Mattos havia construído, como que prevendo qual seria seu destino. Esse local, maravilhoso, foi a mola propulsora para a criação de um novo conceito de espaço cultural para Piracicaba. Uma nova forma de interação com a população foi surgindo. Lançamentos de livros, apresentações musicais, saraus e palestras passaram a integrar o calendário. O IHGP abraçou a causa, assim como departamentos e pessoas da Esalq, Unimep, CLIP, GOLP, A Academia Piracicabana de Letras,  e muitas outras entidades, bem como  doações particulares . O então “sebo” em suas novas instalações passou a ser denominado “Recanto dos Livros”  do Lar dos Velhinhos.

Tornou-se referência, ajudando a projetar o nome do Lar dos Velhinhos. Além de proporcionar fácil acesso a cultura integra moradores e voluntários. Atualmente o Recanto dos livros do Lar dos Velhinhos tem um acervo respeitável de aproximadamente 12.000 títulos de todos os tipos de obras: técnicas, jurídicas, literatura, juvenil, infantil, lazer.  A renda das doações ao Recanto dos Livros é integralmente revertida ao Lar dos Velhinhos.  O acesso ao facebook do Recanto dos Livros pode ser feito através do endereço eletrônico

https://www.facebook.com/recantodoslivrospiracicaba ou o interessado pode conhecê-lo pessoalmente a Avenida Dr, Torquato da Silva Leitão, 615, entrar com o seu veículo, e seguir a sinalização “Recanto dos Livros”.  Funciona ao público todos os sábados das 8 horas da manhã até as 13 horas. O voluntário Tomas Bacelis Bacchi nasceu a 2 de julho de 2002 em Piracicaba, é filho de Gustavo Sanches Bacchi, engenheiro agrônomo e Betina Jana Bacelis Bacchi, administradora de empresas, que tiveram os filhos: Gaudre, Tomas e Kazys. Tomas Bacchi mudou-se para a Alemanha, mas não se desligou do voluntariado, é de lá que ele controla o processo de comunicação eletrônica do Recanto dos Livros com o público aqui no Brasil

Você iniciou seus estudos em qual escola?

Iniciei no Jardim de Infâcia Alecrim da Escola Waldorf Novalis, Piracicaba. Depois estudei até o sétimo ano na Escola Waldorf Novalis.

Após o sétimo ano de estudo o que ocorreu?

Meus pais receberam convites para trabalhar na Alemanha, aceitaram e mudamos para Bonn. Na época eu estava com treze anos.

Pode-se dizer que você estava na adolescência, qual era a sua forma preferida de lazer no Brasil?

Gostava muito, muito mesmo do meu cachorro, o Jack. Outra atração era ir até o Recanto dos Livros, no Lar dos Velhinhos de Piracicaba. Conheci o Recanto dos Livros através de uma colega da escola, a Júlia Frias. Fiquei encantado com o local, todos os sábados eu gostava de ir, e ia por gostar da leitura, sempre gostei muito de ler.

Você tem preferência por algum gênero específico?

Gosto bastante de ficção, histórias de sobrevivência e um pouco de livros com temas policiais do gênero de Sherlock Holmes. Eu estava no sexto ano da escola quando o meu interesse por leitura foi despertado. Foi quando a professora passou a relação de uma série de livros do Pedro Bandeira. “A Droga da Obediência” foi o primeiro. Era para ler e fazer uma prova sobre o livro, só que a Júlia e eu gostamos tanto da leitura que passamos a ler a série inteira, chegamos a ir até São Paulo para conhecer o escritor Pedro Bandeira. Chegamos a montar um grupo na escola para imitar o grupo que era descrito no livro.

Praticava algum esporte?

Sempre joguei volei e fiz natação. Por ter estudado na Escola Waldorf, e o fato de ser uma escola totalmente diferente das demais, ela proporciona atividades de interação que são diferenciadas. A escola quer que você primeiro faça a experência e depois escreva sobre isso, diferente do padrão da escola que quer que você primeiro escreva e depois faça a experência.

Em que dia você mudou-se para a Alemanha?

Foi dia 28 de janeiro de 2016.

Ao saber que iria mudar-se para a Alemanha o que passou pela sua cabeça?

Foi tudo muito rápido. Meus pais ficaram sabendo três meses antes. Acredito que na hora o mais feliz com a notícia era eu. Meu irmão até chorou quando meus pais falaram, ele sabia que iria ter que deixar os amigos dele. Minha irmã também ficou sensibilizada com a notícia, mas eu fiquei muito feliz. Pensei nos meus amigos, mas estava entusiasmado com a idéia de mudar. Conhecer um lugar novo.

Vocês foram para qual cidade da Alemanha?

Fomos para Bonn, ex-capital da Alemanha, próxima a cidade de Colônia que é a cidade maior mais próxima.

Ao chegar, qual foi o primeiro pensamento que lhe ocorreu?

A primeira imagem foi quando o avião estava pousando no aeroporto de Frankfurt e consegui ver um grande número de pinheiros com um pouco de neve. É o mais importante da Alemanha, terceiro na Europa e o nono maior do mundo. Foi muito interessante, nuca tinha visto neve, nem uma floresta de pinheiros. Fomos para uma casa, de alvenaria, a família que nos alugou tinha acabado de reformar, eles foram morar em outra cidade e deixaram tudo na casa, estava mobiliada, ficaram até as bicicletas. No dia seguinte meu pai, meu irmão e eu pegamos as bicicletas e saimos para dar uma volta pela cidade.

É tranquilo andar de bicicleta em Bonn?

É! Aqui no Brasil muitas pessoas reclamam que não existem ciclovias, as ciclovias são ruins. Mas na Alemanha não são todas as ruas que tem ciclovias, não é o meio de transporte principal. Há o costume de andar de bicicleta na rua, para eles a bicicleta é mais respeitada do que um carro. A sinalização de trânsito é a mesma para carros e bicicletas.

O ciclista pode ser multado?

Não pode andar de bicicleta se beber, não é permitido o uso de celular andando de bicicleta, não pode andar pela calçada com bicicleta. Tem ruas em que não são permitidas. Nunca me multaram, mas já vi ciclistas sendo multados, é comum, como a bicicleta não tem placa de identificação a multa é aplicada pelo documento do condutor. São multas pesadas, já vi multa de 300 euros. Se o condutor for atravessar a rua pela faixa de pedestres têm que descer e levá-la caminhando.

A alimentação é muito diferente?

Não é tão diferente, embora tenha sentido falta das comidas brasileiras. A batata está quase sempre presente, praticamente toda carne consumida é a suína. Por exemplo, no refeitório da escola é quase sempre a mesma coisa, mudam muito pouco.

Você deu continuidade normalmente aos estudos?

Quando cheguei era para começar a oitava série, só que lá janeiro é a metade do ano escolar, com isso repeti a metade do sétimo ano. Foi bom por causa do idioma, a aula é em alemão, embora tenha feito curso de alemão no Brasil, o que eu conhecia era insuficiente para entender tudo em alemão. Foi difícil, praticamente fui obrigado a aprender, eu falava alemão ou não falava. Tive que aprender de alguma forma, isso por um lado ajudou, como usei mais o inglês melhorou minha fluência nessa língua, mas atrasou um pouco o aprendizado do alemão.

Quantos alunos freqüentam a sua sala de aulas?

Em torno de 30 alunos. Mais do que a metade não são alunos de origem alemã. Há muitos alunos filhos de pais estrangeiros. Todas as salas de aulas são assim. Isso é comum nas escolas. Pelo menos na minha região tem muitos turcos e muitos árabes. Entro na escola às oito horas da manhã e saio às quatro horas da tarde. O almoço é servido na escola, só que tem que pagar pela refeição. Outra opção é levar o almoço da própria casa, é o que a maioria faz. Mais por uma questão de que a comida que levam é mais saborosa do que a da escola. A escola serve um prato chamado schnitzel, é extremamente popular na Alemanha onde costuma ser preparado com carne de porco parecido com o bife à milanesa brasileiro, pode ser acompanhado com vários tipos de molhos. As vezes vem com batata cozida ou frita. Na escola não tem refrigerantes, não pode levar salgadinhos, não é permitido levar nenhum tipo de doce.

Há prática de esportes na escola?

Temos aulas de educação física, cada mês fazemos um esporte diferente. O forte lá é futebol. Todo mundo joga futebol, como aqui.

O que você achou da cidade de Bonn?

A cidade em si é muito limpa, o centro da cidade é exceção, têm lugares onde há pichações, a Estação Central do Metrô é um pouco assustadora. As demais estações não são assim. A polícia reuniu todos os alcoólatras em um local em cima do prédio da polícia, lá eles consomem o álcool e a polícia tem o controle sobre eles. Apesar de serem-lhes oferecidos todos os tipos de opções para se recuperarem do vício, são alcoólatras por opção. A famosa rádio Deutsche Welle, a sede alemã das Nações Unidas e o Correio Alemão, Deutsche Post, ficam em Bonn, é uma cidade que concentra a sede de muitas empresas também.

Supermercados funcionam como os nossos?

Aqui há um aspecto curioso, Ao passar no caixa tem que tomar muito cuidado para que suas compras não se misturem as do cliente que vem logo atrás. O cliente tem que empacotar tudo muito rapidamente, são mais acelerados porque tem menos funcionários trabalhando, tem que ser tudo muito rápido ou o cliente que está atrás acha que está demorando muito vai a outro supermercado, eles não podem perder o cliente. Nesse aspecto é muito diferente do Brasil onde tem muitos funcionários a disposição do cliente. Lá é muito caro contratar pessoas, por isso contratam o mínimo de pessoas possível. Ao lado de casa tem um supermercado grande com apenas três pessoas trabalhando. Elas limpam, são caixas, abastecem as prateleiras, atendem na padaria, trabalham muito mais do que aqui.

Nesse período em que vocês estão lá, a seu ver estão todos adaptados?

Acredito que é muito pouco tempo para afirmar alguma coisa. É uma cultura muito diferente da cultura brasileira.

Já foi ao cinema na Alemanha?

Já fui, tem vários cinemas na cidade, é diferente de Piracicaba, onde o cinema fica dentro do shopping. Boon é uma cidade com cerca de 300 mil habitantes, tem cinco cinemas. A cidade de Colônia tem cerca de um milhão de habitantes e fica só a 30 minutos de Bonn. As pessoas vão de trem para lá. Mesmo tendo carro o trem é mais utilizado. Em Colônia há shows, festas.

Você já fez viagens para conhecer outras regiões?

Há muita facilidade de locomoção seja por ônibus, trem ou avião. Um aspecto interessante é que às vezes o trem sai mais caro do que o avião, pelo conforto que oferece, o passageiro pode locomover-se dentro do trem, tem restaurante, vários banheiros maiores do que os de avião. Outro aspecto interessante é que têm uns cinco tipos de trem, um que é rápido, outro mais lento, os de trajeto curto.

O transporte aéreo é atraente em termos financeiros?

Muito! Posso pegar um trem e ir até o aeroporto que fica entre Bonn e Colônia. Pago 10 euros (ao câmbio do dia da entrevista R$ 37,00)  pela passagem aérea para a Itália. O pessoal do Brasil comenta que eu viajo muito lá, mas é que é barato. A oferta de várias opções de transporte torna-o barato. E é tudo muito próximo.

Nesse seu processo de reconhecimento do país você observou se na Alemanha há diferenças de cultura de uma região para outra?

Há! Começa pelo dialeto. Cada região tem um dialeto. Os jovens quase não falam dialetos, são mais as pessoas idosas.

Você consegue entender dialeto?

Não! É bem mais difícil. Quem fala dialeto também fala alemão, mas com sotaque. A Alemanha inteira fala o alemão, só que também cada região tem um dialeto.

A imagem que muitos têm da Alemanha é de um país muito bonito e perfeito, sem nenhum tipo de problema.

Como qualquer lugar, só mostram as imagens boas. No Brasil quando divulgam o Rio de Janeiro mostram o Cristo, a praia.

E com relação a segurança?

Eu me sinto mais seguro em andar a noite, às vezes até uso meu celular. Mas já furtaram a bicicleta da minha irmã, mesmo dentro de escola há furto, principalmente de celular.

Como os alemães olham os estrangeiros?

Depende muito da pessoa, tem muitos que são bem acolhedores, alguns têm um pouco de preconceito, isso por parte das pessoas mais velhas.

Os shoppings são iguais aos nossos?

Na Alemanha não é como no Brasil. Aqui os shoppings estão em toda parte, lá há poucos shoppings em uma cidade grande tem um ou dois no máximo.  Em Bonn não tem nenhum. Eu acredito que lá as pessoas se sentem seguras andando no centro como em um shopping.

Quais países você já visitou nesse período de tempo que está morando na Alemanha?

Fui para a França, Portugal, Inglaterra, Holanda e Espanha. Na França fui para Estrasburgo, fica bem próxima a Alemanha e já pertenceu ao território alemão. Na Holanda conheci Amsterdã, gostei muito da cidade.

É como vemos nas fotografias?

É muito bonita com seus canais, arquitetura, mas também tem os lugares feios, como em todos os lugares. De Bonn até Amesterdã são apenas duas horas de trem. A Espanha é totalmente diferente da Alemanha. Achei até meio parecida com o Brasil. Barcelona achei parecida com São Paulo. Uma calçada na Espanha não é tão certinha como na Alemanha. Portugal achei bem semelhante com o Brasil.

As formas de cumprimentar no Brasil e na Alemanha são diferentes?

Acho que nunca abracei ninguém lá que não fosse da América do Sul ou alguém da nossa cultura. O tratamento dado às pessoas que você não conhece é Herr (senhor) ou Frau (senhora), se for da minha idade é Du (você). Quando me dirijo a uma professora tenho que chamá-la de senhora a acompanhado do sobrenome  (Frau Bloch por exemplo). Nunca pelo nome. Eu acho que isso afasta um pouco as pessoas. Lá sou chamado pelo professores como “você Tomas”. Quando a professora faz a chamada para computar a presença é pelo sobrenome “Bacchi”. Nesse ponto senti uma grande diferença, aqui eu conversava com os professores, fora do trabalho deles. Percebi muito que colega aqui é aquele que você fala um “oi” no corredor se fizer a mesma coisa lá. já é amigo. Um amigo aqui, lá é o melhor amigo.

Eles têm alguma curiosidade com relação ao Brasil?

Não! Lá tem tantos estrangeiros que se ficassem perguntando a cada um sobre o seu país iria levar muito tempo fazendo isso. Aqui é diferente, se vem um estrangeiro todo mundo acolhe, quer saber.

E televisão?Você assiste?

Lá tem muitos jornais em inglês, por causa dos estrangeiros, têm muitos estrangeiros, a maioria deles não fala alemão. Muitos vão a busca de uma vida melhor, outros por causa do trabalho, tem muitas empresas cujas sedes estão lá. Há muitos muçulmanos. Na minha classe quando temos aula de religião no mesmo horário temos aulas de filosofia, quem não pode participar da aula de religião cristã têm que ir para a aula de filosofia. Percebo que a classe divide-se mesmo, é bastante gente.

Você visitou museus?

Na minha cidade há muitos museus pelo fato de ter sido capital da Alemanha. Um deles é o Museu da História da Alemanha.

Hoje você fala quantos idiomas?

Português, Inglês, Alemão e Espanhol que estou aprendendo na escola. Para ler como hobby leio em português, quando fui levei vários livros, agora ganhei alguns, vou comprar outros, e em Portugal também comprei alguns livros.

Você já tem uma visão da profissão que vai seguir?

 Ainda não. Percebo que a escola incentiva muito para que o jovem tome essa decisão quanto mais cedo possível. Estão sempre nos levando a um departamento do Estado, fazemos pesquisas sobre trabalhos, respondemos a muitas perguntas, para saberem do que você gosta e consegue fazer. A escola quer preparar o profissional. No início eu achava que era uma análise muito precoce, mas hoje percebo que é uma forma importante de encaminhamento profissional.

Qual é a fruta mais comum no país?

Acredito que é a maçã, ela está presente tanto no verão como no inverno. Há muitos tipos de maçã. Há muito sorvete, em toda esquina tem uma sorveteria. No inverno algumas abaixam o preço, outras viram lojas de agasalhos. Na região em que estou no inverno não cai muita neve, cria uma camada de dois a três centímetros no máximo. Isso por um ou dois dias. Muito frio e pouca neve.

Vocês cozinham comida brasileira em casa?

Temos muito pouco tempo, só aos finais de semana e nem é todo final de semana. As vezes a gente cozinha, mas não é mito comum.

No Brasil vivemos uma onda de bailes funk, há alguma coisa semelhante na Alemanha?

Eu percebo que o funk aqui lá é um rap alemão. Nem todo rap alemão é como o funk, mas um determinado tipo é como funk.

Após um ano e meio na Alemanha o que você achou do Brasil?

Gosto muito do Brasil, e em minha opinião sou muito brasileiro. Escuto todo mundo falando em política, da crise, que está horrível, que bom que você foi para lá mesmo. Todo mundo quer sair do país. Mas lá também tem coisa ruim. Todo mundo diz: “Lá é maravilhoso, é perfeito!”. Mas não é assim! Tem coisas ruins em todos os lugares do mundo, a pessoa que vai a passeio acha maravilhoso, é diferente de morar. Completamente diferente. Acho que no Brasil nos diminuímos muito sem motivo nenhum. Quando você sai do Brasil  passa a valorizar muitas coisas que antes aqui não eram tão valorizadas. Tenho colegas de escola que não podem voltar ao país deles, seja por estar em guerra, ou podem serem presos. Não são todos os colegas que podem fazer isso, vir aqui, visitar os amigos. Às vezes nem internet tem.

 

 

VERA CRUZ DE FIGUEIREDO DOS SANTOS ASSOCIAÇÃO VIVA A VIDA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 05 de agosto de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/





ENTREVISTADA: VERA CRUZ DE FIGUEIREDO DOS SANTOS

                                             ASSOCIAÇÃO VIVA A VIDA

Vera Cruz de Figueiredo dos Santos nasceu a 3 de maio de 1953, na cidade de Cabo Verde, sul de Minas Gerais. É filha de João Paulino de Figueiredo e Tereza Rodrigues de Figueiredo que tiveram nove filhos: José, João, Antonio, Maria Aparecida, Helena, Pedro, Paulo, Francisco e Vera. Seu pai era agricultor, tinha uma fazenda. Tirava leite, colhia café. Vera Cruz de Figueiredo dos Santos é presidente da Associação Viva a Vida, que atende pessoas que tiveram câncer de mama. A entidade fica a Rua José Pinto de Almeida, 824, no centro, o telefone é 34337396, atende ao público de segunda a sexta feira das 14 horas até 17 horas.

Como era a vida na fazenda onde passou sua infância?

Na minha casa fazíamos de tudo, naquela época usava monjolo, fazia de tudo, farinha de milho, fubá, limpava café, arroz, tudo no monjolo. Foi uma infância maravilhosa. Na fazenda havia uma escolinha rural, a minha irmã mais velha que dava aula, meu tinha a fazenda e uma casa na cidade onde nós ficávamos para estudar. Até a quarta série estudei no Grupo Escolar Major Leonel. Depois estudei no Colégio Estadual de Cabo Verde até concluir o magistério. Fiz a Faculdade de Ciências Contábeis em São João da Boa Vista. Eu morava com uma irmã em Águas da Prata. Trabalhei em Poços de Caldas em uma revendedora de automóveis Chrysler, a Sul Minas Automóveis. Nessa época eu tinha de  22 a 23 anos.

Você não exerceu o magistério?

Eu só passei a dar aulas quando vim para Piracicaba.

Seus pais permaneceram na fazenda?

Permaneceram. Eu vim para Águas da Prata para ajudar uma irmã, ia e voltava todos os dias para Poços de Caldas. Naquele tempo tinha muita criação de gado, plantação de café. Cabo Verde era uma cidade rica, havia muitos fazendeiros.  Meus avôs maternos José Sebastião Rodrigues e Maria Clementina moravam em Poços de Caldas. Mudei para São João da Boa Vista onde trabalhei na Santa Casa de Misericórdia daquela cidade. Fui trabalhar no atendimento do pessoal do Iamspe, fazia o cadastro das internações.

Ali você passou a atender um público completamente diferente.

Era um relacionamento muito diferente, nessa época eu tinha que fazer faculdade em São João da Boa Vista. Fiz a Faculdade de Ciências Contábeis. Minha mãe adoeceu, ficou internada nesse hospital, eu trabalhava o dia todo e a noite dormia como acompanhante dela. Ela faleceu, eu não me sentia mais disposta a permanecer no hospital. Soube que tinha uma vaga no Banco Itaú de Águas da Prata, fiz o teste em São Paulo, passei a trabalhar no banco onde permaneci por cinco anos.

Você conheceu seu marido no banco?

Eu conheci na faculdade meu futuro marido José Roberto Carvalho dos Santos, natural de Pirassununga. Ele trabalha na Secretaria do Governo Municipal de Piracicaba. Nós namoramos o tempo todo da faculdade, nos formamos, depois eu estava em Águas da Prata, decidimos casar, nos casamos na Igreja Nossa Senhora de Lourdes em Águas da Prata, foi em 9 de fevereiro de 1980. Em seguida viemos para Rio Claro. José Roberto como sub-gerente da Caderneta de Poupança A.P.E. , de lá ele foi transferido para Piracicaba, a A.P.E. ficava na Rua Governador Pedro de Toledo, próxima a loja Ao Cardinalli. Tinha então uma atração que o público ficava fascinado, era a máquina de contar moedas! Distribuíam cofrinhos e depois recolhiam com as moedinhas. Na época a Selma Ferrato trabalhou com ele ali. A Antonia Amaral também trabalhou lá.

Vocês tiveram filhos?      

Tivemos três filhas: Vanessa, Valéria e Veridiana. Em decorrência das atividades profissionais do meu marido a cada dois anos mudávamos de cidade. Nessa época eu tornei-me dona de casa e mãe de três filhas. Não tinha como trabalhar fora de casa.

Em que ano vocês voltaram à Piracicaba?

Voltamos em setembro de 1989, ele como gerente do Banco Econômico, ao lado da Catedral de Santo Antonio. Minhas três filhas estudaram no Grupo Escolar Moraes Barros, e por coincidência, embora em épocas diferentes, com a mesma professora: Hilda Castilho. Em 1990 o Presidente Collor foi eleito, meu marido José Roberto foi transferido para Dourados, Mato Grosso do Sul. Decidimos permanecer  em Piracicaba. Decidi me inscrever na Delegacia de Ensino para lecionar, a primeira escola que me chamou foi a Escola Estadual Francisca Elisa da Silva, no Jardim Monumento. Eu morava na Rua Capitão Antonio Correa Barbosa, abaixo do SESC.

Esse período foi muito difícil para a economia do país, o governo bloqueou os valores depositados nos bancos.

Foi difícil para todo o mundo. Havia dias que eu ia a pé da minha casa até o Jardim Monumento. Dei aula uns doze anos. Fui transferida para a Escola Estadual Dr. João Sampaio, localizada em uma rua paralela a Avenida Raposo Tavares.

Como era o comportamento dos alunos?

Um ou outro aluno tinha comportamento diferenciado dos demais, a maioria era bem comportada. Nessa escola permaneci de 1994 a 1998. A diretora era a Giselda Ercolin. Fiz grandes amizades naquela escola. Foi uma benção. Em seguida fui para a Escola Estadual Professor Manassés Ephrain Pereira no Jardim Monte Líbano, onde permaneci por mais quatro anos. Além de dar aulas eu fazia salgados para vender, dia e noite. Umas tortas lindas que eu enfeitava, uma tortinha individual, menor para festas e nas quentinhas para vender. Fiz tortas por uns 10 a 12 anos. Vendia na cidade inteira, nas lojas de conveniência, algumas casas famosas de frios finos de Piracicaba. Clubes que adquiriam para festas. Minhas meninas e eu que fazíamos, meu marido ajudava muito nas entregas. Tinha noite que assava torta a noite inteira, desligava o forno, tomava um banho e ia dar aula.

O que aconteceu após quatro anos?

Descobri que estava com câncer. No carnaval de 2001 fiz muita torta para o Clube Cristóvão Colombo, quando terminei de embalar tudo, aquelas formas todas branquinhas, a última caixa que peguei, tinha chovido, eu escorreguei e cai. Quebrei o cotovelo. Estava doendo muito, mas eu não sabia que tinha quebrado. Fiz a entrega em seguida fui tirar o Raio-X. Saí com o braço engessado. Só que acho que bati a mama no chão e não percebi. Na minha família ninguém teve câncer. Fiz várias ultrassonografias, várias mamografias, não acusava nada, mas depois a mama inchou, ficou com mastite crônica, endureceu, parecia uma pedra.

Você sentia alguma dor?

Não doía, só ardia. Às vezes ficava quente. Escamando, saindo uma pelezinha. A roupa não incomodava. Nunca passou pela minha cabeça o que de fato poderia ser. Ao tocar não sentia dor, mas eu notava que a mama estava dura. A princípio o próprio médico que me atendia dizia que não era nada demais. Até o dia em que ele achou que eu deveria passar em outro médico.

Qual foi a sua reação?

Achei que era normal. Fui ao CESM - Centro Especializado em Saúde da Mulher da Secretaria Municipal da Saúde de Piracicaba situado a Rua Santa Cruz, 2043 – Paulista Telefone: 3434-6966 fui atendida pelo Dr. Alexandre Paulino da Costa, no primeiro atendimento ao me examinar a fisionomia dele mudou. Disse-me: “- Vera, você vai ter que fazer um exame, de punção,  tenho que interná-la em um hospital”. Deu-me um calhamaço de exames para fazer, assim que estivesse com os resultados eu deveria levar para ele ver. Fiz tudo pelo SUS. Fui muito bem atendida. Quando chegou o resultado não tinha dado nada, na punção quando foi retirado o líquido. Dr. Alexandre viu o resultado, mas achou que mesmo assim eu deveria ser internada. Disse que iria fazer uma biopsia. Nem assim passou pela minha cabeça que poderia ser câncer. Na época não havia a divulgação que existe hoje, para prevenção e tratamento. Quem tinha feito essa cirurgia não comentava com ninguém. Isso em 2001 ! Dia 3 de maio foi meu aniversário, minhas amigas foram em casa, elas já desconfiavam, eu não ! No dia 4 de maio, quando Dr. Alexandre viu o exame, disse: “ – É mesmo!” e saiu rápido da sala, deixando e exame sobre a mesa, tinha umas seis palavras com termos técnicos da medicina , entre elas: Carcinoma Infiltrante da Mama. Quando li carcinoma é que tomei consciencia do mal que me acometia! Pensei; “-Nossa, estou com câncer de mama!”. Nisso o médico voltou, passou uma série de procedimentos que eu deveria fazer, marcou a cirurgia, Só que eu tinha que fazer um tratamento antes. Fiz três quimioterapias, uma a cada 21 dias, para depois operar. Fiz a cirurgia dia 19 de julho de 2002. Tive câncer em um seio, foi tirada a mama toda e a axila

Você acredita que aquele primeiro médico, poderia ter tomado uma providência assim que a atendeu?

Eu voltei ao Iamspe, falei com o médico, chorei muito, disse-lhe que nunca tinha imaginado que ele pudesse ter negligenciado com a minha saúde. Disse-lhe que ele poderia ter me avisado de que poderia ser outra coisa.

A seu ver porque ele não foi mais rigoroso em seus exames?

Pode até ser pelo volume de pacientes que ele atendia.

Após a cirurgia, como  ficou o seu estado psicológico?

Eu com três mocinhas, coincidiu das três quase ao mesmo tempo ficarem desempregadas, a mais nova tinha 14 anos. Quando percebemos estávamos todos em casa! Nessa época eu morava na Rua Campos Salles ao lado do então Frios São José, do Seu Valdir e Dona Lina. Moramos ali por 10 anos, eles comercializavam muitos salgados que fazíamos. Até hoje os filhos dele mantém vinculo de amizade com o meu marido.

Você tomou remédios pesados.

Após a cirurgia fiz mais nove quimioterapias. E 28 radioterapias. Nesses anos que se passaram houve uma evolução muito grande com relação aos medicamentos. Fiquei careca um ano e dois meses. Eu não tinha vergonha. Não usei peruca, não usei nada. Usei um chapeuzinho de crochê. Ia fazer quimioterapia, radioterapia de ônibus.

Como você descobriu a Associação Viva a Vida?

Quando operei foi uma pessoa chamada Azize na minha casa. Ela era operada também. Através dela fiquei sabendo da Associação Viva a Vida. Logo depois da minha cirurgia eu decidi ir até a Associação. Para chegar ao andar superior havia uma escada de madeira, que dava até certo receio em subir. Lá em cima tinha as próteses de silicone, em algodão, ofereceram lenços para cabeça, eu não quis. E ofereceram a prótese.

Quem fundou a Associação Viva a Vida?

A fundadora é Dona Wilma Godoy de Almeida. Ela fundou a entidade na casa dela, dedicou 28 anos da sua existência a Viva a Vida.  Ela percorreu muitas cidades para fazer palestras sobre câncer de mama. Divulgou muito os cuidados que ela tinha tido. Ela fazia umas próteses de alpiste e painço, ficava cômodo e confortável. O Dr. Sergio Bruno Barbosa do Instituto de Mama de Piracicaba em nossas reuniões dizia que ela media a mama da pessoa com a mão, para fazer a prótese. Como ela tinha tido câncer de mama aos quarenta anos, ela queria orientar as pessoas.

O câncer de mama pode ocorrer em homens heterosexuais ?

Pode sim! Já apareceram dois casos aqui. Por isso é necessário apalpar uma vez por mês, faço palestras nos bairros, comunidades. Levo um farto material para ilustrar.

Existe uma faixa etária em que a incidência do câncer de mama surge?

Há quem estime que ocorra após os quarenta anos, mas não é não, aqui aparecem pessoas com vinte, vinte e dois e até de dezesseis anos.

A origem é genética?

Também, mas pode ser uma tristeza, uma raiva, um rancor. Uma pessoa mal humorada. Álcool. Tabaco. Tudo isso causa câncer.

A seu ver doença é um reflexo do fator psicológico?

Eu tive alguns períodos de muita tensão. Principalmente após o falecimento do meu pai. Descobri que tinha a doença seis meses após ele ter falecido. Foi um abalo muito grande, ele tinha ficado em casa três meses. Embora tivesse 82 anos era uma pessoa super saudável. 

O prédio da Associação é próprio?

É da prefeitura. Só que nós pegamos em péssimo estado. Fizemos uma promoção muito grande com o apoio do Vereador Capitão Gomes, a renda deu para fazer uma reforma muito bem feita. A filha da Dona Wilma é a arquiteta Katia Marques, da Imobiliária São Judas, ela higienizou tudo, ajustou as instalações, o setor de baixo todinho é o brechó, é a nossa sobrevivência, não tem dinheiro de doação de ninguém, a Dona Arlete Negri comanda a parte de artesanato, as mulheres vem bordar. Pagamos luz, água, esgoto. Somos todos voluntários, em torno de 40 pessoas, atendemos a saúde.

Quantas pessoas operadas vocês atendem aqui na Associação?

Todas que passaram por cirurgia, em média 35 pessoas por mês, ou seja, 420 ao ano. Foras as palestras e ações externas que realizamos.

Vocês fazem um acompanhamento da pessoa após a operação?

Temos uma psicóloga voluntária, a Luciana Eduardo, duas fisioterapeutas a Maria Cláudia e a Ana Lúcia Pacheco.

Pessoas carentes vocês atendem muitas?

Fazemos uma triagem, sendo comprovada a renda da pessoa, residência, fornecemos uma cesta básica. Isso além de lenços, perucas, próteses. Todo ano fazemos o “Outubro Rosa”, a conscientização da necessidade de exames periódicos e o tratamento em uma fase inicial têm ocorrido, as mulheres hoje estão mais atentas para os primeiros sinais da doença. Tenho procurado divulgar todo tipo de informação sobre câncer de mama nos bairros da periferia, postos de saúde. Levo folders, cartilhas, tudo material que alguém patrocina a impressão. Levar a informação é um fator primordial, sentimos que não existe divulgação, as pessoas não sabem que existem essas doenças graves.

 

 

NELSON CARRANO TORRES


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Terça Feira 01 de agosto de 2017.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: NELSON CARRANO TORRES

 


Nelson Carrano Torres nasceu em Piracicaba a 6 de janeiro de 1943, filho do conceituado Dr. Alcides Di Paravicini Torres, engenheiro agrônomo, professor, pesquisador e Severina Carrano Torres (Nena) professora de formação, assim que casou-se deixou de lecionar. Nelson Carrano Torres é o diretor da Agência Torres Passagens e Turismo, mais conhecida como Agência Torres. Foi entre muitas atividades Secretário Municipal do Turismo de Piracicaba na gestão do prefeito Humberto de Campos. É vice-presidente da Associação dos Municípios de Interesse Cultural e Turístico de São Paulo (AMITUR). É o presidente fundador da Associação das Agências de Viagens Independentes do Interior do Estado de São Paulo (Aviesp).

O senhor morava dentro do campus da Esalq?

O meu pai foi catedrático de zootecnia, cientista, foi diretor da Esalq por três vezes, é do meu conhecimento que foi o única vez que a Esalq teve o mesmo diretor por três vezes. Naquela época a então Escola Agrícola, como era denominada, era afastada do mundo, fazia-se uma verdadeira viagem para chegar até lá. Tiveram seis filhos: Flávio, Flávia, Paulo, Nelson, Alcides e Guilherme. Meu pai foi assistente de Nikolay Atanasoff, deu aula na seção dele de zootecnia e foi continuador da sua obra. Com a saída do Dr. Atanasoff meu pai assumiu a cátedra. O Dr. Atanasoff praticamente foi o implantador da zootecnia na Esalq, ele chegou com conhecimentos que estava trazendo da Bulgária e da França. Meu pi foi fundador do Rotary Club de Piracicaba e o Atanasoff frequentou o Rotary daqui. Eu tenho parentes que foram cafeicultores no sul da Bahia, meu tio tataravo foi o Barão Di Paravicini, a origem Di Paravicini é suiça. Nessa última vez que fui àBahia estive na casa da Maria Machadão. Ali era o encontro dos latifundiários. Fui olhar ao lado da cabeceira dela, fizeram uma vitrine, lá dentro tinha um livro, era o livro do Nikolay Atanasoff !

Foi um privilégio muito grande morar na casa do diretor da Escola de Agronomia?

O meu pai concluiu a construção da casa do diretor da Esalq. Nós moramos em uma casa que foi construída na décima quarta cadeira de zootecnia, que o pessoal chama de aviário. Não existia essa parte da Esalq, ela foi adquirida pelo Governo do Estado, posteriormente a doação feita por Luiz de Queiroz, em 1939 acharam por bem desapropriar uma área, onde era a Vila Boyes, que ia até o Rio Piracicaba. Antes disso foi acertado com o meu pai para ele desbravar aquele mato, ali era mato fechado. Meu pai construiu uma casa para nós morarmos, casas para os funcionários do aviário, salas onde ele dava aulas, ele foi praticamente um desbravador daquela área. Isso foi no ano em que nasci. Mudamos para a residência recém construída em 1943 onde morei por 30 anos, até a aposentadoria de meu pai.

O meio de transporte para a “cidade” era o bonde?

Até as onze horas da noite era o bonde. Se perdesse o último bonde tinha que vir a pé. Quando era o horário de pico eles colocavam um segundo vagão ou reboque tracionado pelo bonde. Como era praticamente a única forma de transporte, o bonde professores, alunos.

O seu pai teve automóvel?

O meu pai tinha.  Na Escola de Agronomia tinha no máximo uns dez automóveis. Os dois primeiros anos eu estudei em uma escola rural que havia na Escola da Agronomia para os filhos dos moradores. Não havia separação entre as crianças, era uma família. Nessa época, meu pai tinha sob sua supervisão uns quarenta funcionários, a minha vida foi junto com os filhos deles. Para nós aquilo tudo foi um paraíso. Depois que saí da escolinha, comecei a estudar no Grupo Escolar Morais Barros e posteriormente no Colégio Piracicabano.

Da Escola Agrícola até o Grupo Escolar Moraes Barros qual era a condução que o senhor utilizava?

Eu ia de charrete. Com essa idade não era possível ir sozinho, ia com o charreteiro, ele me trazia eu voltava de bonde. Eu pegava o bonde no ponto, atrás da catedral, atravessava o jardim, passava pelo então Teatro Santo Estevão. A seguir passei a estudar no Colégio Piracicabano. Ia de charrete, voltava de bonde, ou ia a cavalo.

O senhor ia estudar no Colégio Piracicabano, situado a Rua Boa Morte, em pleno centro de Piracicaba, montado em um cavalo?

Chegava ao colégio, amarrava o cavalo, ele ficava pastando, tinha bastante gramado atrás do colégio. Era uma égua mansinha, chamava-se “Cigana”. Não aborrecia ninguém. Para os meus passeios aos sábados e domingos eu usava o “Chavequiar”, era um garanhão árabe. Para vir com ele para a cidade tinha que dar umas quatro ou cinco voltas para ele acalmar um pouco.

Tinha outros alunos que iam a Colégio Piracicabano montados a cavalo?

Só eu que, ia cavalo!

Além de andar a cavalo o senhor praticava algum esporte?

Eu era remador. A primeira atividade empresarial que tive foi fabricar sandolin. Fiz uns 20 e poucos sandolin.

Era um pouco exótico um aluno ir assistir as aulas em pleno centro montado em um cavalo?

Era um pouco exótico, mas não muito. O Colégio Piracicabano nessa época tinha o internato masculino e feminino. Noventa por cento dos internos eram filhos de fazendeiros, oriundos do Mato Grosso, Paraná. Era a elite. Hoje estamos falando do agro-negócio, a elite naquela época era denominada de “fazendeiros”. Para eles um cavalo era uma figura comum. O resto da cidade também estava acostumado com a circulação de animais pela cidade, havia carrinhos de tração animal que entregavam pão, leite. Estamos nos referindo aos anos 50, havia bebedouros para cavalos em frente a Estação Sorocabana, Estação Paulista. Não era usual o aluno ir a cavalo para escola porque não tinham o animal e todos moravam na cidade, moravam perto do Colégio.

Lembro-me do Sebastião, do Seu Urias. O Sebastião além de bedel tomava conta do internato masculino, pessoa fantástica. Tive aulas com grandes mestres: Arquimedes Dutra, Demóstenes Correa.  Benedito de Andrade foi meu professor e amigo, ele dava aula para mim no colégio e depois na Brasserie. Um fato curioso é que Benedito de Andrade falava alguns idiomas e eu também então falavamos em algum idioma diferente só para convencer os freqüentadores da nossa mesa. A nossa mesa sempre foi a mesa 10. Na nossa mesa sentavam pessoas que falavam diversos idiomas, ou seja, mais de quatro idiomas, faziam parte dela o médico Galaor Araujo Filho, Dr. Jardim,  e outros, todos eles muito modestos. Tínhamos uma nobre e sábia figura que apreciava muito as empadas da Brasserie. Entrava apenas para comprar uma empada. O detalhe é que tinha que ser a empada que ele escolhia. Pela importância da pessoa e a situação inusitada, cada vez que ele entrava, como por milagre, fazia-se silêncio e todos convergiam os olhos para aquela importante figura e sua detalhada escolha. Era um espetáculo imperdível.  Os proprietários da Brasserie eram o Zica, João, Giba e Ineizinha.

Ao lado da Brasserie existia o Restaurante alvorada, de Oscar Nishimura, você chegou a conhecê-lo?

Ele morava no apartamento no andar de cima do meu apartamento. Freqüentei muito o Alvorada. Tinha uma pizza excelente. A Joana, sua filha foi minha colega de classe.

Na Rua do Rosário havia a entrada para um centro de esportes do Colégio Piracicabano, com quadra coberta, piscina.

A piscina era o Sebastião quem tomava conta. Era a única piscina da cidade. Nós que fomos alunos naquela época mantemos contato até hoje, às vezes nos reunimos 20 a 30 colegas em uma chácara.

O professor Gustavo Jacques Dias Alvim é dessa época?

O Gustavo foi meu professor, o pai dele era amigo do meu avô, Dr. Alcides Torres, ambos eram médicos. Dr. Alcides Torres foi clínico, professor da Faculdade de Farmácia que havia em Piracicaba. Foi professor na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro. A defesa de tese do meu avô era sobre ferimentos de projéteis (balas) na Guerra dos Canudos da qual ele participou. Ele era do corpo médico. Em 1932 meu avô foi para frente de batalha, Walter Accorsi foi ferido na coxa com um tiro de fuzil. O Dr. Walter Accorsi toda vez que me encontrava contava a história de que em outra ocasião o meu avô havia salvado a vida dele. 

Os seus estudos continuaram no Colégio Piracicabano?

Fiz o ginásio e o científico no Colégio Piracicabano, estudei alguns anos no Sud Mennucci. Meu pai não gostava muito que eu viesse de cavalo para a cidade, ele me ajudou a comprar uma motocicleta. Foi uma Excelior 98cc, comprada do Agenor Canobello em 27/12/1957 quando eu tinha 14 anos, custou Cr$ 11.500,00. Para essa cilindrada da motocicleta não era exigida a carteira de motociclista. Tinha em Piracicaba um pessoal aficionado por motocicleta, gostávamos da motocicleta pela sua mecânica, como máquina. Toda motocicleta que eu comprava eu a desmontava, depois montava novamente, eu gostava muito de mecânica. Participei de corridas de motos em Interlagos, Piracicaba, Londres. Fui proprietário de mais de 60 motos, adquiria, usava, vendia. Tive todos os modelos da BMW, sendo que a mais antiga foi uma de ano 1938. Depois 1948, 1951.Tive algumas Harley Davidson, quando falo que tive algumas, é que ia trocando, vendia uma e adquiria outra. Em função dos meus recursos, as primeiras eu adquiri em leilões da Polícia Rodoviária. Eram sucatas, reformava, fazia com que ela ficasse em bom estado. São máquinas boas, em média 400 quilos cada uma, a minha  segunda moto foi uma Zundapp – 1.939, 250cc comprada de Miguel Sanchez.. É uma máquina alemã, muito utilizada na Segunda Guerra Mundial. Tive várias Zundapp, uma delas era de 1.000 cilindradas, quatro cilindros. Por sinal era uma máquina que puxava um Sidecar para metralhadoras. O Sidecar eu deixei. Comprei só a moto, imaginei o que iria fazer com um trambolho daqueles. Se eu tivesse recursos teria segurado, Mas como estava querendo andar mesmo, o sidecar atrapalhava. Tive Maserati que na época era rara também.

Piracicaba tinha muitas motos?

Nós tínhamos um clube, inclusive fui eu que fundei.  Sou um dos fundadores do Piracicaba Moto Clube. Pircicaba foi a cidade do interior que teve o maior número de motos Indian.

Tem uma fotografia muito interessante do Anísio (do estacionamento de carros) em pé sobre uma motocicleta em movimento.

O Anísio é parceiro meu! A “nossa pista” era na Avenida Carlos Botelho, em chão batido de terra. Eu morava ali perto, na Escola Agrícola, e o Anísio morava no maio da Avenida Carlos Botelho, por coincidência em frente a casa do Mineiro (Nilson), que era o melhor mecânico de motos que havia no Estado.

Quantos associados faziam parte do Moto Clube de Piracicaba?

Tínhamos uns quarenta motociclistas.  Alguns dos que faziam parte eram o Pedro Santos que tinha uma Indian, O Loirão (Anísio) tinha uma Indian, tive Indian, Harley.

E a Jawa era uma moto que fazia sucesso?

A Jawa era uma das melhores motos, mas era uma moto muito civilizada, por sinal antes de eu ter a minha moto a minha irmã tinha uma moto Jawa 250 isso é uma raridade também, na cidade mulher não andava de moto, e a minha irmã Flávia foi uma das pioneiras. Eu tive diversas motos Jawa também: 250; 175; 350 eram feitas na Tchecoslováquia, era uma moto muito boa e não era cara.

Todas com tração com corrente?

Das que eu tive, a BMW e a Zundapp tinham tração com cardan. A Zundapp e a BMW eram de fabricação de 1938, já com cardan. Eram motocicletas que tinham alguns avanços que o restante do mundo foi conseguir quarenta anos depois.

Quais eram os locais para os quais vocês iam passear com as motos?

O nosso ponto de encontro era em frente da bomboniere do Seu Passarella. Fazíamos “ponto” também em frente ao INCO - Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina, ao lado da Cafeteria Nova Aurora, parávamos um pouco adiante do Passarella, em frente a Escola Cristóvão Colombo, a Escola do Zanin. Atualmente ali é parte do estacionamento do Bradesco. Parávamos ali, 20, 30 motos.

Qual era a reação das demais pessoas com relação a tudo isso?

Como proporcionalmente a população o número de motocicletas era pequeno, de certa forma o motociclista era visto como um sujeito excentrico. Não era considerado como um veículo de transporte e sim como uma excentricidade.

Andavam com capacete ou sem capacete?

Não existia capacete, luvas, nem óculos.

E nas estradas de terra?

Ia no peito mesmo! Às vezes algum inseto atingia o olho, o mais comum era usar um óculos normal como proteção para os olhos. No nosso grupo havia dois ou três participantes que usavam capacete de couro que eram utilizados pelos pilotos de avião durante a Segunda Guerra Mundial, mas era mais para compor um visual do que para proteção. O Mineiro tinha um capacete de couro, assim como o Roni Leite do Canto, que era outro expert em mecânica, ele também dava assistencia técnica para o revendedor Lambretta de Piracicaba, que  era o Cadiolli, ficava na Rua XV de Novembro.  Naquele tempo quase ninguém usava capacete, as estradas em sua grande maioria era de terra, só a estrada que ia para São Paulo que tinha um pedacinho asfaltado,  a velocidade nossa em viagem não era excessiva, o pessoal gostava muito de Indian, Harley, BMW que eram motos estradeiras, pneu largo.

Qual era o horário mais comum para essas viagens?

Costumavamos viajar a noite, reuniamos ali em frente ao Zanin e inventava ali pelas tantas: “Vamos para Poços de Caldas?”. Íamos para Poços de Caldas, lá havia uma vida noturna muito animada. Ficávamos lá até de madrugada, chegava umas cinco, seis horas da manhã voltávamos. Daqui até Poços de Caldas eram cerca de 150 a 160 quilômetros. Iamos parando, se divertindo.

Duas coisas perigosas são a poeira e a chuva. A poeira pela derrapagem e a chuva pelo risco que oferece a lama.

Procurávamos viajar com tempo bom. Quando chovia, paciência! Os primeiros pingos só que são um pouco confusos. Depois se acostuma. Íamos muito para São Paulo, nosso destino era a Rua Augusta.

Um artista, apresentador, comediante, apaixonado por motocicleta, o Jô Soares, ele também era freqüentador da Rua Augusta com sua motocicleta.

Era meu companheiro de BMW! Andamos muito cada um com sua moto. Ele fazia ponto em frente ao Bolinha. Havia dois locais que freqüentávamos, o Bolinha, onde comíamos a famosa feijoada e outro era o Pandoro, onde tinha o tradicional Caju Amigo, uma bebida suave a base de caju.Nós começamos a freqüentar a Rua Augusta uns dez anos antes do Jô Soares aparecer por lá. Quando ele começou a freqüentar a Augusta ele tinha uma moto igual a minha, BMW R69S, essa moto foi lançada em 1974, freqüentávamos a Rua Augusta próximo a atual Avenida Faria Lima. Freqüentávamos a Rua Augusta inteira, tinha muitos restaurantes bons, o Gigetto, Babo Giovanni, casas de shows, em frente ao então Hotel Ca'd'Oro, que infelizmente encerrou suas atividades. Quando encerrou o ciclo da Rua Augusta começamos a frequentar a Nestor Pestana, onde tem o Teatro Cultura, o Kilt, este último encerrou também suas atividades recentemente.  

Você chegou a conhecer a famosa casa noturna “La Licorne”,frequentada por personalidades nacionais e internacionais como  o diplomata americano Henry Kissinger, figura proeminente na política externa dos Estados Unidos entre 1968 e 1976, Nat King Cole, Júlio Iglesias?

Eu morei quase em cima do La Licorne. Na época eu estudava no Mackenzie, morava na Rua Dr. Vila Nova, na frente do prédio onde eu morava era o La Licorne, e embaixo do prédio havia outra casa de shows. Era a época de ouro da Rua Major Sertório. Logo acima tinha o João Sebastião Bar que marcou uma época em São Paulo, era uma época romântica, elegante, ali tinha jazz, música clássica, a freqüência em ambos os locais era composta por um pessoal mais refinado, não era um local que a visão distorcida de alguns rotulou de forma grosseira. Poderíamos comparar sem sombra de duvidas o La Licorne com o Moulin Rouge de Paris do tempo de Toulouse-Lautrec, a frequência era de intelectuais, de pessoas com recursos proporcionais ao meio. A frequência feminina era elitizada. Nessa época quem gostasse da madrugada tinha que ir em um ambiente desses porque não tinha outro lugar para ir. Muita gente ia lá para tomar um drink, conversar, ver amigos. Música ao vivo, tudo da melhor qualidade. Era o lugar aonde tinha o champagne francês, assim como o vinho. Geralmente em outros locais a bebida era alterada. Lá tinha qualidade em tudo, segurança total. A Rua Major Sertório inteirinha era extremamente segura.

Nessa época um dos célebres boemios era Adoniran Barbosa, algum dia o encontrou?

O pessoal dessa faixa nós encontrávamos no Bar Brahma, na decantada esquina Avenida Ipiranga com Avenida São João. Ali sempre tinha e continua tendo, artistas famosos dando uma “canja”. Angela Maria, o saudoso Cauby Peixoto e tantos outros. É interessante que ali havia muitos artistas e muitos piracicabanos! Isso porque era próximo ao ponto de ônibus do Expresso Piracicabano. Na época não havia rodoviária em São Paulo. No lado oposto ao Bar Brahma havia a garagem de ônibus que o Expresso Piracicabano usava, o Zefir usava. No andar superior  da garagem de automóveis que iam para Santos, ficava o “Palácio de Cristal”. Isso é uma curiosidade, hoje ninguém pode imaginar ser possível ter existido um lugar aonde o cavalheiro ia, muito bem alinhado, e pagava para dançar por determinado tempo. Era o Taxi Dancing. Era um ambiente de máximo respeito.

Em que ano o senhor foi para São Paulo?

Eu me formei em Economia em 1968 no Mackenzie. O primeiro ano fiz em Piracicaba, na ECA- Faculdade de Economia, Contabilidade e Administração, nesse ano tive aula com o Professor Gustavo Jacques Dias Alvim. Quando estudei no Mackenzie eu ia para São Paulo de moto, saia de Piracicaba as seis horas chegava lá as sete e meia. A aula começava às oito horas. A estrada não tinha tanto movimento embora um pequeno trecho fosse sem asfalto. Às vezes ia de carro.

Qual foi o seu primeiro carro?

Foi um Simca – Fiat 8, - 1.100cc - 1.949 comprado em 20/11/1962 por R$300.000,00 de Waldemar Bordone. Comprei, desmontei, montei de novo. Na época do Mackenzie eu já tinha um carro que eu preparava para corrida eu usava para chegar mais depressa a aula. Ou a moto, BMW 750 uma R75.

Com as motos, os carros, velozes, o senhor era uma personalidade de destaque no Mackenzie?

Acho que era um dos mais pobres que estudavam lá. Talvez o mais sem juízo, em ir de moto de Piracicaba até lá. Destaque econômico eu nunca tive nenhum, nunca tive dinheiro. Talvez em função da moto o pessoal gostava. Ninguém tinha uma BMW 750! Naquela época as motos não tinham chegado para os boys.

Nelson, e as garotas admiravam a moto?

A maior vantagem da moto era essa!

Quando o senhor começou a trabalhar com turismo?

Por volta de 1964 a 1965. Comecei fazendo turismo sem ter agência própria. Tudo surgiu com a motocicleta. Quando tive possibilidade de ter uma moto mais potente passei a viajar pela America Latina, conheci Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, fiz umas duas viagens sozinho, outras com outro motociclista, me hospedava onde dava certo. O motociclista viaja com pouca roupa, mochila. Fiz umas viagens de carro também para alguns países onde não dava certo ir de moto. Conheci a América Latina inteira. Fui para alguns países da América Central que me interessavam. O Caribe eu conheci em uma segunda fase. Participei de uma excursão com destino ao Peru, México e Estados Unidos.  Quando chegamos lá, os organizadores da viagem, era uma viagem para estudantes, pediram-me, em função da minha facilidade com línguas, para que os ajudasse.

Como o senhor adquiriu essa facilidade com línguas?

O meu pai desde o grupo escolar já exigia que eu falasse em inglês com ele. Tive também a oportunidade de passar muito tempo com meus avôs e todos eles estudaram francês. A literatura deles era toda em francês, e me deram a literatura. Li bastante em francês. Minha família é italiana, tenho um primo na Itália, isso vai facilitando. Depois essas minhas viagens pela América Latina a gente vai aprendendo o espanhol. O importante é a base, eu tive quatro anos de latim. Como eu gostava do latim, tive facilidade com as demais línguas derivadas do latim. Tive aulas de espanhol com José Salles. Tive aulas de francês com dois excelentes professores: Dr. Josaphat de Araújo Lopes e Louis André Mená Neptine, eu gosto muito de francês, tinha a base de egramática, não foi difícil. Também gostava de inglês, meu pai me dava orientação. Me dei bem com outras linguas como o suaíli (suaíli ou suaíle também chamado de suahíli e conhecido pelas formas vernáculas Swahili ou Kiswahili) que é uma lingua falada em uma parte da África e como já fui bastante para lá, em Nairóbi, perto do Kilimanjaro deu para prticar.

A Itália tem muitos dialetos?

Têm! Só que estão sendo esquecidos, nas cidades grandes, não são usados, a Itália é uma autêntica colcha de retalhos, chegamos a ter 70 países na Itália (Principados, ducados) , cada um para não ser igual ao outro reforçava o seu dialeto. Na Itália tem a família Carrano que são parentes da minha mãe, são da região de Santa Maria de Castelabate fica no Parque Nacional de Cilento. Apesar de estar perto de Salermo, tem dialeto também. Cinco quilômetros adiante tem outro dialeto, e assim por diante. Isso porque os feudatários queriam ser diferenciados.

Por  muito tempo o senhor publicou na imprensa piracicabana muitas informações sobre turismo.

Por mais de 30 anos publicamos uma página semanal no Jornal de Piracicaba, em “O Diário” foram mais uns 10 anos. Sempre sobre turismo. Já faz tempo que escrevo em “A Tribuna Piracicabana”

A agência de viagens como surgiu?

Bom, voltamos da excursão que tinhamos mencionado anteriormente, e que me escolheram como lider do grupo, tradutor, interprete, enfim o responsável, Até que formalmente pediram-me para tomar conta desse grupo enqunto eles recepcionam novos grupos que estavam chegando. Eu fiz como base Nova Iorque e Flórida, tinha uma companhia aéraea que usávamos muito, a Braniff International Airways, saia daqui fazia escala em Lima, Panamá, México, San Antonio, Nova Iorque, Miami, São Paulo. Fiz umas quinze excursões dessas, ou indo junto ou esperando eles chegarem em San Antonio, pegava o grupo, naquela época acompanhavamos o grupo. Gostei da coisa, essas excursões pararam eu acabei ficando em uma agência de viagens em Nova Iorque, na 46 quase esquina com a 5º. Fiquei lá uma boa temporada, aprendi essa parte básica da agência, vendiamos passagens para os americanos que vinham para o Brasil e recebíamos os brasileiros que iam para lá. Após alguns meses acabei vindo para o Brasil, depois voltei e fiquei em Miami, aprendendo um pouco mais, conhecendo um pouco mais da região, naquela época ainda não tinha Disney World. O que nós tinhamos de atração era só Miami, Sea Florida, Everglades National Park, Key West.Chegando de lá, comecei a trabalhar, sozinho, em Piracicaba. Comecei a levar grupos daqui. Deu certo. Aluguei uma sala na Galeria Lucia Cristina, onde era a Loja Mantel, do Paulo Carbon. Em seguida o João Chiarini, que era dono de “O Pilão” saiu de lá, me ofereceu, fui para a loja dele. Na Mantel eu tinha uma funcionária só. No Pilão já tinha diversos funcionários. Depois do Pilão fomos para aquele prédio que era do Banco da Cooperativa dos Plantadores de Cana, atrás da catedral.

Foi a primeira agência de turismo de Piracicaba?

Foi a primeira e única por uns dez anos. Iniciamos em 1965. Era a única agência do Estado de São Paulo a Oeste de Campinas. Campinas tinha duas ou três agências. Graças a isso esta agência atendeu o Estado de São Paulo inteiro, inclusive Ribeirão Preto, até hoje tenho inúmeros clientes de Ribeirão Preto. São clientes desde aquela época. Atendemos o Sul do Mato Grosso, Sul de Minas Gerais, Norte do Paraná. Ontem recebi uma mensagem de um cliente de Minas Gerais que compra comigo ha mais de 50 anos, chama-se Luiz Custódio Cotta Martins. Eu vendia muito no passado para o pessoal do nordeste do Brasil, eram empresários ligados a cana-de-açúcar, lá não havia agência de viagens. Como sou um expert na área de eventos sucro-alcooleiro, eu levava e acompanhava o pessoal. Tem alguns líderes que já me contrataram para fazer eventos, para Maceió já levamos quase 5.000 pessoas em um evento. A Agência Tores foi a primeira agência de viagens a entrar oficialmente em Cuba, oficialmente quer dizer com autorização oficial, naquela época era proibido ir à Cuba. Levei uns 30 grupos para Cuba. Organizamos a parte receptiva em Cuba, do Brasil levamos 320 pessoas. Tivemos que fretar dois aviões para levar o pessoal.

Qual foi o impacto que os passageiros tiveram ao chegar a Cuba?

Foi muito interessante, muito forte e revelador. Passamos a admirar bastante o cubano. Como é que pode um país, uma pequena ilha daquela, fazer frente ao poderio militar da maior potência mundial,com um bloqueio total. Não se pode transportar um remédio. Isso foi tão bom para eles que passaram a produzir seus próprios remédios. Só da cana-de-açúcar eles conseguirarm criar mais de 200 sub-produtos ligados a saúde, hoje esses sub-produtos são de certa maneira infiltrados para as grandes empresas, o pessoal acaba usando a tecnologia cubana para uma série de enfermidades que nunca ninguém descobriu com toda a parafernália que eles tem, para se ter uma idéia os cubanos nem computador não tinham naquela época. Esse congresso que organizei lá, tive que usar os nossos computadores. Além dos computadores precários que eles tem, os hackers destruiram os computadores. Usei os meus computadores, dois computadores que levei. Quer dizer que se não fossem os nossos computadares teria sido um desstre total na organização. Forças ocultas destruiram os computadortes deles. Eu e uma funcionária que levei tocamos não só a parte do Brasil, como a parte do mundo inteiro que estava lá. Esse congresso é feito a cada três anos em um local sucro-alcooleiro de expressão no mundo.

O turismo que o senhor promove tem um foco comercial também?

É bastante grande na parte empresarial. Relativo a parte de cana-de-açucar temos clientes até hoje no nordeste.

Foi um nicho que foi descoberto ou criado?

É um nicho. Quando comecei com isso Piracicaba era muito mais forte do que é hoje em termos da indústria de base. Tudo que fazia no Brasil para o stor sucro-alcooleiro era feito pelas Industrias Dedini e nas empresas que orbitavam em torno da Dedini. A Torres era parte da estrutura ligada ao setor sucro-alcooleiro sendo que Piracicaba tem a Sociedade dos Técnicos Açucareiros do Brasil, que é sediada aqui, é uma entidade importante. Temos aqui o maior centro de pesquisa sobre cana-de-açúcar do mundo, que é a Esalq. Acabamos tendo uma forte ligação com esse pessoal. Por intermédio do meu pai, pelo fato de termos morado lá, a nossa ligação com a Esalq é muito forte. Assim como com o pessoal que estudou lá. Temos uma forte entrada também no setor de cafeicultura. Somos agentes oficiais também para os cafeicultores. Pessoal do Sul de Minas Gerais, Mococa, Espirito Santo. Que são os produtores de café fino. Normalmente eu organizo as excursões dos compradores que vem do restante do mundo do sudeste asiático, da Asia, da África, esse intercâmbio eu pratico bastante. Participo muito também do setor voltado ao controle da poluição tanto ambiental como das águas, temos trabalhado bastante em conjunto com essa área, que está sendo motivo de preocupação do mundo, é outro nicho do mercado nosso.

O turismo tradicional é também um foco da Torres?

Posso dizer que hoje o turismo empresarial e comercial representa cinquenta por cento da receita da minha empresa.

O Brasil está aprendendo a explorar o turismo?

Não! Não está! Estamos explorando o turista e não o turismo!  Não estamos absorvendo o que vemos lá fora. O grande entrave que nós temos são os governos, político “xix” que nomeia o sobrinho, com isso ficamos sem os grandes tomadores de decisões, sem os grandes líderes. Com isso nós ficamos praticamente sozinhos, é dificil empresas do porte da nossa tomarmos decisões de nivel mundial. Turismo receptivo, que é o que produz mais riquesa para o país, ele tem que ser apoiado pelo governo. Como é que vou sair daqui e fazer propaganda de Piracicaba na Noruega, na Nova Zelândia, ou nos Estados Unidos. Isso é parte do serviço que o governo deveria fazer. A mesma coisa eu digo do turismo municipal, é um absurdo que o turismo municipal não gasta um centavo para trazer turista para gastar em Piracicaba. E por que? Qual é o interesse nosso em trazer o turismo para cá? O gasto que ele tem aqui dentro só em níveis sociais é fantástico. O emprego no campo do turismo é a atividade mais democratica, mais niveladora que existe, se dermos mais empregos a esse pessoal que está aguardando o turista chegar quais serão os mais beneficiados? Um guardador de carro, um garçom, auxiliar de cozinha, que é o pessoal menos qualificado, que não tem colocação em indústria ou outros locais. Só que esse pessoal em Piracicaba fica marginalizado porque nós vamos ao Deus dará.

Piracicaba tem infra estrutura hoteleira para receber turistas?

Não! Acho que está faltando ainda.

Se o senhor quiser fazer um evento para 3.000 pessoas existe condições?

Tem! Sabe onde ponho esse pessoal? Àguas de São Pedro, Rio Claro. Quando tem grandes eventos aqui eu hospedo uma parte do pessoal. O demais vão para Rio Claro. Àguas de São Pedro, São Pedro. Os que querem um hotel um pouco melhor estou colocando em Campinas. As diretorias e o pessoal que quer ficar em um hotel bom coloco em Campinas.

O que falta à Piracicaba para mudar esse quadro?

Falta incentivo! O Poder Público tem que incentivar para que venham hotéis para cá. Quem faz um hotel aqui é uma briga de foice para conseguir uma liberação. Um apoio. A grande maioria desiste e vai escolher outro lugar. Existe centenas de municipios oferecendo, correndo atrás dos investidores. E nós fazemos o contrário! O Conselho tem que ser da área empresarial: hoteleiros, gente ligada ao setor.

O senhor que é um homem que conhece inúmeros lugares do planeta, pode afirmar que Piracicaba tem potencial para o turismo?

Posso afirmar que Piracicaba não só tem potencial turístico, como é a cidade que tem o maior potencial turístico do interior do Brasil. Tirando as praias, não existe nenhuma cidade que tenha o potencial que Piracicaba tem. As belezas que nós temos. Qual é a cidade que é atravessada por um rio, com um salto no meio da cidade, dentro de uma área de mata atlântica, preservada, isso no aspecto geográfico, Qual é a cidade que tem a Casa do Fundador? Uma cidade de 250 anos que tem uma casa do fundador, não existe. Há pessoas que dizem que ali não é a Casa do Fundador, Aqui se faz ao contrário.

Tivemos a casa do Barão de Serra Negra que foi demolida.

Quer um absurdo maior do que isso! Derrubam um palacete imperial para fazer estacionamento! Piracicicaba tem coisa fantásticas. Temos uma Esalq! Dá para ficar dois dias dentro da Esalq. Temos um aeroporto fantástico aqui, que é o Viracopos, está a 45 minutos de Piracicaba. É o melhor aeroporto da América Latina.

Atualmente a Agência Torres ocupa as antigas instalações do Clube de Regatas de Piracicaba.

Além do sentimento romantico e poético do local, uma das razões por que mudamos é  a facilidade do cliente estacionar em nosso estacionamento próprio. Antes eu estava ocupando as mansões do Dedini. Inclusive em uma das salas havia uma pintura muito detalhada das Industrias Dedini. Era um afresco, quem restaurou fui eu, paguei para o Galdi que é o melhor pintor muralista que nós temos. Depois que sai do prédio, foi alugado e no processo da reforma para a nova empresa pintaram uma obra de arte com tinta latex, escondendo-a.

 

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