PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 24 de maio de 2014.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 24 de maio de 2014.
Entrevista:
Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:http://blognassif.blogspot.com/
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ENTREVISTADOS: MARLY TERESINHA PEREIRA, LUCAS TEIXEIRA FRANCO DE MORAES, TXANA MASHA E TXANA DASU.
Marly Teresinha Pereira,
Lucas Teixeira Franco de Moraes, Txana Masha, Txana Dasu
e sua esposa constituiram um encontro do conhecimento cientififico e do
prático-espiritual da natureza. Uma aproximação importante entre culturas
diferentes mas com os mesmos interesses. Conhecer suas
relações com a natureza é uma das grandes buscas que o homem “civilizado” tem
como meta. A tecnologia deu um enorme salto nas últimas décadas. A humanidade tomada
por um encantamento onde tudo que é prático e com tecnologia de ponta torna-se
objeto de aspiração e consumo, alem da parafernália tecnológica, a alimentação
industrializada, tratamentos de saúde inovadores e medicamentos de refinado
estudo químico faz parte da vida do homem da nossa época. É tido e sabido que a
indústria farmacêutica é um dos negócios mais rentáveis sendo que algumas têm
como acionistas grandes instituições financeiras. São conglomerados com enorme
poder econômico e político, investem bilhões de dólares em pesquisas, contratam
grades cientistas, possuem tecnologia de ponta, sempre a procura da cura para
as doenças que afligem a humanidade. Todos conhecemos ou sabemos de casos de
pacientes que buscaram a cura na medicina milenar, baseada na cura pelas
plantas, transmitida de individuo à individuo ao correr dos séculos. Reunimos
em torno de uma mesa a professora doutora Marly Teresinha Pereira que possui
graduação em Engenharia Agronômica (1970) e mestrado em Economia Agrária (1990)
pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade
de São Paulo e doutorado em Estudos das Sociedades Latino-americanas - área de
Sociologia (2003), pela Universidad Artes y Ciéncias Sociales - ARCIS, de
Santiago de Chile. É professora doutora do Departamento de Economia,
Administração e Sociologia da ESALQ-USP, desde maio de 1985. Gestora Estadual
da RedeFito Mata Atlântica, do Programa Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos - PNPMF, junto ao Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde
NGBS, vinculado ao Centro de Produtos Naturais de Farmanguinhos/Fiocruz -
Ministério da Saúde. Ocupou o cargo de Secretária Executiva do Conselho
Estadual do Pronaf (2007-2009) e do Conselho Estadual de Desenvolvimento da
Agricultura Familiar - CEDAF (2009- 2010) junto à Secretaria da Agricultura e
Abastecimento do Estado de São Paulo. Tem experiência na área de Sociologia e
Extensão Rural, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento
rural sustentável e solidário, políticas públicas para agricultura familiar,
territórios rurais, comunicação rural, organização rural, difusão de
tecnologia, crédito rural, PRONAF. Integrando a mesa estavam o formando pela
Esalq, Lucas Teixeira Franco de Moraes, três
indígenas de Tarauacá (Acre), sendo um estudante de medicinina alternativa, Txana Masha
acompanhado de Txana Dasu que é lider de uma aldeia o qual trouxe sua esposa.
Embora usando roupas normais do homem branco, estavam caracterizados com
colares, cocares, pulseiras e pinturas na face. Cada um desses adereços tem um
significado, que na cultura indígena é considerado sagrado.
Txana Masha entre você e
Txana Dasu qual dos dois tem um grau de importância maior dentro da aldeia?
Txana Dasu é lider de
uma aldeia, e eu sou estudante de medicina alternativa, o pajé com seu
conhecimento ancestral transmite-os. É ele quem me conduz até a floresta, onde
mostra as éspécies de plantas, quais suas finalidades, como deve ser
administrada, cultivada. O aprendizado é feito por tada a minha existência. Nasci no Acre, no distrito de Tarauacá na
fronteira com o Peru.
Quais recursos médicos
existem lá?
Em terras indigenas há
frequência de médicos tradionais, temos dois médicos indigenas que estão se
formando em Cuba.
Qual motivo levou esses
dois indigenas a estudarem medicina regular em Cuba?
Foi um projeto promovido
pelo governo que os levou para lá. Foram oferecidas duas vagas aos indios que
tivessem concluido o ensino de segundo grau. Uma vez por ano eles nos visitam,
falam o idioma da nossa etnia, o huni kuî.
Txana Dasu você nasceu
em que dia?
Nasci no dia 10 de
agosto de 1986, de parto natural, na própria aldeia. O nome indigena da minha
mãe é Daní, significa tudo que existe sobre a superfície da Terra. O nome do
meu pai é Nuí cujo significado pode ser saudade, sentimento profundo. Por parte
de mãe sou filho único, por parte de pai tenho cerca de 15 irmãos e irmãs, o
meu pai teve várias esposas.
O homem assume a
manutenção de todas as esposas e filhos?
Se ele teve uma esposa,
ao deixá-la é costume que ela cuide de si e dos filhos. Ele irá criar uma nova
família.
Você acredita em Deus?
Acredito. Eu acredito
em um Deus que criou a Terra e o Céu e todo o Planeta. Não posso afirmar que
Ele tenha forma humana. Ele está em todas as partes, na diversidade que ele
criou. Nas plantas. Nos seres que tem vida. Se não existisse Deus não haveria
vida. Deus está vivo em cada ser que vive. Nas pessoas, nas plantas, na terra,
na água, nas pedras.
Esse é o motivo pelo qual
os indígenas respeitam muito as plantas e os animais?
Na história do povo
indígena, a medicina no passado era uma pessoa, ela passou por uma
transformação que chamamos de morte. Ela passa do mundo material para o mundo
invisível. Ocorre com a pessoa que tem uma preparação de espiritualidade mais
avançada, ela se encarna como se fosse uma planta, tem o sentido de ouvir o que
você está falando. O índio pega uma planta, fala que quer tirá-la para ajudá-lo
no sentido em que ele está precisando. Na saúde ou no que ele possa receber. O
índio pede à planta uma autorização para tirar dela a sua propriedade
medicinal.
Estou observando que ao
falar com alguém você olha diretamente nos olhos da pessoa. É uma
característica sua?
Para nós significa uma
firmeza e a verdade. Quando você tem uma verdade você tem que encarar as coisas
com o olhar vivo. Você nunca deve falar e ficar olhando para outro lado, dessa
forma nunca saberá o que de fato está acontecendo. Você tem que ter essa firmeza
dentro de você. Não é você quem fala, é seu espírito que fala por você.
Você constituiu
família?
Tenho esposa, chama-se
Batani, somos casados há três anos. Não tenho filho ainda.
Você e sua esposa moram
em que tipo de casa?
Moramos nós dois, em uma
casa normal, de madeira e coberta com palha. Banho nós tomamos no rio. Quando queremos comer
algum tipo de carne vamos à floresta, caçar. Pescamos no rio.
Vocês cultuam os
antepassados?
O índio já nasce com
aquele espírito que já é próprio do seu avô ou avó, para que a cultura nunca se
acabe. Uma pessoa que viveu, foi ótima, quando desencarna temos toda
reverência, pelo que ele fez, pela sua bondade, e reverência a Deus para que
ele possa estar em um plano astral em um mundo invisível, com uma
espiritualidade mais elevada, que ele seja um protetor para aquela nação e um
guia iluminado para que possa ajudar outras pessoas necessitadas.
Você está usando um
cocar muito vistoso, qual é o significado dele?
Na minha língua é
chamado de “maiti”. É um diploma muito sagrado para a nação indígena e símbolo
mais importante dentro de uma tribo.
Você é a pessoa mais
importante dentro da tribo?
Onde eu moro estou
representando a espiritualidade como se fosse um padre ou um pastor. E aquela
pessoa que está estudando o conhecimento da cultura, espiritualidade, medicina,
história, divindade. Dentro desse estudo o que fortalece é você representar um
líder espiritual, tendo um diploma desses como uma coroa de um líder.
Qual é a hierarquia
dentro da tribo?
O cacique trabalha com
a burocracia, é o político. O pajé é o doutor. É a pessoa que está trabalhando
na cura, estudando a medicina. O cacique respeita o pajé. Tudo que o cacique
vai fazer ele consulta o pajé se é uma atitude acertada ou não.
Há quanto tempo você
recebeu esse cocar?
Há uns três anos.
Demorei mais de 10 anos para recebê-lo. Aprendi com outro pajé. Minha mãe é
pajé. É um dos raros casos de pajé feminino. Existem outros pajés onde você vai
buscar a experiência, eles irão lhe ensinar.
Existe uma espécie de
reserva quanto a passar todas as informações de um pajé mais experiente para um
pajé menos experiente?
Tudo tem um segredo,
ele ensina, mas tem um mistério que reserva só para si, é uma forma de
proteção. Ele tem que analisar se aquele filho está preparado para receber
aquele tipo de ensinamento. Há uma complexidade, uma seriedade muito grande.
Existe o pajé do bem e
o pajé do mal?
A história diz que
havia o pajé do bem e que se fosse provocada a sua ira ele praticava o mal.
Existe outra linha de pensamento que ao encontrar uma pessoa que esteja fazendo
o mal o pajé entrega para Deus. O pajé sempre deseja fazer o bem.
Você está com vários
adereços, a gargantilha significa o que?
É uma estrela em
formato de flor, representa a Mãe Terra, é aquela que brota e supre a
necessidade de todos os filhos que estão em cima dela. Outro colar representa
também a mãe terra e o meu nome como Beija-Flor e tem um beija-flor beijando a
flor. É aquele que só toma néctar Divino de Deus.
Qual é a sua
alimentação habitual?
É baseado em batata,
banana, melancia, mamão, amendoim, caças, peixes.
Você come algum
alimento industrializado?
Quando estou na cidade
e não tenho outra opção procuro selecionar os menos industrializados.
Você já tomou um famoso
refrigerante muito consumido pelos brancos?
Já tomei. Mas é
raríssimo isso acontecer.
Qual seu alimento
preferido?
Na aldeia é o mingau da
banana. A banana grande tem que estar madura, minha mãe cozinha, pisa
naturalmente, faz um mingau e tomamos.
E bebida?
A água! Não usamos
bebida alcoólica. Só tem uma bebida que é da própria macaxeira mesmo (uma espécie de mandioca a
macaxeira
pode ser descascada mesmo crua). É utilizado em cerimônias, para a gente se
fortalecer. Ele deixa leve e mais forte para fazer os trabalhos.
Como funciona e quando
se dá um cerimonial?
O cerimonial é voltado
mais à espiritualidade em busca de falar com os espíritos indígenas,
principalmente os pajés desencarnados. Fazemos o cerimonial evocando todos os
elementos da floresta, os espíritos encantados, espíritos da luz em reverência
ao que você quer fazer aquele cerimonial,
por exemplo uma cura, uma libertação, e tudo tem uma preparação antes de ser
realizada. Três dias antes da realização do cerimonial não se come carne
vermelha, não pratica o sexo. Há toda uma consciência pura de coração, saúde,
para que naquele cerimonial que vai envolver uma medicina poderosa, que leva ao
plano astral onde você irá conhecer o presente, o passado e o futuro, faz com
que traga sua própria força de vida para conhecer seu interior fortalecendo aquilo
que você quer trabalhar. Tem os cânticos, batidos, tudo que existe em uma
cerimônia voltada para a espiritualidade da própria tradição.
Esse cerimonial é
aberto a presença do homem branco?
Tem alguns rituais que
é aberto ao público. E tem rituais que só são permitidos para os que estão
estudando, os iniciados.
Existe um processo
determinando a passagem da criança para jovem e do jovem para adulto?
Tudo tem uma
preparação. Quando era pré-adolescente existe um ritual para quando ele chegue
na adolescência já com firmeza, para que não venha a fazer algo que prejudique
a sua saúde, ou algo que mais tarde o leve a se arrepender de ter feito. Ele
irá chegar a maturidade e irá sentir que foi bem cuidado, fez as coisas
certinhas, para que atinja o seu objetivo de vida. Há rituais desde o
nascimento até quando desencarna.
O que é feito com uma
pessoa que não é desejada dentro do contexto da tribo?
Sabemos que cada pessoa
tem sua conduta individual. Quando ele comete algo que seja fora do contexto,
temos a facilidade de chamá-lo, fazemos um circulo em torno dele e conversamos,
porque cometeu tal ato, qual é o sentido daquilo. Se está sendo importante para
ele ou não está. Temos uma conversa para que ele possa compreender e não faça
mais aquilo que é errado. Poderá prejudicar a nossa tradição e a própria imagem
dos indígenas. Atualmente vemos muita descriminação com os indígenas. Se algo
acontece no Centro-Oeste do pais, envolvendo indígenas, toda a etnia indígena é
prejudicada. Por isso temos esse amor para com essa pessoa, para que não faça
mais aquilo.
E se ele persistir no
erro?
Deixamos claro que ele
está conhecendo a lei indígena, no caso de continuar no erro ele irá conhecer a
lei que os brancos impõem. Se for preso sentirá aquilo tudo muito pesado para
ele, não cometerá mais o erro.
Vocês têm alguma lei
que pune quem age de forma errada?
Temos, mas é totalmente
voltada à espiritualidade. Se ele fez um erro, tem medicina que o fará
compreender que aquilo que ele fez é errado. Bater ou expulsar é mais pesado
para nós fazermos.
Vocês fazem o uso da Ayahuasca? (Ayahuasca também chamada hoasca,
daime, iagê ou mariri, é
uma bebida produzida a partir de duas plantas amazônicas para fins
rituais e utilizada na medicina
tradicional dos povos da Amazônia).
Os pajés trazem essa medicina para nós. A Ayahuasca, o rapé, a Sananga e outras formas de medicina. A
Sananga é um colírio indígena para os olhos. A pessoa que tem um problema de visão irá
fazer com que a pessoa não precise usar óculos de grau, por exemplo. Tem muito
índio que com 70 anos de vida ainda coloca linha no furo da agulha, sem óculos.
É muito utilizada para prevenir e curar catarata. A Sananga é usada dentro de
um ritual e por aquelas pessoas que vem utilizando a medicina indígena. (O rapé
é utilizado para muitos fins. Os principais são as mazelas do corpo físico,
como dor de cabeça, sinusite, nariz congestionado, até mesmo as mazelas do
espírito. Assim quando se usa o rapé deve-se ter em mente que o que entra em
você são as plantas da floresta e também espíritos de cura da floresta.).
Txana Mashã qual é a sua
função dentro da tribo?
Sou professor, graduado em Letras, curso realizado no municipio de Tarauacá, represento uma aldeia com 17 famílias,
composta por 90 pessoas, a minha área de pesquisa é voltada ao mundo
espiritual. Passei por uma formação, uma dieta, hoje com 33 anos tenho 19 anos
dedicados ao mundo espiritual. Eu nasci no dia 10 de abril de 1980. Minha mãe
chama-se Sabiani, meu pai não é indigena, meu pai é cearense. Quem me criou foi
minha mãe e meus irmãos mais velhos, tenho 12 irmãos, seis por parte de mãe e
seis por parte de pai, tenho cinco irmãs, tres por parte de pai e duas por
parte de mãe. O pajé renuunciou ao cargo e eu com 33 anos recebi esse tipo de
trabalho. Rituais com Ayahuasca,
o rapé, a Sananga. Aprender muito mais. Minha
esposa chama-se Biruani.
Normalmente com que idade vocês se casam?
Depende do jovem. A partir de 15 anos, 20 anos.
(CONTINUA)