PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 29 de abril de 2014.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 29 de abril de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados
na Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: ANTONIO CARLOS MORELATO JÚNIOR ( MOREL MORELATO)
Morelato é assim que muitos o
chamam. Morel foi uma abreviatura criada pelas pessoas com maior convivência
com o artista. A junção de Morel Morelato ficou sonora. Artista plástico,
criador de novas técnicas, ele transformou o secular e trivial móvel infantil
em uma expressão de arte. O que causa impacto a quem conhece as obras de
Morelato é a contradição entre o mobiliário infantil, com motivos lúdicos, e
sua arte, pinturas em tela, com expressão forte, pesada, densa. Se a vida imita
a arte, a arte de Morelato retrata a pluralidade do ser humano.
Antonio Carlos Morelato Júnior
nasceu a 7 de julho em Ribeirão Preto. É filho de Antonio Carlos Morelato e
Mercedes Almeida Morelato que tiveram os filhos: Vera, Antonio Carlos, Maria e
Sandra.
Qual era a atividade profissional
do seu pai?
Ele era proprietário de uma
fábrica de balas. Começaram fabricando em Ribeirão Preto as balas Balas Rin Tin
Tin, também fabricaram a bala Chita. A bala Rin Tin Tin começou quase em um
fundo de quintal, depois que virou uma fábrica. Eu cresci em uma fábrica de
doces, além das balas comuns, tinha as recheadas, tinha uma linha de
chocolates, bombons, lembro-me de uma bala de menta recheada com licor de
menta.
Você fez o curso primário em que
escola de Ribeirão Preto?
Estudei no Colégio Marista, que
inicialmente era denominado Marcelino Champagnat, lá
estudei o primário e o ginásio. Tínhamos atividades esportivas, eu jogava
futebol, era atacante.
Você
chegou a ser motivado a seguir a carreira religiosa?
Eu era
muito rebelde nessa parte religiosa, era um sacrifício ter que freqüentar as
missas celebradas em latim. A igreja do Colégio Marista era muito bonita. Eu
admirava aquelas santas que adornavam a igreja. Sentia uma atração muito grande
pela arte com que eram feitas. Eram lindas. As imagens, o próprio altar, as
peças em mármore. Eu me impressionava pela arte, não pela parte religiosa.
Em
Ribeirão Preto você teve algum contato cultural além da escola?
Trabalhei
no Museu Histórico e no Museu do Café. São dois museus no mesmo prédio, eles
pertencem a municipalidade, mas é dirigido pela USP.
Como
você ingressou no museu?
Fiz um
concurso, eu tinha muita habilidade, fui contratado para trabalhar no museu,
cuidava da manutenção, exposições. Fiz um curso com uma diretora de um museu do
Rio de Janeiro, como eu tinha noção de arte procurei evitar que alterassem as
características originais das peças existentes no processo de manutenção das
mesmas. Já naquela época a idéia era de fazer um museu dinâmico, foi um período
em que havia muitos jovens trabalhando lá, e a idéia de achar o museu estático
era considerada um absurdo. O Museu do Café, que é ao lado, é em um casarão que
pertenceu a Francisco Schmidt. Em 1913, Francisco Schimdt era o maior
produtor de café do Brasil e recebeu o título de "Rei do Café". Ele
construiu e morou nesse casarão, na época o local era uma fazenda. Ele
alavancou muitas iniciativas econômicas e culturais em Ribeirão Preto. Trabalhando
no museu, achamos que não deveria ser estático, as pessoas poderiam achar que
estavam sempre vendo expostas as mesmas peças. Com o apoio de um diretor
começamos a mudar o museu inteiro. Fizemos uma exposição revolucionária, o
Pietro Maria Bardi esteve lá e me fez uma dedicatória dizendo que estava feliz
em ver alguém tão novo já mostrando como um museu deveria ser. Até a pouco
tempo tinha essa dedicatória guardada, perdi na ultima enchente do Rio
Piracicaba, que transbordou e as águas destruíram tudo que atingiram. Outra
pessoa que conheci foi Roberto
Burle Marx.
O conceito de museu ainda não ficou muito claro para uma parte da
população?
Museu é um local problemático. A pessoa tem uma garrafa
velha que pertenceu a alguém, mas que não tem importância histórica nenhuma, a
pessoa quer doar. Muitas vezes querem doar tudo que é coisa velha. Museu não é
um depósito de coisas velhas. Nós conseguimos fazer uma reserva técnica ótima,
conseguíamos substituir as coisas, a cara do museu estava sempre mudando. O
Museu do Café em Ribeirão Preto parece que é o único cujas peças são originais,
foram de fato utilizadas. Na época em que eu trabalhava lá, um pessoal de Tókio
fez algumas réplicas de peças expostas no Museu do Café em Ribeirão Preto e fez
um museu semelhante lá no Japão. Passaram meses e fizeram uma reprodução do
nosso museu.
Até que idade você permaneceu trabalhando no Museu?
Até uns 26 anos. Foi quando conheci Henriete Bortoletto
Maluf, mãe dos nossos filhos Laurita, Ramsés e Dark. Ela estudava biologia em
Ribeirão Preto, eu trabalhava no museu, almoçávamos na USP, foi lá que nos
conhecemos. Ela assumiu uma cadeira em uma escola em Santos, mudamos para
Santos, no inicio moramos no Canal 5, depois fiz um ateliê em um bairro mais
afastado chamado Humaitá. Lá me dei muito bem com os caiçaras. Havia um mangue
rico em argila, fizemos grandes esculturas com esse material.
Quando estava no Museu do Café em Ribeirão Preto você já
fazia arte sua?
Eu fazia pintura e escultura, trabalhei muito com argila
e pedra sabão. Noventa por cento das peças mais antigas que eu tinha aqui foi
perdida na enchente do Rio Piracicaba em 2011. Boa parte desse material não
está mais comigo, eu vendi para um cientista francês, Christian Feller, que fazia um trabalho na ESALQ. Ele
comprou um container de obras minhas. Todas as esculturas premiadas, trabalhos
que eu tenho, estão na França.
Como foi o período em que você morou em Santos?
A pintura sempre foi o meu forte, eu comecei a entrar
bastante em salões de arte e ganhar prêmios. Após uns três anos decidimos vir à
Piracicaba.
Como você classifica sua arte?
Tem essa coisa mais comercial, que é a linha infantil, é
arte, cada peça é única, um critico de arte, fez com que eu participasse de uma
exposição no Museu de Arte Contemporânea da USP, ele me classifica como um
expressionista nato, voltado muito para o expressionismo alemão. Ele também não
entendia como de uma arte lúdica, infantil eu também fazia arte expressionista.
Você inconscientemente pode estar transmitindo em sua
arte um conflito natural do ser humano com ele mesmo?
Acho que pode ser. Uma vez estava ouvindo Vinicius de
Morais dizendo que o poeta é um grande mentiroso. Ele inventa uma dor onde não
existe. Às vezes penso que é isso. Ou se artisticamente eu consigo transmitir o
lado do sofrimento e o lado alegre.
Qual técnica de pintura você usa em seus quadros?
É uma técnica mista, fui inventando, no inicio era com
pigmento de casca de cebola, eu sempre ouvi falar que ao ferver a casca de
cebola com o pigmento tingia-se cabelo. Isso é fácil de comprovar, basta cozer
um ovo junto com casca de cebola, a casca do ovo ficará amarelada. Hoje eu misturo muito, trabalho com pigmento
de tinta industrial, verniz a base de água. O detalhe é que não uso quase o
pincel, pinto com palha de aço, eu usava muito a ferrugem da palha de aço.
Observando a ferrugem criada pela palha de aço na pia, percebi que era muito
difícil de tirar a ferrugem da pedra.
Para adquirir uma obra de arte sua tem que estar com a
carteira recheada?
(Risos) É difícil comercializar uma obra de arte quando
não se está em um grande centro. Quase a totalidade dos artistas de Piracicaba
não consegue sobreviver da venda dos seus quadros. Isso ocorre em outras áreas
como escritor, músico. Não sei como é o mercado fora do Brasil, a impressão é
de que há mais respeito pelos artistas.
Ainda vivemos resquícios do período colonial?
O homem que lê, que está bem informado torna-se um
obstáculo aos que desejam o poder para se beneficiarem. Percebe-se que mesmo as
grandes escolas particulares não levam as crianças para visitarem exposições.
Sempre que vou dar oficinas nas escolas eu falo que felizmente estudei em uma
escola que incentivava a arte. Na época os Maristas ensinavam música, esporte,
futebol, cinema e já se preocupavam com ecologia, estamos falando de três
décadas atrás.
As escolas, mesmo estaduais, ensinavam musica,
arbitrariamente decidiram excluir música do ensino. Isso resultou no que temos
hoje. Com a arte foi a mesma coisa?
Tive aulas de arte na escola. É importante dar essa
formação para a criança até seus oito ou dez anos. Mesmo em escolas tidas como
de alto nível, os próprios pais sequer conhecem a Casa do Povoador. Segundo
alguns educadores, hoje há um grande temor em tirarem as crianças fora da
escola pelo risco e pelo medo da violência. No meu ponto de vista, isso não se
justifica. Há dez anos consegui levar crianças de seis anos para uma Bienal.
Não aconteceu nada. Hoje já estão grandes, passam por mim e se lembram daquela
visita a Bienal. Essa pessoa não irá esquecer nunca mais! Ao que parece as escolas preparam o aluno para
entrar na faculdade. Só isso. É um objetivo comercial. Não há a preocupação de
formação da pessoa com filosofia, arte.
No seu ponto de vista o que é mais importante, o objetivo
comercial, do aluno ser treinado para entrar em uma faculdade ou receber uma
educação onde haja a formação humana?
Sem duvida, a formação humana é mais importante.
Ao seu ver, os sérios problemas éticos que
encontramos em quase todas as áreas vem dessa formação incompleta do individuo?
Infelizmente a conduta de muitos indivíduos é movida pela
falta de ética, má formação de caráter. Vemos diariamente desde alguém
estacionando em local impróprio até pequenos delitos praticados por pessoas que
o fazem pelo simples prazer de transgredir. Muitas vezes levam alguma coisa que
nem vão usar, mas querem levar. È o desejo da posse.
Atualmente você trabalha em duas frentes, a sua arte
expressionista e a arte lúdica. Como surgiu a arte lúdica em sua vida?
Comecei a fazer isso em Santos. Meus filhos eram
pequenos, comecei a fazer quadros com desenhos infantis, usando giz de cera, a
resgatar as brincadeiras de criança, eu escrevia muitos poemas. Tenho poemas
voltados ao publico infantil e outra linha amarga. Quando vim para Piracicaba,
o Colégio Piracicabano adquiriu uma série de trabalhos meus e recentemente eles
me chamaram para dar uma oficina e me mostraram que meus trabalhos estão lá.
Ainda em Santos percebi que não havia nada que eu gostasse para as crianças
brincarem. As mesas eram brancas, com algum adesivo com motivo infantil. Passei
a fazer dentro do apartamento mesmo, algumas peças já utilitárias. Logo em
seguida viemos para Piracicaba, passei a fazer no apartamento em que viemos
morar. Era tudo manual, na tinha equipamentos mais apropriados. Foi bom porque
os meus filhos cresceram no meio disso. Em alguns quadros desses que foram para
a França eu deixava que eles fizessem os desenhos deles, pequenininhos, para
não interferir. A casa inteira era arte.
Alguém já lhe disse que fisicamente você lembra Pablo
Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de
la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso, ou simplesmente Pablo Picasso?
Já! (Risos) Eu queria ser um pouquinho dele!
O que os seus filhos acham
de você trabalhar com arte?
Eles devem gostar. Tiveram uma infancia e
cresceram de uma forma ludica, com arte, a mãe deles também gostava muito de
ler. Eles tem um respeito muito grande pelas pessoas. São calmos, tranquilos,
não se enveredaram pelos caminhos das drogas.
O momento de criação de um
artista é sagrado. Cada um tem seu próprio clima para criação. Qual é o seu?
Ao criar minhas telas, tenho como companhia uma
boa musica, um jazz ou blues e uma taça de vinho. Nada mais do que isso além do
material para pintura.
Já aconteceu de alguém
vizualizar em uma obra sua coisas que você nem de longe imaginou?
Pintura é como musica, se for bom musico tem que
ensaiar todo dia. Pintar é a mesma coisa. Por isso sai facil a pintura. Muita
coisa no quadro é acidental. A arte tem uma coisa muito interessante, as vezes
você pinta algo aqui e tem alguém a milhares de quilômetros pintando alguma
coisa muito parecida. (Nesse momento Morelato interrompe e vai buscar um
trabalho seu, que é fruto das suas pesquisas com materiais alternativos). Você
está vendo essa obra? Foi feita com bombril e alcool, raspando em cima de uma
fotografia, descobri que as fotos de
papel que ficam escuras, ao serem raspadas com bombril e alcool formam essas
figuras. Foi uma técnica que desenvolvi, ai em cima desse trabalho eu passo
para uma tela maior. É impressionante como ao raspar surge a figura. Atualmente
a maior dificuldade é conseguir fotografias de papel, inservíveis, para
realizar esse trabalho. As fotos digitais suprimiram as fotografias reveladas
em papel. Uso nos contornos o lápis dermatográfico, que é utilizado muito em
cirurgias.
Você não pensa em dar
oficinas para as crianças em escolas?
Andei dando oficinas nas escolas, nas
particulares eu cobro, mas na pública além de não cobrar muitas vezes tenho que
pagar o material que os alunos irão utilizar. Não é caro, mas se as pessoas
apoiarem até abro mão do cachê. Na última que fiz dei o curso aos pais e aos
alunos, mas no fim tive que levar o material, eu percebi a situação de
precariedade deles. A oficina foi ótima. Uma lata de verniz custa em torno de
R$ 50,00 , só que dá para dar oficina quase o ano inteiro. Esse ano já fui em
duas escolas publicas sem ganhar nada. Muitas oficinas que dei em escolas
particulares os alunos acabaram trazendo os pais para conhecerem o ateliê.
Você trabalhou com pessoas
em situação de risco?
Trabalhei com psicóticos do Hospital Espirita
Dr Cesario Motta Junior. Atualmente continua um grupo, e encontrei com uma das
coordenadoras que me disse que tem pacientes ainda pintando por terem gostado
muito.
Esse trabalho junto a detentos pode
trazer bons resultados?
Funcionaria! Já pensei em fazer
alguma coisa, não com o objetivo de industrializar. Já fiz trabalhos em
comunidades de bairros distantes, como no Bosque do Lenheiro, alguns tem muito
talento, o que falta é incentivar.
Sua linha ludica está em vário
países?
Já vendi para pessoas de diversos
países, holandeses gostam muito dessa linha. Tenho obras na Italia, França,
Estados Unidos, Teve caso em que tive
que fazer o produto, e deixar pronto para o cliente montar no país dele. Recebi
a visita de um general americano, do Texas, um homem enorme, que adquiriu alguns
itens para decorar seu gabinete. Não contei, mas sei que produzi milhares de
obras ludicas e estão espalhadas pelo mundo todo. Na linha lúdica uso de cinco
a nove cores.
Você tem recebido visita des escolas
em seu ateliê?
É um prazer receber as visitas das
escolas, só peço que agendem com certa antecedência. Em abril deste ano, 2014,
já vieram duas escolas. Acho importante que as escolas tragam seus alunos,
muitos acham que artista só existe morto. Outro dia veio uma menina, de uns 8
anos, e disse-me que achou que eu era uma lenda, ja estivesse morto. Isso tem
uma lógica: eles estudam os artistas que já morreram! Deduzem que todos os
artistas estão mortos!
Você é um artista premiado?
Recebi prêmios em Ribeirão Preto, Santos, São Vicente,
Cubatão, quando ganhei o Mapa Cultural aqui, os quadros foram adquiridos pelo
Estado de São Paulo e estão na Pinacoteca do Estado de São Paulo como acervo.,
trata-se de uma série denominada: “ O Amor é Um Imenso Vazio Tentando Preencher
Um Monte de Nada”. Morelato está no facebook como Made In Morelato.
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