domingo, setembro 09, 2018

RONDERSON BATISTA SANTOS (MINEIRO ENCANADOR


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 25 de agosto de 2018
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: RONDERSON BATISTA SANTOS
                         (MINEIRO ENCANADOR)

 

Ronderson Batista Santos também conhecido como “Mineiro Encanador”, é um dos muitos casos em que a pessoa incorpora como seu nome popular o local da sua origem e da sua profissão. Nascido a 4 de agosto de 1975 na cidade de Novo Cruzeiro Estado de Minas Gerais, filho de José Geraldo Batista da Paixão e Zilda Chagas, que tiveram dez filhos: Hercules, Paulo, Ronderson, Neusa, Glaucia, Gleiciane, Moisés, Edson, Rosane, Erica.

Com que idade o senhor começou a trabalhar?    

O meu primeiro registro na carteira de trabalho foi com 15 anos de idade. Antes eu já trabalhava na roça com o meu pai, plantava milho, feijão, cana-de-açúcar, arroz, café, meu pai tirava leite das suas vacas e das vacas dos fazendeiros. Ele prestava serviços para os fazendeiros, roçava manga.

Você chegou a tirar leite?  
Já com uns 10 anos tirava leite, tomava chifrada, a vaca pisava no meu pé, amarrava as patas traseiras para ela não machucar. Tinha que ajudar na roça. Fazia rapadura. Cachaça.
O senhor sabe fazer cachaça? 

Tínhamos que cortar a cana, levar para o alambique, moer, deixar fermentar. Depois colocar para ferver, daí tinha a “cachaça cabecinha” e a “cachaça água fraca”. A “cabecinha” é a primeira, a boa, alguns produtores misturavam um pouco da “água fraca” na “cabecinha” só que o conhecedor de cachaça percebe logo. Nós mantínhamos as duas separadas. Cada uma com seu preço. Meu avô, João Batista, fazia açúcar batido também.

Seus estudos primários foram no sítio?      

No sítio estudei até o terceiro ano primário, minha primeira professora era Dona Sinhá! Tinha que andar em torno de duas horas para chegar na escola, a pé, não havia estradas, as vezes quando não tinha chinelo o meu pai, fazia com couro e pneu. Outras vezes usava Alpargatas, conhecida também como “enxuga-poça”, era feita de tecido jeans, e solado de sisal. Fabricávamos tijolo, amassando o barro com os pés. Com o tempo foi colocado um burro que movia um mecanismo que amassava o barro. As casas eram feitas de “enxumento”: madeira em pé e batia o barro. Para as diferentes técnicas utiliza-se uma massa básica constituída de terra com 60 a 70% de areia, 30 a 40% de argila e água em quantidade suficiente. Alguns aditivos podem ser agregados de acordo com as necessidades ou com a técnica escolhida. Os principais aditivos são: Esterco de vaca ou cavalo que são estabilizantes químicos da massa. A pintura da casa era feita de “tabatinga”, um barro branco, tirava no mato, na lavra, derretia na água e pintava a casa. Ficava branquinha. As madeiras eram colocadas inicialmente em pé, as varas no sentido horizontal eram amarradas com cipó formando quadradinhos de 10 x 10 centímetros aproximadamente, em alguns lugares fazem de 5 x 5 centímetros. E batia-se o barro. O barro duro para ali.
Precisa ficar alguém do outro lado para evitar que caia o barro?
Não precisa não! O bolo de barro vai parando! Depois você vai batendo.
A casa era coberta como?
Com telha feitas à mão mesmo, “nas coxas”, tomavam o formato das coxas de quem as fazia, moldando o barro. Tinha água de poço e água da serra que vinha até a mina da água. Isso existe até hoje, a água sai da rocha e vem para o quintal. Hoje lá tem energia elétrica. 
Até que idade foi a sua permanência nesse sítio?
Até uns 14 anos, mudamos para Novo Cruzeiro. Meu pai permaneceu na roça e nós fomos para a cidade com a minha mãe. Não tínhamos nada, nem um fogão para cozinhar, foi muito difícil o início na cidade. Minha mãe arrumou emprego na padaria, os pães que sobravam o padeiro dava para ela. Era o nosso almoço e jantar. Depois eu consegui um emprego na feira: vender por medida (a granel) feijão, arroz. Dormíamos todos em um quarto só e em uma cama só. Os colchões no chão, na terra. A casa era alugada. Começamos a ganhar fogão, geladeira, cristaleira, usados. O primeiro emprego que consegui na cidade foi em uma marcenaria, para lixar móveis. Ganhava meio salário mínimo, sem registro. O dono da marcenaria, Seu Dedé, foi visitar a minha casa, viu que eu não tinha cama, me deu um beliche: um dormia embaixo outro em cima. Um outro irmão foi trabalhar em outra marcenaria e ganhou mais um beliche. Meu pai arrumou emprego em uma fazenda chamada Fazenda Sul América que contratava mais de 1500 homens só de Novo Cruzeiro em toda temporada de colheita de café. Antigamente o pai podia assinar uma autorização para o filho menor de idade poder trabalhar. Assim meu pai, meu irmão e eu fomos trabalhar na Fazenda Sul América. Eu tinha 16 anos, meu irmão 15 anos. A nossa vida mudou. Passamos a ganhar dinheiro, os três. Ficávamos alojados de segunda-feira até sexta-feira. Minha mãe tinha a doença de Chagas, ela faleceu quando eu tinha 17 anos. Nessa época, em período de safra meu pai vinha trabalhar em Piracicaba e mandava o dinheiro que ganhava para Minas.
Como seu pai veio para Piracicaba?
O meu irmão Paulo, o mais velho, veio para Piracicaba, trabalhava na Coopersucar, quando minha mãe faleceu não deu tempo dele ir vê-la, logo depois ele foi nos visitar. Eu nesse período estava muito revoltado, não tínhamos nem condições para sepultar a minha mãe como ela merecia. Um farmacêutico que doou a urna funerária para sepultá-la. Eu não queria mais permanecer naquele lugar. Quando meu irmão voltou à Piracicaba eu vim com ele. Fiquei morando no Bairro da Paulista na casa de uma tia minha, Tia Alzira. Fiquei uns tempos na casa da Tia Maria na Rua Fernando de Souza Costa. O meu primo, já falecido, trabalhava na empresa Mirafer Produtos Siderúrgicos Ltda. Fui trabalhar ganhando 450 URV (Unidade Real de Valor) quando da implementação do Plano Real. Eu mandava um pouquinho para o meu pai e ficava com um pouquinho aqui. Meu irmão e eu alugamos uma casinha em uma vila de casas na Rua Ipiranga. Trouxemos o meu pai para cá, veio todo mundo! Meu pai arrumou emprego na Prefeitura Municipal para montar palco. Meu irmão tinha comprado um terreno, antigamente a Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba – EMDHAP financiava, não dava a casa. Ela financiava o terreno para fazer a moradia, meu irmão tinha feito esse financiamento. Fica no Bairro Mário Dedini. Meu irmão dividiu o terreno ao meio e deu a metade dos fundos para o meu pai. Meu pai passou a pegar todos os ferros que eram descartados nas construções, tinha uma senhora do Bairro do Godinho que tinha umas casas antigas, já sem condições de uso, ele ganhou os tijolos, madeira, telha. Assim com sobras de construções e material usado descartado ele construiu uma casa de oito cômodos, sendo quatro quartos.
Tudo com material já utilizado anteriormente?   
Tudo com material usado!    
Ao seu ver o brasileiro desperdiça muito material?
Joga muita coisa fora! Muita coisa! Meu pai fez uma casa carregando coisas da rua! Ele só comprou o cimento e arrumou o pedreiro! As janelas foram todas doadas. Morando com o meu pai trabalhei na Tofer Engenharia Comércio Indústria, trabalhei em uma empresa tercei          rizada da Belgo Mineira, Camargo Correa, em Piracicaba, na Boyes, foi na Boyes que conheci a minha esposa Lenilda Ladislau dos Santos. Começamos a namorar em 1998. Tem uma passagem interessante, ela residia sozinha, em um pequeno quarto, na Vila Rezende, um belo dia, ela estava trabalhando e cheguei na casa dela. Abri a porta, tinha ido ao Mercado Municipal, enchi uma cestas de frutas variadas e escolhidas, fiquei esperando-a, fingindo que estava dormindo. Até hoje estamos casados, faz 20 anos! Casamos dia 26 de setembro de 1998. Temos dois filhos: Liliane e Robson.
Quando o senhor começou a trabalhar como encanador?           
Na verdade desde que eu cheguei aqui em Piracicaba eu já fazia “bico”. A caixinha que eu usava com as ferramentas estava guardada até pouco tempo. Eu trabalhava na empresa durante o dia e aos finais de semana fazia os “bicos”. Aprendi fazendo, não gostava de ficar parado. A noite por dois anos fui garçom do “Banana Chopp” ficava na Avenida Independência, próximo a Santa Casa o proprietário era o Seu Dorival. Eu trabalhava até a meia noite, as seis horas da manhã já estava trabalhando na empresa onde eu era empregado. Nos finais de semana quando não estava trabalhando na empresa ia ajudar a servir o almoço. Graças a Deus sempre lutei, de dia e de noite. Tem cliente que liga a meia-noite, coloco o carro na estada e vou atender o cliente.
Hoje qual é a sua especialidade profissional?
Na parte hidráulica. Há uma constante inovação, é necessário estar sempre atento para as mudanças, estudo o produto, reparos, qualidades, a internet é uma ferramenta muito útil para a constante atualização técnica. Fiz curso no SENAI, Desenho Mecânico 1,2,3. Fiz curso de eletricista, hidráulica, encanador, informática. Trabalho muito na parte hidráulica.
E obra civil, construção, o senhor trabalha também?
Já fui empreiteiro de obras, tinha sete a oito funcionários. Percebi que deveria trabalhar de outra forma, atualmente a minha esposa cuida da loja São José Reparos, situada a Rua Brasílio Machado, 2658, WhatsApp 9 9639 7966, voltada à parte hidráulica e elétrica, e eu presto serviços. Com isso consigo dar mais atenção aos meus clientes. É o que importa, o cliente satisfeito. Meus filhos ajudam a administrar. Todos nós estamos sempre em harmonia, e sempre aconselhamos um ao outro. Há um grande respeito mútuo, entre o casal e os filhos. Muitas vezes acato o conselho de um deles, que me fazem ver onde tenho que corrigir. Essa união nos fortalece.
A sua decisão em montar a loja e prestar serviços foi um bom caminho?
Está dando para pagar as contas, criar os filhos.
E o seu envolvimento com a política?
Por três vezes já fui candidato a vereador, a primeira vez fui candidato pelo PSB, junto com o Gustavo Hermann. Tive 109 votos. A segunda vez saí pelo PRB, fiquei primeiro suplente do vereador Paulo Henrique Paranhos Ribeiro, tive 461 votos, na terceira vez fiz 287 votos.
O que o atrai para a política?
Eu penso que um político não é um artista ou ator, ele é um funcionário eleito para prestar serviços para a comunidade. Infelizmente existe em nosso país, políticos que usam maquiagem para tirar fotografias em festas de aniversário! Eu consigo ser um vereador e um encanador simultaneamente. Um vereador tem direito a ter pessoas para trabalhar em seu gabinete, posso atende-lo em sua casa, trocar uma torneira, cobrar pelo serviço prestado, e você reivindicar alguma coisa para a sua rua, tenho como ligar no meu gabinete e fazer a minha assessoria entrar em contato com o poder público e atender as suas necessidades públicas também.
A seu ver como está o nosso povo em termos de informação política?
O povo está andando para onde o vento sopra. O povo não pensa!
A televisão influencia muito?
A televisão mente muito! Manipula demais! Hoje vemos campanha eleitoral onde alguns tem bastante tempo de exposição, outros não tem. Para mim isso está errado! O tempo deveria ser dividido de forma igual para todos. Tenho projetos para Piracicaba, estão no endereço eletrônico do Google como Propostas de Ronderson Mineiro 10010
https://issuu.com/rondersonmineiro10010/docs/propostas_de_ronderson_mineiro_10010. Penso que se caso um dia eu tiver o mérito e o povo me der a chance de ser um vereador, criar a proibiçao de dormir e morar na rua. O poder público teria que oferecer abrigo à esses moradores de rua.
Isso é um problema social sério, nem sempre o morador de rua submete-se a regras mínimas estabelecidas para a convivência em albergues.
Não quero maltratar os moradores de rua, mas tirá-los dessa situação miserável, oferecendo qualificação, emprego, dignidade. Eles merecem todo carinho, respeito e nosso zelo. Hoje tem morador de rua conversando com outro colega pelo celular! Tem que haver um trabalho conjunto com a população. Infelizmente há entidades que usam a caridade (distribuindo alimentos, roupas) como peça de propaganda. O morador de rua , a meu ver, deveria ter um lugar para ir, tomar um banho, sem que sejam impostas muitas regras. Se da maneira que estamos fazendo não está dando resultado, vamos criar outra forma de fazer. A Câmara é uma Casa de Leis. Para atender certas situaçõeshá o Serviço Social do Municipio. Já usei a tribuna da Câmara de Vereadores de Piracicaba umas três ou quatro vezes.
Você já teve algum envolvimento com alguma entidade?
Fundei a Associação dos Desempregados. Recebíamos por dia de 100 a 150 pessoas. O objetivo era captar vagas para pessoas desempregadas. Encaminhar as pessoas gratuitamente. Se a pessoa arrumasse um emprego e sentisse gratidão podia doar um pacote de folhas sulfite, para fazermos curriculos. Cada um daria aquilo que desejasse. Se algum empresário quisesse doar uma cesta básica para uma família que estivesse passando por necessidade extrema, nós não recolheríamos a cesta, jamais. Indicaríamos a família que estava passando fome alguém da empresa iria levar, poderíamos até acompanhar.
Tem gente passando fome em Piracicaba?
Vemos muitas pessoas irem buscar cestas básicas nas igrejas. Acredito que tenha pessoas que passam fome em nossa cidade. Tem os que passam fome e não pedem socorro. Se eu estiver passando fome eu grito: tenho dois filhos, quero trabalho!
E as pessoas que pedem dinheiro nos semáforos, qual seria a sua proposta?
Colocaria dois veículos, com sinalização do tipo Giroflex, escrito “Combate a miséria” com duas pessoas boas de diálogo, nada de repressão, ofender, bater. Parava no sinaleiro e abordava o pedinte: “Nós combatemos esse serviço seu de pedir dinheiro em sinaleiro”. Se a pessoa dissesse: “Ah! Mas eu estou desempregado!”. Receberia como resposta: “Vamos lutar para arrumar-lhe um emprego, nem que seja para varrer rua”. O sinaleiro iria esvaziar de pedintes.
Como é o mercado da mão de obra de encanador?
A minha empresa é a “Mineiro Encanador”, as vezes eu saio meia noite, uma hora da manhã, para atender cliente. Atendo prédio, apartamento, presto serviços para bastante empresas, desentupidora, tenho a Roto-Rooter para desentupir. Eu trabalho com reparos da válvula Hydra. Uma grande dificuldade que temos é de trabalhar em local com parquímetro. Não foi previsto um local onde possamos descarregar material, escada.
Vocês fazem serviços fora de Piracicaba?
Faço serviço em Rio das Pedras, Saltinho, já fui fazer até em Jaú. Infelizmente, tem acontecido de bons profissionais sofrerem a falta de serviço, porque muitos estão desempenhando uma atividade que antes não faziam. As vezes nem estão preparados para atender um serviço. As pequenas empresas não tem acesso a muitos órgãos públicos, mesmo tendo condições de preço mais favoráveis. Grandes empresas de fora da cidade levam vantagem em decorrência das exigências burocráticas.

PEDRILHA DE GOES BAGGI (AMIGAS DA ONÇA)


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 de agosto de 2018
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: PEDRILHA DE GOES BAGGI 
                           (AMIGAS DA ONÇA)
 
A psicóloga clínica e hospitalar Pedrilha de Goes Baggi nasceu em Piracicaba, no Bairro da Paulista, a Rua Santos, próximo à Praça Takaki. Casada com Antonio Baggi Junior tem dois filhos: Renata e Ronaldo. Pedrilha é filha de Alcindo Goes comerciante e Aparecida Goes costureira que tiveram três filhos: Mário, Maria Helena e Pedrilha.
O pai da senhora sempre trabalhou como comerciante?
Inicialmente ele trabalhou na Usina Monte Alegre, até que ele saiu e comprou uma freguesia de pão, um carrinho de tração animal e um cavalo, com o passar do tempo ele adquiriu uma Kombi.
Esse carrinho era aquele com dobradiça, erguia-se a tampa, e lá estavam os pães?
Exatamente!
A que horas ele costumava sair para trabalhar?
Saia a uma hora da manhã. Ia carregar os pães, a sua freguesia era muito grande. À tarde ele saia de novo com outros produtos: pães doces, sonhos, roscas doces. Na época ele trabalhava com a Padaria São José, situada à Avenida Madre Maria Teodora. Hoje o local é ocupado por uma farmácia. Mais tarde ele montou uma filial da padaria São José, na Rua Coronel Barbosa, esquina com a Coronel Fernando Febeliano da Costa. Ali funcionava como um ponto de venda, os pães vinham prontos da fabricação na padaria.
A senhora chegou a trabalhar nessa filial?
Trabalhava no balcão atendendo, as vezes faltava pão eu ia entregar com ele. Nessa época eu tinha uns 11 anos.
A senhora chegou a fazer entrega nas casas dos fregueses?
Fiz! Geralmente o leiteiro entregava o litro de leite e nós entregávamos o pão tipo “bengala”, lembro-me de um dos lugares em que entregávamos era a “Coréia” (Na década de 50 nas imediações da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, também conhecida como Igreja da Paulicéia, era uma área onde havia com mais frequência atritos entre os moradores, o delegado titular Dr. Geraldo Lopes Vieira atendia frequentemente as desavenças, o que o levou a comparar a briga entre vizinhos a Guerra da Coréia. O apelido caiu no gosto do povo). Nessa época meu pai já tinha uma Kombi, alguns vinham pegar o pão, outros tínhamos que deixar na porta. O que para a época era um pouco ousado, as mulheres vinham buscar o pão de camisola, levantavam da cama e vinham do jeito que estavam.
No período em que entregavam pão com o carrinho qual era o nome do cavalo?
Tinha o Lobo, uma égua branca chamada Pomba e uma égua preta chamada Pretinha. Eu ia com o meu pai cortar grama, onde hoje é o Castelinho (Construído por João Chaddad).
Ali o meu pai cortava capim gordura. Meu pai lotava o carrinho e vínhamos para casa. Eu ia passear.
Nessa época ali não havia asfalto?
Era tudo chão de terra, não me lembro de ter a Avenida Dr. Paulo de Moraes. Existia a Avenida Nove de Julho, ia até um pedaço, depois ela acabava. Lembro-me também que um senhor levava com carrinho cana-de-açúcar picada para dar ao cavalo. Atrás de casa havia um terreno onde ficava o cavalo.
A tarde seu pai saia novamente para visitar a freguesia?
Iam também pães doces, sonhos. Tinha clientes que marcavam na caderneta, e acertavam ao final de um mês, e muitos compravam a vista. Em 1986 meu pai adoeceu, permaneci com o meu irmão na filial da padaria. No início de 1987 nós arrendamos. Eu sai de lá e arrumei trabalho na Unimep. Onde trabalhei por 17 anos no Colégio Piracicabano, de 1987 até 2004, a Ozaide Trimer era a minha chefe.
O curso primário onde foi realizado pela senhora?
Foi na Escola Estadual Professora Olivia Bianco, o ginásio estudei na Escola Estadual Dr. Jorge Coury e depois fiz na Escola Estadual Sud Mennucci onde conclui o ensino médio.
O que a levou a estudar psicologia?
Lembro-me de quando era menina eu pegava uma revista a primeira coisa que eu ia ler era a seção do Eduardo Mascarenhas, psicanalista, e me intrigava como ele conseguia saber o que estava ocorrendo com a pessoa. Como eu trabalhava na área administrativa, me aconselharam a fazer o curso de administração. Cursei por algum tempo o curso de administração, mas percebi que não era o que eu buscava. Eu tinha uma amiga que cursava psicologia e conforme ela contava a respeito do seu curso meu interesse aumentava. Decidi fazer psicologia. Em 1998 me formei em psicologia. Eu casei dia 2 de junho de 1979, na Igreja dos Frades. Já estamos casados há 39 anos.
A senhora dedica-se especificamente a alguma área em especial ou só em seu consultório?   
Em 2004 quando saí do Colégio Piracicabano, fui trabalhar no setor de hemodiálise da Santa Casa, fiquei por dois anos e meio trabalhando como psicóloga do setor. Depois fui trabalhar no Cecan (Centro do Câncer da Santa Casa de Piracicaba). A minha postura como psicóloga ficou voltada mais para a área hospitalar. Tenho o meu consultório particular onde faço psicologia clínica.
A seu ver, qual é o paciente que reage de forma a não aceitar com reação mais acentuada a sua situação: o do Cecan ou da hemodiálise?
O câncer vem com um peso e um estigma muito grande, quando o paciente de câncer tem o diagnóstico positivo na hora vem o sentimento de morte próxima. A pessoa que tem o diagnóstico de deficiência renal crônica, a minha impressão era de ela não tinha esse estigma, só que o processo em si é mais difícil, ele tem que fazer 4 horas de hemodiálise, três vezes por semana, isso dava a impressão de que eles não tinham uma vida própria. O paciente com câncer faz uma quimioterapia a cada 21, 28 dias. Ele pode comer tudo que desejar. O paciente de hemodiálise tem muitas restrições. Da mesma forma, o paciente com câncer pode passear, o que faz hemodiálise tem que saber se o lugar aonde vai, quantos dias irá ficar, se tem um local em que ele possa fazer a hemodiálise. Essas limitações tornam seus deslocamentos mais restritos.
Como o paciente a recebe? Com alegria?
Nem sempre! Tem que haver o desejo do paciente ir ao psicólogo, falar da sua angustia. Estou no Cecan todos os dias. Tem o pessoal que vai fazer a quimioterapia, vai passar pela consulta médica, as vezes o próprio médico encaminha, ou a enfermagem, as vezes ele vai por vontade própria, muitas vezes vou até a quimioterapia, pode acontecer da pessoa ter preconceito com relação ao psicólogo, as vezes dão uma abertura. Há também os que rejeitam claramente a presença de qualquer profissional da psicologia. É uma atitude defensiva. De forma suave e gradativamente procuro quebrar essa postura. Com a convivência, ou por ordem médica, coloco-me a disposição do paciente.
Um choque emocional muito grande, uma decepção, enfim um fato social de grandeza relevante pode ocasionar um ataque cardíaco. O câncer pode ocorrer do comportamento, de fatores emocionais?
Pelo que já estudei, artigos científicos, o fato de levar uma vida mais suave não irá garantir que deixará de contrair a doença. A dificuldade em prevenir a doença é não saber porque ela surge. Como psicóloga eu procuro saber se a pessoa passou por algum trauma, o médico irá usar seu olhar clínico, a nutricionista irá ver por outro viés.
O “stress’ pode desenvolver o câncer?
Não há comprovação científica. Alguns dizem que sim. Tem gente que tem muito “stress” e não desenvolve nada! Outros não estão estressados e tem! A psicologia é o estudo do comportamento, a psicodinâmica da pessoa.
A incidência de câncer é mais acentuada em quais classes sociais?
A doença não escolhe classe, idade, beleza, poder aquisitivo. O que acontece é que a classe menos favorecida não faz exames preventivos, com isso quando percebem a doença já está em um estágio avançado. Um fator também é que os mais abastados ao menor sinal buscam os recursos mais avançados. Isso as vezes adia a doença. Tudo depende da complexidade do caso.
O álcool e o tabaco podem agir como gatilho para a doença?
O que se diz é que a probabilidade de desenvolver câncer é maior. É uma probabilidade. Você irá escutar “Fulano fuma há 50 anos e não tem nada”. A chance de você ter câncer com o uso do tabaco é maior do que não fumar. Isso não isenta os não fumantes! Atualmente há muitos conflitos de relacionamento, não só entre casal, mas com relação ao mundo em que vivemos. O psicólogo tem como função escutar e pontuar onde o indivíduo está tendo um comportamento repetitivo. Muitas vezes a pessoa só muda a personagem, o comportamento é o mesmo.
A senhora faz um trabalho muito interessante: “As Amigas da Onça”.
O grupo surgiu em 2012, eu queria fazer um grupo terapêutico, mas que não fosse tradicional. Meu desejo é que elas se expressassem a vontade. Sem formalismos. De certa forma queria que fizessem uma troca de experiências sobre o tratamento pelo qual estavam passando. Usei o artesanato como mediador, isso no Cecan. Convidei a Daniela Prates, ela é artesã.
Que tipo de artesanato era?
Artesanato com feltro, que não usassem máquinas.
Qual foi o grau de satisfação das que realizavam as peças?
Foi uma realização! Sobretudo o encontro de pessoas que estavam passando pela mesma situação. A identificação: eu também estou passando por isso, eu também estou careca, eu também faço quimioterapia. Foram conversando entre si e houve essa troca. Eu estava presente, quando o assunto era inconveniente, mudávamos de assunto. Mas eu fazia o artesanato junto, conversávamos, fazendo essa integração o grupo foi crescendo, formando um vínculo, no início foram seis pessoas, com o tempo foi aumentando, cada mês fazíamos um tipo de artesanato. Sempre com esse objetivo, que elas se conhecessem, mesmo porque umas faziam quimioterapia em um dia, outra em outro dia. Quis unir essas mulheres para que elas soubessem que não estavam sozinhas. Cada uma deveria saber que não era a única a passar por isso.
Quando descobrem que estão com câncer não perguntam: Por que eu?
Isso! Eu digo, não se deve perguntar: Por que eu? Quando a pessoa ganha na loteria sozinha, ela não pergunta para Deus: Por que eu? Ela começa a se achar culpada, que aquilo é um castigo. E não tem nada disso.
Ai entra um pouco do resquício da formação religiosa culpa-castigo, como se Deus não fosse amor e sim um Ser que pune sem misericórdia.
O paciente pode pensar que é uma punição por algo. O grupo foi crescendo, vinham muitas, faziam artesanatos, conversavam muito. O nome “Amigas da Onça” surgiu de uma brincadeira de final de ano o amigo secreto. Como nem todas as pessoas se conheciam muito bem, decidimos brincar com as pessoas sorteadas. Fizemos com presentes mesmo. Foi uma tarde divertidíssima, alguém sugeriu que tínhamos que colocar um nome no grupo, como estávamos vivenciando surgiu o nome “Amigas da Onça” por conta da situação do momento. E a coisa foi pegando, agregamos alegorias relativas a onça. (Todas industrializadas, nada natural, do animal só o nome). Lenços, presilhas, tudo que tenha a ver com a onça.
Vocês fizeram uma apresentação no Lar dos Velhinhos que encantou e emocionou os presentes.
Apresentamos uma música, onde houve a participação dos presentes, estávamos com o apoio de algumas pessoas, inclusive voluntárias, para a coreografia.
Na realidade é uma divulgação do trabalho de vocês, caso uma empresa ou entidade solicitar vocês podem fazer uma apresentação?
Nós damos ênfase ao “Outubro Rosa”, o objetivo é que as pessoas conheçam o seu corpo, façam um autoexame. Mostrar que as pessoas que estão ali já fizeram o tratamento de câncer de mama ou qualquer outro tipo de câncer, estão ali, vivendo, alegres, brincando, cheias de vida. Vamos diminuir o estigma do câncer. Temos o face “Amigas da Onça”  https://www.facebook.com/Amigas-da-On%C3%A7a-197442354013109/
Quem vai ao Cecan já está sensibilizada?
A pessoa quando vai ao Cecan já está com diagnóstico de câncer. Ela já fez uma biopsia confirmando. Ela chega fragilizada. É apresentada à ela os recursos tecnológicos e humanos que dispomos. Eu apresento o grupo para quem quiser participar.
Tem pessoas que ficam remoendo e tornam sua própria vida mais difícil?
São aquelas pessoas que arrastam correntes. É necessário haver uma aceitação.
Ocorre de uma pessoa que já teve câncer, foi tratada, curou-se e ao comentar com alguém escutar “Ai, coitada!”
Isso é muito ruim! As pessoas não querem que sintam pena dela.
Há também aquelas pessoas que ao ter a doença, mesmo curada, são incapazes de pegar um copo de água, pede que alguém o faça?
São pessoas que se colocam o tempo todo como vítima, com certeza ela já se colocava, com o câncer isso acentuou-se.
Quais são as diferenças entre o psiquiatra e o psicólogo?
Para atuar como psiquiatra deve-se cursar seis anos de Medicina e mais dois ou três de residência em Psiquiatria. Já para atuar como psicólogo, deve-se fazer uma graduação de cinco anos em Psicologia e, em seguida, especializar-se na área e na abordagem escolhida.  O psiquiatra faz o diagnóstico e recomenda a medicação. O psicólogo vai ouvir e pontuar para que o paciente tenha consciência daquilo que ele está fazendo. Ele irá promover um autoconhecimento. O paciente que irá mudar. A forma como ele lidar vai ser a resposta.
Colocando dessa forma, que o desejo da pessoa é soberano e a Constituição Federal assim afirma, ninguém pode ser obrigado a agir contra si mesmo, como psicóloga qual é a sua visão com relação a Cracolândia?
Em minha opinião a pessoa deve ser convencida a tomar um banho, se recompor, a sair daquele quadro maior, e depois ver se ela quer ser tratada. Ou seja no ambiente em que ela está não tem capacidade própria para discernir. Ela tem que ter condições de sobriedade para que possa decidir o que de fato deseja. Se a pessoa não quiser, ninguém muda. Isso acontece com todo vício: jogo, álcool, tabaco, substâncias químicas.
A senhora nesses 14 anos como psicóloga deve ter visto e ouvido de tudo, e cada um tem seu problema?
Todo mundo tem o seu problema, o que muda é a forma de lidar com o problema. Tem os que levam de forma mais branda e passam bem e as pessoas em que tudo é negativo, ela é vítima.
Quem acha que o copo está meio vazio tem mais possibilidade de ter algum problema de saúde do que a pessoa que acha que o copo está meio cheio?
Sim. É a forma como ela vai lidar com a situação, o olhar negativo, aquilo não vai dar certo.
O autoconhecimento desde os tempos remotos é uma busca do ser humano. Cada um tem um universo dentro de si?
O autoconhecimento é fundamental. Ele ajuda em todos os aspectos. Como lidar com determinada situação, como lidar com uma doença. Em termos psicológicos é o que a gente proporciona. O psicólogo vai fazendo com que a pessoa se conheça, saiba como ela é. Conheça seus defeitos e qualidades. O objetivo do psicólogo é aquilo que esteja inconsciente fique consciente.
Qual é o poder do subconsciente sobre o consciente?
È muito grande. Quanto mais consciência tivermos vamos lidar melhor com todas as situações. O seu comportamento será do seu conhecimento. Uma palavra dita ao acaso pode trazer grandes consequências. A palavra tem muito poder. Acho importante que as pessoas vivam o dia de hoje. Não dar tanta importância para coisas pequenas.
Muitas pessoas permanecem ligadas ao passado?
Tem, isso faz mal, mas faz muito mais mal a ansiedade, o que vai fazer no futuro. O passado já foi. Existe pessoas que lamentam-se de fatos ocorridos na infância, adolescência, ou mesmo há décadas, só que no fundo elas esperam ter um ganho secundário com essas lamentações. Acha que com isso as pessoas terão pena dela. “Ah! Coitado, ele sofreu!” Todo mundo sofre! As pessoas ao atingir a idade madura, aposentam-se e podem ter uma vida ativa ou uma vida rotineira, uma mesmice sem graça. Depende exclusivamente da escolha da pessoa.
 

DIRCEU ALVES DA SILVA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
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Sábado 18 de agosto de 2018
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: DIRCEU ALVES DA SILVA

 

Dirceu Alves da Silva nasceu a 16 de setembro de 1960 em Ibaiti, Estado do Paraná, situada a 150 quilômetros de Londrina. Filho de Manoel Alves da Silva e Zulmira Helena Bruno da Silva que tiveram os filhos: João, Dirceu, Eni, José Carlos, Leoní e Laércio.

O senhor realizou seus primeiros estudos em que escola?

Eu nasci e me criei no sítio, onde permaneci até os meus19 anos. A distância do sítio até Ibaiti é de aproximadamente 10 quilômetros, em estrada de terra. Até a escola, para fazer o curso primário eu andava 6 quilômetros a pé. É uma localidade onde o período de frio é bem acentuado. As vezes ia até mesmo descalço, o normal era um chinelinho de dedo, Alpargatas Rodas, calçado popular feito de lona (pano parecido com os "jeans" atuais) e sola de corda (cizal). O ginásio fiz na cidade de Ibaiti. Minha primeira professora era Dona Eulália.

Qual era a profissão dos seus pais?

Lavradores. Aos sete anos eu ajudava o meu pai na roça. Tinha dois burros no arado: O Gaúcho e o Formoso. Parelha de burros bons. Deixa saudade. (Discretamente, Dirceu emociona-se). O tempo do qual tenho mais recordação é o tempo do sítio. Desde que vim para Piracicaba consigo manter essa raiz, sempre tenho um cavalo, uma criaçãozinha.

Você tem Um cavalo? Como ele se chama?

Tenho! É o Xisto! No recesso da Câmara fomos em 19 pessoas para Aparecida do Norte, a cavalo.

Qual era o produto cultivado?

O ouro do Paraná era o café. Cultivávamos de tudo: arroz, feijão, milho, o forte era o café, que em decorrência da neve que caiu em 1975 foi a causa de dispersarmos, saímos do sítio. (No dia 18 de julho de 1975, uma forte geada dizimou todas as plantações de café do Paraná, o que provocou o êxodo de cerca de 2,6 milhões de pessoas.). Aos 18 anos acabei vindo para São Paulo, sozinho, um nosso vizinho de sítio, morava em São Paulo, foram lá no sítio passear, imagine uma pessoa que nasceu e criou-se no sítio ir direto para São Paulo. Meus pais ficaram muito abalados. Só que permanecer ali era ficar em um local arrasado. Graças a Deus cheguei em São Paulo, na mesma semana já comecei a trabalhar.

Em que bairro de São Paulo o senhor foi morar?

 Na Vila Alpina. Meu local de trabalho era em São Caetano do Sul, fui trabalhar nas Indústrias Químicas Anhembi S.A. O senhor que foi fazer a visita em nosso sítio junto com a sua família, tralhava nessa empresa, foi ele quem me arrumou esse emprego.

A mudança de serviço causou-lhe impacto?

Eu sempre tinha trabalhado no sítio, é uma rotina de muito trabalho e não se vê dinheiro, o café só tinha colheita uma vez por ano, trabalhava com os meus pais, quando a safra era vendida, o dinheiro era para passar o ano inteiro seguinte. Em São Paulo, no primeiro mês em que recebi um salário foi muito significativo. Eu fui para São Paulo em dezembro, no carnaval eu fui ver a minha família, pais, irmãos. A minha mãe queria de todo jeito que eu voltasse, meu pai acabou vindo para São Paulo para ver como eu estava lá, acabou deixando uma casa alugada em São `Paulo, já conseguiu emprego, voltou a Ibaiti para buscar a família e a mudança. Com exceção dos irmãos muito pequenos, todos conseguiram emprego, até mesmo um irmão de 12 anos arrumou serviço. Todos passaram a ganhar um salário mensal.

Como o senhor veio à Piracicaba?

Um cunhado do meu irmão veio à Piracicaba. Um irmão veio fazer-lhe uma visita, gostou da cidade, e já deixou um emprego arrumado na Dedini. Voltou a São Paulo e trouxe a sua mudança. O meu pai não gostava de São Paulo, tanto que nós queríamos que ele vendesse o sítio e adquirisse uma casa em São Paulo, ele não queria. Um dia meu pai e eu viemos visitar o meu irmão que já morava aqui. Meu gostou da cidade, adquiriu um terreno, no dia 9 de janeiro de 1981 viemos residir em Piracicaba.

Em que bairro a família veio morar?

Fomos morar no Bairro Santa Terezinha. Bairro em que moramos até hoje, na Vila Sônia, em Santa Terezinha, em frente à Igreja São Lucas.

Aqui em Piracicaba o senhor passou a trabalhar em que área?

Eu tinha feito até o ensino médio em Ibaiti (Na época ginásio e científico), quando fui para São Paulo fiz o Curso Técnico de Inspetor de Qualidade. Eu precisava trabalhar. Para fazer esse curso técnico foi muito difícil, eu morava na Vila Ema, trabalhava em Santo André, levantava as quatro horas da manhã e vinha dormir a uma hora da manhã, todos os dias. Eu tinha saído da Industria Química e fui trabalhar na General Eletric (GE) saia do serviço as cinco horas da tarde e ia para o curso onde entrava as seis e meia da noite e saía as onze horas da noite. Foram dois anos nessa situação.

Mas aprendeu muito também!

Sempre foi uma lição de vida!

Como foi conseguir emprego em Piracicaba?

Em 1981 aqui em Piracicaba era muito rara a empresa que tinha esse profissional de inspeção de qualidade. Fiquei por seis meses sem emprego. Fui fazer um curso de cabelereiro na Escola Técnica e Profissional Para Cabelereiros Calazans, do Professor Gilson Calazans. Acabei montando o primeiro salão lá na Vila Sonia: “Dirceu Cabelereiro”. 

Corte masculino e feminino?

No início só masculino, depois passei a fazer corte feminino, corte e escova. Trabalhei por 12 anos cortando cabelo.

Isso no tempo em que os jovens usavam cabelos longos?

A moda é cíclica, ela aparece, some, volta. No período em que cortei, os cabelos eram longos, mas mais aparados do que antes. Na década de 70 é que havia os “cabeludos”.

Nesse período em que o senhor trabalhou na Vila Sônia deve ter feito muitas amizades?

Fiz muitas amizades, desde o início em que montei o salão assinava o “Jornal de Piracicaba”, todos os dias, no tempo vago eu estava folheando o jornal. Quando tinha cliente eu estava trabalhando, mas no intervalo, as vezes ficava ali parado, isso para quem estava acostumado a trabalhar muito no sítio, era um pesadelo. Um dia li no jornal “Vende-se uma fábrica de laje”. Eu tinha conhecimento, inclusive em São Paulo meu pai trabalhou em uma fábrica de laje. Acabei comprando essa fábrica de laje. Comecei trabalhando lá em cima, na Vila Sônia. Com isso eu tinha dois serviços: cortava cabelo e fazia lajes. Quando eu senti que a fabricação de lajes era suficiente para manter a minha família, eu já tinha me casado, tinha um filho. Assim passei apenas a dedicar-me à fábrica “Lajes Santa Terezinha”. Tenho três filhos: Emerson, Everton Bruno e Giovana.

Tem que ter uma flexibilidade muito grande, para trabalhar em um serviço delicado, como cortar cabelos, fazer barbas e um trabalho pesado que é fabricar lajes. Trabalhar no sítio é um serviço pesado: plantar café, carpir café, colher café, plantar arroz, colher arroz, carpir milho, feijão.

Quanto tempo o senhor permaneceu com a fábrica de lajes?

Fiquei 11anos com a fábrica de lajes. Foi um bom negócio. Passei a trabalhar com terraplanagem, a “Dirceu Terraplanagem” é a empresa que tenho até hoje. Faço o arroz com feijão do setor. Nesse país ou você cresce ou permanece na rotina do dia-a-dia.

Além dos funcionários o senhor trabalha se for necessário?

Se for fora do horário do meu expediente, trabalho. Na pá carregadeira tenho muita habilidade, na retro escavadeira nem tanto.

Como surgiu esse desejo de entrar para a política?

A política foi uma coisa que acabou surgindo até de uma forma natural, sempre procurei participar da comunidade, do bairro, do Centro Comunitário. Não diretamente, mas estando sempre presente. Uma vez participei de uma eleição no Centro Comunitário onde fui eleito primeiro secretário. A seguir teve pessoas que achavam que eu deveria ser presidente do Centro Comunitário na próxima eleição. Declinei da possibilidade, o presidente tem que ter um tempo disponível, dentro das minhas atividades profissionais não tinha essa possibilidade. Em 2000 o Vanderlei Dionísio (Vandão como o chamamos carinhosamente) saiu como candidato à prefeito, ele é meu vizinho até hoje, estávamos em uma reunião no Centro Comunitário do Parque Piracicaba, na Balbo, ele me convidou para ajudá-lo na campanha. Disse-lhe que o ajudava, para nós é uma honra ter um prefeito do nosso bairro. O Vanderlei disse-me que queria que eu saísse como candidato à vereador, teria que me filiar ao partido. No último dia para a filiação ele mandou o Reginaldo (Que trabalha hoje no escritório do Deputado Estadual Roberto Morais), ir atrás de mim que era para filiar-me. Acabei filiando-me ao PTN (Partido Trabalhista Nacional) e saindo como candidato. Na verdade foi uma surpresa, tive 1329 votos. Só não fui eleito por faltar poucos votos para atingir o quociente e eleger alguém do nosso partido. O Vanderlei acabou não ganhando a eleição, o Machado foi eleito. Em 2004 fui candidato novamente. Mudei para o Partido Popular Socialista – PPS. Partido do Vanderlei e do Deputado Roberto de Morais. Tive 1769 votos. Não fui eleito. Três vereadores foram eleitos com votação muito próxima a minha, o quociente eleitoral impediu do meu partido me eleger. Em 2008 fui candidato novamente, tive 2064 votos, não fui eleito de novo, ai que fiquei como primeiro suplente. Infelizmente em 2011 o vereador Walter Ferreira da Silva, o “Pira” afastou-se por 15 dias para tratamento de saúde, infelizmente após 14 dias ele acabou falecendo. Eu tinha assumido a vaga dele por 30 dias, acabei assumindo em definitivo. De uma forma que eu não queria, mas que faz parte da circunstância da vida. Em 2012 veio a eleição, acabei me reelegendo.

Como o senhor vê a situação do vereador em Piracicaba?

Infelizmente as ações do vereador é limitada. Temos uma cultura política que tem muito à aprender. De forma geral as pessoas desconhecem a função do vereador: Fiscalizar o poder executivo e legislar. Atualmente não podemos apresentar um projeto que venha acarretar ônus ao município. Ao eleger um representante há uma expectativa de que todos os seus problemas serão resolvidos. Nem sempre o interesse individual contempla o interesse de uma coletividade.

Ao seu ver a sociedade, o cidadão, deve ser mais participativo em ações públicas?

A sociedade, o cidadão, em sua grande maioria são omissos, deveriam participarem mais da política. O que deve ser muito claro é que a política é a única forma de transformar a vida das pessoas. Por razões culturais a pessoa não participa nem mesmo da sua comunidade. Há críticas à questão da saúde, da educação, a segurança é o ponto mais crítico, Você faz uma reunião em seu bairro, convoca as pessoas diretamente interessadas nesses benefícios, aparecem meia dúzia de pessoas.

Há várias correntes, de todas as origens, que creditam essas mazelas a uma distribuição de renda perversa. Isso transforma-se em revolta quase natural?

Essa revolta não se justifica. Nasci dentro de um sítio, minha convivência, meus amigos foi no sítio. Nós só trabalhávamos e muito. Sou muito grato por isso. Nós só aprendemos a trabalhar!  Aos sete anos já trabalhava! Hoje não só os meus pais, mas todos os pais daquela época teriam represálias duríssimas em decorrência de leis instituídas posteriormente. Hoje aos 16 anos o jovem pode votar, interferir no destino do país, mas até atingir essa idade ele não pode trabalhar. Essa situação precisa ser revista.

As entidades sociais existentes na cidade recebem da prefeitura aquilo que é possível, o Estado como ente da federação faz menos e a União faz menos ainda, ou seja a prefeitura torna-se a responsável maior. Há uma pequena cidade na região onde 4.500 alunos desfrutam de regime escolar integral. Depende de quem ir atrás dessa verba junto a União?

O político é uma corrente de forças, isso é mais um trabalho do Executivo, com a participação do Legislativo. São verbas canalizadas por deputados federais, estaduais. Geralmente para o reduto onde o deputado foi eleito. O Deputado Estadual tem a sua cota de emendas para destinar para onde achar que deve destinar e o Deputado Federal também.

Há uma harmonia entre os componentes da Câmara Municipal ou as correntes partidárias buscam interesses próprios?

Infelizmente a política é um jogo de poderes. No meu entendimento teríamos que trabalhar todos juntos, fortalecendo-nos em benefício do município. Lamentavelmente no dia-a-dia vemos que não é isso que acontece. Isso acaba decepcionando a gente.

Existem políticos que prometem aquilo que sabem ser impossível cumprir?

 Se comprometer é complicado! Desde a minha primeira eleição nunca prometi nada! Prometo trabalho, trabalho e trabalho! Prometer alguma coisa que sei que não posso cumprir, não é o meu perfil.

O Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal têm como direcionar as respectivas Câmaras?

Se ele tiver a maioria nessas Casas de Leis, aprova seu projeto.

Está havendo uma evolução na política brasileira?

Tudo na vida é um aprendizado. Esse exercício de acompanhar o trabalho dos políticos resulta em uma escolha com mais critério.

A sua trajetória demonstra muita garra, inteligência e dedicação. Sair de uma roça de café e ocupar uma cadeira no Poder Legislativo de uma cidade como Piracicaba é muito louvável.

Eu só tenho que agradecer muito a Deus. Sou muito grato à população de Piracicaba em me dar essa oportunidade, o vereador tem que estar presente junto a população.

O senhor deve receber solicitações das mais descabidas possíveis?

Com certeza! Existem diversos casos, mas por respeito aos requisitantes não cito-os.

Muitos eleitores desconhecem ou até mesmo tentam tirar proveito de situações assistenciais imediatas. Dependendo do grau de extrema necessidade o vereador pode em caráter pessoal atender?

Essa fase está em extinção. A Justiça Eleitoral proíbe e isso nos ajuda muito. Antigamente alguns eleitores solicitavam favores sem limites e descaradamente.

O senhor considera que independente de formação cultural, há muitos “Analfabetos políticos”

Concordo plenamente, há pessoas simples, sem conhecimentos maiores, mas que distinguem o joio do trigo, assim como há pessoas com alto grau de formação cultural, mas que politicamente estão equivocadas.

Será que não há uma classe que está enfastiada de ver tanta coisa errada na política?

Mas isso vai levar a que? Vai piorar a situação! A própria escola deveria ensinar o civismo: Amor à Pátria, Hino Nacional. Quando fiz o meu primário, entrávamos em fila, com a mão no ombro do colega da frente. Hoje se você ´perguntar qual data cívica está sendo comemorada o aluno do ensino médio em sua maioria nem sabe.  

A Faculdade de Medicina e o Hospital |Regional trazem mais recursos à Piracicaba, o senhor teve participação na aprovação dessas entidades?

Tive a participação na implantação do Hospital Regional, uma parceria do Governo do Estado com a Unicamp a Escola de Medicina Anhembi Morumbi já está funcionando já no segundo semestre de 2018.  

ALICE DAS DORES DIAS CARMO ( 100 anos de vida)


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 04 de agosto de 2018 

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/


http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: ALICE DAS DORES DIAS CARMO 
                                 ( 100 anos de vida)

 

No sábado, dia 14 de julho, Alice das Dores Dias do Carmo, recebeu em sua casa mais de 60 pessoas, familiares amigos. Muitos percorreram centenas de quilômetros só para prestar uma homenagem à Alice. Moradora de um chalé, no Lar dos Velhinhos de Piracicaba, Primeira Cidade Geriátrica do Brasil, Alice ganhou uma bela fotografia com moldura do Presidente do Lar dos Velhinhos, Dr. Jairo Ribeiro de Mattos. O seu quarto parecia quarto de noiva tal o número de presentes que recebeu.  O que causa admiração em Da. Alice é a sua saúde física e mental. Atualizada, sempre disposta, falante, ainda faz crochê, tricô, meias de tricô, sem emendas, usa duas ou quatro agulhas de crochê simultaneamente, faz para seus familiares. E ainda consegue ter tempo para fazer peças que doa a quem necessita. Tem o seu filho Alberto, que está sempre ao seu lado. Isso não a impede de utilizar o fogão fazendo quitutes.
A senhora nasceu em qual cidade?
Nasci em São Paulo, no Bairro Bela Vista, a Rua Manoel Dutra esquina com a Praça 14 Bis. O Bairro era chamado também de Bexiga.  Filha de José Pedro Dias e Tereza de Jesus Dias Ambos eram nascidos em Portugal, só que se conheceram no Brasil. Meu pai veio muito jovem de Portugal, calculo que veio com vinte e poucos anos. Ele casou-se com vinte e quatro anos. Ambos eram da província de Trás-os-Montes. Ela nasceu em Bolsendi e ele nasceu em Bagueixe.
Quando a senhora era criança já havia túnel na Avenida Nove de Julho?
O Túnel da Avenida Nove de Julho foi inaugurado em 1938. Foi o início da migração do nordestino para São Paulo, estava sobrando emprego. O túnel foi feito com homens cavando com água até o joelho. Havia uns quinze a vinte burrinhos tracionando umas caçambas, os burrinhos vinham um encostadinho no outro, saiam do túnel, os meninos de 14 a 15 anos recolhiam a terra e enchiam a caçambinha, os burrinhos circulavam onde hoje é a Faculdade Getúlio Vargas, iam até a esquina onde hoje é a Rua Manoel Dutra com a hoje Praça 14 Bis. A praça era muito baixa, ali eles descarregavam a terra. Os burrinhos voltavam novamente até o túnel, e assim foi. Eu morava na Rua São Vicente quando assisti a inauguração do túnel. Foi uma festa muito bonita. Do lado da Faculdade Getúlio Vargas existem duas fontes luminosas, ali os trabalhadores faziam umas barraquinhas de madeira, eles mesmos cozinhavam, lavavam a sua roupa, e ainda mandavam dinheiro para o norte. Quase nenhum sabia ler, e meu pai tinha um salão de barbeiro na Rua Manoel Dutra, quase na esquina da Praça 14 Bis. Ali o meu pai lia as cartas deles e orientava, naquela época tudo que eles viam os camelôs vendendo achavam que era feito com ouro. Eles diziam “Seu Zé isso aqui é ouro?”. Meu pai dizia: “Não compre!”. Eles perguntavam: “Por que, mareia?”. (Mareia no caso é oxida, escurece). Meu pai dizia para não comprarem esses relógios. Meu pai aprendeu a consertar relógios com quarenta anos. Trabalhava durante o dia no salão de barbeiro, a noite vinha para casa e consertava relógios. Conservo até hoje a sua lente de relojoeiro.
Quantos filhos seus pais tiveram?
Eu e meu irmão Alberto que faleceu com 30 anos.
A senhora estudou inicialmente em qual escola?
Estudei em um colégio muito bonito, na Avenida Rangel Pestana bem em frente à Rua do Hipódromo. Inicialmente, foi chamado de Primeiro Grupo Escolar do Brás passando depois a receber o nome de Grupo Escolar Romão Puiggari. Não pude continuar os estudos, em 1932 veio uma crise, meu pai perdeu tudo! Tínhamos casa de móveis na Avenida Celso Garcia, 56, em frente a Rua Joli, entre a Rua Bresser e a Rua Progresso. Èramos vizinhos ao Cine Braz-Polyteama, em frente estava o Cine Progresso. Foi no período da Revolução de 1932, não havia emprego, não havia nada. Morávamos em uma casa grnde, boa, fomos morar em uma casa composta por um quarto e a cozinha. Os móveis que tinhamos foram guardados nas casas de amigos, cada um levou um pouco. Dali fomos morar na Avenida Nove de Julho do lado de lá do túnel, não havia ainda o Túnel Nove de Julho. Do lado de lá chamava-se Rua Salvador Pires, entre a Alameda Jaú e Alameda Lorena. Do lado esquerdo da Avenida Nove de Julho no sentido de quem vai do centro para o bairro, havia chacaras de flores. Até ha pouco tempo entre a Alameda Lorena e a Rua José Maria Lisboa havia casas no estilo germânico. Eu trabalhei lá! Meu irmão com 1 ano e 8 meses sofreu paralisia (poliomelite). Ele era um moço muito bonito, a parte do tronco não desenvolveu. Eu disse ao meu pai: “Vou trabalhar, e o Alberto, como tem esse problema físico precisa de um serviço mais leve”. O Alberto acabou de estudar no Grupo Escolar Rodrigues Alves, na Avenida Paulista, essa escola existe até hoje.
A senhora foi trabalhar em que lugar?
Fui trabalhar na Rua Íris, com um casal que veio da Holanda, trouxeram uns fogõezinhos chamados “Jacarézinhos” funcionavam com querosene. Depois minha mãe comprou um. Como eu era uma menina muito comportada, naquele tempo já havia as “periguetes”, fui admitida. Na Avenida Nove de Julho tomava o bonde Jardim Paulista que tinha o número 45. Bonde aberto. Mais tarde é que veio o “Cara-Dura” que era o que carregava verdura dos verdureiros. A passagem custava um tostão ou seja 100 réis. O outro bonde era 200 réis. O “Cara–Dura” dos verdureiros ia da Praça da Sé até a Penha, Belém, Belenzinho, era o reduto dos verdureiros. Os verdureiros punham um saco de verdura e pagavam um tostão. Antes de ir trabalhar com os holandeses na Alameda Lorena tinha um casal que tinha dois filhos uma menininha e um menininho, fui tomar conta deles.
Que idade a senhora tinha? 
De 13 a 14 anos. Depois é que fui trabalhar com os holandeses, pegava o bonde e ia até o ponto final do bonde Jardim Paulista que era próximo a casa do Dr.Philippe Aché, proprietário dos Laboratórios Aché. Uma amiga nossa foi trabalhar na casa do Dr. Aché, era revestida de pedra, uma casa muito bonita. Em Portugal minha mãe pegou reumatismo nas mãos. Em dezembro lá cai neve e é tempo de colher castanhas, eram colhidas a mão. Hoje as máquinas fazem esse trabalho. Essa moça, nossa amiga, falou com o Dr. Aché sobre o reumatismo da minha mãe. Ele disse para ir ao seu laboratório que ficava na Liberdade. Eles arrumaram remédios para a minha mãe.
Que tipo de trabalho a senhora fazia na empresa do casal holandês?
Meu serviço era sentar com uma tabuinha no colo, em cima da tábua um papel celofane, tinha torradas holandesas dos dois lados, eu pegava cinco de cada lado, colocava sobre o papel e passava cola. Meu serviço era esse, enrolar as bolachas. Tinha uns biscoitinhos chamados switchback. Eles viam que eu levava lanche, mas eu não era costumada a comer lanche. O holandês disse a sua mulher para fazer um pouco mais de comida e me dar um prato. Meu pai descia de bicicleta para economizar 400 réis das passagens de bonde. Uma vez estava chovendo e o meu pai foi até o ponto final do bonde, tirou o seu paletó e colocou nos meus ombros, subi no bonde. Veio o condutor (Era o nome dado ao cobrador de bonde). Disse ao meu pai: “- O senhor não pode tomar o bonde sem paletó”. Meu pai explicou que tinha oferecido o seu paletó para sua filha, para proteja-la da chuva. Meu pai teve que descer do bonde!
A seguir qual foi a atividade profissional do seu pai?
Um português, natural de Trás-os-Montes que tinha vindo ao Brasil junto com o meu pai cada um tinha seguido um caminho, agora se encontraram, o reduto onde os portugueses se encontravam era na Avenida Tiradentes esquina com o quartel atualmente da Rota- Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar. Esse amigo disse: “Olha Zé Pedro, eu tenho um bar e o armazém é muito grande, eu vou dividir com madeira, você põe uma cadeira de barbeiro para começar a trabalhar”. Meu pai cobrava, como se fosse hoje, 50 centavos para fazer uma barba, para cortar o cabelo, 1,00 real, em dinheiro da época eram 10 tostões! Ali o meu pai ficou uma temporada. Meu tio morava na Bela Vista, na Rua Manoel Dutra. Lá faleceu o proprietário de um salão de barbeiro, que por acaso era amigo do meu pai. Meu pai falou com a viúva, a Rosinha e disse-lhe: “Olha Rosinha, eu não tenho dinheiro agora, soube que seu marido faleceu, eu queria comprar o salão”. Ela disse-lhe: “Você fica com o salão e conforme for ganhando vai me pagando!”. E assim foi, ele já abriu um salão melhor. Passamos a morar na Rua Manoel Dutra. Ali moravam umas moças que trabalhavam em uma esquina na Rua Frei Caneca,92. Quase na esquina da Rua Caio Prado. Era uma fábrica de toalhas chamada Define Frasca, eram dois sócios e cunhados. Fui trabalhar lá, me colocaram para trabalhar em uma sala onde vinham rolos de toalhas. Um rapaz apanhava o rolo e colocava sobre uma mesa enorme, meu serviço era dobrar as pontas das toalhas, eram largas, toalhas de banho, a cada 2 metros eu apertava um pedal que marcava na toalha “Indústria Brasileira”. Um outro rapaz ia enrolando as peças marcadas. Permaneci nessa empresa por quatro anos. Seu Vicente Defini via que eu levava café em uma garrafinha de Magnésia Bisurada, eram uns vidros azul marinho. Na fábrica havia uma caldeira onde esquentavam a água para tingir as peças de pano, colocávamos o café sobre aquilo, esquentava como se fosse em banho-maria. O Seu Vicente sempre pedia um pouco do meu café. Após quatro anos a fábrica mudou-se para Mogi das Cruzes. Meu pai não deixava trabalhar longe. Éramos três amigas, nossos pais portugueses, barbeiros! Elas eram portuguesas, nasceram lá e vieram para cá.
Conseguiram arrumar outro emprego?
Arrumamos na Rua Augusta, quase na Rua Costa, era como se fosse um barracão, só tinha seis teares. Ali trabalhei por quatro anos, quando ele faliu. Aonde tinha sido a fábrica de toalhas, abriu uma fábrica chamada Santa Terezinha, acho que ainda existe na Vila Formosa. O chefe era muito exigente, não aceitavam moças que iam pedir emprego na porta da fábrica. No Morro dos Ingleses tinha uma série de casas de árabes, a família Maluf tinha uma casa enorme. Um amigo nosso trabalhava em uma vidraçaria e ele foi lá na casa do Maluf, os banheiros eram inteirinhos de espelhos! Como ele era uma pessoa bem vista nessa casa ele pediu para o Sr. Maluf se me arrumava serviço. O Sr. Maluf disse: “-Mas eu não conheço essa moça!”. Esse nosso amigo disse que se responsabilizava. O Sr. Maluf deu um cartão, disse para levar na Fábrica Santa Terezinha. O porteiro quando viu o cartão chamou a chefe. Eles me aceitaram na hora. Trabalhei um ano e meio lá e eles mudaram para Vila Formosa.
O que aconteceu?
Como o prédio era muito grande, uma parte foi vendida para João (Jean) Nicolau. Ele era mocinho ainda, solteiro, subia em cima dos teares, com a azeiteira na mão, azeitando os teares, quando aquele serviço deveria ser feito por um mecânico. Trabalhei lá por dez anos. Lá que conheci meu marido Roque Pedroso do Carmo, natural de Cotia, tivemos dois filhos: Alberto Dias Pedroso do Carmo e José Antônio Dias Pedroso do Carmo. Quando ele entrou eu já trabalhava lá, ele entrou como ajudante de contramestre.
Como vocês começaram a namorar?
Foi muito interessante! As grandes fábricas tinham uma área de iluminação com vidros na cumeeira (Parte mais alta do telhado no encontro de duas águas). Um dia estávamos trabalhando, de repente começou a escurecer demais. Parecia noite. Começou a trovoar, veio um temporal tão grande, aqueles vidros quebraram-se todos. Embaixo eram rolos enormes, 200 quilos cada um, eram rolos de ferro com seda enrolada. Quebrou tudo. Cada um corria sem saber para onde. Sei que quando acabou a chuva o meu marido estava perto de mim, me abraçando, tinha moça ajoelhada, dali em diante começamos a namorar. Isso foi no dia de São Judas Tadeu, dia 28 de outubro de 1949, namoramos por três anos e casamos dia 14 de fevereiro de 1952 no civil e dia 16 de fevereiro de 1952 na Igreja Imaculada Conceição quase na esquina da Avenida Paulista com a Avenida Brigadeiro Luiz Antônio. Meu filho Alberto estudou dez anos naquele colégio. Quando nasci fui batizada na Igreja do Divino Espirito Santo, na Rua Frei Caneca.
O Bexiga tinha muitas personalidades da música, esporte.
Um deles é o Ministrinho! Nunca se ouve falar dele! Era como são hoje Maradona, Neymar. O nome dele era Pedro Sernagiotto nasceu em São Paulo a 17 de novembro de 1908  faleceu em São Paulo a 05 de abril de 1965, conhecido como "Ministrinho", foi um futebolista ítalo-brasileiro e um dos mais importantes jogadores da história do Palmeiras no período em que a equipe se chamava Palestra Itália. Ponta-direita, em 1929, foi considerado o jogador mais popular da cidade de São Paulo, por meio de uma votação promovida por um jornal da época. Ministrinho foi descoberto pela diretoria do Palestra Itália jogando futebol nas proximidades da Rua Augusta, onde nasceu e passou a infância. O Ministrinho era “sapateiro-remendão”tinha sua loja de consertos de sapatos na Rua Augusta esquina com a Rua Antonia de Queiroz. O Ministrinho carregava as bolas, quando iam jogar de um lado para outro, punha as bolas em um saco e levava de bonde, pagava 400 réis de bonde. A família dele morava na Rua Frei Caneca esquina com a Rua Penaforte Mendes. Ele depois de ganhar nome no Palmeiras , era querido. Acho que ele deveria ser mais lembrado. Depois que ele encerrou a carreira como profissional é que passou a trabalhar como sapateiro-remendão, bem em frente onde meus filhos estudaram, eles mantém amizades até hoje, muitos vieram aqui no dia do meu aniversário. Tenho o número do telefone de todos eles.
Após casarem  a senhora e seu marido foram trabalhar onde?
Meu marido quando solteiro morava na Rua Voluntários da Pátria, em frente a fábrica Klabin dali ele tomava um bonde até a cidade, depois tomava outro bonde até a Penha, Lá tomava outro bonde até a fábrica onde trabalhava. A Jean Nicolau mudou-se adiante da Penha. Meu marido foi trabalhar lá, eu não fui. Na Bela Vista não tinha mais fábrica. Eu tinha uma amiga que morava em Moema em frente a Igreja Nossa Senhora Aparecida, o seu marido disse que ali nas proximidades havia uma fábrica. Decidimos ir até lá. Tomava-se o bonde Santo Amaro, amarelo, fechado. Quando chegava de um ponto ao outro apitava. Eles falavam de uma estação à outra. Parecia trem. O bonde passava no meio da rua. Dos lados da rua tinha como se fosse uma cerca de arame, até com plantas. Só nas ruas em que podia se travessar havia uma catraca. Carros só atravessavam em determinadas ruas. O condutor andava pelo meio do bonde cobrando dos passageiros.
Como foi a recepção na fábrica?
Chegamos, era um prédio muito bonito, com a bandeira brasileira, o porteiro fez o mesmo discurso “Aqui não aceitamos funcionários que vem pedir emprego, quem é bom funcionário quando sai de uma empresa já está empregado em outra.”
Nós dissemos que conhecíamos os Sr. Armando Crema.
O Armando Crema era amigo da fábrica que trabalhamos na Rua Augusta. O porteiro o chamou, quando ele me viu disse-me Bimba! Porque sempre fui magrela. Eu disse-lhe: “Seu Armando, estamos vindo lá do Seu Pedro Saboldi. Ele disse: “Ce finito”. Disse-lhe que queríamos trabalhar, ele perguntou quantas éramos. Disse-lhe: “Por enquanto somos três!” Isso foi no dia 30 de abril. Ele disse: “Dopo domani (depois de amanhã) não pode porque é Primeiro de Maio, mas depois pega a tesourinha e vem”. E assim foi. Eu já namorava com o meu marido. Ele foi trabalhar lá nos cafundecos! No primeiro ano as minhas amigas foram para a Argentina, passar as férias lá. A mestra de lá tinha família na Argentina. Mas antes de irem o Seu Armando falou para uma delas: “Onde vocês trabalharam não tem um ajudante de contramestre bom?” A Helena Levolo disse que tinha sim, só que elas estavam indo para a Argentina. Ele disse para quando elas voltassem falassem com ele. Passados uns 15 dias ele me disse: “Bimba, a Helena me falou que tinha um ajudante, ele é bom?”. Disse que era, se quisesse eu o levava no dia seguinte. Meu marido foi jantar em casa, eu disse-lhe: “Amanhã você não vai trabalhar, vai encontrar comigo lá”. Meu marido tinha 1,64 metros de altura. Depois de um mês que o meu marido estava lá, o mestre geral chamado Antônio Capellordi,  disse: “Seu Armando, o fulano não é ajudante, ele já é contramestre!”. Na mecânica meu marido era maravilhoso. A meninada me torricou a vida, porque eu era mais velha do que ele 7  anos. Todas meninas novas, ficamos 56 anos casados! Depois de um mês já era contramestre, Quando me casei eu ganhava 2.500,00 e meu marido 2.000,00 no dinheiro da época. Acabamos levando para a empresa de 10 a 15 amigas que trabalharam conosco anteriormente. Meu marido além de eficiente não era brincalhão, as meninas diziam: “Alice! Seu marido é antipático!”. Ele me dizia: “Se eu der risada das brincadeiras delas, elas não me respeitam”. Essas fábricas trabalham com produção. Continuei trabalhando mais uns quatro ou cinco anos. Quando meu filho Alberto tinha um ano e dois meses, nasceu o José Antônio, meu marido falou: “Alice, agora você não vai trabalhar mais”. Meu marido ficou lá 22 anos. Em frente era a fábrica de garrafas térmicas Termolar.
Havia uma certa disputa entre funcionários?
Nós que trabalhamos com o Nicolau, um patrão muito exigente, tínhamos adquirido hábitos muito profissionais. A mão sempre muito limpa, quando entrei fui fabricar cetim para forrar sapato de madame. Fazíamos com seda vinda do Japão e da China, tecido de seda para fabricar paraquedas. Quando entrei perguntaram-me se eu transpirava nas mãos. Eu disse que não. “É que a senhora vai trabalhar com uma fazenda que não pode ser lavada. Conforme a senhora faz o tear automaticamente vai para a loja”.
Recebia em dinheiro o salário?
No dia em que recebíamos, meu marido e eu tomávamos um taxi! Nós descíamos do bonde na Igreja de Moema, tinha que andar quatro quarteirões até chegar na fábrica. Naquela época o ônibus passava pela Avenida Nove de Julho, passava atrás da Igreja de Moema e ia para o Aeroporto de Congonhas. Eram ruas todas de barro. As vezes o Sr. Manoel nos dava uma carona por quatro quarteirões. O Seu Armando morava um quarteirão adiante da fábrica. Antigamente na Padaria Palestra na Rua Treze de Maio, todos os dias íamos comprar um quilo de pão, eles davam um cartão, juntávamos 60 cartões eles davam um saco de farinha vazio, eram sacos de material bom, o pessoal fazia lençol, toalhas. Eu pegava aquele saco, minha mãe lavava, alvejava, engomávamos para não ficar mole, aquilo eu amarrava ao lado dos teares, o fio era tão fino que as vezes a gente precisava deitar sobre os teares. Com a unha dava nó de tecelã. Os sacos impediam que encostássemos na seda. Durante o horário de serviço não saiamos de jeito nenhum. Entrávamos as sete horas, sete horas já estávamos lá. Se tocasse o apito das sete horas e o funcionário estivesse do lado de fora, já perdia o dia. Seu Armando dizia: “Vocês antes das sete horas já estão aqui, essas moças que moram em volta da fábrica, as sete e dez é que vem vindo”. Umas moças moravam no Belém, na Penha, em frente ao Cemitério Quarta Parada, iam trabalhar lá. A Fiação Indiana era um indústria muito grande, ia da Avenida Ibirapuera até a rua de trás. Quem quisesse trabalhar lá tinha aluguel bem baratinho. Algumas moças vinham de lá. O Seu Armando disse que ia pagar o ônibus para nós que morávamos distante da fábrica. Chegamos a pegar taxi para chegar no horário. O porteiro viu, ele ficava no meio da rua que era reta, íamos correndo, fazíamos sinal ele já marcava o cartão. O Seu Armando chegou a pagar taxi para mim e meu marido. Havia as invejosas. Naquele tempo o pagamento era em dinheiro, dentro de um envelope. Quem fazia o pagamento era a Flora Montanaro. Ela vinha com uma bandeja, ao invés de chamar o funcionário em seu escritório. Os envelopes que ele dava para o nosso ônibus, ao invés de ela dar junto, ela separava, depois de distribuir os pagamentos, ela balançava os envelopes, todo o pessoal no salão ficava olhando. Perguntaram por que o pessoal da Jean Nicolau tinha um envelope extra. Ela disse: “Ele paga a condução para elas!”. Algumas moças disseram que iam nos agredir no caminho. Tinha uma que era muito minha amiga, avisou-me. Contei ao Seu Armando, ele disse: “Olhe bem o rosto de cada uma, quem fizer alguma coisa contra vocês estará despedida”. Eu disse a Dona Clara, que tinha falado com o Seu Armando. A Dona Clara falou para elas, dali em diante fomos bem tratadas por todas. Quando ele queria mudar alguma coisa na fábrica que envolvesse o pessoal convidava todos para ir até a sua casa. Hoje, onde era a fábrica, funciona o Shopping Ibirapuera.
Quando a senhora deixou a fábrica aonde ficava a sua residência?
Na Rua Rocha, 293, morei 25 anos nessa casa. As vezes íamos ao Teatro Maria Della Costa.
Já tinha a Escola de samba Vai-Vai?
A Vai-Vai era em uma casa em que morei na Rua Rocha, no fim da Rua Rocha era um riozinho que vinha lá de cima da Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, agora é uma rua.
Eles ensaiavam ali?
Em outubro começam os ensaios, ninguém dormia! Meu marido levantava cedo, morando ali ele entrava as sete horas, ele dormia com um travesseiro colado em cada ouvido. Eles ensaiavam ali e iam desfilar na cidade. Uma vez o pessoal da Bela Vista reuniu-se e disseram: “Quem aguenta o barulho e a bagunça de vocês é o bairro, quando é para desfilar vocês vão desfilar na cidade?”. A partir desse dia eles davam uma volta na Rua Treze de Maio e depois iam para a cidade.
Vocês nunca desfilaram?
Não! Meu marido quando era solteiro tocava cavaquinho em um conjunto de cinco rapazes. Se fantasiavam, fantasia de pobre é todos usarem roupas iguais, juntavam casais, íamos primeiro no Brás, ali era o forte do carnaval, também na cidade e no Largo da Concórdia. Até a Rua Bresser. Nós morávamos ali com a casa de móveis, o meu pai acolhia os amigos que iam ver o corso, ele colocava um tábua encostada na parede, ali sentavam e ficavam vendo a folia. As serpentinas eram tantas nos carros, eles tinham rodas raiadas (como as bicicletas) os carros paravam porque as rodas não viravam mais. Encostavam, já naquele tempo vinha o pessoal tirar aquilo para vender, como papel.
Lembro-me quando meu pai tinha casa de móveis e vendia também armas.
As armas ficavam fechadas em uma vitrine. Meu pai vendia também máquinas de costura. Ele pegava uma máquina que estivesse bem maltratada, consertava, colocava os adesivos da Singer, a máquina saia da mão dele novinha. Nunca se dava a arma na mão do comprador. Meu pai estava doente, ele disse a um moço que o ajudava: “Seu Antônio, você fica na loja”. E eu ficava lá também. Chegou um senhor e queria um revólver, Seu Antônio como não era acostumado a servir freguês, pegou o revolver e deu na mão dele. A nossa casa era nos fundos da loja. Seu Antônio se descuidou por uns instantes, o freguês entrou, meu irmão e a minha mãe estavam no quintal, ele pediu licença e entrou no banheiro, quando ele saiu de lá meu irmão disse: “-O homem se matou!”. Minha mãe não acreditou. Meu irmão disse ter visto a camisa dele suja de sangue. Minha mãe foi lá na frente, perguntou ao Seu Antônio o que tinha acontecido. Ele disse: “O homem disse que deu um tiro, devolveu o revolver, disse que o mesmo não presta. Só que eu vi que ele estava com a camisa com sangue. Perguntei-lhe aonde ele iria com a roupa daquele jeito”. O candidato a suicida disse: “Se a arma fosse boa me deixava no lugar”. Seu Antônio disse-lhe: “Você não vai chegar nem na esquina vai ser preso”. Ali perto tinha batalhão. Não demorou muito chegou a polícia com ele. O meu pai foi chamado, o policial disse ao candidato a suicida: “-Você sabe que poderia prejudicar essa família?” Ele respondeu: “Não! Eu tenho uma carta aqui dizendo porque eu estava me matando”. O resultado foi uma dor de cabeça bem grande para todos que viram. O revolver foi apreendido, era uma arma pequena, o cano dobrava sobre o cabo, próprio para pôr no bolsinho que os homens usavam na calça.
A senhora conheceu Gino Amleto Meneghetti?
Meneghetti eu conheci! Minha amiga trabalhava na loja “A Exposição” na Praça Patriarca esquina com a Rua São Bento. O pessoal que trabalhava lá, de vez em quando podiam visitar tecelagens, abrigos, cadeias. Ela me convidou, fomos todos fazer uma visita à penitenciária. Tomamos café da manhã, almoçamos, visitamos as dependências, o Meneghetti ninguém chegava perto, ele cuspia na gente, xingava. Fui ao cinema deles, as cadeiras não tem encosto. Lá atrás ficava um guarda, na frente outro. Fui onde faziam colchões, onde faziam bolas. Tinham oficinas de tudo.
A senhora viu o Zeppelin?
Vi! O Zeppelin parou bem na direção do “Escadão” O Jean Nicolau deu ordem para fechar a firma e todo mundo saiu, dava a impressão de que o Zeppelin estava bem em cima da gente.
Era grande?
Enorme! Parecia ter sido feito de alumínio. O sol batia ele até brilhava. Ficamos uns quinze minutos olhando, tiramos fotografia.
Dava para ver se tinha alguém dentro?
Isso não dava para ver, nem sabíamos se tinha passageiros. Nós estamos conversando, parece que estou vendo-o. Foi uma cena marcante.  
A senhora morou na Europa?
Fiquei quase três anos morando em uma aldeia próxima a Macedo de Cavaleiros, uma das lembranças é quando falecia algum parente os homens ficavam sem fazer a barba até a missa de sétimo dia. Minha mãe tinha dois ou três anos quando o pai dela morreu, minha avó Maria Clara, criou dez filhos, sem marido, que se chamava Manoel. Ela morava em uma casa boa, naquele lugar era a segunda melhor casa. Essa casa ainda existe. Quando alguém vai para lá forneço o endereço para que visitem. Entrando na aldeia aonde a minha mãe nasceu, a última casa da rua, lá se chama eira, onde se bate o feijão, aqui é terreiro. No fim da eira a casa da minha avó é a última casa do lado direito, do lado esquerdo é a igreja.
Que idade a senhora tinha quando morou em Portugal?
Tinha uns 14 anos. Quando estávamos lá houve uma crise financeira, meu ai disse à minha mãe: “Vamos embora senão aqui vamos perder tudo”. Quando chegamos em Lisboa para vir para cá, dois navios faziam muitas viagens: Astúrias e Netuno. Chegando ao Brasil, a loja onde o meu era o proprietário, ele foi trabalhar como empregado. Trabalhou uns quatro ou cinco anos, aí que ele abriu a segunda casa de móveis.
Quando a senhora veio morar no Lar dos Velhinhos de Piracicaba?
Dia 20 de agosto de 2018 completo três anos de moradia no Lar. Minha neta já morava aqui, estudou na Esalq, conheceu o marido na Esalq, ela falava que achava aqui muito bonito, Nós queríamos ver. Gosto daqui, só que morei 97 anos em São Paulo! Morava perto do centro da cidade. Se eu visse no jornal: “Ensina-se isso aqui grátis”. Amanhã eu já estava lá. Sempre fui muito ativa. Na Rua Rocha, quando mudei de lá, só em um quarteirão tinha treze prédios. O prédio Edifício Henrique Cunha Bueno é um prédio muito bonito, foi feito em um morro, não sei como fizeram. Batiam estacas, nem dormíamos a noite. A Rua Rocha era plana, atrás tinha um morro quase esquina com a Manoel Dutra. Ali havia um riozinho, encheram aquele morro, plainaram o terreno. Batendo estacas dia e noite. De um lado da Rua Rocha havia muitas mulheres que eram lavadeiras, muitas mulheres criaram os filhos lavando roupas para gente rica. Do lado de lá era o Clube Lusitana.
E a Igreja Nossa Senhora Achiropita?
Um grande artista iniciou uma pintura da imagem de Maria. Ocorria, no entanto, que tudo o que pintava durante o dia, desaparecia durante a noite. Assim, colocaram um vigilante para impedir a entrada de intrusos, que estivessem danificando a pintura. Numa certa noite, uma formosa mulher, com uma criança no colo, pediu para entrar e rezar. Após insistir, obteve a permissão. Passaram longos minutos e a mulher nada de sair da igreja. Quando o vigilante entrou na igreja, viu a imagem da mulher e do menino estampada no lugar da pintura. Assim, Maria Achiropita: a-kirós-pita (não pintada por mãos humanas). O vigilante saiu gritando pelas ruas: Nossa Senhora Achiropita! No Brasil, só existe uma igreja dedicada a Nossa Senhora Achiropita que se encontra no bairro da Bela Vista. Dia 15 de agosto é dia de Nossa Senhora Achiropita, na Rua Conselheiro Carrão o mês de agosto inteiro aquelas senhoras italianas se vestem com traje regional, o mês inteiro o serviço delas é fazer comida, bolo, salgadinhos. É uma quermesse, quem fica nas barraquinhas são voluntários. Ali a minha mãe deixava ir, os padres faziam cinema lá. Era bem organizado. Na Imaculada eu ia por causa dos filhos, o Alberto já tocava, era muito querido.
A senhora tem muito bom humor!
Eu não sou daquelas velhas ranzinzas, posso não gostar de uma coisa, não brigo com ninguém, aceito tudo.
Como é completar 100 anos, lúcida, com a saúde perfeita?
Me sinto normal! Faço crochê com duas e com quatro agulhas, esta peça que estou fazendo é dos velhinhos em tricô. Manta que faço de resto de lã. Faço fisioterapia, levanto a perna formando 90 graus.
E a alimentação da senhora como é?
Como de tudo, menos duas coisas: carne seca e miolo. Seja doce ou salgado, não sou de comer prato de pedreiro. Todos os dias como frutas, levanto tomo café, quem levanta primeiro faz o café, ou eu ou o Alberto, como um pãozinho com manteiga ou queijo, uma xicara de café com leite, entre o café da manhã e o almoço gosto de comer uma fruta. Almoço, as vezes vou deitar um pouco. Entre o almoço e o jantar geralmente eu como alguma coisa. Senão as seis ou sete horas tomo um café com leite, o Alberto prepara umas torradas. Tenho até uma tábua muito bem feita, meu neto me comprou, é uma almofada, em cima da almofada é uma mesa. As vezes o Alberto vai buscar um prato de sopa no refeitório do Lar. Deito as onze horas, meia-noite. Não tomo absolutamente nada além de muita água, estou sempre tomando um golinho de água, com isso bebo bastante água. Gosto de sopa, não sou gulosa, posso até gostar de alguma coisa, mas se achar que não irá me fazer bem, eu não como. Minha mãe me ensinou: nunca sair da mesa desabotoando o cinto. Saia da mesa que se precisar comer mais, cabe.
E a que horas a senhora acorda?
Ai são outros quinhentos! Nem eu nem ele temos horário para acordar. Já acordamos cedo por muito tempo! Trabalhei quatro anos em uma firma na Rua Augusta, eu entrava as seis horas da manhã. Nessa ocasião minha mãe estava doente, estava em Santos, é um lugar maravilhoso para quem tem reumatismo, por causa da água que contém iodo. Ela sofria muito com o reumatismo, ia sempre para Santos, inclusive tínhamos família lá. Eu entrava as seis horas, meu pai com o salão de barbeiro, meu irmão era relojoeiro no Largo do Tesouro. As 5:40 eu já saia de casa. Não tinha hora de almoço, saia as duas horas da tarde, eram oito horas corridas, a gente levava um lanche, trabalhando e comendo um lanche. As duas horas da tarde saía, vinha, meu pai pegava comida na pensão, quando eu chegava as duas e meia em casa a primeira coisa que eu fazia era esquentar aquela comida que o meu pai deixava. Almoçava e já começava a passar roupa, o salão do meu pai era muito conhecido porque lavávamos todas as toalhas com sabão e passava. Meu pai usava uma vez só a toalha, já ia para lavar. Eu já começava a lavar as toalhas. Começava a fazer o jantar para mim e para o meu pai, o meu irmão jantava na cidade. Meu pai vinha do salão com aquele monte de toalhas, naquela época não havia sabão em pó, só tínhamos o sabão Lux, que usávamos para lavar lingerie. Fervíamos água com sabão, colocava as toalhas naquela água quente, deixava. De manhã levantava as cinco horas, meu pai também levantava, ia perto do tanque, ele era muito carinhoso, eu lavava as toalhas, ele estendia. Quando chegava as duas horas da tarde estava tudo sequinho. Todos os dias fazia isso, Eu devia ter dezessete anos nessa época. As vezes ia ao Cine Rex, situado na Rua Rui Barbosa com Conselheiro Carrão. As vezes a indústria pedia para fazermos hora extra. Quando chegava à noite meu pai dizia: “Alice, vocês trabalharam o dia inteiro, vai chamar a Sofia, vão ao cinema!” O cinema acabava as 9 horas às 10 horas da noite você não via nenhuma moça na rua. A moça que frequentasse salão de baile naquele tempo era falada. Eu gostava de dançar valsa, bolero. Minha amiga que morava em frente ao Lusitana, esquina da Rua Treze de Maio com a Rua Manoel Dutra, era um salão de baile. Minha mãe ia comigo na casa da minha amiga. Minha mãe ficava lá dentro conversando, eu e a minha amiga ficávamos na janela, olhando os outros do outro lado da ria dançando! Meu irmão tocava todos instrumentos de corda e o meu pai tocava bandolim. Quando não tinha freguês no salão o meu pai tocava bandolim e meu irmão violão. A rua ficava animada, o pessoal ia descendo e parando ali para escutar.
Quantos netos a senhora tem?
Tenho dois filhos, cinco netos e duas bisnetas.
A senhora é religiosa?
Sou católica, rezo o meu terço, ganhei terço do Vaticano. Rezo, de manhã quando levanto: “Vamos agradecer o sono que Deus nos deu, não só a mim, mas a todos da minha família e a todos que me cercam”. Vamos deitar? Agradeça tudo que Deus te deu durante o dia. Está nervosa? Fica calma! Rezar faz bem para a alma! Aquele terço, uma Ave Maria, uma prece, acalma. Não sou raivosa, não tenho raiva de ninguém, se me fazem um mal qualquer, eu sinto, mas não sou vingativa. Seja carinhoso com as pessoas. Meu pai quando ia ao centro sempre me trazia alguma coisa: um livro, um presente. Ele fazia isso mesmo depois que eu estava casada. Ele nunca se esqueceu de mim.

 

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