domingo, setembro 09, 2018

PEDRILHA DE GOES BAGGI (AMIGAS DA ONÇA)


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 de agosto de 2018
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/



ENTREVISTADO: PEDRILHA DE GOES BAGGI 
                           (AMIGAS DA ONÇA)
 
A psicóloga clínica e hospitalar Pedrilha de Goes Baggi nasceu em Piracicaba, no Bairro da Paulista, a Rua Santos, próximo à Praça Takaki. Casada com Antonio Baggi Junior tem dois filhos: Renata e Ronaldo. Pedrilha é filha de Alcindo Goes comerciante e Aparecida Goes costureira que tiveram três filhos: Mário, Maria Helena e Pedrilha.
O pai da senhora sempre trabalhou como comerciante?
Inicialmente ele trabalhou na Usina Monte Alegre, até que ele saiu e comprou uma freguesia de pão, um carrinho de tração animal e um cavalo, com o passar do tempo ele adquiriu uma Kombi.
Esse carrinho era aquele com dobradiça, erguia-se a tampa, e lá estavam os pães?
Exatamente!
A que horas ele costumava sair para trabalhar?
Saia a uma hora da manhã. Ia carregar os pães, a sua freguesia era muito grande. À tarde ele saia de novo com outros produtos: pães doces, sonhos, roscas doces. Na época ele trabalhava com a Padaria São José, situada à Avenida Madre Maria Teodora. Hoje o local é ocupado por uma farmácia. Mais tarde ele montou uma filial da padaria São José, na Rua Coronel Barbosa, esquina com a Coronel Fernando Febeliano da Costa. Ali funcionava como um ponto de venda, os pães vinham prontos da fabricação na padaria.
A senhora chegou a trabalhar nessa filial?
Trabalhava no balcão atendendo, as vezes faltava pão eu ia entregar com ele. Nessa época eu tinha uns 11 anos.
A senhora chegou a fazer entrega nas casas dos fregueses?
Fiz! Geralmente o leiteiro entregava o litro de leite e nós entregávamos o pão tipo “bengala”, lembro-me de um dos lugares em que entregávamos era a “Coréia” (Na década de 50 nas imediações da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, também conhecida como Igreja da Paulicéia, era uma área onde havia com mais frequência atritos entre os moradores, o delegado titular Dr. Geraldo Lopes Vieira atendia frequentemente as desavenças, o que o levou a comparar a briga entre vizinhos a Guerra da Coréia. O apelido caiu no gosto do povo). Nessa época meu pai já tinha uma Kombi, alguns vinham pegar o pão, outros tínhamos que deixar na porta. O que para a época era um pouco ousado, as mulheres vinham buscar o pão de camisola, levantavam da cama e vinham do jeito que estavam.
No período em que entregavam pão com o carrinho qual era o nome do cavalo?
Tinha o Lobo, uma égua branca chamada Pomba e uma égua preta chamada Pretinha. Eu ia com o meu pai cortar grama, onde hoje é o Castelinho (Construído por João Chaddad).
Ali o meu pai cortava capim gordura. Meu pai lotava o carrinho e vínhamos para casa. Eu ia passear.
Nessa época ali não havia asfalto?
Era tudo chão de terra, não me lembro de ter a Avenida Dr. Paulo de Moraes. Existia a Avenida Nove de Julho, ia até um pedaço, depois ela acabava. Lembro-me também que um senhor levava com carrinho cana-de-açúcar picada para dar ao cavalo. Atrás de casa havia um terreno onde ficava o cavalo.
A tarde seu pai saia novamente para visitar a freguesia?
Iam também pães doces, sonhos. Tinha clientes que marcavam na caderneta, e acertavam ao final de um mês, e muitos compravam a vista. Em 1986 meu pai adoeceu, permaneci com o meu irmão na filial da padaria. No início de 1987 nós arrendamos. Eu sai de lá e arrumei trabalho na Unimep. Onde trabalhei por 17 anos no Colégio Piracicabano, de 1987 até 2004, a Ozaide Trimer era a minha chefe.
O curso primário onde foi realizado pela senhora?
Foi na Escola Estadual Professora Olivia Bianco, o ginásio estudei na Escola Estadual Dr. Jorge Coury e depois fiz na Escola Estadual Sud Mennucci onde conclui o ensino médio.
O que a levou a estudar psicologia?
Lembro-me de quando era menina eu pegava uma revista a primeira coisa que eu ia ler era a seção do Eduardo Mascarenhas, psicanalista, e me intrigava como ele conseguia saber o que estava ocorrendo com a pessoa. Como eu trabalhava na área administrativa, me aconselharam a fazer o curso de administração. Cursei por algum tempo o curso de administração, mas percebi que não era o que eu buscava. Eu tinha uma amiga que cursava psicologia e conforme ela contava a respeito do seu curso meu interesse aumentava. Decidi fazer psicologia. Em 1998 me formei em psicologia. Eu casei dia 2 de junho de 1979, na Igreja dos Frades. Já estamos casados há 39 anos.
A senhora dedica-se especificamente a alguma área em especial ou só em seu consultório?   
Em 2004 quando saí do Colégio Piracicabano, fui trabalhar no setor de hemodiálise da Santa Casa, fiquei por dois anos e meio trabalhando como psicóloga do setor. Depois fui trabalhar no Cecan (Centro do Câncer da Santa Casa de Piracicaba). A minha postura como psicóloga ficou voltada mais para a área hospitalar. Tenho o meu consultório particular onde faço psicologia clínica.
A seu ver, qual é o paciente que reage de forma a não aceitar com reação mais acentuada a sua situação: o do Cecan ou da hemodiálise?
O câncer vem com um peso e um estigma muito grande, quando o paciente de câncer tem o diagnóstico positivo na hora vem o sentimento de morte próxima. A pessoa que tem o diagnóstico de deficiência renal crônica, a minha impressão era de ela não tinha esse estigma, só que o processo em si é mais difícil, ele tem que fazer 4 horas de hemodiálise, três vezes por semana, isso dava a impressão de que eles não tinham uma vida própria. O paciente com câncer faz uma quimioterapia a cada 21, 28 dias. Ele pode comer tudo que desejar. O paciente de hemodiálise tem muitas restrições. Da mesma forma, o paciente com câncer pode passear, o que faz hemodiálise tem que saber se o lugar aonde vai, quantos dias irá ficar, se tem um local em que ele possa fazer a hemodiálise. Essas limitações tornam seus deslocamentos mais restritos.
Como o paciente a recebe? Com alegria?
Nem sempre! Tem que haver o desejo do paciente ir ao psicólogo, falar da sua angustia. Estou no Cecan todos os dias. Tem o pessoal que vai fazer a quimioterapia, vai passar pela consulta médica, as vezes o próprio médico encaminha, ou a enfermagem, as vezes ele vai por vontade própria, muitas vezes vou até a quimioterapia, pode acontecer da pessoa ter preconceito com relação ao psicólogo, as vezes dão uma abertura. Há também os que rejeitam claramente a presença de qualquer profissional da psicologia. É uma atitude defensiva. De forma suave e gradativamente procuro quebrar essa postura. Com a convivência, ou por ordem médica, coloco-me a disposição do paciente.
Um choque emocional muito grande, uma decepção, enfim um fato social de grandeza relevante pode ocasionar um ataque cardíaco. O câncer pode ocorrer do comportamento, de fatores emocionais?
Pelo que já estudei, artigos científicos, o fato de levar uma vida mais suave não irá garantir que deixará de contrair a doença. A dificuldade em prevenir a doença é não saber porque ela surge. Como psicóloga eu procuro saber se a pessoa passou por algum trauma, o médico irá usar seu olhar clínico, a nutricionista irá ver por outro viés.
O “stress’ pode desenvolver o câncer?
Não há comprovação científica. Alguns dizem que sim. Tem gente que tem muito “stress” e não desenvolve nada! Outros não estão estressados e tem! A psicologia é o estudo do comportamento, a psicodinâmica da pessoa.
A incidência de câncer é mais acentuada em quais classes sociais?
A doença não escolhe classe, idade, beleza, poder aquisitivo. O que acontece é que a classe menos favorecida não faz exames preventivos, com isso quando percebem a doença já está em um estágio avançado. Um fator também é que os mais abastados ao menor sinal buscam os recursos mais avançados. Isso as vezes adia a doença. Tudo depende da complexidade do caso.
O álcool e o tabaco podem agir como gatilho para a doença?
O que se diz é que a probabilidade de desenvolver câncer é maior. É uma probabilidade. Você irá escutar “Fulano fuma há 50 anos e não tem nada”. A chance de você ter câncer com o uso do tabaco é maior do que não fumar. Isso não isenta os não fumantes! Atualmente há muitos conflitos de relacionamento, não só entre casal, mas com relação ao mundo em que vivemos. O psicólogo tem como função escutar e pontuar onde o indivíduo está tendo um comportamento repetitivo. Muitas vezes a pessoa só muda a personagem, o comportamento é o mesmo.
A senhora faz um trabalho muito interessante: “As Amigas da Onça”.
O grupo surgiu em 2012, eu queria fazer um grupo terapêutico, mas que não fosse tradicional. Meu desejo é que elas se expressassem a vontade. Sem formalismos. De certa forma queria que fizessem uma troca de experiências sobre o tratamento pelo qual estavam passando. Usei o artesanato como mediador, isso no Cecan. Convidei a Daniela Prates, ela é artesã.
Que tipo de artesanato era?
Artesanato com feltro, que não usassem máquinas.
Qual foi o grau de satisfação das que realizavam as peças?
Foi uma realização! Sobretudo o encontro de pessoas que estavam passando pela mesma situação. A identificação: eu também estou passando por isso, eu também estou careca, eu também faço quimioterapia. Foram conversando entre si e houve essa troca. Eu estava presente, quando o assunto era inconveniente, mudávamos de assunto. Mas eu fazia o artesanato junto, conversávamos, fazendo essa integração o grupo foi crescendo, formando um vínculo, no início foram seis pessoas, com o tempo foi aumentando, cada mês fazíamos um tipo de artesanato. Sempre com esse objetivo, que elas se conhecessem, mesmo porque umas faziam quimioterapia em um dia, outra em outro dia. Quis unir essas mulheres para que elas soubessem que não estavam sozinhas. Cada uma deveria saber que não era a única a passar por isso.
Quando descobrem que estão com câncer não perguntam: Por que eu?
Isso! Eu digo, não se deve perguntar: Por que eu? Quando a pessoa ganha na loteria sozinha, ela não pergunta para Deus: Por que eu? Ela começa a se achar culpada, que aquilo é um castigo. E não tem nada disso.
Ai entra um pouco do resquício da formação religiosa culpa-castigo, como se Deus não fosse amor e sim um Ser que pune sem misericórdia.
O paciente pode pensar que é uma punição por algo. O grupo foi crescendo, vinham muitas, faziam artesanatos, conversavam muito. O nome “Amigas da Onça” surgiu de uma brincadeira de final de ano o amigo secreto. Como nem todas as pessoas se conheciam muito bem, decidimos brincar com as pessoas sorteadas. Fizemos com presentes mesmo. Foi uma tarde divertidíssima, alguém sugeriu que tínhamos que colocar um nome no grupo, como estávamos vivenciando surgiu o nome “Amigas da Onça” por conta da situação do momento. E a coisa foi pegando, agregamos alegorias relativas a onça. (Todas industrializadas, nada natural, do animal só o nome). Lenços, presilhas, tudo que tenha a ver com a onça.
Vocês fizeram uma apresentação no Lar dos Velhinhos que encantou e emocionou os presentes.
Apresentamos uma música, onde houve a participação dos presentes, estávamos com o apoio de algumas pessoas, inclusive voluntárias, para a coreografia.
Na realidade é uma divulgação do trabalho de vocês, caso uma empresa ou entidade solicitar vocês podem fazer uma apresentação?
Nós damos ênfase ao “Outubro Rosa”, o objetivo é que as pessoas conheçam o seu corpo, façam um autoexame. Mostrar que as pessoas que estão ali já fizeram o tratamento de câncer de mama ou qualquer outro tipo de câncer, estão ali, vivendo, alegres, brincando, cheias de vida. Vamos diminuir o estigma do câncer. Temos o face “Amigas da Onça”  https://www.facebook.com/Amigas-da-On%C3%A7a-197442354013109/
Quem vai ao Cecan já está sensibilizada?
A pessoa quando vai ao Cecan já está com diagnóstico de câncer. Ela já fez uma biopsia confirmando. Ela chega fragilizada. É apresentada à ela os recursos tecnológicos e humanos que dispomos. Eu apresento o grupo para quem quiser participar.
Tem pessoas que ficam remoendo e tornam sua própria vida mais difícil?
São aquelas pessoas que arrastam correntes. É necessário haver uma aceitação.
Ocorre de uma pessoa que já teve câncer, foi tratada, curou-se e ao comentar com alguém escutar “Ai, coitada!”
Isso é muito ruim! As pessoas não querem que sintam pena dela.
Há também aquelas pessoas que ao ter a doença, mesmo curada, são incapazes de pegar um copo de água, pede que alguém o faça?
São pessoas que se colocam o tempo todo como vítima, com certeza ela já se colocava, com o câncer isso acentuou-se.
Quais são as diferenças entre o psiquiatra e o psicólogo?
Para atuar como psiquiatra deve-se cursar seis anos de Medicina e mais dois ou três de residência em Psiquiatria. Já para atuar como psicólogo, deve-se fazer uma graduação de cinco anos em Psicologia e, em seguida, especializar-se na área e na abordagem escolhida.  O psiquiatra faz o diagnóstico e recomenda a medicação. O psicólogo vai ouvir e pontuar para que o paciente tenha consciência daquilo que ele está fazendo. Ele irá promover um autoconhecimento. O paciente que irá mudar. A forma como ele lidar vai ser a resposta.
Colocando dessa forma, que o desejo da pessoa é soberano e a Constituição Federal assim afirma, ninguém pode ser obrigado a agir contra si mesmo, como psicóloga qual é a sua visão com relação a Cracolândia?
Em minha opinião a pessoa deve ser convencida a tomar um banho, se recompor, a sair daquele quadro maior, e depois ver se ela quer ser tratada. Ou seja no ambiente em que ela está não tem capacidade própria para discernir. Ela tem que ter condições de sobriedade para que possa decidir o que de fato deseja. Se a pessoa não quiser, ninguém muda. Isso acontece com todo vício: jogo, álcool, tabaco, substâncias químicas.
A senhora nesses 14 anos como psicóloga deve ter visto e ouvido de tudo, e cada um tem seu problema?
Todo mundo tem o seu problema, o que muda é a forma de lidar com o problema. Tem os que levam de forma mais branda e passam bem e as pessoas em que tudo é negativo, ela é vítima.
Quem acha que o copo está meio vazio tem mais possibilidade de ter algum problema de saúde do que a pessoa que acha que o copo está meio cheio?
Sim. É a forma como ela vai lidar com a situação, o olhar negativo, aquilo não vai dar certo.
O autoconhecimento desde os tempos remotos é uma busca do ser humano. Cada um tem um universo dentro de si?
O autoconhecimento é fundamental. Ele ajuda em todos os aspectos. Como lidar com determinada situação, como lidar com uma doença. Em termos psicológicos é o que a gente proporciona. O psicólogo vai fazendo com que a pessoa se conheça, saiba como ela é. Conheça seus defeitos e qualidades. O objetivo do psicólogo é aquilo que esteja inconsciente fique consciente.
Qual é o poder do subconsciente sobre o consciente?
È muito grande. Quanto mais consciência tivermos vamos lidar melhor com todas as situações. O seu comportamento será do seu conhecimento. Uma palavra dita ao acaso pode trazer grandes consequências. A palavra tem muito poder. Acho importante que as pessoas vivam o dia de hoje. Não dar tanta importância para coisas pequenas.
Muitas pessoas permanecem ligadas ao passado?
Tem, isso faz mal, mas faz muito mais mal a ansiedade, o que vai fazer no futuro. O passado já foi. Existe pessoas que lamentam-se de fatos ocorridos na infância, adolescência, ou mesmo há décadas, só que no fundo elas esperam ter um ganho secundário com essas lamentações. Acha que com isso as pessoas terão pena dela. “Ah! Coitado, ele sofreu!” Todo mundo sofre! As pessoas ao atingir a idade madura, aposentam-se e podem ter uma vida ativa ou uma vida rotineira, uma mesmice sem graça. Depende exclusivamente da escolha da pessoa.
 

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