PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 de agosto de 2018
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 de agosto de 2018
Entrevista:
Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: PEDRILHA DE GOES BAGGI
(AMIGAS DA ONÇA)
A psicóloga clínica e hospitalar Pedrilha de Goes Baggi
nasceu em Piracicaba, no Bairro da Paulista, a Rua Santos, próximo à Praça
Takaki. Casada com Antonio Baggi Junior tem dois filhos: Renata e Ronaldo.
Pedrilha é filha de Alcindo Goes comerciante e Aparecida Goes costureira que
tiveram três filhos: Mário, Maria Helena e Pedrilha.
O pai da senhora sempre trabalhou como comerciante?
Inicialmente ele trabalhou na Usina Monte
Alegre, até que ele saiu e comprou uma freguesia de pão, um carrinho de tração
animal e um cavalo, com o passar do tempo ele adquiriu uma Kombi.
Esse carrinho era aquele com dobradiça, erguia-se a tampa, e lá estavam
os pães?
Exatamente!
A que horas ele costumava sair para trabalhar?
Saia a uma hora da manhã. Ia carregar os
pães, a sua freguesia era muito grande. À tarde ele saia de novo com outros
produtos: pães doces, sonhos, roscas doces. Na época ele trabalhava com a
Padaria São José, situada à Avenida Madre Maria Teodora. Hoje o local é ocupado
por uma farmácia. Mais tarde ele montou uma filial da padaria São José, na Rua
Coronel Barbosa, esquina com a Coronel Fernando Febeliano da Costa. Ali
funcionava como um ponto de venda, os pães vinham prontos da fabricação na
padaria.
A senhora chegou a trabalhar nessa filial?
Trabalhava no balcão atendendo, as vezes
faltava pão eu ia entregar com ele. Nessa época eu tinha uns 11 anos.
A senhora chegou a fazer entrega nas casas dos fregueses?
Fiz! Geralmente o leiteiro entregava o litro
de leite e nós entregávamos o pão tipo “bengala”, lembro-me de um dos lugares
em que entregávamos era a “Coréia” (Na década de 50 nas imediações da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, também conhecida como Igreja da Paulicéia,
era uma área onde havia com mais frequência atritos entre os moradores, o
delegado titular Dr. Geraldo Lopes Vieira atendia frequentemente as desavenças,
o que o levou a comparar a briga entre vizinhos a Guerra da Coréia. O apelido
caiu no gosto do povo). Nessa época meu pai já tinha uma Kombi, alguns vinham
pegar o pão, outros tínhamos que deixar na porta. O que para a época era um
pouco ousado, as mulheres vinham buscar o pão de camisola, levantavam da cama e
vinham do jeito que estavam.
No
período em que entregavam pão com o carrinho qual era o nome do cavalo?
Tinha o Lobo, uma
égua branca chamada Pomba e uma égua preta chamada Pretinha. Eu ia com o meu
pai cortar grama, onde hoje é o Castelinho (Construído por João Chaddad).
Ali o meu pai
cortava capim gordura. Meu pai lotava o carrinho e vínhamos para casa. Eu ia
passear.
Nessa
época ali não havia asfalto?
Era tudo chão de
terra, não me lembro de ter a Avenida Dr. Paulo de Moraes. Existia a Avenida
Nove de Julho, ia até um pedaço, depois ela acabava. Lembro-me também que um
senhor levava com carrinho cana-de-açúcar picada para dar ao cavalo. Atrás de
casa havia um terreno onde ficava o cavalo.
A
tarde seu pai saia novamente para visitar a freguesia?
Iam também pães
doces, sonhos. Tinha clientes que marcavam na caderneta, e acertavam ao final
de um mês, e muitos compravam a vista. Em 1986 meu pai adoeceu, permaneci com o
meu irmão na filial da padaria. No início de 1987 nós arrendamos. Eu sai de lá
e arrumei trabalho na Unimep. Onde trabalhei por 17 anos no Colégio
Piracicabano, de 1987 até 2004, a Ozaide Trimer era a minha chefe.
O
curso primário onde foi realizado pela senhora?
Foi na Escola
Estadual Professora Olivia Bianco, o ginásio estudei na Escola Estadual Dr.
Jorge Coury e depois fiz na Escola Estadual Sud Mennucci onde conclui o
ensino médio.
O que
a levou a estudar psicologia?
Lembro-me
de quando era menina eu pegava uma revista a primeira coisa que eu ia ler era a
seção do Eduardo Mascarenhas, psicanalista, e me intrigava como ele conseguia
saber o que estava ocorrendo com a pessoa. Como eu trabalhava na área
administrativa, me aconselharam a fazer o curso de administração. Cursei por
algum tempo o curso de administração, mas percebi que não era o que eu buscava.
Eu tinha uma amiga que cursava psicologia e conforme ela contava a respeito do
seu curso meu interesse aumentava. Decidi fazer psicologia. Em 1998 me formei
em psicologia. Eu casei dia 2 de junho de 1979, na Igreja dos Frades. Já
estamos casados há 39 anos.
A
senhora dedica-se especificamente a alguma área em especial ou só em seu consultório?
Em 2004 quando saí do Colégio
Piracicabano, fui trabalhar no setor de hemodiálise da Santa Casa,
fiquei por dois anos e meio trabalhando como psicóloga do setor. Depois fui
trabalhar no Cecan (Centro do Câncer da Santa Casa de
Piracicaba). A minha postura como psicóloga ficou voltada mais para a área
hospitalar. Tenho o meu consultório particular onde faço psicologia clínica.
A seu
ver, qual é o paciente que reage de forma a não aceitar com reação mais
acentuada a sua situação: o do Cecan ou da hemodiálise?
O câncer vem com
um peso e um estigma muito grande, quando o paciente de câncer tem o
diagnóstico positivo na hora vem o sentimento de morte próxima. A pessoa que
tem o diagnóstico de deficiência renal crônica, a minha impressão era de ela
não tinha esse estigma, só que o processo em si é mais difícil, ele tem que
fazer 4 horas de hemodiálise, três vezes por semana, isso dava a impressão de
que eles não tinham uma vida própria. O paciente com câncer faz uma
quimioterapia a cada 21, 28 dias. Ele pode comer tudo que desejar. O paciente
de hemodiálise tem muitas restrições. Da mesma forma, o paciente com câncer
pode passear, o que faz hemodiálise tem que saber se o lugar aonde vai, quantos
dias irá ficar, se tem um local em que ele possa fazer a hemodiálise. Essas
limitações tornam seus deslocamentos mais restritos.
Como
o paciente a recebe? Com alegria?
Nem sempre! Tem que haver o
desejo do paciente ir ao psicólogo, falar da sua angustia. Estou no Cecan todos
os dias. Tem o pessoal que vai fazer a quimioterapia, vai passar pela consulta
médica, as vezes o próprio médico encaminha, ou a enfermagem, as vezes ele vai
por vontade própria, muitas vezes vou até a quimioterapia, pode acontecer da
pessoa ter preconceito com relação ao psicólogo, as vezes dão uma abertura. Há
também os que rejeitam claramente a presença de qualquer profissional da
psicologia. É uma atitude defensiva. De forma suave e gradativamente procuro
quebrar essa postura. Com a convivência, ou por ordem médica, coloco-me a
disposição do paciente.
Um choque emocional muito grande,
uma decepção, enfim um fato social de grandeza relevante pode ocasionar um
ataque cardíaco. O câncer pode ocorrer do comportamento, de fatores emocionais?
Pelo que já estudei, artigos
científicos, o fato de levar uma vida mais suave não irá garantir que deixará
de contrair a doença. A dificuldade em prevenir a doença é não saber porque ela
surge. Como psicóloga eu procuro saber se a pessoa passou por algum trauma, o
médico irá usar seu olhar clínico, a nutricionista irá ver por outro viés.
O “stress’ pode desenvolver o câncer?
O “stress’ pode desenvolver o câncer?
Não há comprovação científica.
Alguns dizem que sim. Tem gente que tem muito “stress” e não desenvolve nada!
Outros não estão estressados e tem! A psicologia é o estudo do comportamento, a
psicodinâmica da pessoa.
A incidência de câncer é mais
acentuada em quais classes sociais?
A doença não escolhe classe,
idade, beleza, poder aquisitivo. O que acontece é que a classe menos favorecida
não faz exames preventivos, com isso quando percebem a doença já está em um
estágio avançado. Um fator também é que os mais abastados ao menor sinal buscam
os recursos mais avançados. Isso as vezes adia a doença. Tudo depende da
complexidade do caso.
O álcool e o tabaco podem agir
como gatilho para a doença?
O que se diz é que a
probabilidade de desenvolver câncer é maior. É uma probabilidade. Você irá
escutar “Fulano fuma há 50 anos e não tem nada”. A chance de você ter câncer
com o uso do tabaco é maior do que não fumar. Isso não isenta os não fumantes!
Atualmente há muitos conflitos de relacionamento, não só entre casal, mas com
relação ao mundo em que vivemos. O psicólogo tem como função escutar e pontuar
onde o indivíduo está tendo um comportamento repetitivo. Muitas vezes a pessoa
só muda a personagem, o comportamento é o mesmo.
A senhora faz um trabalho muito
interessante: “As Amigas da Onça”.
O grupo surgiu em 2012, eu queria
fazer um grupo terapêutico, mas que não fosse tradicional. Meu desejo é que
elas se expressassem a vontade. Sem formalismos. De certa forma queria que
fizessem uma troca de experiências sobre o tratamento pelo qual estavam
passando. Usei o artesanato como mediador, isso no Cecan. Convidei a Daniela
Prates, ela é artesã.
Que tipo de artesanato era?
Artesanato com feltro, que não
usassem máquinas.
Qual foi o grau de satisfação das
que realizavam as peças?
Foi uma realização! Sobretudo o
encontro de pessoas que estavam passando pela mesma situação. A identificação:
eu também estou passando por isso, eu também estou careca, eu também faço
quimioterapia. Foram conversando entre si e houve essa troca. Eu estava
presente, quando o assunto era inconveniente, mudávamos de assunto. Mas eu
fazia o artesanato junto, conversávamos, fazendo essa integração o grupo foi
crescendo, formando um vínculo, no início foram seis pessoas, com o tempo foi
aumentando, cada mês fazíamos um tipo de artesanato. Sempre com esse objetivo,
que elas se conhecessem, mesmo porque umas faziam quimioterapia em um dia,
outra em outro dia. Quis unir essas mulheres para que elas soubessem que não
estavam sozinhas. Cada uma deveria saber que não era a única a passar por isso.
Quando descobrem que estão com câncer não perguntam: Por que eu?
Quando descobrem que estão com câncer não perguntam: Por que eu?
Isso! Eu digo, não se deve
perguntar: Por que eu? Quando a pessoa ganha na loteria sozinha, ela não
pergunta para Deus: Por que eu? Ela começa a se achar culpada, que aquilo é um
castigo. E não tem nada disso.
Ai entra um pouco do resquício da
formação religiosa culpa-castigo, como se Deus não fosse amor e sim um Ser que
pune sem misericórdia.
O paciente pode pensar que é uma
punição por algo. O grupo foi crescendo, vinham muitas, faziam artesanatos,
conversavam muito. O nome “Amigas da Onça” surgiu de uma brincadeira de final
de ano o amigo secreto. Como nem todas as pessoas se conheciam muito bem,
decidimos brincar com as pessoas sorteadas. Fizemos com presentes mesmo. Foi
uma tarde divertidíssima, alguém sugeriu que tínhamos que colocar um nome no
grupo, como estávamos vivenciando surgiu o nome “Amigas da Onça” por conta da
situação do momento. E a coisa foi pegando, agregamos alegorias relativas a
onça. (Todas industrializadas, nada natural, do animal só o nome). Lenços,
presilhas, tudo que tenha a ver com a onça.
Vocês fizeram uma apresentação no Lar dos Velhinhos que encantou e emocionou os presentes.
Vocês fizeram uma apresentação no Lar dos Velhinhos que encantou e emocionou os presentes.
Apresentamos uma música, onde
houve a participação dos presentes, estávamos com o apoio de algumas pessoas,
inclusive voluntárias, para a coreografia.
Na realidade é uma divulgação do
trabalho de vocês, caso uma empresa ou entidade solicitar vocês podem fazer uma
apresentação?
Nós damos ênfase ao “Outubro
Rosa”, o objetivo é que as pessoas conheçam o seu corpo, façam um autoexame.
Mostrar que as pessoas que estão ali já fizeram o tratamento de câncer de mama
ou qualquer outro tipo de câncer, estão ali, vivendo, alegres, brincando,
cheias de vida. Vamos diminuir o estigma do câncer. Temos o face “Amigas da
Onça” https://www.facebook.com/Amigas-da-On%C3%A7a-197442354013109/
Quem vai ao Cecan já está
sensibilizada?
A pessoa quando vai ao Cecan já
está com diagnóstico de câncer. Ela já fez uma biopsia confirmando. Ela chega
fragilizada. É apresentada à ela os recursos tecnológicos e humanos que
dispomos. Eu apresento o grupo para quem quiser participar.
Tem pessoas que ficam remoendo e
tornam sua própria vida mais difícil?
São aquelas pessoas que arrastam
correntes. É necessário haver uma aceitação.
Ocorre de uma pessoa que já teve
câncer, foi tratada, curou-se e ao comentar com alguém escutar “Ai, coitada!”
Isso é muito ruim! As pessoas não
querem que sintam pena dela.
Há também aquelas pessoas que ao
ter a doença, mesmo curada, são incapazes de pegar um copo de água, pede que
alguém o faça?
São pessoas que se colocam o
tempo todo como vítima, com certeza ela já se colocava, com o câncer isso
acentuou-se.
Quais são as diferenças entre o
psiquiatra e o psicólogo?
Para atuar como psiquiatra
deve-se cursar seis anos de Medicina e mais dois ou três de residência em
Psiquiatria. Já para atuar como psicólogo, deve-se fazer uma
graduação de cinco anos em Psicologia
e, em seguida, especializar-se na área e na abordagem escolhida. O psiquiatra faz o diagnóstico e recomenda a medicação.
O psicólogo vai ouvir e pontuar para que o paciente tenha consciência daquilo
que ele está fazendo. Ele irá promover um autoconhecimento. O paciente que irá
mudar. A forma como ele lidar vai ser a resposta.
Colocando dessa forma, que o desejo da pessoa é soberano e a
Constituição Federal assim afirma, ninguém pode ser obrigado a agir contra si
mesmo, como psicóloga qual é a sua visão com relação a Cracolândia?
Em minha opinião a pessoa deve ser convencida a tomar um
banho, se recompor, a sair daquele quadro maior, e depois ver se ela quer ser
tratada. Ou seja no ambiente em que ela está não tem capacidade própria para
discernir. Ela tem que ter condições de sobriedade para que possa decidir o que
de fato deseja. Se a pessoa não quiser, ninguém muda. Isso acontece com todo
vício: jogo, álcool, tabaco, substâncias químicas.
A senhora nesses 14 anos como
psicóloga deve ter visto e ouvido de tudo, e cada um tem seu problema?
Todo mundo tem o seu problema, o
que muda é a forma de lidar com o problema. Tem os que levam de forma mais
branda e passam bem e as pessoas em que tudo é negativo, ela é vítima.
Quem acha que o copo está meio
vazio tem mais possibilidade de ter algum problema de saúde do que a pessoa que
acha que o copo está meio cheio?
Sim. É a forma como ela vai lidar
com a situação, o olhar negativo, aquilo não vai dar certo.
O autoconhecimento desde os
tempos remotos é uma busca do ser humano. Cada um tem um universo dentro de si?
O autoconhecimento é fundamental. Ele ajuda em todos os aspectos. Como lidar com determinada situação, como lidar com uma doença. Em termos psicológicos é o que a gente proporciona. O psicólogo vai fazendo com que a pessoa se conheça, saiba como ela é. Conheça seus defeitos e qualidades. O objetivo do psicólogo é aquilo que esteja inconsciente fique consciente.
O autoconhecimento é fundamental. Ele ajuda em todos os aspectos. Como lidar com determinada situação, como lidar com uma doença. Em termos psicológicos é o que a gente proporciona. O psicólogo vai fazendo com que a pessoa se conheça, saiba como ela é. Conheça seus defeitos e qualidades. O objetivo do psicólogo é aquilo que esteja inconsciente fique consciente.
Qual é o poder do subconsciente
sobre o consciente?
È muito grande. Quanto mais
consciência tivermos vamos lidar melhor com todas as situações. O seu
comportamento será do seu conhecimento. Uma palavra dita ao acaso pode trazer
grandes consequências. A palavra tem muito poder. Acho importante que as
pessoas vivam o dia de hoje. Não dar tanta importância para coisas pequenas.
Muitas pessoas permanecem ligadas
ao passado?
Tem, isso faz mal, mas faz muito
mais mal a ansiedade, o que vai fazer no futuro. O passado já foi. Existe
pessoas que lamentam-se de fatos ocorridos na infância, adolescência, ou mesmo
há décadas, só que no fundo elas esperam ter um ganho secundário com essas
lamentações. Acha que com isso as pessoas terão pena dela. “Ah! Coitado, ele
sofreu!” Todo mundo sofre! As pessoas ao atingir a idade madura, aposentam-se e
podem ter uma vida ativa ou uma vida rotineira, uma mesmice sem graça. Depende
exclusivamente da escolha da pessoa.
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