domingo, setembro 09, 2018

JOÃO LÚCIO DE AZEVEDO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de setembro de 2018
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO:  JOÃO LÚCIO DE AZEVEDO

 

O Prof. Dr. João Lúcio de Azevedo nasceu a 31 de julho de 1937 em São Paulo, no bairro Jardim Paulista, na esquina da Avenida Nove de Julho com a Rua Estados Unidos, onde o seu pai tinha uma casa. São seus pais Manoel Victor de Azevedo e Ema Crivelentte de Azevedo. Tiveram seis filhos: Leda, Elmo, Valter, Manoel Victor, Luiz Carlos e João Lúcio.
É um endereço nobre!
Era o começo! A rua não era nem asfaltada! Essa casa existe até hoje, no local funciona um estabelecimento bancário. O local era um dos empreendimentos imobiliários da Companhia City. Com 4 a 5 anos mudei entre a Rua Conselheiro Zacarias e a Rua Honduras, no Jardim Paulista também, bem pertinho. Passava o bonde Jardim Paulista, subia a Rua Pamplona e eu ia até a Avenida Paulista.
Era bonde aberto ou fechado?
O que subia a Pamplona era aberto, lá em cima pegava o bonde “camarão”, vermelhinho, fechado. Eu ia até o Colégio São Luiz, na Avenida Paulista, onde estudei. Lá eu fiz o ensino médio e o preparo para o vestibular.
Dava para ir a pé da casa do senhor até o Colégio São Luiz?
Dava! Subia a Rua Pamplona, virava na Avenida Paulista, passava onde depois passou a ser o MASP, lá existia um belvedere (local de observação), ao que consta até hoje tem uns resquícios desse belvedere. A Avenida Paulista já era calçada. Existiam muitos casarões, mansões. A casa do Conde Matarazzo, quando eu ia de bonde para o Colégio São Luiz pegava-o lá em frente a mansão do Matarazzo. Era um bonde com o letreiro escrito “Angélica”, referência ao percurso pela Avenida Angélica.
O senhor chegou a entrar na Mansão Matarazzo?
Cheguei a entrar no vizinho, meu colega de Colégio São Luiz morava ao lado da Mansão Matarazzo. Dava para ver a propriedade do Matarazzo, era um monstro de casa! Era um patrimônio histórico! Tinha um muro baixinho onde eu sentava e ficava esperando o bonde, dali dava para ver a enormidade, a beleza da casa revestida em mármore de Carrara. Já tínhamos o Parque Trianon, uma sombra tropical no coração da Avenida Paulista, onde passava o bonde nos dois sentidos, em direção à Avenida Angélica e ao Paraíso, ali havia uma loja Sears, onde é um Shopping hoje. Na Brigadeiro Luiz Antônio Havia a Igreja Nossa |Senhora da Conceição. São Paulo era uma outra cidade. A década de 40 é um momento marcado por uma profunda mudança na cidade de São Paulo. Conforme dados do IBGE, sua população, em 1947, era duas vezes maior que a existente em 1937, ou seja, a população da cidade pulou de 1,3 milhão (1937) para 2,2 milhões 1947 em apenas 10 anos. Frequentei a loja Mappin na Praça Ramos de Azevedo.
Alguns colegas do Colégio São Luiz ainda reúnem-se?
De tempos em tempos fazemos uma reuniãozinha. Formei-me em 1957 no Colégio São Luiz.
O pai do senhor teve uma participação marcante na sociedade?
Meu pai foi jornalista, radialista na Rádio Excelsior, ele sempre foi muito católico, fazia um programa chamado “Hora do Pensamento Social Cristão”, trabalhava como jornalista no Correio Paulistano, depois tornou-se advogado do Banco do Brasil, na Avenida São João, bem no centro de São Paulo. Foi deputado por oito anos, foi Constituinte de 1946 a quarta assembleia reunida no país para elaboração do seu estatuto político fundamental, ele era do PDC Partido Democrata Cristão.
Na época a capital federal era no Rio de Janeiro.
Tinha que ir para o Rio de Janeiro. Eu fiquei uns tempos morando no Rio. Meu pai ia de trem. O Cruzeiro do Sul foi uma das composições que circularam entre o Rio e São Paulo. O percurso era: Estação Roosevelt (São Paulo) - Estação Dom Pedro II (Rio de Janeiro) - O Trem Azul ou Cruzeiro do Sul, como era oficialmente batizado, representava o que de mais moderno e confortável havia de disponível para a viagem entre as duas mais importantes cidades do País. Saia a noite de São Paulo e chegava de manhãzinha no Rio.
Ele viajava em cabine fechada?
Viajava em cabine, as vezes eu ia junto. Meu pai não gostava de ficar no Rio. Embora tivesse muitos amigos e parentes, então ele ficava na casa de parentes e depois aos fins de semana ele voltava. 
Ele não tinha residência funcional?
Naquele tempo não havia isso não!
Ele atuou politicamente quando o presidente da república era quem?
Ele pegou cinco anos do governo de Eurico Gaspar Dutra. Depois veio o Getúlio Vargas. Quando Getúlio faleceu meu pai era deputado. O segundo mandato do meu pai foi como deputado estadual, depois ele abandonou completamente a política. Em 1947. o local da sede do Poder Legislativo paulista era o antigo Palácio das Indústrias, na região central da capital paulista.
Em 1954 o senhor já era moço, foi o Quarto Centenário de São Paulo, o senhor chegou a ver a “Chuva de Prata”?
Cheguei a ver! No Trianon! Me lembro perfeitamente, foi lindo! Acho que ainda devo ter umas estrelinhas daquela época! Foi em janeiro de 1954,  quando o Parque Ibirapuera foi inaugurado. Era festa todo o dia. Bandas marciais, nacionais e americanas (fuzileiros navais). Música era tocada por todos os lados do parque. As marquises, lotadas de gente. Mário Zan tocado nos quatro cantos da cidade com seu "São Paulo Quatrocentão", que acabou se tornando o hino oficial do aniversário da cidade. Aviões da FAB lançavam ao ar pequenos triângulos de papel alumínio, que eram intensamente iluminados pelos poderosos holofotes do exército, localizados em pontos estratégicos. Era uma verdadeira chuva de prata. Em 1954, a Brigadeiro Luiz Antônio ainda era área residencial e muito,  elegante.
O senhor praticava esportes quando jovem?
Eu ia muito no Club Paulistano, aprendi a nadar lá!
Como a profissão de engenheiro agrônomo o atraiu?
Eu tinha um professor de biologia que era um alemão de nome Albrecht Tabor, ele dava aulas no Colégio Visconde de Porto Seguro e no Colégio São Luiz. Ele lecionava genética, era uma aula muito boa, eu sempre gostei de genética. Ele dizia: “Se vocês querem fazer genética, vão fazer em Piracicaba! Lá tem o professor Friedrich Gustav Brieger ele que sabe sobre genética! Prática de genética só lá em Piracicaba! Um curso bom, agronomia, uma escola fabulosa, situada no interior, melhor do que São Paulo para viver e tem o melhor professor de genética!”
O senhor conheceu o professor Brieger?
Trabalhei com o Brieger! Com a Maria Ruth Buzzato Alleoni. O Professor Brieger dava aulas práticas, enquanto os demais davam aulas teóricas.  Em 1957 vim para Piracicaba cursar a Esalq. Me formei em 1960.
O senhor veio a primeira vez para Piracicaba com qual veículo?
Vim com o carro do meu irmão, um Citroën, levava cinco a seis horas de viagem, de Campinas para cá era chão de terra, a rodovia com muitas curvas.
Piracicaba na época tinha uma população bem menor.
A área urbana da cidade estimo pouco mais de 50.000 habitantes. O diretor da Esalq era Hugo de Almeida Leme. Do Colégio São Luís três prestamos exames para entrar na Esalq: Paulo Penteado Meirelles, Guido Chierichetti e eu. Nós três fomos aprovados.
Como chamava-se a república em que o senhor passou a morar?
Era a Rancho Fundo ficava na Rua São João. Quando eu mudei era chamada ONU. Tinha descendestes de polonês, alemão, italiano, um venezuelano. O Centro Acadêmico era na Rua Prudente de Moraes entre a Rua Alferes José Caetano e a Praça José Bonifácio. Embaixo ficava “O Diário”, no prédio construído por Terêncio Galezzi. Não tínhamos muito o que fazer em termos de lazer, a noite ia para o CALQ –Centro Acadêmico Luiz de Queiroz.
A Esalq  era ensino em tempo integral?
Tempo integral! O professor mais famoso na época era Orlando Carneiro, ele vinha da Escola Politécnica de São Paulo pra dar aulas. Era bravíssimo! Tive aula com o professor Salgadinho, conheci Jairo Ribeiro de Mattos.
O bonde para a agronomia tinha um segundo vagão rebocado?
Quando era meio dia e meia, uma hora da tarde, ia começar o curso aqui, vinha o bonde com o carro reboque. Naquele tempo ninguém tinha carro, nem os professores. Quando passava um carro sabia que era do Professor Malavolta, do Professor Pimentel.
Naquela época já tinha toda essa infraestrutura que existe hoje?
Melhorou muito! Dava para dar aula das oito às onze horas, depois começava a uma hora da tarde e ia até quatro ou cinco horas da tarde. A noite não tinha nada. Mais tarde colocaram um curso noturno também.
Vocês almoçavam na escola?
Eu almoçava na república. O bonde nos períodos que antecediam ou terminavam as aulas iam ou vinham lotados.
O senhor praticava algum esporte?
Eu nadava no Clube de Campo de Piracicaba, tenho algumas medalhas.
O senhor tem filhos?
Casei-me com Maria Alice.Tenho dois filhos: João Lúcio Filho e Sílvia. Meu irmão Valter é padre em Manaus.
Aqui na Esalq o senhor fez o curso regular, chegou a ser monitor?
Fui! O Professor Brieger que inventou na época. Eu era aluno mais do professor Gurgel. O Brieger não falava muito bem o português, o Professor José Theófilo do Amaral  Gurgel traduzia. O Brieger tinha “pavio curto”! Salim Simão foi meu professor. O Brieger criou um Instituto de Genética, ele era muito ligado a Fundação Rockefeller que define sua missão como sendo a de promover, no exterior, o estímulo à saúde pública, o ensino, a pesquisa e a filantropia. Com isso o Brieger trouxe muitos recursos para a Esalq. Juscelino Kubitschek de Oliveira era o Presidente da República, incentivou muito a área da genética. O Brieger tinha dificuldade em entender a burocracia brasileira.
Logo que o senhor iniciou seu trabalho com genética quantas pessoas trabalhavam na área?
Aqui em Piracicaba umas quinze pessoas. Para a época era muita gente.
Após formar-se, ser monitor, quais foram os cargos seguintes que o senhor exerceu?
Fui professor assistente, doutorado, livre docência e titular. Portanto hoje sou Professor Doutor Titular da Cadeira de Genética. E aposentado! Quando terminei o doutorado o Professor Brieger disse-me: “Na próxima vez vai para a Inglaterra, não vai para os Estados Unidos, eles massificam muito, quando retornar não é um indivíduo, é uma massa, lá irá fazer parte de um grupo, excelente, fantástico. Você será usado como uma mão de obra qualificada. Vai para a Inglaterra que lá são indivíduos, você não trabalha em grupo ainda.Irá aprender mais. Irá voltar, não aprenda sobre as coisas que tem lá, aprenda para saber o que é genética, e venha fazer aqui alguma coisa que interesse para o Brasil. Você irá trabalhar com uma genética que não existe no Brasil, a genética de microrganismos.”
O senhor ficou em qual universidade na Inglaterra?
Fiquei na Universidade de Sheffield, no norte da Inglaterra. Muito boa na parte de engenharia, na parte de biologia é pequenininha. Me especializei em microbiologia. O Brieger que me disse: “Você vai fazer genética humana, a geração leva 20 anos, genética estuda transmissão de características de pai para filho, genética de milho leva um ano, de inseto irá levar um mês, de microrganismos a bactéria irá levar 20 minutos.”. “Isso não existe no Brasil”, ele me disse. A microbiologia estuda também a transmissão de micro características de fungo para fungo. Bactéria para bactéria. Alga para alga. Tem muito fungo que é importante porque causa doenças. Em plantas, em animais, tem muita bactéria que causa doença humana: Escherichia coli, doenças sexualmente transmissíveis. Naquela época o Brieger dizia: “Tem médico que não sabe direito porque está receitando antibiótico!”. Ele dava porque está matando a bactéria, mas não sabia porquê. O Brieger trouxe o inglês Joseph Alan Roper, esse inglês ficou uns dois meses no Brasil. Ele orientou umas quatro ou cinco pessoas. O Roper me escolheu e a uma moça chamada Nelly Neder. Fiquei três anos e meio na Inglaterra. Depois voltei para fazer um pós-doutorado em Nottingham e depois em Manchester. Ai já foi coisa de um ano, seis meses. Fui ver os Beatles na Inglaterra, quando eles não eram nem famosos ainda. Não consegui entrar no show, mas vi eles chegando! Eu morava em Sheffield que fica a uns 50 quilômetros de Liverpool. Eles foram dar um show em Sheffield no Cine Abey Dale. Fui com uns amigos, chegamos lá, estava aquela molecada de 16,17 anos, não conseguiam entrar no cinema, tudo cheio, naquele tempo eu tinha um pouco de barba, e não era comum ter barba! Foi uma época em que o mundo estava mudando, em plena guerra do Vietnam, a minissaia surgindo.  Depois fui para a Califórnia, e em Salt Lake City a capital e a cidade mais populosa do estado norte-americano do Utah. Lá conheci as instalações dos mórmons. É uma cidade tão limpa que parece que escovam a cidade o dia todo!
Piracicaba era conservadora?
Sempre foi! Eu era sócio do Clube Coronel Barbosa, frequentava os bailes.
Era a elite da elite!
Era, não era. Frequentava também o Clube Cristóvão Colombo. Os veteranos do meu tempo iam assistir ópera onde é o Teatro São José. Vieram cantores de óperas famosos para se apresentarem no Teatro São José.
O senhor ficou em mais outro país?
Fiquei uns dois meses no Japão. A Sociedade Japonesa de Progresso da Ciência que me convidou. Teve um tempo que fiquei como Diretor da Esalq, de 1991 a 1995. O Professor Akihiko Ando insistiu no convite para ir ao Japão.
O senhor chegou a morar na tradicional casa do Diretor da Esalq?
Eu desisti de morar naquela casa! Quem morou lá anterior a minha gestão foi Humberto de Campos. Antigamente era a Congregação da Esalq que escolhia os diretores, a minha foi a primeira eleição por votação de professores, estudantes, funcionários. 
Sendo o agronegócio um ponto forte do Brasil, qual é o papel da Esalq?
A profissão de engenheiro agrônomo é diversificada. Você pode encontrar agrônomo que é grande economista. Tem biólogo, eu sou mais biólogo do que agrônomo. Tive muito contato com os médicos Luiz Faria Pinheiro, Plinio Alves de Moraes este último foi direto da FOP Faculdade de Odontologia de Piracicaba.  Eles se interessavam muito por microbiologia, queriam saber como funcionavam as coisas.
O senhor lecionou fora de Piracicaba?
Passei quatro anos em Brasília como professor da universidade.
Quantos livros o senhor tem publicado?
Tenho uns vinte.
O senhor tem condecorações?
Tenho duas comendas, uma foi entregue pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e outra recebi, embora estivesse na Inglaterra, foi entregue pelo Presidente Lula. Tenho uma passagem muito curiosa. Quando Luiz de Queiroz mudou-se para São Paulo, foi residir perto da Avenida Paulista. Meu pai também morava lá perto. Meu pai tinha seis filhos, e o Luiz de Queiroz não tinha filho. O Luiz de Queiroz faleceu moço, A Dona Ermelinda, esposa de Luiz de Queiroz, guardou o enxoval para criança, só que a criança não nasceu, meu pai estava com seis filhos, tempos difíceis, Dona Ermelinda nos conhecia, ela tinha ficado viúva, ofereceu o enxoval de criança. Eu usei o enxoval que seria para o filho de Luiz de Queiroz!

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