MNOEL PEDRO LOUÇA
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS JOÃO UMBERTO NASSIF Jornalista e Radialista joaonassif@gmail.com
Sábado, 09 de maio de 2009.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/ http://blognassif.blogspot.com/ ENTREVISTADO: MANOEL PEDRO LOUÇA
Durante a nossa vida, aparecem uns cavalos selados. Tem vezes que aparece um só. Tem gente que monta e vai embora, tem gente que deixa passar, esperando outro, um melhor, quem sabe outro... Sorte indica casualidade e é muito usada para justificar frustrações quando não alcançamos nossas metas, dizendo que não fomos agraciados com ela ou, pior ainda, dizendo que aqueles que alcançaram seu intento o fizeram por “pura sorte”. Sorte não existe com essa conotação e o cavalo selado é uma boa metáfora para mostrar que quando estamos devidamente preparados, as oportunidades aparecem e temos que ser rápidos para percebê-las e aproveita-las, mas com certeza esse cavalo não é único e nem tampouco raro. O cavalo selado das boas oportunidades pode passar inúmeras vezes ao longo de nossa carreira profissional, porém é importante saber que sua passagem é proporcional ao nível de atenção que estamos dando ao nosso desenvolvimento. Só espere por sorte, oportunidade ou cavalo selado se você estiver trabalhando duro na construção de sua carreira. Você é o responsável por sua boa sorte. Manoel Pedro Louça é um exemplo vivo de quem soube preparar-se para o cavalo selado. Nasceu em 24 de outubro de 1956, almeidense, natural de Conceição do Almeida, localizada no Recôncavo Baiano. Conforme informações do IBGE em 2007 moravam 17.684 habitantes no município. Filho de Bernadete dos Santos Louça e Antonio Pedro Louça, têm ao todo 12 irmãos. Pedro afirma com um sorriso que pode ter o orgulho de ter dois pais, isso porque tem um pai biológico e o padrasto a quem sempre se refere como pai, com orgulho e respeito.
Pedro, o seu treinamento em capoeira é uma volta ás origens?
Na Bahia o pessoal joga capoeira, talvez com a mesma freqüência, como as pessoas residentes em Piracicaba praticam o futebol. É comum a reunião em qualquer espaço disponível para brincar, jogar a capoeira. Eu comecei a praticar a capoeira com 48 anos de idade, hoje eu tenho 53. Fiz apenas três anos de capoeira, mas ainda tenho força de vontade para voltar! É uma excelente atividade física, movimenta todo o corpo, ao som do berimbau a descontração é muito grande. A história da capoeira atingiu essa grandiosidade difundindo a cultura brasileira pelo mundo, graças á atuação de Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha) e Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado).
Você é um apreciador da culinária baiana?
Trata-se de uma cozinha com tempero mais forte. Usa-se coentro, o azeite de dendê adicionado ao leite de coco é um laxante natural. Quem não está habituado deve tomar certo cuidado, o segredo para quem experimenta e gosta é consumir com moderação, até o organismo ir adaptando-se. A moqueca de peixe é um prato que utiliza azeite de dendê e leite de coco. O acarajé é outra delicia baiana. Existe uma variedade enorme de doces, aqueles que usam coco, milho, mandioca. Bolo de mandioca é muito bom. A tapioca é servida hoje em café da manhã até nos hotéis mais requintados da Bahia.
Em que ano você chegou a São Paulo?
Foi em 1959, eu estava com três anos de idade. Meu pai tinha a função de vigilante em uma indústria, o registro de sua carteira profissional denominava a atividade na época como guarda-noturno. Minha mãe trabalhava como doméstica. Quando chegamos á São Paulo fomos morar em uma casa na Rua Pinheiros. Depois mudamos para Vila Madalena, que ainda não tinha o glamour que tem hoje! Ali eu permaneci até meus oito anos de idade, cursei a Escola Brasílio Machado. Mudamos para o Bairro Ferreira, vizinho á Vila Sônia, nas proximidades dos bairros Caxingui, Morumbi, isso no tempo em que a Avenida Francisco Morato tinha o leito carroçável ainda sem calçamento, era terra nua. Quando nós passávamos pela ponte que cruzava o Rio Pinheiros víamos o pessoal pescando, onde hoje é o Shopping Eldorado não existia nada, era tudo mato! Estou no Estado de São Paulo há 50 anos, sendo que vivi 30 anos em São Paulo e há 20 anos estou em Piracicaba. Quando mudamos para esse bairro havia uma valeta onde corria o esgoto a céu aberto, existia um pedaço de tábua que usávamos como ponte para passar sobre essa valeta e chegarmos á nossa casa.
Aos oito anos de idade você já trabalhava?
Eu comecei a vender cocada na feira livre. Minha formação e tino comercial surgiram dali. Minha mãe como baiana fazia uma cocada muito boa, meu pai quebrava, descascava o coco. Eu mal sabia fazer troco, o próprio cliente fazia e ás vezes deixava até dinheiro a mais para mim. O dinheirinho que permitiu a compra de alguma coisa a mais para casa surgiu dessa atividade minha. Surgiu então á idéia de vender coxinhas, salgadinhos. Passei a ter além de vender a cocada em outro horário vendia os salgadinhos. No bairro onde morávamos existiam muitos terrenos baldios onde nascia abóbora, chuchu, eu colhia, colocava em um carrinho de pedreiro e colocando um pano na cabeceira da feira livre, fazia montinhos com unidades de chuchu, pedaços de abóbora e vendia. Na época de festas de São João eu vendia bombinhas, abastecia-me no Bairro de Pinheiros. Comprava uma caixa de fogos e vendia para a garotada, com uma taboa colocada no portão de casa, improvisei um balcão que ficava á altura do peito dos meninos. Com pouca idade já era um pequeno empreendedor, era á vontade e a necessidade de ter uma vida melhor. Tudo que eu ganhava eu guardava. Eu era muito econômico, gastava muito pouco.
Você também soltava fogos?
Eu era criança, tinha vontade, mas assim mesmo era econômico.
O menino que vendia bombinhas tinha apelido?
Tinha sim. Até hoje me surpreendo quando alguns parentes me chamam de Néquinha, uma corruptela de Manoel.
Em algum momento sentiu-se infortunado, injustiçado?
De jeito nenhum! Sinto-me um privilegiado e abençoado por Deus. Minha esposa chama-se Edna Giacomini Louça, temos três filhos, Marcelo, Sandra e Érica estão estudando em boas escolas. A Érica, que é a mais velha, pretende cursar Terapia Ocupacional. Minha vida é uma vida de realizações.
O fato de começar a trabalhar muito pequeno ainda, trouxe algum prejuízo á você?
Pelo contrário! Foi ali que eu aprendi que trabalhando eu poderia conquistar alguma coisa na minha vida. Eu não tinha nada, e através da venda de cocada, do salgadinho, carregando carrinho com abóbora, chuchu, eu obtinha os recursos que necessitava. Se hoje estou trabalhando no comércio, eu tenho um comércio de cópias, a Cópias & Cia., em Piracicaba, acredito que tudo é devido a minha formação. Trabalhar nunca me fez mal nenhum, nunca me senti uma criança triste, sempre sobrava um tempinho para brincar. Fui trabalhar com oito anos de idade, hoje isso seria considerado como exploração de menor. Ia para a escola e ao trabalho.
Você superou muitas barreiras?
Na época em que viemos para São Paulo havia muita discriminação. Imagine chegar á cidade, baiano, sem dinheiro, filho de negro! O meu pai Antonio Pedro é negro, a minha mãe é branca. Era um desafio. Havias as brincadeiras e muitas vezes para me sentir inserido ao grupo, fingia que não estava ouvindo. Mas foram acontecimentos que só serviram para me fortalecer. Hoje não sinto nenhum tipo de discriminação, nem preconceito, sinto-me muito a vontade. Piracicaba é maravilhosa. Quantas pessoas que assim como eu vieram de outras localidades e encontraram-se aqui.
Você professa alguma religião?
Sou católico. Procuro ir á igreja para agradecer mais do que pedir. Só tenho a agradecer, Deus já fez tudo para nós, dando-nos saúde, sabedoria. O resto nós temos que ir atrás. E agradecer. Cabe a nós decidirmos o nosso destino. Temos o livre arbítrio.
Trabalhando você conseguiu ainda continuar com os estudos?
Apesar da origem humilde meus pais sempre me dirigiram para os estudos. Com quatorze anos de idade além de freqüentar a escola publica fui aconselhado pelo meu pai a fazer um curso de datilografia que existia perto da minha casa.
Você fazia a feira, vendia bombinhas, ia para a escola e foi fazer um curso de datilografia, o tempo era suficiente para isso tudo?
E sobrava ainda! Tinha tempo para jogar “taco” na rua. É um jogo com um circulo em cada extremidade do espaço limitado pelos participantes, dentro desse circulo havia três pauzinhos formando uma pirâmide. O objetivo era derrubar esses três pauzinhos arremessando uma bolinha. Assim que eu terminei meu curso de datilografia fui tirar a minha carteira profissional. Voltando para a minha casa, um ponto antes do meu ponto de descida do ônibus, eu vi uma placa onde estava escrito: “Precisa-se menor”. Era uma fábrica de reatores para luminárias, a Helfont. Isso era na hora do almoço, eu estava com uma fome danada. Pensei, estou com uma carteira profissional, e tem uma placa anunciando que precisa de um menor. É meu isso aí! Desci no ponto onde deveria descer, fui até a minha casa, almocei. Almoçando e pensando naquela placa.
Você já sabia que não deveria fazer nenhum negócio com fome?
Eu acho que não passaria pela entrevista! Logo após o almoço, dei uma melhoradinha na minha roupa, alguma coisa me dizia que deveria estar apresentável. Dava para ir a pé, fui até a indústria, onde fizeram uma pequena entrevista comigo. Preenchi uma ficha e me contrataram. A resposta da empresa foi na hora. Na minha carteira foi colocada a função de Aprendiz de Apontamentos. Isso foi no dia 2 de janeiro de 1973.
Ao saber que tinha sido aprovado para a vaga, qual foi a sua reação?
Cheguei á minha casa, falei com a minha mãe e com o meu pai, ele trabalhava a noite e durante o dia ficava em casa. Disse-lhes que tinha conseguido a vaga, e dois ou três dias eu comecei a trabalhar. O que eu não sabia era que no primeiro eles iriam me colocar um macacão, usado, cheio de graxa, eu fui trabalhar no chão de fábrica mesmo. A minha função era varrer a parte de ferramentaria, limpar os tornos, fresas, plainas. Os cavacos produzidos pelos tornos e pelas plainas principalmente, saem enroladinhos. No processo de usinagem é utilizado o óleo de linhaça, o contato da mão com os cavacos produz cortes superficiais, o óleo de linhaça faz com esses cortes fiquem expressivos. Se alguém olhasse a minha mão veria os cortes superficiais com os pequenos riscos pretos marcados pelo óleo de linhaça. Eu não imaginava a importância daquilo na minha vida. Tornei-me projetista industrial por ter trabalhado no meio de torneiros, ferramenteiros, fresadores. Fazendo a limpeza de cada seção conversava com eles, conhecia as diversas funções de cada profissão. Até que um dia decidi que iria ser ferramenteiro. Os ferramenteiros ganhavam muito bem. Um deles, o Ortiz disse para que não me tornasse ferramenteiro. Ele mostrou a amputação de parte de um dedo, que ele tinha perdido em seu trabalho. O torneiro Alvacir foi quem me levou para a Escola Protec de São Paulo, na unidade que se situava na Avenida Liberdade, para fazer um curso de desenho mecânico. A Protec tinha unidades ainda na Rua Augusta, no Brooklin e na Rua Conde de São Joaquim. O meu chefe na Helfont chamava-se Gevair Salgado de Castro, um grande homem. Foi ele quem viu que eu tinha o curso de datilografia e me colocou para fazer apontamentos. Continuei varrendo a seção, mas já marcava hora por peças, por máquina, para efeito de calculo de custos das peças. Depois eu mesmo passei a calcular os custos. Aos poucos fui progredindo.
Como foi seu desempenho na escola Protec?
Primeiro fiz o curso de desenho e depois o de projetos de ferramentas. No primeiro dia de aula de projetos de ferramentas, o diretor entrou na sala de aula e disse para a classe que os melhores alunos seriam convidados para dar aulas na escola. No ultimo dia de aula eu fiquei sabendo que tinha sido aprovado com uma boa nota (Pedro tinha tido a melhor nota da turma), mas não havia sido convidado para ser assistente e ter a possibilidade de ser efetivado na escola. Senti-me injustiçado e fui reclamar os meus direitos na diretoria. O cargo não era remunerado, após três meses se fosse aprovado como assistente ganharia uma ajuda de custo. Talvez até para se livrarem da minha queixa, acabaram me colocando como assistente de um professor muito bravo, rigoroso, mas didaticamente um dos melhores professores. Ele fazia questão de ser bravo. Nós chamávamos a sala de Maracanãzinho, era uma sala 90 alunos. O assistente tinha que trabalhar muito, os alunos usavam pranchetas de desenho, o assistente circulava entre elas. O professor permanecia na frente da classe. No primeiro mês de aula esse professor adoeceu, havia falta de professores na época, a diretoria me convidou e eu assumi a sala. Como ninguém gostava do professor, os alunos eram meus amigos. Os alunos me ajudaram a dar aulas. Ao voltar já restabelecido o professor viu que a matéria estava em ordem, ele se transformou em um grande amigo meu, graças ao seu apoio eu fui efetivado nessa escola, onde ocupei todos os cargos até chegar a ser coordenador de ensino. Vim para Piracicaba abrindo uma filial.
Como seus pais viam a sua trajetória?
Com muito orgulho. Meu pai reside em Goiânia, dia 14 de maio ele fará 95 anos. Lúcido, saudável, não bebe, não fuma, dorme cedo e vive com um sorriso no rosto.
A unidade de Piracicaba surgiu como?
O Comendador Dr. Francesco Provenza era o dono da escola, italiano, muito exigente, muito bravo, de uma honestidade e competência singulares. É mais uma das pessoas que influenciaram muito a minha vida. Ele me conduziu, me moldou, ensinou. Quando disse que gostaria de abrir uma filial dele no interior de São Paulo, para beneficiar aos alunos do interior que tinham que viajar aos sábados para fazer o curso em São Paulo, ele me deu carta branca para abrir essa filial. A minha intenção era abrir em Limeira, porque lá havia muitas indústrias. Fui para lá, ao pegar a lista telefônica vi o nome: Piracicaba. Resolvi conhecer melhor Piracicaba. Fiquei hospedado no Hotel Beira Rio, á noite o barulho das águas do rio era gostoso. Acho que foi esse barulho que me convenceu a abrir a escola em Piracicaba. Isso foi em 1988. Abrimos no Sisal Center, depois abrimos na Rua Prudente de Moraes, 623.
Como surgiu um novo negócio para você?
Quando veio o auto-cad (desenho por computador) o desenho de prancheta, que era o meu forte começou a cair. Um desenhista de auto-cad substituía seis desenhistas de prancheta. A procura pelo curso diminuiu. Cheguei a trazer um engenheiro de São Paulo para dar o curso de auto-cad. O valor da mensalidade do curso era muito alto. Eu tinha na secretaria da escola uma maquina de cópias que era utilizada para confeccionar provas, material didático. O aluno pedia para tirar cópias, o professor pedia para tirar cópias, os vizinhos pediam para tirar cópias. Passei a cobrar pelas cópias, para não ter prejuízo. A partir do momento que passei a cobrar outras pessoas vieram. Um dia a maquina quebrou. Um cliente muito, mas muito bravo, me ofendeu um pouquinho porque a máquina estava quebrada. Fiquei muito triste, estragou meu dia. Esse cliente não voltou mais, eu até gostaria de encontrá-lo para agradecer. Graças á reclamação desse cliente, resolvi comprar uma outra máquina usada, ambas as máquinas eram Nashua. Com duas máquinas resolvi colocar uma placa na frente do prédio, com os dizeres “Xérox aqui”. E aí não parou mais!
Sábado, 09 de maio de 2009.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/ http://blognassif.blogspot.com/ ENTREVISTADO: MANOEL PEDRO LOUÇA
Durante a nossa vida, aparecem uns cavalos selados. Tem vezes que aparece um só. Tem gente que monta e vai embora, tem gente que deixa passar, esperando outro, um melhor, quem sabe outro... Sorte indica casualidade e é muito usada para justificar frustrações quando não alcançamos nossas metas, dizendo que não fomos agraciados com ela ou, pior ainda, dizendo que aqueles que alcançaram seu intento o fizeram por “pura sorte”. Sorte não existe com essa conotação e o cavalo selado é uma boa metáfora para mostrar que quando estamos devidamente preparados, as oportunidades aparecem e temos que ser rápidos para percebê-las e aproveita-las, mas com certeza esse cavalo não é único e nem tampouco raro. O cavalo selado das boas oportunidades pode passar inúmeras vezes ao longo de nossa carreira profissional, porém é importante saber que sua passagem é proporcional ao nível de atenção que estamos dando ao nosso desenvolvimento. Só espere por sorte, oportunidade ou cavalo selado se você estiver trabalhando duro na construção de sua carreira. Você é o responsável por sua boa sorte. Manoel Pedro Louça é um exemplo vivo de quem soube preparar-se para o cavalo selado. Nasceu em 24 de outubro de 1956, almeidense, natural de Conceição do Almeida, localizada no Recôncavo Baiano. Conforme informações do IBGE em 2007 moravam 17.684 habitantes no município. Filho de Bernadete dos Santos Louça e Antonio Pedro Louça, têm ao todo 12 irmãos. Pedro afirma com um sorriso que pode ter o orgulho de ter dois pais, isso porque tem um pai biológico e o padrasto a quem sempre se refere como pai, com orgulho e respeito.
Pedro, o seu treinamento em capoeira é uma volta ás origens?
Na Bahia o pessoal joga capoeira, talvez com a mesma freqüência, como as pessoas residentes em Piracicaba praticam o futebol. É comum a reunião em qualquer espaço disponível para brincar, jogar a capoeira. Eu comecei a praticar a capoeira com 48 anos de idade, hoje eu tenho 53. Fiz apenas três anos de capoeira, mas ainda tenho força de vontade para voltar! É uma excelente atividade física, movimenta todo o corpo, ao som do berimbau a descontração é muito grande. A história da capoeira atingiu essa grandiosidade difundindo a cultura brasileira pelo mundo, graças á atuação de Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha) e Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado).
Você é um apreciador da culinária baiana?
Trata-se de uma cozinha com tempero mais forte. Usa-se coentro, o azeite de dendê adicionado ao leite de coco é um laxante natural. Quem não está habituado deve tomar certo cuidado, o segredo para quem experimenta e gosta é consumir com moderação, até o organismo ir adaptando-se. A moqueca de peixe é um prato que utiliza azeite de dendê e leite de coco. O acarajé é outra delicia baiana. Existe uma variedade enorme de doces, aqueles que usam coco, milho, mandioca. Bolo de mandioca é muito bom. A tapioca é servida hoje em café da manhã até nos hotéis mais requintados da Bahia.
Em que ano você chegou a São Paulo?
Foi em 1959, eu estava com três anos de idade. Meu pai tinha a função de vigilante em uma indústria, o registro de sua carteira profissional denominava a atividade na época como guarda-noturno. Minha mãe trabalhava como doméstica. Quando chegamos á São Paulo fomos morar em uma casa na Rua Pinheiros. Depois mudamos para Vila Madalena, que ainda não tinha o glamour que tem hoje! Ali eu permaneci até meus oito anos de idade, cursei a Escola Brasílio Machado. Mudamos para o Bairro Ferreira, vizinho á Vila Sônia, nas proximidades dos bairros Caxingui, Morumbi, isso no tempo em que a Avenida Francisco Morato tinha o leito carroçável ainda sem calçamento, era terra nua. Quando nós passávamos pela ponte que cruzava o Rio Pinheiros víamos o pessoal pescando, onde hoje é o Shopping Eldorado não existia nada, era tudo mato! Estou no Estado de São Paulo há 50 anos, sendo que vivi 30 anos em São Paulo e há 20 anos estou em Piracicaba. Quando mudamos para esse bairro havia uma valeta onde corria o esgoto a céu aberto, existia um pedaço de tábua que usávamos como ponte para passar sobre essa valeta e chegarmos á nossa casa.
Aos oito anos de idade você já trabalhava?
Eu comecei a vender cocada na feira livre. Minha formação e tino comercial surgiram dali. Minha mãe como baiana fazia uma cocada muito boa, meu pai quebrava, descascava o coco. Eu mal sabia fazer troco, o próprio cliente fazia e ás vezes deixava até dinheiro a mais para mim. O dinheirinho que permitiu a compra de alguma coisa a mais para casa surgiu dessa atividade minha. Surgiu então á idéia de vender coxinhas, salgadinhos. Passei a ter além de vender a cocada em outro horário vendia os salgadinhos. No bairro onde morávamos existiam muitos terrenos baldios onde nascia abóbora, chuchu, eu colhia, colocava em um carrinho de pedreiro e colocando um pano na cabeceira da feira livre, fazia montinhos com unidades de chuchu, pedaços de abóbora e vendia. Na época de festas de São João eu vendia bombinhas, abastecia-me no Bairro de Pinheiros. Comprava uma caixa de fogos e vendia para a garotada, com uma taboa colocada no portão de casa, improvisei um balcão que ficava á altura do peito dos meninos. Com pouca idade já era um pequeno empreendedor, era á vontade e a necessidade de ter uma vida melhor. Tudo que eu ganhava eu guardava. Eu era muito econômico, gastava muito pouco.
Você também soltava fogos?
Eu era criança, tinha vontade, mas assim mesmo era econômico.
O menino que vendia bombinhas tinha apelido?
Tinha sim. Até hoje me surpreendo quando alguns parentes me chamam de Néquinha, uma corruptela de Manoel.
Em algum momento sentiu-se infortunado, injustiçado?
De jeito nenhum! Sinto-me um privilegiado e abençoado por Deus. Minha esposa chama-se Edna Giacomini Louça, temos três filhos, Marcelo, Sandra e Érica estão estudando em boas escolas. A Érica, que é a mais velha, pretende cursar Terapia Ocupacional. Minha vida é uma vida de realizações.
O fato de começar a trabalhar muito pequeno ainda, trouxe algum prejuízo á você?
Pelo contrário! Foi ali que eu aprendi que trabalhando eu poderia conquistar alguma coisa na minha vida. Eu não tinha nada, e através da venda de cocada, do salgadinho, carregando carrinho com abóbora, chuchu, eu obtinha os recursos que necessitava. Se hoje estou trabalhando no comércio, eu tenho um comércio de cópias, a Cópias & Cia., em Piracicaba, acredito que tudo é devido a minha formação. Trabalhar nunca me fez mal nenhum, nunca me senti uma criança triste, sempre sobrava um tempinho para brincar. Fui trabalhar com oito anos de idade, hoje isso seria considerado como exploração de menor. Ia para a escola e ao trabalho.
Você superou muitas barreiras?
Na época em que viemos para São Paulo havia muita discriminação. Imagine chegar á cidade, baiano, sem dinheiro, filho de negro! O meu pai Antonio Pedro é negro, a minha mãe é branca. Era um desafio. Havias as brincadeiras e muitas vezes para me sentir inserido ao grupo, fingia que não estava ouvindo. Mas foram acontecimentos que só serviram para me fortalecer. Hoje não sinto nenhum tipo de discriminação, nem preconceito, sinto-me muito a vontade. Piracicaba é maravilhosa. Quantas pessoas que assim como eu vieram de outras localidades e encontraram-se aqui.
Você professa alguma religião?
Sou católico. Procuro ir á igreja para agradecer mais do que pedir. Só tenho a agradecer, Deus já fez tudo para nós, dando-nos saúde, sabedoria. O resto nós temos que ir atrás. E agradecer. Cabe a nós decidirmos o nosso destino. Temos o livre arbítrio.
Trabalhando você conseguiu ainda continuar com os estudos?
Apesar da origem humilde meus pais sempre me dirigiram para os estudos. Com quatorze anos de idade além de freqüentar a escola publica fui aconselhado pelo meu pai a fazer um curso de datilografia que existia perto da minha casa.
Você fazia a feira, vendia bombinhas, ia para a escola e foi fazer um curso de datilografia, o tempo era suficiente para isso tudo?
E sobrava ainda! Tinha tempo para jogar “taco” na rua. É um jogo com um circulo em cada extremidade do espaço limitado pelos participantes, dentro desse circulo havia três pauzinhos formando uma pirâmide. O objetivo era derrubar esses três pauzinhos arremessando uma bolinha. Assim que eu terminei meu curso de datilografia fui tirar a minha carteira profissional. Voltando para a minha casa, um ponto antes do meu ponto de descida do ônibus, eu vi uma placa onde estava escrito: “Precisa-se menor”. Era uma fábrica de reatores para luminárias, a Helfont. Isso era na hora do almoço, eu estava com uma fome danada. Pensei, estou com uma carteira profissional, e tem uma placa anunciando que precisa de um menor. É meu isso aí! Desci no ponto onde deveria descer, fui até a minha casa, almocei. Almoçando e pensando naquela placa.
Você já sabia que não deveria fazer nenhum negócio com fome?
Eu acho que não passaria pela entrevista! Logo após o almoço, dei uma melhoradinha na minha roupa, alguma coisa me dizia que deveria estar apresentável. Dava para ir a pé, fui até a indústria, onde fizeram uma pequena entrevista comigo. Preenchi uma ficha e me contrataram. A resposta da empresa foi na hora. Na minha carteira foi colocada a função de Aprendiz de Apontamentos. Isso foi no dia 2 de janeiro de 1973.
Ao saber que tinha sido aprovado para a vaga, qual foi a sua reação?
Cheguei á minha casa, falei com a minha mãe e com o meu pai, ele trabalhava a noite e durante o dia ficava em casa. Disse-lhes que tinha conseguido a vaga, e dois ou três dias eu comecei a trabalhar. O que eu não sabia era que no primeiro eles iriam me colocar um macacão, usado, cheio de graxa, eu fui trabalhar no chão de fábrica mesmo. A minha função era varrer a parte de ferramentaria, limpar os tornos, fresas, plainas. Os cavacos produzidos pelos tornos e pelas plainas principalmente, saem enroladinhos. No processo de usinagem é utilizado o óleo de linhaça, o contato da mão com os cavacos produz cortes superficiais, o óleo de linhaça faz com esses cortes fiquem expressivos. Se alguém olhasse a minha mão veria os cortes superficiais com os pequenos riscos pretos marcados pelo óleo de linhaça. Eu não imaginava a importância daquilo na minha vida. Tornei-me projetista industrial por ter trabalhado no meio de torneiros, ferramenteiros, fresadores. Fazendo a limpeza de cada seção conversava com eles, conhecia as diversas funções de cada profissão. Até que um dia decidi que iria ser ferramenteiro. Os ferramenteiros ganhavam muito bem. Um deles, o Ortiz disse para que não me tornasse ferramenteiro. Ele mostrou a amputação de parte de um dedo, que ele tinha perdido em seu trabalho. O torneiro Alvacir foi quem me levou para a Escola Protec de São Paulo, na unidade que se situava na Avenida Liberdade, para fazer um curso de desenho mecânico. A Protec tinha unidades ainda na Rua Augusta, no Brooklin e na Rua Conde de São Joaquim. O meu chefe na Helfont chamava-se Gevair Salgado de Castro, um grande homem. Foi ele quem viu que eu tinha o curso de datilografia e me colocou para fazer apontamentos. Continuei varrendo a seção, mas já marcava hora por peças, por máquina, para efeito de calculo de custos das peças. Depois eu mesmo passei a calcular os custos. Aos poucos fui progredindo.
Como foi seu desempenho na escola Protec?
Primeiro fiz o curso de desenho e depois o de projetos de ferramentas. No primeiro dia de aula de projetos de ferramentas, o diretor entrou na sala de aula e disse para a classe que os melhores alunos seriam convidados para dar aulas na escola. No ultimo dia de aula eu fiquei sabendo que tinha sido aprovado com uma boa nota (Pedro tinha tido a melhor nota da turma), mas não havia sido convidado para ser assistente e ter a possibilidade de ser efetivado na escola. Senti-me injustiçado e fui reclamar os meus direitos na diretoria. O cargo não era remunerado, após três meses se fosse aprovado como assistente ganharia uma ajuda de custo. Talvez até para se livrarem da minha queixa, acabaram me colocando como assistente de um professor muito bravo, rigoroso, mas didaticamente um dos melhores professores. Ele fazia questão de ser bravo. Nós chamávamos a sala de Maracanãzinho, era uma sala 90 alunos. O assistente tinha que trabalhar muito, os alunos usavam pranchetas de desenho, o assistente circulava entre elas. O professor permanecia na frente da classe. No primeiro mês de aula esse professor adoeceu, havia falta de professores na época, a diretoria me convidou e eu assumi a sala. Como ninguém gostava do professor, os alunos eram meus amigos. Os alunos me ajudaram a dar aulas. Ao voltar já restabelecido o professor viu que a matéria estava em ordem, ele se transformou em um grande amigo meu, graças ao seu apoio eu fui efetivado nessa escola, onde ocupei todos os cargos até chegar a ser coordenador de ensino. Vim para Piracicaba abrindo uma filial.
Como seus pais viam a sua trajetória?
Com muito orgulho. Meu pai reside em Goiânia, dia 14 de maio ele fará 95 anos. Lúcido, saudável, não bebe, não fuma, dorme cedo e vive com um sorriso no rosto.
A unidade de Piracicaba surgiu como?
O Comendador Dr. Francesco Provenza era o dono da escola, italiano, muito exigente, muito bravo, de uma honestidade e competência singulares. É mais uma das pessoas que influenciaram muito a minha vida. Ele me conduziu, me moldou, ensinou. Quando disse que gostaria de abrir uma filial dele no interior de São Paulo, para beneficiar aos alunos do interior que tinham que viajar aos sábados para fazer o curso em São Paulo, ele me deu carta branca para abrir essa filial. A minha intenção era abrir em Limeira, porque lá havia muitas indústrias. Fui para lá, ao pegar a lista telefônica vi o nome: Piracicaba. Resolvi conhecer melhor Piracicaba. Fiquei hospedado no Hotel Beira Rio, á noite o barulho das águas do rio era gostoso. Acho que foi esse barulho que me convenceu a abrir a escola em Piracicaba. Isso foi em 1988. Abrimos no Sisal Center, depois abrimos na Rua Prudente de Moraes, 623.
Como surgiu um novo negócio para você?
Quando veio o auto-cad (desenho por computador) o desenho de prancheta, que era o meu forte começou a cair. Um desenhista de auto-cad substituía seis desenhistas de prancheta. A procura pelo curso diminuiu. Cheguei a trazer um engenheiro de São Paulo para dar o curso de auto-cad. O valor da mensalidade do curso era muito alto. Eu tinha na secretaria da escola uma maquina de cópias que era utilizada para confeccionar provas, material didático. O aluno pedia para tirar cópias, o professor pedia para tirar cópias, os vizinhos pediam para tirar cópias. Passei a cobrar pelas cópias, para não ter prejuízo. A partir do momento que passei a cobrar outras pessoas vieram. Um dia a maquina quebrou. Um cliente muito, mas muito bravo, me ofendeu um pouquinho porque a máquina estava quebrada. Fiquei muito triste, estragou meu dia. Esse cliente não voltou mais, eu até gostaria de encontrá-lo para agradecer. Graças á reclamação desse cliente, resolvi comprar uma outra máquina usada, ambas as máquinas eram Nashua. Com duas máquinas resolvi colocar uma placa na frente do prédio, com os dizeres “Xérox aqui”. E aí não parou mais!
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