PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 29 de agosto de 2009
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO : MÁRIO ANDRÉ
Segundo estudos conduzidos por pesquisadores da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, as pessoas otimistas são as que vivem mais e melhor. O que a ciência explica com dados estatísticos, a sabedoria popular já ensina faz tempo: rir é o melhor remédio. Os sentimentos positivos e o bom humor, além de fazerem bem à saúde, facilitam e melhoram os relacionamentos entre as pessoas. Afinal, ninguém agüenta por mais de alguns minutos aquele sujeito de cara feia, cuspindo fogo pelas ventas e incapaz de rir de si mesmo. Otimismo, alegria e bom humor são justamente os antídotos contra o câncer e problemas infecciosos graves, contra a temida aterosclerose que pode provocar um acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio. Procurar viver com alegria, evitar o mau humor, buscar contornar os conflitos sem muito desgaste, ter uma atitude positiva diante dos desafios da vida, e cultivar boas relações com a família e os amigos é o caminho para as emoções saudáveis. È impossível permanecer mais do que alguns instantes com Mário André sem perceber o seu bom humor contagiante. A vida é um palco onde ele atua com raro brilho. Nascido na cidade de São Manoel em 20 de agosto de 1920, filho de Mansueto Andrello e Lúcia Bertoncin Andrello imigrantes italianos, Mário surpreende a todo instante. Raciocínio e memória perfeitos. Desloca-se com facilidade inclusive em escadas.
Como seus pais vindos da Itália foram morar em São Manoel?As famílias dos meus pais conheceram-se ainda no navio que os trouxe para o porto de Santos. Na ocasião meu pai veio com 10 ou 12 anos de idade e a minha mãe com 9 ou 10 anos de idade. Após o desembarque, seguiram para São Paulo, e depois rumaram para São Manoel. Casaram-se e tiveram oito filhos, cinco mulheres e três homens.
Qual era a atividade do seu pai?Era agricultor. Em 1940 a família veio para São Paulo, fomos morar no bairro da Mooca. Meu pai faleceu pouco tempo depois. Estudei em São Manoel no Grupo Escolar Dr. Augusto Reis, a minha primeira professora chamava-se Margarida, a segunda foi a Isabel, a terceira foi Dona Odete César Calvinet, com quem tive aulas no terceiro e quarto ano. Foi uma professora que foi uma mãe para mim, eu a ajudava na conferência de lições de casa dos alunos. Ela tinha muita consideração por mim. No final do quarto ano ela me presenteou com o pagamento das fotos e do diploma de grupo, na época mesmo em escola estadual o diploma era pago e custava cada um, sete mil e quinhentos réis. Comecei a trabalhar muito novo, aos cinco anos de idade eu levava a cabrita para pastar, cortava capim, rasgava palha.
O que é rasgar palha?Vinha só o cartucho da palha de milho, sem o sabugo, tínhamos que desmanchar aquilo tudo e tirar o nó, para depois desfiar e fazer o colchão de palha. Ficava um colchão muito bom. No calor não esquentava e no frio não se sentia tanto frio. Era um colchão bem alto, para se fazer um colchão eram rasgados quatro sacos de palha. A cada dois ou três meses, minha mãe fazia uma revisão nos colchões, os mais gastos eram jogados no lixo.
Não ia nenhum inseto junto com a palha de milho?Nós tínhamos que tirar todo tipo de elemento estranho. Isso era feito folha por folha de palha.
Quando foi o seu primeiro emprego?Primeiro trabalhei em uma loja de música e discos da minha professora, passava o dia todo tocando música. Lembro-me de várias músicas (Mario passa a cantarolar algumas), a mais antiga que eu conheci foi (ele canta): “Tu não te lembras da casinha pequenina/Onde o nosso amor nasceu/Tu não te lembras da casinha pequenina/Onde o nosso amor nasceu/Tinha um coqueiro do lado/Que coitado de saudade já morreu”. Depois fui trabalhar como aprendiz em uma fábrica de calçados. Aprendi a fazer sapatões, botina de futebol, sapatinhos de criança. No meu tempo os pregos de madeira utilizados para fazer sapatões estavam sendo extintos. Primeiro era feito o furo, depois fixado o prego de madeira. A prefeitura comprava muitos sapatões com pregos de madeira, o prego de metal enferrujava e estragava logo. Não era usada graxa, eram feitos de um tipo de camurça grossa. Os números mais vendidos eram de 40 para cima. Trabalhei na Fábrica de Calçados Melilo, dos irmãos José e Rafael Melilo, ambos italianos. Eles gostaram muito de mim, e da fábrica fui trabalhar na loja deles.
O senhor saiu dessa loja com que idade?Tinha uns doze anos, andava ainda de calça curta, logo passei a usar calça comprida. Fui trabalhar na Casa União, maior casa de São Manoel, um verdadeiro shopping, ali tinha desde alfinetes, guarda-roupa, cereais. Os sitiantes compravam lá, no dia de pagarem as compras eles vinham de caminhão, jardineira. Com as famílias de imigrantes italianos, eu tinha que procurar falar em italiano. No sábado seguinte vinham famílias de outras fazendas que tinham recebido imigrantes espanhóis, eu tinha que aprender a falar o espanhol.
O que eles mais consumiam?Os imigrantes praticamente compravam no armazém açúcar, trigo e sal. O resto eles mesmo produziam. Plantavam, criavam porcos, frangos, faziam o vinho. Houve um tempo em que os fazendeiros tiveram suas lavouras tomadas por pragas. Os pés de café morriam em pé. Em três anos os imigrantes mudaram em grande número para São Paulo. São Manuel diminuiu a sua população.
Por quanto tempo o senhor permaneceu trabalhando na Casa União?Entrei com doze anos e saí com vinte anos de idade, permaneci lá por oito anos. Prestei o serviço militar, no dia 7 de setembro de 1939 jurei á bandeira. No dia 15 de setembro fui para o encontro da minha família que já estava em São Paulo. No dia seguinte meu pai faleceu. Naquele tempo a viagem era feita pela Estrada de Ferro Sorocabana, de São Manoel á São Paulo a viagem durava 8, 9 até 10 horas. Eram trens com 15 a 20 vagões, havia um movimento bem grande de trens naquela época. A locomotiva era a vapor. Na época eu usava terno de brim, fui usar linho depois, linho era roupa de gente de posses.
No período em que o senhor ainda solteiro permaneceu em São Manuel quais eram as suas formas de lazer?Eu gostava de dançar. Cheguei a participar da diretoria do Grêmio Recreativo Sete de Julho. Era um teatro famoso com frisa, camarote. Antes de trabalhar no comércio, na Casa União eu gostava de jogar uma bolinha. Também fui coroinha um bom tempo, na Igreja Matriz de São Manoel. Teve um caso pitoresco que ocorreu nesse período. O padroeiro da cidade era São Manoel. Por uns 10 anos foi feita a veneração á imagem do santo que ficava no altar, até então para todos simbolizava São Manoel. Com a vinda de uns padres italianos, eles imediatamente perceberam que a imagem venerada não era a de São Manoel e sim de São Sebastião! Imediatamente foi trocada a imagem!
O senhor conheceu a família Mellão em São Manoel?Eles foram fazendeiros fortes! Meu pai trabalhou para eles. Era uma gente muito boa. Havia a família Barros também de São Manoel. Tive amizade com Adhemar Pereira de Barros, ele foi interventor de São Manoel, isso no governo Getulio Vargas. Eu freqüentava a casa dos pais do Dr. Adhemar.
Indo morar em São Paulo, por quantos anos o senhor morou lá?Morei uns 20 anos em São Paulo. Logo que mudei fui trabalhar em uma loja de calçados na Rua Piratininga. Quando fui trabalhar na Rua Piratininga, em 1940, estava começando a se transformar em uma rua com uma grande concentração de lojas de peças para veículos. Até pouco tempo antes tinha sido uma rua com muitas lojas de roupas. Um conhecido convidou-me para ir trabalhar em um chalé de jogo do bicho, na época era uma atividade legal. O governador Lucas Nogueira Garcez foi quem colocou a atividade do jogo de bicho na ilegalidade. Fui trabalhar em uma casa de frios na Rua Paula Souza, eu tinha conhecimentos de contabilidade, e qualificações para trabalhar no escritório da empresa. Fui trabalhar como faturista. Eu ia trabalhar de bonde.
O senhor conheceu Gino Amleto Meneghetti ?Foi o maior ladrão do mundo! Não conseguiam prende-lo. Cheguei a vê-lo pessoalmente. Era um sujeito alto, forte, sempre com um sorriso. Ele fugia de qualquer cadeia, os populares gostavam dele, Meneghetti virou notícia e ganhou grandes espaços nas páginas policiais tinha a fama de tirar dos ricos para dar aos pobres.
Da casa de frios da Paula Souza aonde o senhor foi trabalhar?Fui trabalhar na Serraria Maluf, que ficava na Rua da Mooca quase esquina com a Rua Piratininga, de propriedade de Nagib Maluf. Usando uma máquina de calcular manual, aquelas de manivela, fiz o cálculo cúbico de madeira para ser embarcada em um navio, com essa máquina. A história do Nagib Maluf é bastante curiosa, ele morava no Rio de Janeiro, por alguma razão ele mudou-se para São Paulo, ele então abriu várias barbearias, sete ou oito, sendo que ele não sabia fazer barba, mas contratava e pagava muito bem os barbeiros. Com isso conseguiu comprar essa serraria. Ensinei o filho dele, o Ivan, a calcular preços de madeira conforme a medida. Sai de lá e fui trabalhar com os irmãos De Lorenzzi, na venda de máquinas agrícolas, baterias, diversos tipos de máquinas. De lá eu fui trabalhar na Fabrica de Cofres Nascimento, que era a maior fábrica de cofres da América do Sul, ficava na Rua Siqueira Bueno. O Seu Nascimento era o chefão da firma. Havia na empresa um piloto de automóveis que fazia parte de uma equipe de corridas. Quem sempre aparecia por lá era o famoso corredor de automóveis (piloto) Carlo Pintacuda. O Nascimento passou a fazer equipamentos de gasogênio para veículos. Chegaram a fabricar até 500 unidades em um mês. O motor tinha força, não tinha velocidade, os caminhões à gasogênio subiam a serra de Santos, carregados. Nesse tempo até carro de corrida foi feito para correr usando gasogênio.
Da fábrica de cofres o senhor foi trabalhar aonde?Montei uma sociedade com meu irmão para fabricarmos móveis provençal, na Rua Siqueira Bueno. Chegamos a fabricar 40 conjuntos de dormitórios por mês, a nossa fábrica chamava-se Indústria de Móveis Lumar Ltda, a origem do nome Lumar era Lu de Luiz e Mar de Mario. Fazíamos colchões com capim, existiam os fornecedores de capim. Depois passamos a fabricar os colchões de algodão. Permaneci na fábrica por uns 10 anos. Morei na Vila Formosa, na Avenida Dedo de Deus.
Quem comprava esses móveis?Os nossos maiores clientes era lojistas, geralmente judeus. Vendi para Benjamin Lafer, Benjamin Kaufman. Os móveis eram feitos com a madeira canela-sassafráz.
O senhor foi mariano em São Paulo?Fui mariano na Igreja Nossa Senhora de Lourdes, no Bairro Água Rasa. Cheguei a ser presidente da congregação mariana. Entrei como aspirante, passei a ser mestre de noviço. Uma vez por mês, no segundo domingo do mês havia a hora de guarda, hora santa, com o Santíssimo exposto, das duas horas ás três horas da tarde. O padre dava a benção do Santíssimo e ia embora. Uma vez por mês havia também a missa da Congregação Mariana. A Irmandade do Santíssimo era quem carregava as tochas nas procissões, e o pálio. Quem puxava a procissão era a Irmandade de São Benedito. Ocorreu um fato interessante, houve uma mudança de padre, e o que assumiu resolveu quebrar uma tradição de 50 anos, colocou outra irmandade com outro santo para puxar a procissão. A Irmandade de São Benedito foi deslocada para o fim da procissão. Ás cinco horas da tarde choveu bastante. Foi adiada para outro domingo a procissão. No domingo seguinte choveu outra vez. Novamente foi adiada a procissão. Só depois da terceira vez que foi adiada, é que o padre decidiu manter a tradição de São Benedito retornar á frente da procissão, e assim foi realizada sem uma gota de chuva. Estou vivo para contar a verdade.
Como o senhor conheceu a sua esposa?Ela foi para São Paulo para tratar-se do estomago, e ficou hospedada na casa da sua irmã. O cunhado dela era congregado mariano, e um dia me convidou para ir até a sua casa. Ele então me apresentou para ela: “Mario, esta é a Maria, irmã da Natividade!”. Na hora de voltar para casa, perguntei á Maria se poderia voltar a vê-la no dia seguinte. Ela consentiu, eu voltei. E assim foi um mês. Uma noite o meu sogro que tinha viajado de Piracicaba para lá, viu que estávamos conversando. O meu sogro chamava-se Silvio Assalin e a minha sogra Adélia Micheletti. A minha esposa chama-se Maria Assalin André, ela é família Micheletti, que foi proprietária da Padaria Pansa.
O senhor e sua esposa casaram-se em que ano?Foi no dia 5 de junho de 1948, na Igreja São Benedito, a catedral de Piracicaba estava em reforma. Continuei trabalhando em São Paulo. Depois meu irmão Luiz e eu montamos uma padaria no Arraial de São Bento.
Quantos filhos o senhor tem?São três: Mario José, Mansueto Antonio, Martha Aparecida.
Quando o senhor veio definitivamente para Piracicaba?Foi em 1967, mudamos para a Rua Prudente de Moraes, próximo a linha da Sorocabana. Passei a fazer a contabilidade da padaria Pansa, que na ocasião estava em franco desenvolvimento. A razão social da Pansa era José Micheleti e Filhos Ltda.
O bolo de Santo Antonio foi feito pela primeira vez na Pansa?O meu filho Mario José e o Sr. Altafin fizeram o primeiro Bolo de Santo Antonio.
O senhor é poeta?Sou poeta! Tenho uns sessenta trabalhos entre poesias, contos, histórias, sonetos, crônicas.
Onde o senhor busca inspiração?
Desde os meus 12 anos de idade, ainda morando em São Manuel, já estava escrevendo. Sou um dos sócios fundadores do Clube do Escritor de Piracicaba.
Entre seus muitos poemas, o das Moedas Escurecidas é muito curioso.
Em São Manoel existiam os hansenianos, eles pediam esmolas, montados em um cavalo e com uma canequinha. Os negociantes que adquiriam essas moedas colocavam-nas em um braseiro, para fazer a assepsia das mesmas. Elas ficavam escuras por passarem pelo calor. As moedas voltavam a circular, porém escurecidas. Por minha mão passaram muitas delas. É importante saber que a hanseníase tem cura hoje.
Comentários:
Caros amigos.
Estou tentando contato com Sr. Mário André ou familiares pois tenho site do bairro da água rasa e o Sr. Mario faz parte da história do bairro.
estou coletanto fotos para o site do bairro sobre a história do comercio, industria, escolas etc. desde as decadas de 40 até os dias atuais.
quem puder me colocar em contato com o Sr. Mário para que possa receber fotos do bairro no tempo em que ele tinha uma fabrica de móveis eu agradeço a colaboração.
Site: www. boleirosdaaguarasa.com
Meu e-mail: waldevir@gmail.com
Este siteé do bairro e não tem nenhum vinculo comercial, politico e religioso com nanhuma empresa ou instituição.
Ele só conta a historia do bairro da água rasa - são paulo .
Agradeço no que puderem colaborar.
Waldevir;
# postado por waldevir : 11:36 AM
Por uma feliz coincidência caiu em minhas mãos o blog do Nassif que contou coisas interessantes sobre Mário André e seu famoso bom humor e otimismo.
De fato, rir é o melhor remédio para enfrentar os reveses da vida.
Mas não é por isso que estou escrevendo. É que Mário André nasceu em São Manuel e morou aqui por muitos anos, estudou no Grupo Escolar Augusto Reis, aprendeu a fazer sapatões na fábrica de calçados Melillo. Acontece que fui casada com um dos Melillos, o Mário, cujo apelido era Babeche, não sei por quê.
Hoje sou viúva e sou um ano mais velha que o Mário André, pois nasci em 1919 em Pederneiras onde, meu pai lecionou por alguns anos, deixou a carreira e comprou um armazém de secos e molhados em Paranhos e mais tarde em Rodrigues Alves.
Meu pai era filho de sérvios, estudou em Piracicaba onde se formou professor e conheceu minha mãe, filha de portugueses.
Tive um tio, Inocêncio Pedreira que viveu muito tempo em Piracicaba. Até hoje tenho um sofá austríaco que pertenceu aos tios.
Meu pai teve uma irmã, casada com o José Francês, cujo o filho engenheiro morreu cedo, mas o irmão João se foi no ano passado.
Eu não nasci em São Manuel, mas a vida toda foi passada aqui, onde há tempos recebi o título de cidadã sãomanoelense.
Meus filhos são netos de Rafael Melillo e Giusepina.Palumbo, que tiveram oito filhos.
Meu filho Mario Antonio se forma advogada este anoe já é avô. Meu segundo filho, Ézio Rahal Melillo já é advogado e trabalha em Botucatu e a caçula Tais Rahal Melillo trabalha em Nova York numa empresa de marketing.
Fui professora de inglês por 30 anos aqui em São Manuel, Botucatu e Avaré. Depois que me aposentei, dediquei-me à pintura, mas agora tive que parar pois a visão está péssima e a leitura de jornal se resume as manchetes.
Também não posso me queixar muito da vida, pois viajei bastante, vi muitas maravilhas do mundo e não posso me queixar, apesar de tudo ter sido tarde – analfabeta até os 9 anos, formada professora aos 20, casada aos 32, mãe aos 33, 37 e 42 e viúva aos 74 anos!
E a vida vai continuando aos trancos e barrancos.
Parabéns ao Nassif e muitas felicidades à Mário André.
São Manuel, 4 de abril de 2010.
Ednea Lage Rahal Melillo
# postado por Roberta : 7:51 AM
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 29 de agosto de 2009
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO : MÁRIO ANDRÉ
Segundo estudos conduzidos por pesquisadores da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, as pessoas otimistas são as que vivem mais e melhor. O que a ciência explica com dados estatísticos, a sabedoria popular já ensina faz tempo: rir é o melhor remédio. Os sentimentos positivos e o bom humor, além de fazerem bem à saúde, facilitam e melhoram os relacionamentos entre as pessoas. Afinal, ninguém agüenta por mais de alguns minutos aquele sujeito de cara feia, cuspindo fogo pelas ventas e incapaz de rir de si mesmo. Otimismo, alegria e bom humor são justamente os antídotos contra o câncer e problemas infecciosos graves, contra a temida aterosclerose que pode provocar um acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio. Procurar viver com alegria, evitar o mau humor, buscar contornar os conflitos sem muito desgaste, ter uma atitude positiva diante dos desafios da vida, e cultivar boas relações com a família e os amigos é o caminho para as emoções saudáveis. È impossível permanecer mais do que alguns instantes com Mário André sem perceber o seu bom humor contagiante. A vida é um palco onde ele atua com raro brilho. Nascido na cidade de São Manoel em 20 de agosto de 1920, filho de Mansueto Andrello e Lúcia Bertoncin Andrello imigrantes italianos, Mário surpreende a todo instante. Raciocínio e memória perfeitos. Desloca-se com facilidade inclusive em escadas.
Como seus pais vindos da Itália foram morar em São Manoel?As famílias dos meus pais conheceram-se ainda no navio que os trouxe para o porto de Santos. Na ocasião meu pai veio com 10 ou 12 anos de idade e a minha mãe com 9 ou 10 anos de idade. Após o desembarque, seguiram para São Paulo, e depois rumaram para São Manoel. Casaram-se e tiveram oito filhos, cinco mulheres e três homens.
Qual era a atividade do seu pai?Era agricultor. Em 1940 a família veio para São Paulo, fomos morar no bairro da Mooca. Meu pai faleceu pouco tempo depois. Estudei em São Manoel no Grupo Escolar Dr. Augusto Reis, a minha primeira professora chamava-se Margarida, a segunda foi a Isabel, a terceira foi Dona Odete César Calvinet, com quem tive aulas no terceiro e quarto ano. Foi uma professora que foi uma mãe para mim, eu a ajudava na conferência de lições de casa dos alunos. Ela tinha muita consideração por mim. No final do quarto ano ela me presenteou com o pagamento das fotos e do diploma de grupo, na época mesmo em escola estadual o diploma era pago e custava cada um, sete mil e quinhentos réis. Comecei a trabalhar muito novo, aos cinco anos de idade eu levava a cabrita para pastar, cortava capim, rasgava palha.
O que é rasgar palha?Vinha só o cartucho da palha de milho, sem o sabugo, tínhamos que desmanchar aquilo tudo e tirar o nó, para depois desfiar e fazer o colchão de palha. Ficava um colchão muito bom. No calor não esquentava e no frio não se sentia tanto frio. Era um colchão bem alto, para se fazer um colchão eram rasgados quatro sacos de palha. A cada dois ou três meses, minha mãe fazia uma revisão nos colchões, os mais gastos eram jogados no lixo.
Não ia nenhum inseto junto com a palha de milho?Nós tínhamos que tirar todo tipo de elemento estranho. Isso era feito folha por folha de palha.
Quando foi o seu primeiro emprego?Primeiro trabalhei em uma loja de música e discos da minha professora, passava o dia todo tocando música. Lembro-me de várias músicas (Mario passa a cantarolar algumas), a mais antiga que eu conheci foi (ele canta): “Tu não te lembras da casinha pequenina/Onde o nosso amor nasceu/Tu não te lembras da casinha pequenina/Onde o nosso amor nasceu/Tinha um coqueiro do lado/Que coitado de saudade já morreu”. Depois fui trabalhar como aprendiz em uma fábrica de calçados. Aprendi a fazer sapatões, botina de futebol, sapatinhos de criança. No meu tempo os pregos de madeira utilizados para fazer sapatões estavam sendo extintos. Primeiro era feito o furo, depois fixado o prego de madeira. A prefeitura comprava muitos sapatões com pregos de madeira, o prego de metal enferrujava e estragava logo. Não era usada graxa, eram feitos de um tipo de camurça grossa. Os números mais vendidos eram de 40 para cima. Trabalhei na Fábrica de Calçados Melilo, dos irmãos José e Rafael Melilo, ambos italianos. Eles gostaram muito de mim, e da fábrica fui trabalhar na loja deles.
O senhor saiu dessa loja com que idade?Tinha uns doze anos, andava ainda de calça curta, logo passei a usar calça comprida. Fui trabalhar na Casa União, maior casa de São Manoel, um verdadeiro shopping, ali tinha desde alfinetes, guarda-roupa, cereais. Os sitiantes compravam lá, no dia de pagarem as compras eles vinham de caminhão, jardineira. Com as famílias de imigrantes italianos, eu tinha que procurar falar em italiano. No sábado seguinte vinham famílias de outras fazendas que tinham recebido imigrantes espanhóis, eu tinha que aprender a falar o espanhol.
O que eles mais consumiam?Os imigrantes praticamente compravam no armazém açúcar, trigo e sal. O resto eles mesmo produziam. Plantavam, criavam porcos, frangos, faziam o vinho. Houve um tempo em que os fazendeiros tiveram suas lavouras tomadas por pragas. Os pés de café morriam em pé. Em três anos os imigrantes mudaram em grande número para São Paulo. São Manuel diminuiu a sua população.
Por quanto tempo o senhor permaneceu trabalhando na Casa União?Entrei com doze anos e saí com vinte anos de idade, permaneci lá por oito anos. Prestei o serviço militar, no dia 7 de setembro de 1939 jurei á bandeira. No dia 15 de setembro fui para o encontro da minha família que já estava em São Paulo. No dia seguinte meu pai faleceu. Naquele tempo a viagem era feita pela Estrada de Ferro Sorocabana, de São Manoel á São Paulo a viagem durava 8, 9 até 10 horas. Eram trens com 15 a 20 vagões, havia um movimento bem grande de trens naquela época. A locomotiva era a vapor. Na época eu usava terno de brim, fui usar linho depois, linho era roupa de gente de posses.
No período em que o senhor ainda solteiro permaneceu em São Manuel quais eram as suas formas de lazer?Eu gostava de dançar. Cheguei a participar da diretoria do Grêmio Recreativo Sete de Julho. Era um teatro famoso com frisa, camarote. Antes de trabalhar no comércio, na Casa União eu gostava de jogar uma bolinha. Também fui coroinha um bom tempo, na Igreja Matriz de São Manoel. Teve um caso pitoresco que ocorreu nesse período. O padroeiro da cidade era São Manoel. Por uns 10 anos foi feita a veneração á imagem do santo que ficava no altar, até então para todos simbolizava São Manoel. Com a vinda de uns padres italianos, eles imediatamente perceberam que a imagem venerada não era a de São Manoel e sim de São Sebastião! Imediatamente foi trocada a imagem!
O senhor conheceu a família Mellão em São Manoel?Eles foram fazendeiros fortes! Meu pai trabalhou para eles. Era uma gente muito boa. Havia a família Barros também de São Manoel. Tive amizade com Adhemar Pereira de Barros, ele foi interventor de São Manoel, isso no governo Getulio Vargas. Eu freqüentava a casa dos pais do Dr. Adhemar.
Indo morar em São Paulo, por quantos anos o senhor morou lá?Morei uns 20 anos em São Paulo. Logo que mudei fui trabalhar em uma loja de calçados na Rua Piratininga. Quando fui trabalhar na Rua Piratininga, em 1940, estava começando a se transformar em uma rua com uma grande concentração de lojas de peças para veículos. Até pouco tempo antes tinha sido uma rua com muitas lojas de roupas. Um conhecido convidou-me para ir trabalhar em um chalé de jogo do bicho, na época era uma atividade legal. O governador Lucas Nogueira Garcez foi quem colocou a atividade do jogo de bicho na ilegalidade. Fui trabalhar em uma casa de frios na Rua Paula Souza, eu tinha conhecimentos de contabilidade, e qualificações para trabalhar no escritório da empresa. Fui trabalhar como faturista. Eu ia trabalhar de bonde.
O senhor conheceu Gino Amleto Meneghetti ?Foi o maior ladrão do mundo! Não conseguiam prende-lo. Cheguei a vê-lo pessoalmente. Era um sujeito alto, forte, sempre com um sorriso. Ele fugia de qualquer cadeia, os populares gostavam dele, Meneghetti virou notícia e ganhou grandes espaços nas páginas policiais tinha a fama de tirar dos ricos para dar aos pobres.
Da casa de frios da Paula Souza aonde o senhor foi trabalhar?Fui trabalhar na Serraria Maluf, que ficava na Rua da Mooca quase esquina com a Rua Piratininga, de propriedade de Nagib Maluf. Usando uma máquina de calcular manual, aquelas de manivela, fiz o cálculo cúbico de madeira para ser embarcada em um navio, com essa máquina. A história do Nagib Maluf é bastante curiosa, ele morava no Rio de Janeiro, por alguma razão ele mudou-se para São Paulo, ele então abriu várias barbearias, sete ou oito, sendo que ele não sabia fazer barba, mas contratava e pagava muito bem os barbeiros. Com isso conseguiu comprar essa serraria. Ensinei o filho dele, o Ivan, a calcular preços de madeira conforme a medida. Sai de lá e fui trabalhar com os irmãos De Lorenzzi, na venda de máquinas agrícolas, baterias, diversos tipos de máquinas. De lá eu fui trabalhar na Fabrica de Cofres Nascimento, que era a maior fábrica de cofres da América do Sul, ficava na Rua Siqueira Bueno. O Seu Nascimento era o chefão da firma. Havia na empresa um piloto de automóveis que fazia parte de uma equipe de corridas. Quem sempre aparecia por lá era o famoso corredor de automóveis (piloto) Carlo Pintacuda. O Nascimento passou a fazer equipamentos de gasogênio para veículos. Chegaram a fabricar até 500 unidades em um mês. O motor tinha força, não tinha velocidade, os caminhões à gasogênio subiam a serra de Santos, carregados. Nesse tempo até carro de corrida foi feito para correr usando gasogênio.
Da fábrica de cofres o senhor foi trabalhar aonde?Montei uma sociedade com meu irmão para fabricarmos móveis provençal, na Rua Siqueira Bueno. Chegamos a fabricar 40 conjuntos de dormitórios por mês, a nossa fábrica chamava-se Indústria de Móveis Lumar Ltda, a origem do nome Lumar era Lu de Luiz e Mar de Mario. Fazíamos colchões com capim, existiam os fornecedores de capim. Depois passamos a fabricar os colchões de algodão. Permaneci na fábrica por uns 10 anos. Morei na Vila Formosa, na Avenida Dedo de Deus.
Quem comprava esses móveis?Os nossos maiores clientes era lojistas, geralmente judeus. Vendi para Benjamin Lafer, Benjamin Kaufman. Os móveis eram feitos com a madeira canela-sassafráz.
O senhor foi mariano em São Paulo?Fui mariano na Igreja Nossa Senhora de Lourdes, no Bairro Água Rasa. Cheguei a ser presidente da congregação mariana. Entrei como aspirante, passei a ser mestre de noviço. Uma vez por mês, no segundo domingo do mês havia a hora de guarda, hora santa, com o Santíssimo exposto, das duas horas ás três horas da tarde. O padre dava a benção do Santíssimo e ia embora. Uma vez por mês havia também a missa da Congregação Mariana. A Irmandade do Santíssimo era quem carregava as tochas nas procissões, e o pálio. Quem puxava a procissão era a Irmandade de São Benedito. Ocorreu um fato interessante, houve uma mudança de padre, e o que assumiu resolveu quebrar uma tradição de 50 anos, colocou outra irmandade com outro santo para puxar a procissão. A Irmandade de São Benedito foi deslocada para o fim da procissão. Ás cinco horas da tarde choveu bastante. Foi adiada para outro domingo a procissão. No domingo seguinte choveu outra vez. Novamente foi adiada a procissão. Só depois da terceira vez que foi adiada, é que o padre decidiu manter a tradição de São Benedito retornar á frente da procissão, e assim foi realizada sem uma gota de chuva. Estou vivo para contar a verdade.
Como o senhor conheceu a sua esposa?Ela foi para São Paulo para tratar-se do estomago, e ficou hospedada na casa da sua irmã. O cunhado dela era congregado mariano, e um dia me convidou para ir até a sua casa. Ele então me apresentou para ela: “Mario, esta é a Maria, irmã da Natividade!”. Na hora de voltar para casa, perguntei á Maria se poderia voltar a vê-la no dia seguinte. Ela consentiu, eu voltei. E assim foi um mês. Uma noite o meu sogro que tinha viajado de Piracicaba para lá, viu que estávamos conversando. O meu sogro chamava-se Silvio Assalin e a minha sogra Adélia Micheletti. A minha esposa chama-se Maria Assalin André, ela é família Micheletti, que foi proprietária da Padaria Pansa.
O senhor e sua esposa casaram-se em que ano?Foi no dia 5 de junho de 1948, na Igreja São Benedito, a catedral de Piracicaba estava em reforma. Continuei trabalhando em São Paulo. Depois meu irmão Luiz e eu montamos uma padaria no Arraial de São Bento.
Quantos filhos o senhor tem?São três: Mario José, Mansueto Antonio, Martha Aparecida.
Quando o senhor veio definitivamente para Piracicaba?Foi em 1967, mudamos para a Rua Prudente de Moraes, próximo a linha da Sorocabana. Passei a fazer a contabilidade da padaria Pansa, que na ocasião estava em franco desenvolvimento. A razão social da Pansa era José Micheleti e Filhos Ltda.
O bolo de Santo Antonio foi feito pela primeira vez na Pansa?O meu filho Mario José e o Sr. Altafin fizeram o primeiro Bolo de Santo Antonio.
O senhor é poeta?Sou poeta! Tenho uns sessenta trabalhos entre poesias, contos, histórias, sonetos, crônicas.
Onde o senhor busca inspiração?
Desde os meus 12 anos de idade, ainda morando em São Manuel, já estava escrevendo. Sou um dos sócios fundadores do Clube do Escritor de Piracicaba.
Entre seus muitos poemas, o das Moedas Escurecidas é muito curioso.
Em São Manoel existiam os hansenianos, eles pediam esmolas, montados em um cavalo e com uma canequinha. Os negociantes que adquiriam essas moedas colocavam-nas em um braseiro, para fazer a assepsia das mesmas. Elas ficavam escuras por passarem pelo calor. As moedas voltavam a circular, porém escurecidas. Por minha mão passaram muitas delas. É importante saber que a hanseníase tem cura hoje.
Comentários:
Caros amigos.
Estou tentando contato com Sr. Mário André ou familiares pois tenho site do bairro da água rasa e o Sr. Mario faz parte da história do bairro.
estou coletanto fotos para o site do bairro sobre a história do comercio, industria, escolas etc. desde as decadas de 40 até os dias atuais.
quem puder me colocar em contato com o Sr. Mário para que possa receber fotos do bairro no tempo em que ele tinha uma fabrica de móveis eu agradeço a colaboração.
Site: www. boleirosdaaguarasa.com
Meu e-mail: waldevir@gmail.com
Este siteé do bairro e não tem nenhum vinculo comercial, politico e religioso com nanhuma empresa ou instituição.
Ele só conta a historia do bairro da água rasa - são paulo .
Agradeço no que puderem colaborar.
Waldevir;
# postado por waldevir : 11:36 AM
Por uma feliz coincidência caiu em minhas mãos o blog do Nassif que contou coisas interessantes sobre Mário André e seu famoso bom humor e otimismo.
De fato, rir é o melhor remédio para enfrentar os reveses da vida.
Mas não é por isso que estou escrevendo. É que Mário André nasceu em São Manuel e morou aqui por muitos anos, estudou no Grupo Escolar Augusto Reis, aprendeu a fazer sapatões na fábrica de calçados Melillo. Acontece que fui casada com um dos Melillos, o Mário, cujo apelido era Babeche, não sei por quê.
Hoje sou viúva e sou um ano mais velha que o Mário André, pois nasci em 1919 em Pederneiras onde, meu pai lecionou por alguns anos, deixou a carreira e comprou um armazém de secos e molhados em Paranhos e mais tarde em Rodrigues Alves.
Meu pai era filho de sérvios, estudou em Piracicaba onde se formou professor e conheceu minha mãe, filha de portugueses.
Tive um tio, Inocêncio Pedreira que viveu muito tempo em Piracicaba. Até hoje tenho um sofá austríaco que pertenceu aos tios.
Meu pai teve uma irmã, casada com o José Francês, cujo o filho engenheiro morreu cedo, mas o irmão João se foi no ano passado.
Eu não nasci em São Manuel, mas a vida toda foi passada aqui, onde há tempos recebi o título de cidadã sãomanoelense.
Meus filhos são netos de Rafael Melillo e Giusepina.Palumbo, que tiveram oito filhos.
Meu filho Mario Antonio se forma advogada este anoe já é avô. Meu segundo filho, Ézio Rahal Melillo já é advogado e trabalha em Botucatu e a caçula Tais Rahal Melillo trabalha em Nova York numa empresa de marketing.
Fui professora de inglês por 30 anos aqui em São Manuel, Botucatu e Avaré. Depois que me aposentei, dediquei-me à pintura, mas agora tive que parar pois a visão está péssima e a leitura de jornal se resume as manchetes.
Também não posso me queixar muito da vida, pois viajei bastante, vi muitas maravilhas do mundo e não posso me queixar, apesar de tudo ter sido tarde – analfabeta até os 9 anos, formada professora aos 20, casada aos 32, mãe aos 33, 37 e 42 e viúva aos 74 anos!
E a vida vai continuando aos trancos e barrancos.
Parabéns ao Nassif e muitas felicidades à Mário André.
São Manuel, 4 de abril de 2010.
Ednea Lage Rahal Melillo
# postado por Roberta : 7:51 AM
Nenhum comentário:
Postar um comentário