PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 25 de janeiro de 2014.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 25 de janeiro de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados
na Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: WALTER NAIME
Walter Naime nasceu em São José
do Rio Preto a 15 de abril de 1934, filho primogênito de Latif Jorge Naime,
sírio-libanês e Nair Aidar Naime, nascida em Bebedouro, muito bem disposta do
alto dos seus 98 anos. O casal teve ainda as filhas Odete, Ivone e Helena. Walter Naime é casado com Heloisa Azanha
Naime, são seus filhos: Walter, Marcel, Patricia e Mariana.
Qual era a atividade dos seus
pais?
Meu pai era um grande comerciante
de café. Na crise de 1929 que atingiu o mercado mundial, ele perdeu tudo que
possuía. Viemos parar em uma venda que existia no Bairro Formigueiro, perto de
Saltinho. Naquele tempo a comercialização usava muito o sistema de barganha, como
por exemplo, três porcos por um saco de farinha. Era feita a troca do que se
vendia com o que seria obtido na colheita do final do ano. Tempo em se marcava
na tradicional caderneta. Ali, em uma vendinha ele implantou todos os conceitos
que nos dias atuais vemos em Shopping Center: assistência para crianças,
cinema, tem todas as lojas que possa imaginar os corredores de passeio, o
Shopping é uma catedral material, não de Deus, mas de santos, cada nicho tem
Samsung, Dunlop, etc. Meu pai promovia as missas aos domingos, jogo de bocha,
campeonato de jogo de truque. Soltava pipa para a criançada. Ele tinha um fôlego danado. Levava circos que
permaneciam naquele local em média por uma semana. Em uma lagoa existente até
hoje ele realizava campeonato de pesca. Culturalmente essas iniciativas todas
são muito interessantes. Participavam moradores das redondezas, como Sete
Barrocas, Pedro Chiquito, Diamante. Mais tarde, coincidentemente, admiti em
empresa de minha propriedade muitos pedreiros, carpinteiros, descendentes
dessas famílias.
Seu pai permaneceu vivo até que
idade?
Meu pai viveu até os 81 anos. Ele
era um sonhador. Um dos seus grandes amigos foi o Dr. João Basilio, a família
Daibs. Quando eu tinha uns sete anos, nossa família estava abastada, viemos
morar na esquina da Rua Moraes Barros com Benjamin Constant. Meu pai nunca
detalhou nada a respeito, mas ao que consta, uma iniciativa comercial com uma
pessoa mal intencionada o levou para uma situação financeira muito delicada.
Com o que sobrou ele começou a construir o prédio onde existe a padaria Riviera
em frente à Santa Casa de Misericórdia. Era tudo chão de terra, não existia
asfalto, havia as famosas corridas de carros, com as baratinhas, que passavam
pela Rua Governador Pedro de Toledo e Avenida Independência, sem asfalto! Nos
arredores, na época, não havia nenhuma casa construída. Fomos morar lá sem
piso, nem as portas existiam. O prédio é o mesmo existente até hoje, com aquela
laje na frente para que os clientes subissem e ali pudessem tomar sorvete
contemplando a cidade. Ali montamos um pequeno negócio, enquanto minha mãe
permanecia ali, vendendo doces do Martini, uma ou outra garrafa de água, o meu
pai ia buscar queijo em Minas e saia por ai vendendo com malas esses queijos.
Fizemos uma hortinha nessa casa, foi onde originou o meu gosto por tomate,
alface, pepino. Isso foi na década de 40. Saímos dessa casa e fomos de novo
para a zona rural, no Arraial de São Bento, na casa de propriedade de Jorge
Temer, avô do vice-presidente da república, Michel Temer. Permanecemos pouco
tempo nessa casa, fomos morar no Bairro Recreio, próximo a Saltinho, em uma
casa de propriedade da família Nazzatto, era mais próximo a Tietê. Isso no
tempo de João Isaac, um homem valente que erguia saco de açúcar com os dentes.
Naquela época havia muitos ladrões de cavalos, andavam em bando, de madrugada e
diziam que estavam transportando tropas do sul do país para cá. Na realidade
onde eles passavam levavam os animais.
Você já frequentava escola nessa
época?
Os primeiros três anos eu estudei
lá no Recreio, a professora era Dona Yolanda. Por muitos anos a família Ortega
comandou o comércio de cebola e alho em Piracicaba e região. Ao lado da Igreja
Metodista, na Rua Governador Pedro de Toledo, existe um sobrado, em baixo era a
sede deles. Meu pai era comprador de cebola e alho, um deles era compadre do
meu pai, meu padrinho. Vim morar com os
Ortega, uma das minhas tarefas era todo dia às seis horas da manhã ir buscar um
cavalo na Chácara dos Ferranti, que tinha quatro palmeiras bonitas, onde hoje
existe um edifício inacabado, próximo ao Seminário Seráfico. Vinha montado no pêlo
do cavalo, entrava pela Rua Benjamin Constant, em frente ficava o curso
preparatório da Dona Mariquinha Mó, mãe do Professor Rubem Braga. Eu colocava o
arreio no cavalo, um funcionário iria fazer as entregas. Estudando completei o
quarto ano primário. Ronaldo Algodoal Guedes Pereira era um dos examinadores da
admissão ao ginásio, sempre incentivou as pessoas a vencerem. Me orientou no
sentido de fazer o ginásio.
Você estava ainda morando com os
Ortega?
Nesse meio tempo meu pai voltou a
morar na cidade, na esquina da Avenida Dr. Paulo de Moraes com a Rua Benjamin
Constant, ali era a Sorveteria do Turco. Onde atualmente é a Milzinho Peças.
Quando mudamos para lá aquela casa já estava pronta, foi construída por
Panfiglio (Pampaluche) Passari. Quando adquirimos era um bar, do Barsottini. A
padaria Cruzeiro era do Roberto Sachs, seu irmão Santo Sachs, pai do João Sachs
trabalhava lá e me ensinava os serviços. Eu usava muito o forno da padaria para
torrar amendoim. Na calçada oposta, em sentido diagonal, há até hoje um sobrado
de propriedade de Manoel Elias. Era um armazém. Na outra esquina, onde
atualmente existe uma farmácia Drogal, era o salão de barbearia dos Marconi.
Naquele tempo a boiada descia pela Rua Benjamin Constant, tínhamos que fechar
as portas quando ela passava. Viravam a Avenida Dr. Paulo de Moraes e iam tomar
banho no balneário que existia onde hoje é a garagem da Prefeitura Municipal,
era um rego cheio de inseticida onde o boi tomava banho para poder ser levado
ao embarque no trem. Mais para baixo tem um poção, tinha um campinho de
futebol, com 30x40 metros, foi ali que aprendi a jogar futebol. São dessa época
Zequinha, Polenta, Paulistinha.
Você prosseguiu seus estudos em
que escola?
Eu já morava com a minha família
quando fiz o ginásio e o cientifico no Sud Mennucci, onde fundamos o Clube dos
Ex-Alunos. O Deputado Federal Antonio Carlos Mendes Thame é um dos fundadores.
Eu me formei um ou dois anos antes dele se formar. Convivi com o Thame, é
ponderadíssimo, centrado. Tínhamos como professores Arquimedes Dutra, Dona
Zelinda, Argino, Demosthenes, Lino Vitti era professor de latim no ginásio.
Consegui sobreviver por uns dois anos em São Paulo dando aulas de latim que
tinha aprendido aqui em Piracicaba. Eu dava aulas de latim para japoneses vindos
do Paraná, em uma pensão onde eu morava.
Como você deu aula de latim para
japoneses?
Isso é interessante! Eu sabia as
quatro declinações, conhecia um pouco de português que tem sua origem no latim,
aquilo me deu suporte para ensinar o básico para pessoas que não tinham nenhum
conhecimento. Eu dava aulas em uma pensão na Rua Conselheiro Furtado, em São
Paulo, que é um reduto de japoneses. Nessa pensão morava uma colega minha que
era craque em física, matemática, química, matérias que ela ensinava a eles
Como chamava a sorveteria de
propriedade dos seus pais?
Era conhecida como Sorveteria do Pontilhão.
O sorvete mais famoso era o de esquimó, que a minha mãe faz e eu também sei
fazer. O ponto final do bonde era na esquina, em frente a nossa sorveteria.
Posteriormente é que fizeram a garagem do bonde mais adiante e a linha foi
estendida por mais 200 metros. Às cinco horas da manhã minha mãe já tinha
levantado e feito café para todos os motorneiros, cobradores e fiscais do
bonde, assim como para os passageiros. O bonde começava a circular às seis
horas da manhã.
Como surgiu sua opção por cursar
arquitetura?
Dos 40 alunos da minha turma 36
fizeram a opção de estudar agronomia. Eu queria fazer engenharia. Só tinha em
São Paulo na Politécnica. Meu pai queria que eu fizesse medicina. Fui, prestei
o vestibular para engenharia, não passei. Uma amiga perguntou-me por que eu não
cursava arquitetura? Foi através dela que fiquei sabendo da existência desse
curso. Tentei e ingressei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo. A parte
artística do curso era na Rua Maranhão, as outras cadeiras eram na Politécnica,
na Avenida Tiradentes.
Em que ano você ingressou na FAU?
Foi em 1955. Eu vinha a
Piracicaba a cada dois meses, vinha e voltava pelo trem da Companhia Paulista. Ao
chegar a São Paulo fui morar em pensão na Rua Sabará, depois na Rua Itacolomy,
fui para a Conselheiro Furtado, na Liberdade. Trabalhei como copeiro no Bar do
Português, situado em frente à Escola de Policia. Fui vendedor de livros da
Enciclopédia Barsa, vendi protetores para canaletas de porta de aço, trabalhei
em dois censos estatísticos. Através da Lemac-Leopoldo Machado, que dominava a
área de materiais para a engenharia, montei uma filial dentro da faculdade. Fui
organizador de sala de arte para Manabu Mabe, na Folha de São Paulo. O Muylaert
era uma pessoa excepcional, perguntou-me se queria fazer a organização do
salão. O Ruy Ohtake é meu colega de turma. Nos três últimos anos de faculdade
fiz estagio nas empresas ARENA e HINDY, construtoras muito famosas na época.
Oscar Niemayer foi seu professor?
Foi ele dava aulas na FAU, só que
era um professor distante, pouca didática. Ele estava cansado, já era estrela.
Estive com ele aqui em Piracicaba umas duas ou três vezes em que ele veio a
nossa cidade.
Ao voltar à Piracicaba como foi
seu inicio na carreira?
O Cyro Barbosa Ferraz me convidou
para ser seu assessor na Prefeitura Municipal. Ele era Diretor de Obras. Fui
fazer vala de esgoto no Bairro Nhô Quim. Um arquiteto enfiando o pé na lama
malcheirosa para poder viver. Foi um grande choque. Vir com tantos conceitos
inovadores e enfiando-me no meio da lama. É uma área enorme sem caída nenhuma.
O Serra teve a tolerância de me ensinar muita coisa. Ele era uma pessoa que
viajava muito, contou-me sobre o processo de obtenção de água na Califórnia,
onde puxavam um iceberg e deixam derreter formando uma lagoa. Para nós é uma
informação estranha. Nós tínhamos um funcionário, o Leite, que era o único que
sabia onde passava toda a rede de esgoto da cidade. Não tinha cadastro,
arquivo, não existia nada. Chamava-se o Leite e ele dizia: “-Passa aqui, pode
afundar ai que está ai mesmo a rede”. Fiquei uns três anos com o Cyro. Um
colega, o Reynold viu umas casas que eu tinha feito e disse-me: “Você sabe
fazer essas coisas. O que está fazendo aqui?”. Eu precisava daquele salário.
Eu levava minha placa de bonde, não
tinha carro. O meu nome hoje você conhece com um “Doutor” na frente. Não é?
Quando cheguei aqui eu era o “engenheiro filho do turco do bar”! Por uns dois
anos foi assim. Depois começaram a me chamar de “Wartê”. Depois
“Wartenaime”. Eu escrevia tudo junto na
placa, lancei minha placa em preto e branco, não fazia divisão era WalterNaime.
Apareceram umas cinco crianças com esse nome:”Walternaime”. Muitos funcionários
meus batizaram seus filhos com esse nome.
Qual foi seu procedimento após a
observação feita pelo seu colega?
Eu saí da prefeitura e montei meu
escritório na Rua XV de Novembro, no Edificio Falanghe. Lá tinha o Osores, da
Construtora Casarotti. Eu estava na salinha número 7, via aquele pedreiro,
daquele porte, com a sabedoria de um engenheiro bem formado, era assim o José
Osores. Conversava muito com ele, acabei por decidir em montar uma empresa. Cheguei
a ter 100 obras simultaneamente em Piracicaba. Criei um formulário para
assinalar os itens vistoriados em cada obra em que passasse.
Você tem traços arquitetônicos
que marcam sua identidade?
Creio que sim. Algumas pessoas
identificam obras da minha autoria pelos traços. Na Avenida Dr. Paulo de Moraes
onde funcionou o Tiro de Guerra, o projeto do prédio é de minha autoria. A
Escola de Musica Ernest Mahle é projeto e construção são meus, fiz a casa do
Maestro Ernst Mahle, o prédio do Jornal de Piracicaba, a Farmácia do Povo, a
Pinacoteca, fiz cinco blocos dentro da ESALQ, fiz obra em Ribeirão Preto, a
Prefeitura de Itapeva. Fiz obras para a ROMI de Santa Barbara D´Oeste, a fábrica
de bebidas Industrias Reunidas de Bebidas Tatuzinho 3 Fazendas Ltda, em Rio Claro, é obra
minha, projeto e construção. Fizemos 14.000 metros em 12 meses. A garrafa que está
em destaque é um depósito de água, através uma passagem interna pode-se chegar
até a tampinha da mesma, que é o mirante de onde se avista os arredores.
Qual sua relação com a política?
Fui candidato a deputado
estadual, tive 5500 votos em Piracicaba, fui Secretário de Obras por duas vezes
da Prefeitura Municipal de Piracicaba, no Governo de Francisco Salgot Castilon
e no de João Hermann Netto. Cravamos 3600
estacas no Estádio Barão de Serra Negra, no governo do Salgot.
Administrei as obras do Mirante, projeto do mestre Renê Zocante. Fiz umas 180
casas para a DOPLAN – Dovílio Ometto Planejamento, situadas atrás do Hospital
dos Fornecedores de Cana. Trabalhei para o Clube de Campo. Cedi para o XV de
Novembro uma planta para a piscina, na então Cidade dos Esportes. Fui Rotariano
por 25 anos, tempo do Quartim Barbosa, Cançado, Serra, Torres. Foi lá que me
desenvolvi um pouco em minhas apresentações de ideias, devo ter uns 200 artigos
publicados em jornal. Para escrever eu me baseio em uma análise, um conteúdo,
uma linha de mensagem, tudo com humor.
Humor é fundamental?
Acho a expressão máxima da
inteligência.
Você tem algum livro escrito?
Em primeira mão posso informar
que estou aprontando um livro. Tenho diversos nomes, mas ainda não escolhi qual
será: “Um Pouco de Mim”, “Um Pouco de Cada Coisa”, “Eu Vi Meu Pai Nascer”. O lançamento deverá ser feito em junho,
julho.
Como é a sua visão sobre as
cidades futuras?
Sou urbanista, meu conceito é de
que o centro de uma cidade será o aeroporto. Em função da locomoção. As cidades
foram feitas para darem soluções às
pessoas e não para criarem problemas.
É um trabalho de planejamento
antever situações e medidas?
O fato de termos informações tão
rápidas e conhecimentos tão curtos não dá para o planejamento antever mais do
que o próprio nariz.
Você pinta?
Desde 1950 fazia minhas
paisagens, tenho daquela região onde está o Wall Mart era um mato só. Ali era o
“Poção” onde aprendi a nadar, onde existia o “Olho da Nha Rita”, uma nascente
de água. Pintei uns 10 quadros a óleo, tenho muitos desenhos. Ao usar o
computador fico imaginando como ele funciona, me interesso pela máquina, até
hoje estudo matemática filosófica, de grandezas, eu gosto. Como foi criado o
numero zero? O que é limite? Como é feita a raiz? Como chegou nela? Gosto muito
de estudar os limites, a linha de encontro das coisas: oceano com território, mar
e horizonte. Quanto vale um quadro de Leonardo Da Vinci visto por você? E se
tiver um marchand perto quanto passa a valer? Muitas coisas não têm preço, mas
tem valor. Quanto vale um copo de água aqui? E no deserto? Se a sede for grande
e você tiver uma barra de ouro não irá trocar? O preço é a oportunidade, o
valor é intrínseco. A onda é matéria. Toda vibração é matéria. Eu gosto de ser
eclético.
O que é o Clube do Sereno?
É uma conveniência útil a todos,
onde são debatidos todos os assuntos. São pessoas diferentes, de níveis
diferentes, diferentes poderes, que se reúnem em um papo aleatório,
teoricamente sem compromisso, sem ata de reunião, sem horário, sob um abrigo de
laje.
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