sexta-feira, agosto 21, 2015

MARIA CRISTINA SGARIONI



PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 8 de agosto de 2015
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: MARIA CRISTINA SGARIONI
Maria Cristina Sagarioni nasceu a18 de abril de 1949, em São Paulo, no antigo Hospital Matarazzo, que já não existe mais, situado no Bairro Bela Vista. Filha de Wilson da Silva Santos e Clara Navarro da Silva Santos, que tiveram também o filho Wilson da Silva Santos Filho.
Qual era a profissão do seu pai?
Nos primeiros anos ele foi alfaiate de alta classe. Moramos em Santana, Pinheiros, na Rua São Sebastião em Santo Amaro, mais propriamente no Bairro Alto da Boa Vista, junto ao Clube Banespa, ali na época eram chácaras. Quando eu tinha 10 anos, meu avô, pai do meu pai, veio conhecer Piracicaba, e meu pai veio visitá-lo. Meu pai encantou-se com Piracicaba. Estudei até os 10 anos em São Paulo, no Educandário Petrópolis. Eu sofria muito bullying, era gordinha,com 10 anos eu pesava 50 quilos. Ganhei troféu de robustez infantil. Hoje não tem graça nenhuma, mas naquele tempo era engraçadinho.
Em que bairro vocês vieram morar em Piracicaba?
Viemos morar no Jardim Elite, depois adquiriram uma casinha na Rua Fernando Febeliano da Costa. Nessa época meu pai já era representante comercial de material escolar. Depois adquiriram uma casa maior situada a Rua João Sampaio onde permaneceram enquanto foram vivos.
Em Piracicaba, aos 10 anos você foi estudar em qual escola?
Fui estudar no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Quando cheguei ao ginásio passei pela fase de “aborrecente”, própria da adolescência, uma das diversões era faltar às aulas e ir aos cinemas, Politeama, Plaza (situado junto ao Edifício Luiz de Queiroz, mais conhecido como Comurba, que ruiu). No Sud Mennucci repeti três anos. Lembro-me do grande mestre professor Benedito de Andrade. O professor Rossini Rolim Dutra queria que eu fizesse curso de canto. O diretor era o Professor Adolfo Basile. Fui jubilada do Sud Mennucci. Fui estudar no Colégio Assunção. Lá fui uma aluna exemplar. Na época estudava piano, fiz curso de música clássica. O uniforme era saia azul marinho, pregueada, gravatinha azul. Formei-me no ginásio no Colégio Assunção. Estudei nessa época com a Claudia “Cacau” Ranzani, seu pai é o Dr. Guido Ranzani ela ia a minha casa para estudarmos juntas. Lembro-me que quando o João Hermann Netto e a Cacau namoravam, o João me chamava de “Aparecida”, nunca me chamou pelo nome correto. Ai eu fui fazer o Curso Normal na Escola Estadual Monsenhor Jerônymo Gallo. Fui muito boa aluna, formei-me professora, mas nunca lecionei. Eu tinha uns 18 a 19 anos. Conheci meu marido quando tinha de 19 a 20 anos. Nunca me esqueço de que uma freira nos ensinou, quando quiséssemos espirrar em público, em uma igreja, em uma reunião, para evitarmos isso, tínhamos que unir as duas pontas dos dedos: indicador e polegar e apertarmos bem as extremidades que passava a vontade. Houve uma época em que comecei a fazer isso e dava certo!
Você o conheceu em Piracicaba?
Eu conheci meu marido, Luiz Carlos Sgarioni, em Piracicaba, embora ele não seja daqui, ele é gaucho e vinha visitar uma irmã que morava próximo a casa dos meus pais.
Em que local você conheceu o seu marido?
Foi no Clube Cristóvão Colombo, situado a Rua Governador Pedro de Toledo, esquina com a Rua Prudente de Moraes, o famoso “Palácio de Cristal”. Desfilei em muitos bailes de carnaval no Clube Coronel Barbosa, na época freqüentado pela elite piracicabana, entrei em concursos, lembro-me de uma fantasia de grega que ficou maravilhosa. Minha mãe era muito caprichosa comigo, vestia-me muito bem. Vestidos longos, você precisava ver os bailes que freqüentei! Na época eu morava na Rua Treze de Maio, entre a Rua Governador Pedro de Toledo e a Rua Benjamin Constant. Cada serenata que eu ganhava! A janela era baixinha, minha mãe fazia lanches e oferecia aos seresteiros. Eu tinha um fã que se eu fechasse o olho era com estivesse escutando Altemar Dutra. Uma vez participei de um concurso no Cristóvão Colombo, estava noiva do meu marido. A minha juventude passei no Clube de Campo de Piracicaba. Eu sempre me dei bem com pessoas riquíssimas e paupérrimas, nunca fiz diferença de tratamento. Sempre achei que as pessoas têm valor pelo que elas são. Quando o meu marido me viu, aproximou-se, começamos a conversar, e iniciou-se um namoro, embora minha mãe não simpatizasse com a idéia. Namoramos de dois anos e maio a três anos, na época ele era corretor de seguros, estava muito bem estabilizado financeiramente. Depois ele passou a ser representante comercial e permaneceu nessa função. Casamo-nos na Catedral de Santo Antonio, o celebrante foi o Padre Otto Dana, foi a 27 de maio de 1972. Um ano depois tive a minha filha Mariana, depois nasceu meu filho Ricardo. Hoje tenho dois netos.
Após se casar vocês foram morar em que local?
Fomos morar em São Paulo, no Bairro Higienópolis, na Rua Alagoas, próximo a Praça Buenos Aires, onde permanecemos por onze anos, depois fomos para a Rua Albuquerque Lins, também em Higienópolis. Freqüentava a Padaria Barcelona, meus filhos estudaram sempre no Colégio Rio Branco, um dos melhores colégios de São Paulo, tanto que ingressaram na faculdade sem cursinho.
Em São Paulo, com dois filhos, você tinha alguma atividade profissional?
Meu marido achou por bem que eu deveria cuidar dos nossos filhos.
Você é religiosa?
Sou católica. Tenho devoção a Nossa Senhora Rosa Mística e Santo Expedito. Tenho uma devoção muito forte por Jesus Cristo e Nossa Senhora.
Em São Paulo você dirigia?
Meu primeiro carro foi um Vçoyage amarelo, depois tive um Escort azul marinho. Meus filhos faziam muitos cursos paralelos: inglês, natação. Tinha show do Menudo, eu ia leva-los, show do Paulo Ricardo eu levava-os. Eu assistia junto com eles. Eu era uma mãe participativa.
Você e seu marido acharam por bem terminar o casamento?
Nossos filhos já estavam crescidos, decidimos que a separação seria uma decisão boa para nós dois. Temos uma excelente relação, de muito respeito, somos amigos. Ficamos casados até 1990. Ele continua morando em São Paulo e eu moro em Piracicaba. Eu tinha quarenta anos quando nos separamos. Eu nunca tinha trabalhado em nada, embora fosse professora, inclusive de piano, só que não tinha experiência. Tratei de imediatamente arrumar um emprego, não queria ficar dependendo de ninguém. 
Você foi trabalhar no que?
Após uma rápida passagem como atendente em uma gráfica, fui trabalhar em uma clinica de ortopedia na Avenida Angélica. Depois um dos médicos montou outra clinica na Rua Ouvidor Peleja, na Vila Mariana. Fiz curso de auxiliar de fisioterapia. Pelo fato de ter uma boa comunicação, trouxe uma clientela enorme, quando sai foi uma choradeira. Eu acompanhava os pacientes, ficava ao lado deles quando passavam pelo processo de infiltração. Os médicos, meus chefes, eram mais novos, eles tinham uma relação como se eu fosse a uma tia deles. Eu ia no fundo, fazia um chá, chamava todo mundo.
Em que ano você voltou à Piracicaba?
Foi em 2003. Minha mãe estava muito mal. Por cinco anos tratei de ambos. Em 2008 ambos faleceram. Meu pai falou muito: “--Vai conhecer o Lar! Lá é tão bom, tão lindo!”. Em março de 2010 mudei para o Lar dos Velhinhos. Aqui sempre fui muito bem tratada, desde Dr. Jairo Mattos até a Dona Cyonea, todos os funcionários.
Tenho umas amigas que moram ao lado, elas iam confessar na Igreja dos Frades. Eu não me confessava há 50 anos, minha mãe tinha tido uma indisposição com um padre. Logo após eu ter nascido, ela foi confessar, e o padre perguntou: “-Quantos filhos a senhora tem?”.  Ela disse que tinha uma menina só e que pretendia parar por ai. O padre disse-lhe rispidamente: “- A senhora não leu a bíblia? Crescei-vos e multiplicai-vos? A senhora tem que ter mais filhos!” Minha mãe era brava, respondeu-lhe: “- O senhor vai poder sustentá-los? Criá-los?”. Ela saiu brava. Quando eu estava mais mocinha ela me disse: “-Você tem que confessar direto com Deus!” Com isso nunca mais fui confessar Casei, tive filhos, tive toda essa parafernália que aconteceu, separei-me, minha vida virou no avesso. Você estar em baixo e subir é fácil. Você estar lá em cima e descer exige muita estrutura. Eu sei o que é bom, o que custa caro, tanto na alimentação, como no vestir-se, apresentar-me. Tive que mudar tudo radicalmente. Eu freqüentava as boates mais requintadas de São Paulo como Hipopotamus, Gallery. Eu não imaginava que iria ser uma pessoa assalariada. O meu prazer era ir a shopping comprar alguma coisa, um sapato, uma bijuteria. Era uma vida fútil.
Como foi o episódio da sua ida à igreja e a conversa com o frade?
Três amigas que moram aqui no Lar me convidaram para ir até a Igreja dos Frades, fomos, as três se confessaram, eu fiquei por ultimo. Era o Frei Messias, um avozinho. Isso foi um divisor de águas para mim. Ele disse-me: “- Olhe filha, se você achar que é uma conversa, tudo bem, se achar que é uma confissão, tome como quiser. Comecei a chorar. Achei aquilo tão sublime. Contei-lhe a história da mamãe, disse-lhe que fazia 50 anos que não me confessava, não tinha nada muito grave, mas que eu gostaria que ele soubesse um apanhado da minha vida. Eu queria me sentir aliviada. No final ele disse: “-Vou tomar como confissão!” 
Você é uma cozinheira de mão cheia?
A coisa da qual eu mais gosto é cozinhar! Aprendi com a mamãe, ela me preparou para o casamento e para ser do lar. Ela me colocou em tudo que você possa imaginar: aulas de pintura, costura. Quando se tratava de fazer algo gostoso para comer eu queria aprender, toda vida fiz pão em casa, eu tinha cozinheira, tinha tudo, mas quem dava o toque final era eu.
Qual é o seu prato imbatível?
Eu tenho tantos! As tortas são alguns dos pratos preferidos que eu faço. Recebo muitas encomendas dos próprios moradores do Lar dos Velhinhos. Pão caseiro é muito procurado. As quartas e quintas ninguém me vê, eu fico na cozinha. Amo fazer isso! Ponho uma música, minha touca e vou ao trabalho. Não aceito muitos pedidos porque sou eu e Deus. Se você ver a minha cozinha, não é para fazer o que eu faço. Faço milagre. Só cabe eu lá, não cabe mais ninguém comigo. Faço cuscuz paulista, aquele de cortar, que é úmido, faço de frango, sardinha, legumes, palmito.
Se alguém quiser experimentar alguma das delicias que você prepara como pode encomendar?
Basta ligar e encomendar pelo telefone 9 9758 9435. Sempre pedir com antecedência, basta ligar na segunda e eu entrego na quinta ou sexta-feira. A pessoa vem buscar aqui, eu não tenho como entregar. Meus clientes são os moradores do Lar, funcionários, o próprio médico do Lar. Não divulgo essa minha atividade. Minhas coisas são simples, muito caseiras e muito carinhosas. Meu pão não é de máquina, é de sovar e de amassar, tenho um balcão de granito, quando estou batendo a massa dá a impressão de que estou batendo em alguém! Adoro o que faço, cantando, escutando musica. Isso me tirou de um comecinho de depressão. Depressão é falta de ocupação! Sei por mim. Vim para o Lar com a condição de não fazer mais nada, Achei que chegando aqui iria só comer, dormir e passear. Isso é horrível! Acho que se você tem a possibilidade de fazer alguma coisa, faça! A saúde mental depende da ocupação.

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