domingo, fevereiro 05, 2017

JOVELINA GOIA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 24 dezembro de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/


ENTREVISTADO: JOVELINA GOIA
Ao relatarmos sobre Jovelina Goia, estamos trazendo a tona parte da história recente de Piracicaba. Um dos pontos que desperta lembranças é a saga de “Ao Cardinali” há períodos em que as narrativas se entrelaçam. “A trajetória empresarial de “Ao Cardinali” iniciou-se em 1 de janeiro de 1936, quando o casal Augusto e Ida Cardinali estabeleceram-se na Avenida Conceição,19, antiga Avenida Rui Barbosa,129, na Vila Rezende. O casal permaneceu com essa atividade até o ano de 1949, quando no dia 9 de julho, estabeleceu-se na mesma Avenida Conceição,13, com a denominada “Casa Imaculada Conceição”, no ramo de comércio de louças e presentes. No ano de 1951, no mês de novembro , abriu a filial da Rua Governador Pedro de Toledo,784, permanecendo até o ano de 1995, transferindo-se em seguida para a Rua Governador Pedro de Toledo, 826 contando sempre com a colaboração do seu filho Irandir (Didi) na direção da empresa, da filha Arlet e também do neto Irandir Junior. No ano de 1969, dia 20 de abril, um incêndio devorou todo o estabelecimento, passando a atuar na mesma Rua Governador Pedro de Toledo, esquina com a Rua São José, imóvel pertencente a família Luciano Guidotti, até o mês de dezembro do mesmo ano, retornando ao prédio da Rua Governador Pedro de Toledo,784 , totalmente remodelado. “Ao Cardinali” tornou-se celebre por estar voltada para artigos para presentes, cristais, porcelanas, artigos em inox, peças para decoração e utilidades domésticas, sempre com o lema de bem-servir e transparência nas operações comerciais, contando com uma equipe de colaboradores, atentando sempre para o bom atendimento. Pertence a família de Irandir, sua esposa Eudacil e a filha Iraneuda. Essa nota foi distribuída, mencionando o ano de 1991”.
Jovelina Goia nasceu a 7 de novembro de 1946 no bairro rural de Santana, em Piracicaba, filha de Oscar Goia e Otilia Cristofoletti Goia que tiveram nove filhos: Jovelina, Ana Maria,Olivia Carmem, Roque Caetano,Luiz André, Aparecida de Fátima, Deucida, Luzia e Dorival. Seu pai foi agricultor, cultivava arroz, melancia, feijão, ervilha até que nos últimos anos cultivou cana-de-açúcar. 
Naquela época desde pequenos já ajudavam o papai e a mamãe?
A partir dos sete anos, ia para a escola, voltava e já ia ajudar o pai e a mãe. Tinha uma avó que era da família Vitti e outra das minhas avós era Cristofoletti, ambas descendentes de tiroleses. Eu freqüentava o Grupo Escolar Dr. Samuel de Castro Neves.
Essa escola tinha também alunos do bairro vizinho de Santa Olímpia?
Eu acredito que sim, havia certa disputa entre os dois bairros, desde aquela época. Acredito que com o passar do tempo essas disputas, que eram até saudáveis, foram diminuindo.
Em Santana a senhora estudou até que série?
Até a terceira série. Eu era muito magrinha, meu pai tirou-me da escola por precaução levava uma hora a cavalo para chegar até a escola. Quando chegava à minha casa tomava um lanche, não me alimentava bem. Depois fiz o quarto ano noturno, em Santana, meu pai fez comigo para que eu fosse. O sítio era do Seu Antonio Gadotti que tinha um açougue na Vila Rezende, na Rua Primeiro de Agosto.
A senhora ia a cavalo sozinha?
Íamos eu e minha irmã.
Como chamava o cavalo?
Era uma éguinha, a “Pampa”, pintadinha de branco e marrom. Era mansinha, tenho muita saudade dela. Enquanto estávamos na escola ela ficava na casa de um padeiro que era vizinho do grupo escolar.
O seu pai estudou o quarto ano primário com a senhora?
Estudou comigo! Ele já tinha estudado anteriormente, mas foi comigo só para que eu fizesse o quarto ano noturno. Lembro-me que a professora que lecionava no quarto ano noturno era Dona Isabel Vitti. Havia também a professora Raquel, que era professora substituta. Eu a adorava. Outra professora era a Dona Dirce. Nessa época tínhamos mudado para próximo da escola, cerca de 50 metros de distância.
Naquela época ao completar o quarto ano primário já se encerravam os estudos e ia trabalhar?
Exatamente! Fui trabalhar com o papai na roça. Nessa época trabalhávamos com arroz, feijão, melancia, milho. Plantávamos, cuidávamos e colhíamos. Meu pai passava com o arado, ia abrindo a cova e nós íamos atrás plantando. Com o pezinho íamos cobrindo as sementes com terra. Nós morávamos no meio de uma invernada, os bois eram para serem abatidos. As vacas tinham crias, mas eram muito bravas. Se não estou enganada, minha mãe adquiria leite de cabra de alguma vizinha. Ou comprava leite de vaca, mas de outra pessoa. Nessa época já éramos cinco filhos.
E os pratos italianos, como eram?
Havia muita fartura, macarronada, polenta, nunca faltou nada. Não havia o luxo que existe atualmente. Tínhamos carne de porco, de frango, fazíamos lingüiça, fritava a carne do porco e deixava dentro da lata de gordura. Era assim que se armazenava, não havia geladeira. Depois à medida que comíamos, tirávamos e colocávamos para fritar na panela. Era uma comida saudável. Não se falava em colesterol e demais índices indicadores de gordura. Trabalhava-se muito.
Vocês vinham muitas vezes para a cidade?
Vínhamos poucas vezes. Papai vinha, fazia as compras e levava para casa. Comprava-se o essencial: sal, açúcar pegava na usina, coisas que não tinha mesmo em casa. Praticamente tínhamos tudo lá. Verduras, alface, cenoura, tínhamos uma horta.
O seu pai vinha para a cidade de charrete?
Ele vinha de charrete até o “caiapiá”, (acredita-se que tenha essa denominação derivada de “calepiá” por sua vez derivada de eucaliptal ).era aonde carregava-se cana de açúcar nos vagões de trem do Engenho Central.  Na estrada que liga Piracicaba a Charqueda, ali ele vinha, deixava a charrete e o cavalo na casa de um tio, que era da família Zambon. Ele pegava o ônibus da Trevisan e vinha para Piracicaba. Propriedade de Egisto Trevisan (A Viação Trevisan, em plena atividade desde 1954, foi fundada pelos irmãos Egisto Trevisan, Lazaro Trevisan e Antonio Trevisan). Em Santana conheci um moço e acabei casando-me com ele e vim morar em Piracicaba. A partir daí eu ia até a casa dos meus pais só para passear, eles tinham mudado para a Vila Santa Luzia, conhecida também como Tabela do Recreio.
A senhora passou a trabalhar em Piracicaba?
Comecei a trabalhar quando faltavam quinze dias para inaugurar o Hotel Beira Rio. Eram cinco andares.  Entrei como camareira, arrumava os quartos do segundo andar, era um hotel luxuoso para a época. Lá eu também tomava as minhas refeições, eu morava pertinho, na Vila Rezende. Permaneci no Hotel Beira Rio por dois anos e oito meses. O serviço em hotel exige muito do funcionário, embora obedeça a uma escala, trabalha-se aos sábados, domingos. O proprietário era Seu Antonio José Martins, o “Toninho Beira Rio”.  Ele veio de Curitiba. O seu filho tem o Antonio`s Hotel.
A senhora saiu e foi trabalhar aonde?
Fui trabalhar na casa de Dona Amélia Guidotti, esposa de Luciano Guidotti, na época já havia falecido. Trabalhei oito anos com ela. Eu conheci o Prefeito Luciano Guidotti, porque tinha minhas amigas que trabalhavam lá há muitos anos, eu ia visitá-las e conseqüentemente as vezes o via. A casa situava-se na Avenida Independência esquina com a Avenida Saldanha Marinho. Ali morava Dona Amélia, a sua filha Lucia Cristina ao lado, o Seu Wilson Guidotti, pai do Balu Guidotti, do outro lado.
Como era a Dona Amélia?
Maravilhosa! Eu sempre dizia para ela que a tinha como minha segunda mãe. Aprendi muito com ela. Entrei como arrumadeira, tinha cozinheira e uma babá que era para os netinhos dela. Nessa época ela já morava no Edifício Tapajós.
 Dona Amélia comentava alguma particularidade do Comendador Luciano Guidotti ?
Ela falava que ele deitava na cadeira de balanço e dormia. Ela dizia: “- Nossa Luciano!  Você mal encostou e já está dormindo!” Ele respondia: “-É a consciência tranqüila!”
Por que a senhora deixou de trabalhar para Dona Amélia?
Eu queria t5rabalhar no comércio. Eu estava doida pelo comercio. Queria entrar na Drogasil. Existia a Farmasil e a Drogasil. Era três farmácias da rede na Rua Governador Pedro de Toledo. Dona Amélia dizia: “–Você vem amanhã almoçar comigo!”. Na hora do meu almoço na Drogasil eu ia ao Edifício Tapajós, que ficava a uns quatro ou cinco quarteirões. E gradativamente fui espaçando esses almoços. Eu a adorava. Aprendi muita coisa com ela, ela às vezes perguntava se eu ia demorar muito na cozinha, e convidava-me para sentar junto a ela para assistir televisão. Foi e época em que a filha dela mudou-se para o apartamento debaixo.
Em qual dos estabelecimentos da Farmasil a senhora foi trabalhar?
Fui trabalhar como caixa na Farmasil denominada Nova Piracicaba, situada entre a Rua XV de Novembro e a Rua Rangel Pestana. Era ao lado da Lojas Riachuelo.
Como era trabalhar no caixa?
Eu transpirava de baixo em cima! Ficava nervosa quando via fila no caixa. Meu gerente, Seu Antonio, dizia: “- Você vai prestar toda a sua atenção no primeiro cliente que estiver a sua frente! Cobra volta o troco direitinho. Depois vem o outro! Não veja a fila!” Isso no tempo daquela abençoada máquina registradora que tocava campainha quando cobrava. Fazia um barulhinho característico e abria a gaveta. Eu queria ter um salário melhor, passei a ser perfumista. Cuidava dos perfumes e atendia os clientes que desejassem perfume.
O que é necessário para ser uma perfumista?
Não sei! Entrei de olhos fechados!
Como identificar o perfume ideal para cada pessoa?
Normalmente a pessoa já estava determinada a adquirir o produto que ela desejava. Uma das características é que eu trabalhava maquiada. Usava-se um sapato com um salto médio, usava calça cumprida e um casaquinho, comprido e com manga até abaixo do cotovelo, tinha gola, No pescoço usava um lencinho. Não havia ar condicionado, apenas ventilador. A loja “Ao Cardinali” tinha convenio com a Drogasil eu via o que as funcionárias de “Ao Cardinali”gastavam na Drogasil, logo conclui que o salário deveria ser muito bom. A Arlet Cardinali, irmã do Irandir (Didi) Cardinali, convidou-me para trabalhar em “Ao Cardinali”. Nessa época o gerente da Drogasil era o seu Elcio. Após uns dois meses fui trabalhar em “Ao Cardinali”. Nessa época ainda estavam em “Ao Cardinali” o Seu Augusto Cardinali e Ida Siviero Cardinali, pais do Didi , da Arlet, Augusto Cardinali Junior, esses três filhos ficavam na loja, os demais filhos tinham atividades fora da loja.
Por muitos anos “Ao Cardinali”  dominou o mercado de presentes finos em Piracicaba.
Foi criada uma tradição, o fato de dar um presente com a etiqueta “Ao Cardinali” já estava chique. Fiz muitas amizades quando trabalhei lá. As famílias Dedini, Ometto, todo pessoal da alta sociedade piracicabana comprava em “Ao Cardinali”. É interessante observar que as pessoas de menos recursos também compravam lá, havia facilidades para realizarem o pagamento. Havia o crediário com cinco a seis pessoas trabalhando  nesse setor. Vendia-se muito para empresas, todos os restaurantes adquiriam produtos com eles: copos, pratos, taças. O Restaurante Mirante adquiria tudo que necessitava em “Ao Cardinali”. Aceitávamos encomendas. Se dois pratos do aparelho de jantar quebrassem, nós providenciávamos a reposição. Havia uma grande confiança por parte do cliente em nossas orientações. Caso a pessoa precisasse dar um presente a alguém, seja aniversário, casamento, ou outra ocasião especial, éramos instruídas como agir. Direcionávamos o presente e o cliente para o mesmo sentido. Conforme a situação e a posição social do cliente e do presenteado, e as possibilidades de comprar. Era feita uma rápida análise e tínhamos de pronto a solução. Recebíamos treinamento para agir corretamente em cada situação. O importante era que o cliente saísse plenamente satisfeito. Tínhamos aulas de etiqueta, de que lado coloca-se o garfo e a faca, conforme a bebida a ser servida correspondia uma taça. Até a abordagem ao cliente. Cada produto novo que chegava tinha instruções a respeito do produto, se chegasse um carrinho de bebe tínhamos que aprender tudo sobre como abrir, fechar, desmontar.
A venda de faqueiros na época era muito grande?
Saia bastante havia com 130 peças e outro com 101 peças. Acredito que foi “Ao Cardinali” que lançou em Piracicaba a hoje tão comum “Lista de Presentes”. Que são os presentes que os noivos gostariam de ganhar. Isso facilita muito.
Alguns anos antes eram comuns, presentear galheteiros.
Davam muito, era um dos presentes mais acessíveis financeiramente. Tínhamos também o sistema de troca de presentes, se por acaso o casal ganhasse três panelas de pressão, podia dar uma para a mãe, outra para a sogra e uma para o casal. Mas e quando ganhava cinco panelas de pressão? Trocava por aquilo que ela não tinha ganhado. As panelas Nigro, Panex, Rochedo, eram bem conceituadas. Dos faqueiros o Hercules era o de maior valor.
Tinha brinquedos?
Na época de brinquedos era muito bom, fazíamos a felicidade de muitas crianças.
A relação de “Ao Cardinali” com a loja “A Porta Larga” como era?
“A Porta Larga” era uma loja muito bem conceituada, com excelentes produtos, só que o segmento em que eles atuavam era mais da área têxtil.
Ainda com relação a treinamento, se houvesse pessoas interessadas em fazer fondue, marcávamos um local, convidávamos os interessados, vinha um senhor de São Paulo, trazendo todo o material, íamos duas ou três vendedoras, a gerente, o professor e os convidados.  Cada vez que fazíamos iam 20 a 30 pessoas. Pessoas de restaurante também participavam. O Vado do Restaurante Mirante estava sempre em “Ao Cardinali”.Quando eu entrei já trabalhavam lá 30 funcionárias. Nos finais de ano contratavam mais funcionários. O Seu Didi trabalhava mais na área de compras, seu irmão cuidava das finanças, sua irmã cuidava de nós. Havia três homens só para fazerem as entregas, trazerem mercadorias do depósito. Tudo que havia de novidade tinha em “Ao Cardinali”.
A vitrine de “Ao Cardinali” marcou uma época, era muito atraente, principalmente a noite quando as pessoas saiam a passeio.
Todas as semanas fazíamos uma vitrine diferente. A gerente dava as instruções e umas três ou quatro funcionárias ajudavam. No Natal não trabalhávamos com venda de árvore de Natal, porém montávamos uma para dar o clima natalino. No período do Natal não tínhamos tempo de almoçar, jantar, era uma loucura!
A loja “Ao Cardinali”, com uma clientela muito boa, excelentes fornecedores, decidiu abrir uma filial logo que o Shopping Piracicaba foi inaugurado, como isso foi visto pelos funcionários?
Na realidade o Didi Cardinali abriu a loja para dar oportunidade de crescimento e expansão, por razões que merecem um estudo a parte, o empreendimento permaneceu aberto por alguns anos. Ele próprio esteve a frente da loja, lá eu trabalhei de 1990 a setembro de 1997. Lá havia a Mesbla e a Sears.
Com toda a sua vivência em comércio, como a senhora vê a postura e o atendimento que são dados atualmente aos clientes em determinados estabelecimentos?
Na minha época havia uma comissão que o vendedor recebia pelas vendas realizadas. Dizem que houve diversas mudanças, isso refletiu negativamente no atendimento, no tratamento que é dispensado ao cliente. Trabalhar no “Ao Cardinali” era um privilégio, era uma escola, os demais comerciantes queriam empregar todos que trabalharam no “Ao Cardinali”. Um conhecido lojista, bem sucedido, sempre esteve atento as possíveis e raras funcionárias que saiam de “Ao Cardinali”. Ele celebrizou essa convicção de que todas nós éramos excelentes funcionárias. Entre os fatos marcantes e característicos, aconteceu de uma criança entrar com febre e sair feliz, ele queria intensamente determinado brinquedo. A mãe não podia adquirir a vista, nem em duas parcelas, mas consegui fazer com que pagasse em cinco vezes pelo crediário. A criança transformou-se na hora. Saiu radiante de felicidade. Outra coisa que deixou saudade eram as festas de confraternização que fazíamos entre nós, na própria loja. Fechávamos a loja e comemorávamos nossos sucessos, nossas vitórias, lutas, desafios vencidos.




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