PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de janeiro de 2017
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de janeiro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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http://blognassif.blogspot.com/
Dirce Cassanha Gonçalves Pinto nasceu a 8 de agosto de
1930, a Rua William Speers no bairro da Lapa, em São Paulo,
filha de Raul Cassanha e Josefina Carrera Cassanha que tiveram quatro filhos:
João , Geraldo, Laís e Dirce. Raul Cassanha era funcionário do escritório da
estrada de ferro SPR - The São Paulo Railway Company Ltd. que fazia a
ligação entre Santos e Jundiaí, utilizava o sistema “locobreque” O "locobreque" tinha a função de
frear a composição na descida da serra, que simultaneamente puxava outra que
subia. O cabo entre as duas máquinas passava por uma grande roda volante,
chamada de "máquina-fixa" que ficava em cada um dos cinco patamares.
A senhora lembra-se da descida da serra?
Andei tanto naquele trem, com o meu pai, com a nossa família. Saíamos de
São Paulo e íamos até Santos, lembro-me das rodas dentadas e cordas de aço, que
tracionavam o trem. A minha meninice foi
muito boa, joguei barra-bool, um joga a bola para outro, com uma risca onde não
pode ser ultrapassada. Barra-manteiga é a jogada em que a bola bate e não pode
atingir o jogador ou ele ficará de lado. Acusado era outra bricadeira onde a
agilidade era colocada em prática. São brincadeiras inocentes e da minha época de
menina.Eram brincadeiras em que meninas e meninos participavam. Hoje desde
pequena a criança quer tablet, celular. Eu cheguei a jogar bolinha de vidro,
rodar pião. Fui meio moleequinha. Fui sócia do Clube de Regatas Tiete, andava
com meu futuro marido e uma amiga, de catraia pele Rio Tietê, dentro de São
Paulo. Tinha algumas pessoas que até nadavam no Rio Tietê.
A mãe da senhora tinha alguma outra atividade além de cuidar do lar?
Ela foi professora de bordados, fazia crivo, filet, antigamente usava-se
muito cortinas de crivo, filet. Ela tinha uns bastidores enormes de pé, no
chão. Aprendi a fazer muitos tipos de bordados, mas esses com bastidores eu não
quiz aprender.
A senhora estudou em qual escola?
Estudei na Academia Comercial São Paulo. Morávamos na Lapa, meu pai acredito que foi
promovido, fomos morar em Campos Eliseos, quando ele ficou Chefe do Movimento,
mudamos para o Bairro da Luz, isso porque ele tinha um horário diversificado.
A família foi morar em que rua?
Fomos
residir a Rua São Lázaro, uma travessa da Rua São Caetano, hoje tradicional
pelas lojas especializadas em vestidos de noivas.Naquela época era um bairro
uito tranquilo, muito bom, tinhamos uma boa casa, depois fui estudar o curso
primário no Grupo Professor Pedro Voss. Após eu terminar o curso primário, meu pai mudou-se para a
Vila Clementino, a Rua Botucatu, bem em frente a Escola Paulista de Medicina.
Fui estudar em uma escola na Vila Mariana, era o Colégio Campos Salles, minha
irmã e eu pegávamos o bonde, as vezes o bonde aberto, outras vezes o bonde
fechado, que por sua cor vermelha era conhecido popularmente como “camarão”.
Naquela época não se pensava em um curso superior como engenharia, advocacia.
Geralmente as opções para a mulher era ser professora ou secretária. Fiz tres
anos de secretariado. Eu gostava muito da Vila Mariana, as vezes ia a pé até a
Vila Mariana.
Após formar-se como secretária a senhora foi trabalhar em qual empresa?
Fui
trabalhar na empresa Itaú Transportes Aéreos. Eu trabalhava na Rua Asdrubal do
Nscimento. Era uma empresa aérea que só transportava carga. Tinha que usar saia
azul marinho e blusa branca, tinha algumas mulheres que usavam gravata, eu
nunca usei.
Qual foi o próxima empresa em que a senhora foi trabalhar?
Fui para o
frigorífico Anglo (do Grupo Vestey) de
capital britânico. O escritório ficava no décimo e décimo primeiro andar de um
edifício situado a Rua Anchieta, logo após a Praça da Sé, primeira travessa da
Rua XV de Novembro. Eu trabalhava no Departamento de Vendas, havia uma
secretária que tinha fluência em inglês, tínhamos três chefes, ingleses. Eles
produziam enlatados, apresuntados, charques, derivados de carne vindos de
Barretos, Pelotas. Trabalhava da 8:30 às 11:30 e das 13:30 às 17:30 . No Anglo
as roupas eram a vontade, cada um vestia-se como gostava.
Tinha
restaurante no local?
Não tínhamos,
nós íamos almoçar em casa, ninguém comia na cidade. Eu senti em sair de lá, mas
saí porque tinha casado. Os primeiros móveis que comprei quando casei foi no
Mappin, na Praça Ramos de Azevedo esquina com a Rua Xavier de Toledo. Os produtos
comercializados pelo Mappin eram muito bons, eu gostava muito. Eu ia muito ao
Restaurante Itamarati, que existe desde 1940, fica na Rua José Bonifácio.
Como
secretária a senhora fazia o serviço de rotina?
As
vezes chegava um telegrama, conforme o lugar eu tinha que datilografar em 8
vias, 12 vias para entregar à todos os chefes. No caso de doze vias usavam-se
onze carbonos! A máquina que eu utilizava era uma da marca Olivetti. Eu gostava
do meu trabalho.
A senhora era boa datilógrafa?
Acho que era! Eles gostavam. Tinha feito o curso de
datilografia em uma escola particular.
Quanto tempo a senhora permaneceu na empresa Anglo?
Acho que fiquei uns três anos. Comecei a trabalhar em uma
empresa pequena, de lá fui para a Itaú, onde permaneci por um ano, sai e fui
trabalhar no Anglo. Saí para casar, aos 23 anos.
Como a senhora conheceu seu futuro marido?
Eu tinha um primo que fazia ginástica na Associação de
Cultura Física, ficava na Rua Augusta, quase esquina com a Rua Santo Antonio.
Decidi também fazer. Eu tinha uma tia que também gostava de fazer ginástica.
Antigamente era muito praticada a chamada Ginástica Sueca. Em competições nos
encontrávamos grupos de moças e rapazes, vinham grupos do Rio de Janeiro. Não
era a ginástica como é feita hoje, eu fazia todos os aparelhos da época:
paralelas, trave, solo,cavalo, ginástica olímpica. Naquela época era uma
atleta. Eu pesava 42 quilos. Foi lá que conheci o meu marido Henrique Gonçalves
Pinto, ele tinha cinco anos a mais do que eu. Era contador-auditor. Tivemos
três filhos: Roberto, Marta e Fábio. Permanecemos casados por quarenta e seis
anos e meio, a 3 de agosto de 1999 ele faleceu.
Em qual igreja vocês casaram-se?
Casamos na Igreja da Consolação, no dia 16 de abril de
1953. Sempre tivemos um ótimo relacionamento, se um dos dois ia sair, saiamos
juntos. Não havia essa história de se você não vai então eu vou sozinho. Íamos
muito a bailes da Associação Cultura Física. Depois mudamos para Bebedouro.
O que os levou a mudar para Bebedouro?
Um amigo do meu marido tinha uma fazenda, eles foram
criar frangos. Galinhas poedeiras e frangos de corte. Na época meu marido já
estava cansado de ficar em São Paulo. Após um ano adquirimos uma propriedade
rural, ele fez uma granja, e uma particularidade curiosa, pouco conhecida, o
que mais vendia e dava mais lucro era o esterco das galinhas. Naquela época
Bebedouro era muito forte na cultura de café, e o esterco era utilizado como
adubo para o pé de café. Depois Bebedouro dedicou-se a cultura de laranja. Permanecemos
em Bebedouro por uns quatro anos, eu sempre gostei de morar no interior em
chácara, sítio, fazenda. Eu tinha dois cavalos, um era o Gaucho, um cavalo
castanho escuro. Outro cavalo era meio marrom. Em função da família, com o
objetivo de ficarmos mais próximos, viemos morar no Jardim da Glória, no
Cambuci. Cerca de um ano depois, fomos para perto de Miracatu, nas proximidades
de Registro. Praticamente a cultura praticada é de banana. Tudo que tinha que
se fazer havia a necessidade de deslocar-se até Registro pela BR-116. Meu
marido tinha bananal e ele quis colocar gado de leite. Na época do frio, a
banana tem seu preço mais alto, só que tem pouca banana, ela demora para engordar.
Quando a banana está bonita, o valor dela é muito baixo. Eu me desiludi
completamente com a agricultura. Quando tínhamos a granja em Bebedouro meu
marido plantou algodão. Deu um algodão maravilhoso. Quando chegou o
atravessador, disse: “-Tem muito algodão por ai, dou tanto pelo algodão do
senhor!”. Se o agricultor segurar o algodão perde peso, quem ganha é o
atravessador. Quando morávamos em Miracatu não havia energia elétrica, meu
marido adquiriu um rádio de pilha, um dia ouvimos Alziro Zarur transmitindo
suas mensagens. Fomos a São Paulo e visitamos a Legião da Boa Vontade, a LBV.
Conhecemos, conversamos, gostamos.
A senhora permaneceu por muito tempo em Miracatu?
Logo que as crianças passaram a freqüentar a escola
mudamos para Peruíbe. Meu marido ia para o sítio e eu ficava em Peruíbe. O
colegial eles tinham que estudar em Itanhaém. Uma perua da prefeitura levava e
trazia. Em Peruíbe morávamos em um prédio bem na beira da praia. Um lugar
bonito, gostoso. Gosto de Peruíbe até hoje. Nesse meio tempo, meu filho tinha
se formado e trabalhava na Caterpillar em São Paulo. Quando a Caterpillar
mudou-se para Piracicaba, meu filho veio para trabalhar na empresa. Foi quando
eu conheci Piracicaba. Morávamos em Peruíbe, meu marido adoeceu, as consultas
médicas eram feitas em Santos. Por insistência do meu filho que estava em
Piracicaba, viemos para cá. Fomos atendidos por um médico de Piracicaba que
constatou a gravidade da doença do meu marido e tomou as devidas providências. Com
isso ele viveu mais uns cinco anos e pouco.
A senhora acompanha noticiários, vê televisão?
Acompanho, só deixo de acompanhar quando o tema passa a
envolver violência, noticias que transmitem pessimismo, levanto, vou tomar uma
água. De uma forma geral, se posso fazer determinada coisa eu faço. Tenho
opinião própria formada.
Continua com a prática de esportes?
Faço ginástica aqui na quadra, a chinesa, e faço de
alongamento com outra professora.
Algum hobby?
Gosto de ler.
A seu ver, as mudanças ocorridas no decorrer dos anos
tornaram a vida melhor?
No aspecto de evolução tecnológica melhorou. Em
contrapartida as relações humanas pioraram.
Atualmente a senhora reside sozinha há momentos em que a
solidão se faz presente?
De uma forma geral não me sinto só, sinto sim que aos
sábados a tarde há uma quietude, natural do próprio dia. Nessas horas recorro
ao computador, onde tenho meu facebook, e-mail, faço minhas pesquisas no
Google, e para me distrair também as vezes utilizo algum jogo como paciência e
caça palavras.
Qual é a sugestão que a senhora dá para a pessoa ter a
longevidade com plena saúde física e
raciocínio rápido que a senhora possui?
A meu ver a pessoa deve procurar ter atividade, para não ficar pensando de forma negativa. Uma das coisas importantes em nossa vida é não guardar ressentimentos Não limitar-se a ver televisão exclusivamente,
buscar uma atividade manual, enfrentar novos desafios como por exemplo aprender novos comandos de computador, o
computador não cria dependência, é a cabeça da pessoa que determina o quanto
ela deve permanecer em frente ao equipamento. Se a pessoa tiver condições de
sair, deve passear. Mesmo que seja uma voltinha, conversa com alguém, jamais se
isolar. Tenho cinco netas, um neto e uma bisneta de três anos. Tenho três filhos maravilhosos, com famílias
maravilhosas, mas julgo ser importante ter a minha vida própria, ter autonomia.
Sinto permanentemente o carinho que meus filhos têm por mim e eles sabem o
quanto amo a minha família. Há uma grande diferença entre vida própria e
abandono.
Um comentário:
Tia Dirce, adorei!!
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