domingo, fevereiro 05, 2017

DIRCE CASSANHA GONÇALVES PINTO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de janeiro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/



ENTREVISTADA:  DIRCE CASSANHA GONÇALVES PINTO
Dirce Cassanha Gonçalves Pinto nasceu a 8 de agosto de 1930, a Rua William Speers no bairro da Lapa, em São Paulo, filha de Raul Cassanha e Josefina Carrera Cassanha que tiveram quatro filhos: João , Geraldo, Laís e Dirce. Raul Cassanha era funcionário do escritório da estrada de ferro SPR - The São Paulo Railway Company Ltd. que fazia a ligação entre Santos e Jundiaí, utilizava o sistema “locobreque” O "locobreque" tinha a função de frear a composição na descida da serra, que simultaneamente puxava outra que subia. O cabo entre as duas máquinas passava por uma grande roda volante, chamada de "máquina-fixa" que ficava em cada um dos cinco patamares.
A senhora lembra-se da descida da serra?
Andei tanto naquele trem, com o meu pai, com a nossa família. Saíamos de São Paulo e íamos até Santos, lembro-me das rodas dentadas e cordas de aço, que tracionavam o trem. A  minha meninice foi muito boa, joguei barra-bool, um joga a bola para outro, com uma risca onde não pode ser ultrapassada. Barra-manteiga é a jogada em que a bola bate e não pode atingir o jogador ou ele ficará de lado. Acusado era outra bricadeira onde a agilidade era colocada em prática. São brincadeiras inocentes e da minha época de menina.Eram brincadeiras em que meninas e meninos participavam. Hoje desde pequena a criança quer tablet, celular. Eu cheguei a jogar bolinha de vidro, rodar pião. Fui meio moleequinha. Fui sócia do Clube de Regatas Tiete, andava com meu futuro marido e uma amiga, de catraia pele Rio Tietê, dentro de São Paulo. Tinha algumas pessoas que até nadavam no Rio Tietê.
A mãe da senhora tinha alguma outra atividade além de cuidar do lar?
Ela foi professora de bordados, fazia crivo, filet, antigamente usava-se muito cortinas de crivo, filet. Ela tinha uns bastidores enormes de pé, no chão. Aprendi a fazer muitos tipos de bordados, mas esses com bastidores eu não quiz aprender.
A senhora estudou em qual escola?
Estudei na Academia Comercial São Paulo. Morávamos na Lapa, meu pai acredito que foi promovido, fomos morar em Campos Eliseos, quando ele ficou Chefe do Movimento, mudamos para o Bairro da Luz, isso porque ele tinha um horário diversificado.
A família foi morar em que rua?
Fomos residir a Rua São Lázaro, uma travessa da Rua São Caetano, hoje tradicional pelas lojas especializadas em vestidos de noivas.Naquela época era um bairro uito tranquilo, muito bom, tinhamos uma boa casa, depois fui estudar o curso primário no Grupo Professor Pedro Voss. Após eu terminar o curso primário, meu pai mudou-se para a Vila Clementino, a Rua Botucatu, bem em frente a Escola Paulista de Medicina. Fui estudar em uma escola na Vila Mariana, era o Colégio Campos Salles, minha irmã e eu pegávamos o bonde, as vezes o bonde aberto, outras vezes o bonde fechado, que por sua cor vermelha era conhecido popularmente como “camarão”. Naquela época não se pensava em um curso superior como engenharia, advocacia. Geralmente as opções para a mulher era ser professora ou secretária. Fiz tres anos de secretariado. Eu gostava muito da Vila Mariana, as vezes ia a pé até a Vila Mariana.
Após formar-se como secretária a senhora foi trabalhar em qual empresa?
Fui trabalhar na empresa Itaú Transportes Aéreos. Eu trabalhava na Rua Asdrubal do Nscimento. Era uma empresa aérea que só transportava carga. Tinha que usar saia azul marinho e blusa branca, tinha algumas mulheres que usavam gravata, eu nunca usei.
Qual foi o próxima empresa em que a senhora foi trabalhar?
Fui para o frigorífico Anglo (do Grupo Vestey) de capital britânico. O escritório ficava no décimo e décimo primeiro andar de um edifício situado a Rua Anchieta, logo após a Praça da Sé, primeira travessa da Rua XV de Novembro. Eu trabalhava no Departamento de Vendas, havia uma secretária que tinha fluência em inglês, tínhamos três chefes, ingleses. Eles produziam enlatados, apresuntados, charques, derivados de carne vindos de Barretos, Pelotas. Trabalhava da 8:30 às 11:30 e das 13:30 às 17:30 . No Anglo as roupas eram a vontade, cada um vestia-se como gostava.
Tinha restaurante no local?
Não tínhamos, nós íamos almoçar em casa, ninguém comia na cidade. Eu senti em sair de lá, mas saí porque tinha casado. Os primeiros móveis que comprei quando casei foi no Mappin, na Praça Ramos de Azevedo esquina com a Rua Xavier de Toledo. Os produtos comercializados pelo Mappin eram muito bons, eu gostava muito. Eu ia muito ao Restaurante Itamarati, que existe desde 1940, fica na Rua José Bonifácio.
Como secretária a senhora fazia o serviço de rotina?
As vezes chegava um telegrama, conforme o lugar eu tinha que datilografar em 8 vias, 12 vias para entregar à todos os chefes. No caso de doze vias usavam-se onze carbonos! A máquina que eu utilizava era uma da marca Olivetti. Eu gostava do meu trabalho.
A senhora era boa datilógrafa?
Acho que era! Eles gostavam. Tinha feito o curso de datilografia em uma escola particular.
Quanto tempo a senhora permaneceu na empresa Anglo?
Acho que fiquei uns três anos. Comecei a trabalhar em uma empresa pequena, de lá fui para a Itaú, onde permaneci por um ano, sai e fui trabalhar no Anglo. Saí para casar, aos 23 anos.
Como a senhora conheceu seu futuro marido?
Eu tinha um primo que fazia ginástica na Associação de Cultura Física, ficava na Rua Augusta, quase esquina com a Rua Santo Antonio. Decidi também fazer. Eu tinha uma tia que também gostava de fazer ginástica. Antigamente era muito praticada a chamada Ginástica Sueca. Em competições nos encontrávamos grupos de moças e rapazes, vinham grupos do Rio de Janeiro. Não era a ginástica como é feita hoje, eu fazia todos os aparelhos da época: paralelas, trave, solo,cavalo, ginástica olímpica. Naquela época era uma atleta. Eu pesava 42 quilos. Foi lá que conheci o meu marido Henrique Gonçalves Pinto, ele tinha cinco anos a mais do que eu. Era contador-auditor. Tivemos três filhos: Roberto, Marta e Fábio. Permanecemos casados por quarenta e seis anos e meio, a 3 de agosto de 1999 ele faleceu.
Em qual igreja vocês casaram-se?
Casamos na Igreja da Consolação, no dia 16 de abril de 1953. Sempre tivemos um ótimo relacionamento, se um dos dois ia sair, saiamos juntos. Não havia essa história de se você não vai então eu vou sozinho. Íamos muito a bailes da Associação Cultura Física. Depois mudamos para Bebedouro.
O que os levou a mudar para Bebedouro?
Um amigo do meu marido tinha uma fazenda, eles foram criar frangos. Galinhas poedeiras e frangos de corte. Na época meu marido já estava cansado de ficar em São Paulo. Após um ano adquirimos uma propriedade rural, ele fez uma granja, e uma particularidade curiosa, pouco conhecida, o que mais vendia e dava mais lucro era o esterco das galinhas. Naquela época Bebedouro era muito forte na cultura de café, e o esterco era utilizado como adubo para o pé de café. Depois Bebedouro dedicou-se a cultura de laranja. Permanecemos em Bebedouro por uns quatro anos, eu sempre gostei de morar no interior em chácara, sítio, fazenda. Eu tinha dois cavalos, um era o Gaucho, um cavalo castanho escuro. Outro cavalo era meio marrom. Em função da família, com o objetivo de ficarmos mais próximos, viemos morar no Jardim da Glória, no Cambuci. Cerca de um ano depois, fomos para perto de Miracatu, nas proximidades de Registro. Praticamente a cultura praticada é de banana. Tudo que tinha que se fazer havia a necessidade de deslocar-se até Registro pela BR-116. Meu marido tinha bananal e ele quis colocar gado de leite. Na época do frio, a banana tem seu preço mais alto, só que tem pouca banana, ela demora para engordar. Quando a banana está bonita, o valor dela é muito baixo. Eu me desiludi completamente com a agricultura. Quando tínhamos a granja em Bebedouro meu marido plantou algodão. Deu um algodão maravilhoso. Quando chegou o atravessador, disse: “-Tem muito algodão por ai, dou tanto pelo algodão do senhor!”. Se o agricultor segurar o algodão perde peso, quem ganha é o atravessador. Quando morávamos em Miracatu não havia energia elétrica, meu marido adquiriu um rádio de pilha, um dia ouvimos Alziro Zarur transmitindo suas mensagens. Fomos a São Paulo e visitamos a Legião da Boa Vontade, a LBV. Conhecemos, conversamos, gostamos.
A senhora permaneceu por muito tempo em Miracatu?
Logo que as crianças passaram a freqüentar a escola mudamos para Peruíbe. Meu marido ia para o sítio e eu ficava em Peruíbe. O colegial eles tinham que estudar em Itanhaém. Uma perua da prefeitura levava e trazia. Em Peruíbe morávamos em um prédio bem na beira da praia. Um lugar bonito, gostoso. Gosto de Peruíbe até hoje. Nesse meio tempo, meu filho tinha se formado e trabalhava na Caterpillar em São Paulo. Quando a Caterpillar mudou-se para Piracicaba, meu filho veio para trabalhar na empresa. Foi quando eu conheci Piracicaba. Morávamos em Peruíbe, meu marido adoeceu, as consultas médicas eram feitas em Santos. Por insistência do meu filho que estava em Piracicaba, viemos para cá. Fomos atendidos por um médico de Piracicaba que constatou a gravidade da doença do meu marido e tomou as devidas providências. Com isso ele viveu mais uns cinco anos e pouco.
A senhora acompanha noticiários, vê televisão?
Acompanho, só deixo de acompanhar quando o tema passa a envolver violência, noticias que transmitem pessimismo, levanto, vou tomar uma água. De uma forma geral, se posso fazer determinada coisa eu faço. Tenho opinião própria formada.
Continua com a prática de esportes?
Faço ginástica aqui na quadra, a chinesa, e faço de alongamento com outra professora.
Algum hobby?
Gosto de ler.
A seu ver, as mudanças ocorridas no decorrer dos anos tornaram a vida melhor?
No aspecto de evolução tecnológica melhorou. Em contrapartida as relações humanas pioraram.
Atualmente a senhora reside sozinha há momentos em que a solidão se faz presente?
De uma forma geral não me sinto só, sinto sim que aos sábados a tarde há uma quietude, natural do próprio dia. Nessas horas recorro ao computador, onde tenho meu facebook, e-mail, faço minhas pesquisas no Google, e para me distrair também as vezes utilizo algum jogo como paciência e caça palavras.
Qual é a sugestão que a senhora dá para a pessoa ter a longevidade com  plena saúde física e raciocínio rápido que a senhora possui?


A meu ver a pessoa deve procurar ter atividade, para não ficar pensando de forma negativa. Uma das coisas importantes em nossa vida é não guardar ressentimentos Não limitar-se a ver televisão exclusivamente, buscar uma atividade manual, enfrentar novos desafios como por exemplo  aprender novos comandos de computador, o computador não cria dependência, é a cabeça da pessoa que determina o quanto ela deve permanecer em frente ao equipamento. Se a pessoa tiver condições de sair, deve passear. Mesmo que seja uma voltinha, conversa com alguém, jamais se isolar. Tenho cinco netas, um neto e uma bisneta de três anos.  Tenho três filhos maravilhosos, com famílias maravilhosas, mas julgo ser importante ter a minha vida própria, ter autonomia. Sinto permanentemente o carinho que meus filhos têm por mim e eles sabem o quanto amo a minha família. Há uma grande diferença entre vida própria e abandono. 

Um comentário:

Nilza disse...

Tia Dirce, adorei!!

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