sábado, fevereiro 27, 2010

VALDIZA MARIA CAPRANICO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 05 de dezembro de 2009
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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                                          Presidente do IHGP Dr. Pedro Caldari e Profa. Valdiza Maria Capranico
ENTREVISTADA: VALDIZA MARIA CAPRANICO
O ser humano comunica-se com seus semelhantes através dos órgãos dos sentidos, o que o leva a transmitir e a receber mensagens dos mais variados tipos: visuais (imagens, pinturas, filmes, sinais, mímicas), auditivas (músicas, ruídos, fala), táteis (sensações). Os símbolos de uma cidade conferem-lhe identidade própria, devem ser próprios da cidade, ter uma história. As professoras Marly Therezinha Germano Perecin e Valdiza Maria Capranico em uma feliz parceria desenvolveram um projeto para resgatar os símbolos que conferem a identidade própria á Piracicaba. Na busca de parceiros para essa empreitada o Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba encampou a iniciativa, recebendo o apoio imediato de instituições com relevantes serviços prestados á Piracicaba, como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz através do seu diretor Prof. Dr. Roque Dechen, a Secretaria Municipal de Defesa do Meio Ambiente pelo intermédio do secretário Francisco Rogério Vidal e Silva, Acipi Associação Comercial e Industrial de Piracicaba presidida por Jorge Aversa Júnior, órgãos da imprensa, como A Tribuna Piracicabana com o apoio do seu diretor Evaldo Vicente. Pela importância do projeto e pela sua amplitude ocorre a participação de todas as forças vivas de Piracicaba que se consideram capazes em contribuir, por menor que seja a sua colaboração. A profa. Valdiza Maria Capranico concedeu a entrevista, com a apresentação do Presidente do IHGP Dr. Pedro Caldari.
Como o IHGP vê esse projeto presidente Pedro Caldari?

A participação do IHGP nesse projeto vem ao encontro de suas próprias raízes. A natureza faz parte da própria história do homem. A fundação de Piracicaba está relacionada com uma árvore, o tamboril, buscou-se este sítio em função da árvore para a produção de barcos, na época os barcos eram os veículos de transportes e os rios eram as estradas percorridas. Curiosamente o Rio Piracicaba tem o seu curso do litoral para o interior. Uma questão que gera divergências entre os estudiosos e especialistas diz que o maior volume de água é do Rio Piracicaba, sendo o Rio Tietê seu afluente e não o Rio Piracicaba afluente do Rio Tietê!

Quando garoto, o senhor subiu em um pé de tamboril?

Não me lembro! Quando éramos crianças, sabíamos identificar muito bem as árvores frutíferas! Recordo que subíamos e descíamos em abacateiros, mangueiras, nas laranjeiras apesar dos espinhos, mamoeiros, enfim toda espécie que produzisse frutos saborosos.

Qual é a importância desse projeto para o IHGP?

Para o IHGP essa proposta colocada em pauta pelas Profas. Valdiza e Marly, abriu um leque de novas atividades, voltadas para o meio-ambiente, uma integração. Estamos abordando aspectos da flora e automaticamente da entramos na fauna da região. A ave símbolo de Piracicaba é o curió, isso foi oficializado através de lei municipal. Particularmente como vilarezendino e amante de pássaros desde a minha infância, considero o papa-capim como espécime mais representativo em nossa região, mesmo considerando que o curió seja uma magnífica ave, mais valorizada pelos aficionados por pássaros. Iremos a busca da segunda, terceira árvore representativa da nossa região, do peixe, dos animais mamíferos representativos para Piracicaba.

A onça-pintada, o tatu, são espécimes em extinção na região de Piracicaba?

É em decorrência da degradação do meio ambiente. O tamboril pelo fato de ter sido praticamente extinto em determinado período, deixou de produzir o seu fruto que serve de alimentação ao veado. Por sua vez a onça que se alimentava do veado também entrou em processo de extinção. Esperamos que com o replantio do tamboril, voltemos a ter as onças pintadas.

Valdiza Maria Capranico, onde realizou seus estudos?

Fiz os meus primeiros estudos em Piracicaba, cursei a faculdade de história natural em Santos. Sempre gostei da natureza, problemas ambientais. Logo que passei a lecionar tive meu interesse despertado pela ecologia, isso há uns 30 anos. Como bióloga, mergulhei de cabeça no assunto. Em toda a minha carreira profissional realizei inúmeros cursos relativos á área do meio ambiente.

Qual grande nome do paisagismo foi seu conhecido?

Tive a felicidade de conhecer Burle Marx! Era uma pessoa muito simples, amante da natureza. Certa vez ele esteve em Piracicaba, nós o levamos para conhecer o Engenho Central, onde ele ficou encantado ele viu o por do sol no Rio de Piracicaba, ficou maravilhado! Ele via beleza em tudo! Junto a Estação da Paulista havia uma linha de jacarandá mimoso e no chão da estação havia enxofre, caído da descarga dos vagões. Vendo o azul das flores que haviam caído na calçada e o amarelo do enxofre no pátio da estação Burle Marx disse: “-Isso é uma tela! É uma pintura!”. Ele também pintava e fazia tapeçaria. Fico pensando se uma cabeça tão importante viu flores no chão e achou que compunham uma tela, lamentavelmente vemos hoje pessoas achando que folhas e flores caídas sobre as calçadas é apenas sujeira. Essas lições de vida enriquecem muito e proporcionam o nosso crescimento.

Em quais cidades da região você foi professora?

Dei aulas inicialmente em Santa Barbara d`Oeste por um período de 3 anos, no Instituto de Educação Emílio Romi e na Escola de Primeiro e Segundo Grau Professor Ulisses Valente. Em seguida lecionei em Leme no Instituo de Educação Newton Prado durante 12 anos. Voltei a Piracicaba onde lecionei na Escola Industrial Fernando Febeliano da Costa.

Como professora, qual é a sua opinião sobre a liberdade sem limites dada á alguns alunos?

Considero muito importante para o adolescente aprender a aceitar determinadas situações. Infelizmente hoje já saem de suas casas desconhecendo a palavra “não”. Isso provém do fato dos pais trabalharem fora de casa, em conseqüência de permanecer pouco tempo juntos faz com que não queiram falar “não” para seus filhos. Tudo que os filhos querem eles fazem ou dão. Quando vai para a escola o aluno leva consigo a mesma mentalidade de que ele pode fazer de tudo, e que pode ter tudo que quer. E não é bem assim. A vida tem muitos “nãos”! Lembro-me de um episódio que ocorreu aqui em Piracicaba, na Escola Industrial, hoje quando encontro com esse meu ex-aluno, agora trabalhando em Brasília como funcionário graduado da área de segurança, ele me diz: “-Valdiza! Aquela nota zero que você deu para mim quando eu estava colando, como me marcou e me fez crescer!”.

Já está na hora de instituir o ensino público em tempo integral?

Acho que já passou da hora!

Após aposentar-se na função de professora qual atividade passou a exercer?

Fui convidada para trabalhar na Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Sedema. Ao concluir o mandato do então prefeito José Machado, fui convidada para ir até a cidade de Leme, onde fundei a Universidade Livre do Meio Ambiente Souza Queiroz, o patrocinador era o Dr. Ruy de Souza Queiroz, presidente da Usina Cresciumal. Graças a esse trabalho acabei indo parar ao sul da Argentina onde para fundar a Universidade Livre do Meio Ambiente da Patagônia, eu e mais quatro brasileiros fomos para lá a convite do presidente argentino Carlos Menem, fomos recebidos pela ministra do Meio Ambiente da Argentina.

Essa preocupação com o meio ambiente é uma alavanca para um futuro melhor?

Com certeza! Já faz 10 anos que fomos á Argentina. Nunca se falou tanto em meio ambiente como atualmente. Há a preocupação de proteção ás águas, ao plantio de mata. Hoje sofremos as conseqüências de uma natureza que foi violentada pelo ser humano.

Pensando em termos de meio ambiente, não é interessante privilegiar o transporte coletivo?

É muito importante fomentar o transporte coletivo. Só que eu conheço em Piracicaba, assim como em outras cidades, pessoas que se recusam a entrar em um transporte coletivo, por absoluto preconceito!

Não é pela qualidade dos coletivos?

Em Piracicaba me utilizo do transporte publico com destino a muitos bairros, mesmo sabendo dirigir e sendo proprietária de automóvel. A não ser para as pessoas que tenham um horário muito rígido, não há nenhum problema na utilização de transportes coletivos. Hoje o nosso transporte público é bom. Na Europa é muito utilizado o transporte público, sendo o carro utilizado aos finais de semana.

Há uma relação da sua família com a enorme e lendária sapucaia plantada na Avenida Independência esquina com a Rua XV de Novembro?

Há sim. Foi o meu avô quem plantou! Ele se chama Antonio Capranico, casado com Maria Stella Pertinelli Capranico, ambos nascidos em Áquila, uma pequena localidade próxima a Roma. Eles casaram-se em Roma, tenho a cópia da certidão de casamento deles. Na época todo mundo falava do Brasil, eles vieram em lua de mel, se apaixonaram pela terra e aqui ficaram.

Como seu avô chegou a Piracicaba?

Veio através de conhecidos, ao decidir pela permanência no Brasil, adquiriu uma fazenda em Santa Maria da Serra, onde passou a criar gado e cavalos de raça.

E quanto ao plantio da sapucaia, como foi?

Eu fiquei sabendo a respeito muitos anos depois através do irmão mais velho do meu pai, que na época do plantio da muda da sapucaia tinha 12 anos de idade. Ao saber que havia acabado a Segunda Guerra Mundial disse ao meu tio; “-Vamos plantar umas árvores em homenagem ao fim da guerra!” Ele já morava em Piracicaba, no Bairro Alto, onde tinha um açougue onde comercializava a carne que provinha do gado de sua fazenda. Essa sapucaia é a única arvore que restou do bosque localizado onde hoje é o Estádio Barão de Serra Negra Conforme disse esse meu tio, que se chamava Dionísio Capranico, meu avô plantou mais árvores em outros locais.

Qual é a sua relação com o Museu da Água em Piracicaba?

Fui a coordenadora do projeto ambiental do Museu da Água. Na segunda gestão do prefeito José Machado, fui convidada pelo Semae para administrar o espaço que já estava pronto, porém ainda sem atividade, destinei esse projeto que foi premiado na Europa, no Canadá. Apresentei esse trabalho em Genova, para representantes de uns duzentos países. O projeto de ocupação do Museu da água é de minha autoria, assim como o projeto paisagístico. A restauração tinha sido feita na administração anterior, do então prefeito Dr. Humberto de Campos.

Havia a visitação do Museu da Água por pessoas de outros países?

Cheguei a receber em um mês 10 a 12 mil pessoas entre estudantes, empresas e visitantes de outros países. O programa de televisão Globo Ecologia tinha feito uma divulgação maciça do local. Casais de noivos pediam para fotografar tendo o museu como cenário. Duplas de cantores fizeram gravações lá.

Os moradores de Piracicaba visitavam o Museu da Água?

Aos domingos o povo de Piracicaba freqüentava o local, apesar de muitos ainda não terem descoberto o Museu da Água. Nesses 4 anos que trabalhei no Museu da Água conseguimos 8 premiações de nível municipal até internacional por que os trabalhos eram inéditos, interessantes. Ganhamos do Canadá a perua que circula hoje, é um laboratório volante que o Semae utiliza para educação ambiental.

Existe uma árvore muito especial dentro do Museu da Água?

É o tamboril! Justamente uma árvore que trouxe os povoadores para Piracicaba. É uma árvore curiosa, o fruto dele tem o formato de uma orelha, por isso é chamada também de orelha de negro.

Existem pessoas que acham que o trabalho feito na preservação de uma espécie de árvore poderia ser canalizado para atender os menos favorecidos?

Uma coisa está ligada a outra! Os dois movimentos são uma só intenção, melhorar a qualidade de vida da pessoa. Se a natureza não estiver bem o que poderá ser oferecer aos carentes. Se o rio estiver poluído ele não poderá pescar, se o solo estiver árido não poderá ser um agricultor. Escola, saúde, são obrigações que o governo tem, mas não leva a sério, teria que ser pensado melhor.

Por que não é levado a sério?

Politicamente não é interessante. Nenhum político se reelege porque planta árvores, ou leva escola para as crianças. Ajudar orfanatos, cuidar dos idosos abandonados, não dá votos, isso fica por pessoas da sociedade, as mais sensíveis á essa situação. Em um dos encontros dos quais participei, um pessoal da UNESCO tinha feito um estudo sobre a violência mais expressiva na época, que era na Baixada Fluminense, descobriram que o que faltava naquelas crianças era brincar com bola de futebol, em campos que já não existiam mais, não havia mais arvores para brincarem. Não havia mais quintais. Por não ter onde brincar, elas ficavam nas ruas aprendendo o que não deveriam aprender e partiam para a violência. Lembrando que tudo começa na família, se não tiver uma boa formação familiar, ele não irá ter muitas opções no futuro. O trabalho da criança, dentro da família, se bem dosado, é melhor que a criança que permanece o tempo todo em frente a televisão ou da internet.

O que é o Projeto Tamburil?

Faz parte de uma série de livros de uma série chamada “Piracicaba Conhece e Preserva”. O prefácio do livro “Meu Amigo Tamboril” será feito pelo Diretor da ESALQ que dá o aval para essa obra, um momento muito honroso para nós membros do IHGP. Nosso objetivo é distribuir para as crianças como também nas empresas para as pessoas que vieram de outras localidades e não conhecem a história de Piracicaba. Hoje, sábado, ás 9 horas da manhã estaremos realizando o plantio na confluência das Avenidas Armando Cesare Dedini com a Avenida Cruzeiro do Sul. Será plantada uma árvore para cada criança nascida em Piracicaba dentro de um período, conforme relação do cartório de registro.





terça-feira, fevereiro 16, 2010

Anísio Correa

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 06 de fevereiro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: Anísio Correa
Anísio Correa nasceu no do dia 28 de setembro de 1935, filho de Manoel Correa Bueno e Cezira Ferrari. Sua mãe grávida dele acompanhou seu pai em uma visita ao padrinho de casamento de ambos, em Duartina, onde ocorreu o nascimento de Anísio. Expansivo, comunicativo, Anísio personifica uma época em que a cidade de Piracicaba era uma cidade bem menor, as pessoas eram mais fáceis de serem identificadas. Pilotar um avião ou uma motocicleta tinha certo romantismo. Ele fez o seu curso primário na escola instalada onde havia residido o Presidente da República Prudente de Moraes, hoje museu.
Em que local de Piracicaba morava a família do senhor?
O meu pai inicialmente morou em Porto João Alfredo, hoje conhecido como Artemis, lá ele aprendeu a ler e a escrever em uma pequena lousa de pedra, era de origem cabocla, forte. Nossa família morava onde hoje é a Avenida Carlos Botelho, antigamente era o número 235, exatamente onde existe a agência do Banco Itaú. Era ainda estrada de terra, havia umas quatro ou cinco casas ao lado da nossa. Do outro lado da estrada existia uma plantação de goiaba, que se estendia até onde hoje é a Avenida Independência, avançando lá pelos lados do Piracicamirim, era enorme. Eu vivia comendo goiaba lá. Popularmente o proprietário era conhecido como Lazinho Babão, sua atividade principal era empréstimos financeiros. Existia também o Cortume Maniero, que se localizava na Rua Carlos Botelho número 7, fundado em 1926, por Antônio Maniero, sua esposa era a Dona Irene. A família era composta por muitos irmãos: Mário, Miguel, Armando, Tito, Terezinha. O cortume ocupava uma área que se estendia por uns quinhentos metros no sentido onde hoje se localiza a Clínica Amalfi. Onde hoje é o bairro Cidade Jardim era a Chácara do Pedro Ricco, era tudo mato plantações. Ficava entre onde hoje é a Avenida Saldanha Marinho, a Rua José Pinto de Almeida até a linha do trem nas imediações da hoje Avenida Armando Salles Oliveira. Da Saldanha Marinho até chegar na área onde era o cortume, havia um local chamado Chacrinha. Jardim Europa era outra chácara.
Onde ficava a Fonte da Saúde?
Era nas imediações onde hoje é a Rua Ipiranga esquina com a Rua Silva Jardim. Vendia-se água ali, e as carrocinhas saiam vendendo água pela cidade.
O senhor na época era uma criança?
Era! A minha brincadeira predileta era brincar com escorpião! Os tijolos na época eram maiores do que uma caixa de sapato, sempre havia escorpiões embaixo de tijolos. Existiam uns vasilhames, em forma de um grande litro, com capacidade pra cinco litros, nós enchíamos com álcool e colocávamos os escorpiões dentro, diziam que se a pessoa fosse picada por um escorpião era só passar aquele líquido onde estavam imersos os escorpiões, e pronto, estava curada. Em quatro ou cinco meninos, íamos ao Aviário da Escola de Agronomia, onde um amigo de nome João do Prado nos ajudava a pegar ovos de pata, voltávamos com quase uma lata de vinte litros cheia de ovos de pata, e ali no cortume fervia todos aqueles ovos, alguns com duas gemas dentro. E comíamos cada um cinco, seis ovos, quase morríamos de tanto comer ovo de pata cozido! Lá no cortume havia um tipo de cana-de-açúcar que era tão gostosa e de casca mole, com a unha conseguíamos abrir uns três gomos. Era molinha e doce.
Quantos irmãos o senhor teve?
Éramos cinco irmãos.
Qual era a atividade profissional do pai do senhor?
Ele era chefe de jardim, na Prefeitura Municipal de Piracicaba, tomava conta dos jardins da cidade, isso na época em que Dr. Samuel de Castro Neves foi prefeito.

Anísio Correa ainda menino já estava ajudando o proprietário desta loja a céu aberto. No canto direito, em destaque a foto da esposa do proprietário. No fundo, o então garoto, Anísio.
O senhor ainda menino já trabalhava?
Tinha que trabalhar vendia verduras, pegava uma cesta ia até a Vila Boyes para vender verduras. Voltava correndo e ia para a escola. Em frente a casa onde eu morava a Dona Maria Zen que tinha uma plantação de verduras.
Em que escola o senhor estudou?
Estudei no Sétimo Grupo, funcionava onde é hoje o Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes, onde também foi sua residência. Estudei ali até o quarto ano primário, um dos professores foi Alfredo Novembre.
O senhor trabalhou como auxiliar de vendas, ainda menino?
Trabalhei com o senhor Avelino Moreira. Seus descendentes hoje têm uma loja na Praça José Bonifácio. Na época ele vendia meias, cintos, carteiras, miudezas. A venda era feita na rua, embaixo de uma lona, á semelhança do que hoje são os camelôs. Haviam três pontos de venda na praça.
Quando chovia como fazia?
Encerravam-se as atividades! Os clientes eram as pessoas que passavam pela calçada. Tinha de tudo lá. Eu o ajudava. Quando ele ia á São Paulo buscar mercadorias quem ficava tomando conta era a sua esposa Dona Inês. Ficava bem em frente onde hoje é o restaurante Bistecão, ao lado da Catedral de Santo Antonio.
De lá o senhor foi trabalhar aonde?
Um amigo meu, já falecido, disse-me que havia uma vidraçaria que tinha duas bicicletas, se você quiser trabalhar lá, no sábado dá para usar a bicicleta para passear. Ficava onde hoje é o Chocolatão, na Rua XV de Novembro, próximo á Avenida Armando Salles Oliveira, os donos eram Elídio e Toninho. As bicicletas eram das marcas Philips e Hercules. Colocava os vidros no porta-malas da bicicleta, nos ombros também, não havia moleza não!
Mais tarde o senhor foi trabalhar em outra vidraçaria?
Fui trabalhar na vidraçaria de propriedade de Francisco Zenati, sua esposa é da família Crocomo. A família Crocomo tinha uma oficina na Rua Benjamin Constant esquina com a Rua Rangel Pestana.
Com o passar do tempo o senhor adquiriu uma motocicleta?
A minha primeira “moto” foi uma bicicleta com motor da marca Vitória, de procedência suíça, 38cc com 2 marchas de 2 tempos, que o Chico Zenati me deu. Reuni todas as minhas economias e adquiri uma motocicleta Eu já estava cansado de trabalhar de bicicleta, nessa época eu já trabalhava com vidros para carros. Para brisas, vidros de portas. Com o tempo apareceu a oportunidade de adquirir em sociedade um automóvel. O Milton Maluf um dos proprietários da loja “A Porta Larga”, me convidou para trabalhar com ele. Eu entraria com o trabalho e ele com o capital. Isso foi por volta de 1959, havia o Bar Senadinho, localizado na Rua Moraes Barros, onde hoje é a Casa Raya. Esse bar pertencia ao Sebastião Hortiz, que havia adquirido um estabelecimento de grande sucesso o restaurante Haiti, que ficava na Rua Moraes Barros ao lado da Livraria Brasil. Para aproveitar o luminoso do Bar Senadinho, eu tirei o nome Bar e coloquei Auto Senadinho!
O senhor tinha algum apelido?
No tempo em que tinha a motocicleta era conhecido como Diabo Louro!

"Diabo Loiro" Assim era como chamavam Anísio. Sua Indian 1250cc.
Avenida Independência, ao fundo o Seminário Seráfico São Fidelis.
O senhor foi fotografado andando de motocicleta de uma forma inusitada?
Era uma moto Indian 1250, cambio na mão e embreagem no pé Indian, era cor de chocolate, meio bordô. Eu pintava de azul metálica com as saias dela em vermelho, ficava muito bonita. Na época eu tinha uns 18 anos de idade, pilotava com o corpo ao lado dela, como se estivesse andando montado em um cavalo, com o corpo de um lado, também andava em pé, sobre o banco da motocicleta. Tenho essas duas fotos, foram tiradas em frente aonde hoje é o Teatro Losso Netto.
Quais eram os carros comercializados ali?
Havia muitos carros importados. Os fuscas até o ano de 1959 eram importados.
Como eram feitas as vendas na época?
Além das vendas a vista, havia também as vendas feitas com notas promissórias. O parcelamento era em até vinte e quatro meses. Quando eu vendia três ou quatro carros, imagine a quantidade de notas promissórias que eu tinha que datilografar! Ás vezes eram mais de cem notas promissórias á serem preenchidas! Havia uma máquina de datilografar Royal, depois foi adquirida uma Olivetti Lexicon 80.
O senhor andou de Romiseta?
Andei e não gostei! O filho do Dr. Cera, o Toninho tinha uma. O Iô Ferrazzo, filho do Giovanni Ferrazzo proprietário da fábrica de vassouras "Canta Galo" também tinha uma Romiseta. Eu ensinei o Sr. Romeu Romi a pilotar avião. Ele é do Conselho das Indústrias Romi, que entre outros produtos fabricava a Romiseta.
Como piloto de avião o senhor fazia vôos noturnos?
Não.
Os vôos eram feitos por instrumentos?
Cada avião tem um tipo de conduta a ser seguida. Com o avião P-56 o vôo é visual, é feito tendo as rodovias como referências.
O senhor tem noção das vezes que realizou vôos para o Rio de Janeiro?
Pilotei em vôos para o Rio de Janeiro inúmeras vezes. A aterrissagem era feita no Aeroporto Santos Dumont. A duração da viagem era de quatro a cinco horas.
Qual é a sensação em pilotar um avião?
Que você tem um mundo seu! A primeira vez em que pilotei sozinho, sem o auxílio do instrutor, parecia ser o próprio dono do mundo! É uma sensação inexplicável.
O senhor viu o ponto de bonde, mais tarde ponto de ônibus, conhecido popularmente como “abriguinho” ser construído na Rua XV de Novembro, atrás da catedral?
Vi sim! Foi feito um enorme buraco, os sanitários ficam abaixo do nível da rua. Um dos grandes no transporte urbano de Piracicaba foi quando chegou o ônibus com motor na parte traseira. Nós o apelidamos de “Gildão”! Era da Empresa Marchiori, na cores azuis e brancas, o seu trajeto era a Linha Circular. Aonde hoje existe o terminal de ônibus era ponto de carroça, o piso era de terra nua.
O senhor é piloto de avião?
Estudei aviação, tenho brevet, fui diretor de material por muitos anos do Aeroclube de Piracicaba. Eu tirei meu brevet com um piloto de nome Paulo, era da cidade de Campinas, depois com o Nonô, piloto do Altamiro Garcia, aprendi algumas acrobacias aéreas. Conheci Tito, Pedrinho, Zaíra, da família Bottene.
Com qual avião o senhor tirou o seu brevet?
Ele é popularmente chamado de Paulistinha, é o P-56. É um avião telado, com lona. Mais tarde adquirimos outros aviões, inclusive do já falecido industrial e empresário Silva Gordo. Uma característica interessante é que enquanto o seu avião era conduzido pelo seu piloto ele permanecia de costas para o mesmo. Durante o vôo ele olhava para traz. Era um habito seu.
Os aviões usavam gasolina azul?
Exatamente! Era uma gasolina mais rica, mais pura, a octanagem dela era maior. Um fato interessante, é que as corujas sentavam sobre as asas dos aviões estacionados, e as fezes dela eram tão fortes que chegavam a furar as telas dos aviões.
Os aviões mais utilizados no Aeroclube de Piracicaba comportavam quantas pessoas?
No início da aprendizagem eram utilizados aviões que conduziam o instrutor e o aluno.
O senhor saltou de pára- quedas alguma vez?
Nunca. Achava muito radical. Eu lancei muitos pára-quedistas. Eu gostava mais de fazer umas peripécias com o avião. Fiz parafuso que é uma manobra de auto-rotação. O resultado é uma trajetória vertical descendente e em espiral, que irá manter-se até que se apliquem comandos que a neutralizem, o looping que é uma volta na vertical, tunô (tuneaux) que é um giro em torno de si mesmo na horizontal. Fazia as curvas de grande, média inclinação. Para ser aviador tinha que aprender como funcionavam os recursos do avião. Em Rio Claro havia um PT-19, era muito antigo, do tempo da guerra ainda, Quando se fazia uma manobra em que ele ficava no sentindo contrário á gravidade era necessário bombear a gasolina com a mão senão o motor deixava de funcionar!
Qual é o segredo para lançar um pára-quedista?
Não há segredo! O manicaca é o salto onde o pára-quedas está preso pelo dispositivo que é acionado abrindo o pára-quedas assim que o pára-quedista salta. Com o tempo de experiência do aprendiz tudo vai aperfeiçoando-se. Em seguida vem o salto livre, com um pára-quedas atrás e outro na frente. Ao saltar ele puxa o situado atrás, se não funcionar ele puxa o da frente.

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

MÚCIO CARDOSO LEITE

                                                                        Sra. Ana Luiza Corazari Leite e seu marido.
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF

Jornalista e Radialista

joaonassif@gmail.com

Sábado 30 de janeiro de 2010

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana

As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/

http://www.tribunatp.com.br/

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ENTREVISTADO: MÚCIO CARDOSO LEITE

Nascido em dois de julho de 1924 na cidade de Campinas, Mùcio Cardoso Leite é filho de Lucídio Primo Leite e Laura Cardoso Leite. Aos 85 anos de idade, Múcio esbanja saúde, bom humor. Chefe de Estação de Trem aposentado, hoje ele atua como especialista em manutenção de janelas de alumínio, que pacientemente as desmonta, faz a manutenção e as recoloca no local. Em algumas ocasiões isso implica em ficar do lado de fora de algum edifício. Para isso ele conta com sua formação técnica e equipamentos de segurança. Tudo feito á seu estilo, o mais perfeito possível e considerando cada detalhe da operação. Nada é feito sem um detalhado planejamento. Assim consegue complementar a sua aposentadoria e não permanece inativo. Expansivo, comunicativo, Múcio encanta a todos por onde passa. Parece que para ele o calendário só existe para marcar seus compromissos. O seu andar firme e rápido a sua compleição física, o raciocínio rápido, são de pessoas com algumas décadas a menos.

Em que bairro de Campinas o senhor nasceu?

Nasci na Rua Senador Saraiva hoje Avenida Senador Saraiva, no centro de Campinas. O meu pai faleceu no dia 2 de julho de 1931, era funcionário da CPFL.

Após o falecimento dele a mãe do senhor voltou a trabalhar?

Éramos três filhos, meu irmão dois anos mais velho do que eu, Milton Cardoso Leite e minha irmã Cleide Cardoso Leite, dois anos mais nova do que eu. Após o falecimento do meu pai, a minha mãe voltou a trabalhar na profissão que exercia antes de casar-se, ela era telefonista da então Companhia Telefônica do Brasil, a CTB. Eram aparelhos telefônicos que tinham uma manivela em uma de sãs laterais, girava-se e pedia-se á telefonista para fazer a ligação. Com um painel á sua frente, a telefonista completava a ligação encaixando os pinos de origem e destino da ligação. Havia a função de Corredor de Linha, que era o funcionário que fazia a inspeção das linhas telefônicas. Uma das suas atividades corriqueiras era derrubar as casinhas do passarinho joão-de-barro que provocavam indução. Um suíço, Andrea Tatti tinha um elevado posto dentro da companhia, vendo a situação da minha mãe, viúva, com três filhos, um salário apertado, pagando aluguel em um porão, onde se acomodava com os filhos, conhecendo a capacidade de trabalho dela, a transferiu para Pirassununga, no cargo de chefe do centro da CTB da cidade. Lá ela teria casa provida pela CTB, um salário compatível com o cargo.

A família mudou-se para Pirassununga?

O suíço Andrea Tatti nos levou em seu carro, não tínhamos nenhuma mudança. O seu carro era o famoso veículo Ford 1929 com o porta-malas que pode ser acessado pela enorme tampa traseira que era também um banco extra, chamado de “banco da sogra”, já que dentro só tem dois lugares. Fizemos a viagem no “banco da sogra”, a estrada era de terra. (N.J. Era como no carro do Pato Donald, que leva seus três sobrinhos, Huguinho, Zezinho e Luisinho, no banco da sogra).

O senhor foi matriculado em que escola em Pirassununga?

Foi na Escola Prof. Ascanio de Azevedo Castilho. Sempre tinha tirado nota 100. Eu era muito levado e inteligente. Ás vezes saia de casa e ia para Cachoeira das Emas, e debaixo da ponte ficava pescando! Na época havia dois bares grandes para atender aos pescadores.
Nesse período o senhor trabalhava?

Eu era engraxate em uma barbearia que existia a dois quarteirões acima do Centro Telefônico. O Centro mudou da Rua Duque de Caxias para a Rua José Bonifácio, em frente ao jardim. Havia um ponto de carro de praça (N.J. Taxi), eram veículos fabricados em 1929. 1930. Continuando essa rua bem adiante havia a raia de corrida de cavalos.

O senhor como engraxate teve um fato marcante?

Em Pirassununga havia o quartel, um oficial entrou na barbearia e eu engraxei a sua bota, na época usava-se cromo alemão, eram botas vistosas. Ele era do Segundo RCD, Segundo Regimento de Cavalaria Divisionária. Um tenente me levou para o quartel para só para engraxar as botas dos oficiais. Eu tinha entre 9 e 10 anos de idade.

O senhor foi acometido pelo tifo?

Fui, quando adoeci tinha 58 quilos e cheguei a pesar 22 quilos, minha altura é de 1 metro e setenta e três quilos. Quem cuidou de mim foi a minha mãe, que quando solteira havia trabalhado como enfermeira. Isso foi em Mairinque. O médico atendia só durante o dia, a noite era o Zé Enfermeiro quem tratava dos pacientes. O médico tinha dado o diagnóstico de tuberculose. Ela foi até São Roque conversar com o médico Dr. Júlio cujo sobrenome no momento não me lembro. Lá chegando minha mãe disse-lhem “- Dr. Eu me lembro desse cheiro que está entranhado no meu filho. Para mim é de tifo”. Na época quem tinha tifo era obrigado a ir para o hospital do Mandaqui. E lá morria. O pessoal tinha medo de contrair a doença! Minha mãe transportou a banheira de ágata de um quarto existente nos fundos de casa, meu irmão e seus amigos foram apanhar folhas de eucalipto, existia muito eucalipto, para fornecer lenhas para as locomotivas a vapor. As folhas de eucaliptos eram fervidas, á tarde quando a minha febre atingia 40, 41 grau Celsius, fervia a água na mesma temperatura. Ali eu permanecia até a febre abaixar. Meu irmão me tirava da banheira, enrolado em um lençol, me levava para a cama. A minha mãe com um pedaço de miolo de pão molhava no leite e passava pelos meus lábios. Dr. Julio veio aplicou-me uma injeção na barriga. Daí uma hora ela ligou para ele, que voltou correndo, eu estava inchando. Eu nunca irei esquecer de uma caixinha onde estava escrito Park Davis, em que ele trouxe o medicamento. Na hora desinchei. Foram mais 40 dias na rotina do banho de eucalipto. Comecei a melhorar. E assim sobrevivi.

O senhor recebia bem pelo seu serviço?

Era a coisa mais gostosa do mundo ganhar gorjeta daqueles homens. Eram todos oficiais. Se uma engraxada custava 2 eles me davam 5, 10 ! No dia de natal levei um ordenado para a minha mãe que ela se regalou!

O senhor conheceu João Guidotti?

Ele morava em Pirassununga! Tinha uma loja de “Dois mil réis”, semelhante ao que temos hoje denominado de lojas de R$ 1,99. Só que lá qualquer item custava dois mil réis. Ele morava vizinho ao centro telefônico, eu cortava molduras para fazer quadrinhos, trabalhei algum tempo com ele. O Luciano Guidotti nessa época ainda morava em Limeira.

Após permanecer por algum tempo trabalhando no quartel o senhor foi para onde?

Fernando de Souza Costa, interventor do Estado de São Paulo tinha uma chácara em Pirassununga. Ele realizava as suas ligações para lá, essas ligações sempre exigiam o auxílio da telefonista para completá-las. Minha mãe conversou com ele, e conseguiu que eu fosse me profissionalizar no Instituto Educacional Bento Quirino em Campinas.

Quais cursos o senhor realizou nessa instituição?

Fiquei lá por quatro ou cinco anos. Aprendi de tudo. Aprendi a trabalhar como torneiro mecânico, serralheria, carpintaria, mecânico de ajustagem, marcenaria, fundição, ferragem de carroça, ferreiro. Era tudo de graça, era dada a parte teórica e a prática, um dos cursos que era dado era o de escultura em barro.

O senhor após concluir seus cursos no instituto onde o senhor foi trabalhar?

Minha mãe tinha sido transferida para Limeira. Permanecemos lá por um ano e poucos meses. Fui trabalhar na Dierbergher, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. De lá fui para a Ford, em Limeira, da Ford fui para a Chevrolet de propriedade do Lucato. Minha mãe tinha angina, e por isso foi transferida para uma cidade com um clima que era mais propício para ela, fomos morar então em Indaiatuba. Lá fui ferreiro na ferraria do Lino Lui. Um fato curioso é que o Lino era magro, porém ninguém conseguia vencê-lo na queda de braço. Eu tinha aprendido a ferrar cavalo, ferrar carroça de madeira.

Qual é o segredo para ferrar um animal?

Não há segredo! O segredo é o cachimbo. Um tipo um cabo de vassoura com um furo, nesse furo é passado um aro de couro, fica uma argola de couro, coloca-se na parte superior da boca.

E essa história de número de buracos de ferradura?

Se o animal for maior, terá um maior número de pontos de fixação no casco. Se for menor, uma ferradura com menor número de buracos.

Em média quanto tipo dura uma ferradura?

Em média um ano. Mesmo que não desgaste a ferradura, por exemplo, em estrada de terra, o casco cresce, a ferradura deve ser trocada.

Quanto tempo demorava-se para ferrar um burro?

Dependia do burro! Tinha burro que era demorado. Os de tropa, nem amansados não era, eram bravos. Demorava uma hora, meia hora.

O senhor fazia aro de ferro de carroça qual era o segredo ara fazer esse aro?

Você mede o tamanho do aro, se medir três metros, se pega uma barra de ferro com nove metros e 3 centímetros, remonta as pontas, cardeia-se, remonta cinco centímetros de cada lado

O que é cardear?

Depois do aro feito, prende-se, fura as extremidades, coloca-se o arrebite, e poõe no fogo em brasa. Quando estiver bem vermelho, coloca-se na bigorna, joga-se areia, e com o martelo liga um no outro. Fica uma peça só. Em seguida coloca-se carvão na volta inteira do aro, avermelha a peça toda. Quatro pessoas com a tenaz, e encaixa na armação de madeira. Em seguida joga-se acua em cima.

Quanto tempo dura um aro de ferro em uma carroça com roda de madeira?

Se andar na terra dura bastante tempo, em pedregulho irá comendo o ferro, e se rodar só em paralelepípedo o aro vai alargando-se, o calor do paralelepípedo mais as pancadinhas dada com o movimento natural da carroça irá alargar o aro.

A mãe do senhor arrendou um hotel em Indaiatuba?

Era o então Hotel Boseli, que passou a chamar-se Hotel Brasil a maior freqüência era de professoras de Piracicaba que lecionavam no sítio e de caixeiro viajantes. Nessa época minha mãe casou-se com o Chefe da Estação Sorocabana.de Indaiatuba. Ele colocou-me com caixeiro de armazém na estrada de ferro. Era o que hoje seria montar a cesta básica de cada funcionário. Cada funcionário tinha um tipo de pedido, tínhamos que montar o pedido.

O pai da esposa do senhor era também ferroviário?

O pai minha esposa, Ana Luisa Corazari Leite era Chefe de Trem, eu a conheci quando ela estava levando almoço para ele. Fui sendo promovido, me mandaram para Itapetininga. Por motivos de reestruturação de pessoal da Sorocabana, fui guindado a um cargo de destaque na hierarquia. Já me deram farda, passei ter o direito de andar na primeira classe.

O senhor casou-se em que dia?

Foi no dia 7 de março de 1948, em Mairinque, o padre era de origem oriental, ele falou tudo em latim eu não entendi nada. As bodas de Prata foi na Igreja São Judas Tadeu. As bodas de Ouro foi na Igreja São Pedro, foi o Padre Jorge quem fez, eu gostei da cerimônia!

O pagamento dos funcionários era feito pelo trem pagador?

Havia um trem especial que corria a linha pagando os funcionários. Logo depois essa função passou para o estabelecimento bancário. Um caso verídico, foi de um caixa, extremamente meticuloso, muito detalhista, empolado em sua autoridade. No dia do pagamento ele chamava os funcionários pelo nome preservando as grafias originais e acentuando-as. Na seqüência da fila para receber ele chamou: Baptista de Assumpção, entoando todas as sílabas, ou seja, Bapitista de Assumpição. Ao que o funcionário respondeu: “Prompto!” (“prompito”.) repetindo o processo!

O que Estrada de Ferro Sorocabana tinha em Porto Epitácio?

Ficava na barranca do Rio Paraná, lá havia os barcos da Sorocabana que subia com os passageiros até Foz de Iguaçu.

O senhor chegou a fazer essa viagem?

Eu e mais alguns amigos, também ferroviários da Sorocabana íamos pescar lá. Era eu, Barini, Nicola e Micheli, morávamos em Mairinque, quando tínhamos folgas de quatro dias pegávamos os passes a que tínhamos direito e viajávamos.

O senhor estava em primeiro lugar no almanaque da Sorocabana, ou seja, seria promovido como chefe de estação de uma importante estação?

De fato. Só que por ter detectado algumas situações de desmandos administrativos, fui preterido, talvez por aqueles que se beneficiassem dessa situação. Eu já havia anteriormente chefiado mais de uma centena de homens nas oficinas de manutenção, com pleno êxito.

Existia passe livre para algumas classes?

Existia. Militares, religiosos, crianças, professores.











domingo, janeiro 24, 2010

IVETE D`ABRONZO RONTANI



                                                    IVETE D`ABRONZO RONTANI



PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de janeiro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: IVETE D`ABRONZO RONTANI
Em cima de um piano, tipo armário, repousa já por algumas décadas a escultura da cabeça do artista plástico, jornalista, cartunista, radialista, radioamador, desenhista, contador e advogado Edson Rontani. Aos poucos Piracicaba parece acordar para a importância desse artista. Um reconhecimento muito maior do que obteve em vida. Parece ser o caminho trilhado por todos que se atreveram a fazer da arte e da cultura um sacerdócio. Reconhecido e respeitado pelo seu trabalho como artista gráfico conviveu com grandes mestres da pintura. Colaborou por décadas com a coluna: Você Sabia? Editada no Jornalzinho, que era o suplemento infantil do Jornal de Piracicaba. Chargista, Edson deu forma ao personagem-mascote do XV de Piracicaba, o Nhô Quim. O termo fanzine foi muito utilizado nos Estados Unidos incorporando-se à linguagem brasileira no início dos anos 1970. Ele deriva das palavras fan (fanático) e magazine (revista), entendendo-se como sendo a revista do fan, conforme explica Edson Rontani Jr. Edson Rontani criou o primeiro fanzine nacional, o lançamento ocorreu no dia 12 de outubro de 1965 com o nome de Ficção. Dona Ivete mostra um quadro onde Edson escreveu seu nome em forma de acróstico, quando ainda eram namorados.
Idolatro teu nome cheio de esperança,
Vejo-o gravado no mais lindo livro da vida
Embora o tempo devastador, que não se cansa,
Tragá-lo podia, porque firmemente
Em minha alma gravado estará eternamente
Edson


                                                        EDSON RONTANI

Ivete D`Abonzo Rontani a senhora nasceu em Piracicaba?
Nasci na Vila Rezende, a Rua Maria Elisa, na esquina com a Avenida Rui Barbosa. Aí era a nossa casa, que depois papai derrubou para ampliar a indústria. Nasci no dia 29 de abril de 1942. Minha mãe Julieta Meira D`Abronzo também nasceu no dia 29 de abril. Meu pai é o Comendador Humberto D`Abronzo.
O Comendador Humberto D`Abronzo ainda vivo já era uma pessoa lendária em Piracicaba. É muito comum visitarmos outras localidades e perguntam como vai o XV de Novembro, o Rio Piracicaba e a Caninha Tatuzinho. Quando a senhora nasceu já era uma indústria de grandes proporções?
O início de tudo foi uma fabrica de refrigerantes, que depois veio a constituir a Caninha Tatuzinho.
O casal Julieta e Humberto teve quantos filhos?
Foram: o Sérgio, eu, a Ivone, o Paschoal e a Ivana
A senhora estudou onde?
Estudei no Grupo Escolar José Romão. Meu pai colocou meu irmão Sérgio como aluno interno no Colégio Piracicabano e eu como aluna interna no Instituto Baronesa de Rezende, a um quarteirão de casa, era só atravessar o jardim e eu estava lá. Permaneci por dois anos dos 9 aos 11 anos de idade. As visitas eram no segundo domingo do mês, e eu vinha para casa uma vez por mês. Foi lá que além do estudo regular, aprendi a tocar piano, com a irmã Clemência, de origem austríaca, eu catava no coro, aprendi a bordar. Foi a melhor fase da minha vida, acordava ás cinco horas da manhã para ir á missa, voltava tomava banho, tomava o café da manhã e ia estudar.
Como era o uniforme que era usado no Instituto Baronesa de Rezende?
A saia era azul-marinho, pregueada, a blusa branca de manga comprida, gravata, e um avental xadrezinho que era usado para não sujar o uniforme. O sapato era preto e as meias eram brancas. O sapato colegial, aquele que tinha um risco no centro, uma espécie de vinco. A noite rezava-se o terço, e ia dormir.
A senhora recebia algum tratamento diferenciado por ser filha de um dos homens mais influentes da época?
De forma alguma! Eu queria ser freira, meu pai deixou que eu fosse junto com uma freira conhecer um convento em Araraquara, onde assei uns dias. Quando terminei o quarto ano do primário, passei a estudar o ginásio na Escola Assunção. Nessa época ainda morava na Vila Rezende. Meu Tio Jorge Vargas dizia: “Você vai ser freira, de dois travesseiros!”. Quando terminei o quarto ano do primário, passei a estudar o ginásio na Escola Assunção. Nessa época ainda morava na Vila Rezende. Foi quando conheci o Edson. Ele trabalhava no escritório do Posto São João, na esquina da Rua Boa Morte com a Rua D. Pedro II. Em frente ao Colégio Piracicabano. Ao lado tinha o bar de umas japonesas (hoje Restaurante Babilônia). Eu ia ás vezes até o bar para comprar leite, só para ver o Edson. Eu tinha 15 anos de idade.
Qual foi a primeira vez que a senhora viu o Edson?
Não me lembro se foi no posto ou se foi no jardim. Naquele temo era costume quadrar o jardim. Eu ia com as minhas amigas e via ele lá. Ele era amigo do Arthemio De Lello, e tinha mais uma pessoa, de estatura mais baixa que eles. Os três estavam sempre juntos.
A senhora tinha quantos anos de idade quando passou a namorar o Edson?
Até os 18 anos de idade meu pai não permitia que eu namorasse. Quando completei essa idade, ele admitiu o namoro meu com o Edson.
Qual era a altura do Edson?
Era quase um metro e noventa de altura, olhos verdes, usava um topete. Ele era muito bonito!
Qual era o nome dos pais do Edson?
Eram Seu Guilherme Rontani e Dona Maria Sartini Rontani. Meu sogro era marceneiro. Eles tiveram três filhos: O Milton, a Edna e o Edson.
A senhora e o Edson tiveram quantos filhos?
Tivemos três filhos: o Eron, Edson e Fábio. O Edson é Jornalista, o Eron é publicitário e o Fábio é artista gráfico. Tenho um neto fazendo jornalismo!
Em que igreja a senhora casou-se?
Casamo-nos em 16 de maio de 1963, na Catedral. O casamento religioso foi super simples. A festa foi no Teatro São José, lá sim foi muito chique. Foi a primeira festa de casamento realizada no Teatro São José. A grinalda e a tiara eu trouxe da Espanha.
A que horas vocês casaram?
Estava batendo seis horas, meu pai exigia pontualidade. Ele entrou me conduzindo ao altar, fiquei assustada em ver um grande número de guardas com sua roupa de gala fazendo a guarda de honra. Meu pai segredou para mim: “Fiz essa surpresa para você”. Foi muito bonita a entrada.
Quem fez o seu vestido de noiva?
Foi a minha cunhada, Elza Rontani, ela era modista.
Onde foi a lua de mel?
Fomos para Santos.
Qual é o hobby da senhora?
Piano e acordeom. Estudei ambos. Piano e só toco quando estou muito triste. Eu amo fazer tricô. Sou voluntária em uma casa de caridade, isso me deu muita força quando o Edson faleceu. Faço sapatinhos, toda noite faço um par de sapatinhos, para doar. Faço também mantas e gorros.
A senhora gosta de novelas?
Adoro! Assisto todas que são levadas ao ar pela Televisão Globo. Para mim é uma terapia.
O que mais a impressionou em Edson Rontani?
A inteligência dele me conquistou! Desde solteiro ele desenhava, pintava.
No Brasil ele foi um dos pioneiros em cartuns?
Foi, e ele sentia tristeza ao lembrar-se de que o primeiro salão de humor foi começado com ele, eu lembro-me muito bem dessa exposição De 1974 e 1976, ele realizou na Pinacoteca Municipal, o Salão de Caricaturas de Piracicaba, expondo suas charges e caricaturas, junto com outros artistas que então despontavam como Rudinei Bassete. Estas caricaturas eram exibidas semanalmente, na Galeria Brasil, localizada no centro da cidade. Denominada "O Mural", atraía a atenção dos jovens que passavam pelo local, nos anos 70. Ele tinha um grande sentimento por sentir que não deram o devido valor ao seu trabalho como precursor do salão do humor. Edson foi homenageado com a instituição de uma rua com o seu nome. O projeto de lei nº 5023, de autoria do vereador Gustavo Herrmann, foi sancionado pelo prefeito José Machado e publicado no Diário Oficial do Município, no dia 22 de setembro de 2001. O Deputado Estadual Roberto Morais (quando era vereador em Piracicaba), foi autor de uma lei criando a Sala Edson Rontani no Teatro Municipal Dr. Losso Neto. Foram homenagens póstumas. Está sendo realizado um processo para denominar com o nome de Edson Rontani, uma escola em Piracicaba. Como artista plástico, dedicou-se à pintura a óleo. Foi aluno de Frei Paulo Maria de Sorocaba, nas décadas de 40 e 50. Nos anos 70, foi aluno de Hugo Benedetti.
O Edson era radioamador?
Era! Ele falava no nosso quarto, na cabeceira da cama. Eu gostava, e ficava escutando.
O Edson era muito reservado?
Sempre foi. Só que tinha um espírito muito criativo e brincalhão. Era muito quietinho. Ele era extremamente reservado com relação a receber pessoas em casa., com exceção da família, claro.
A senhora freqüentou o Cine Plaza, que existia junto ao Edifício Luiz de Queiroz, mais conhecido como Comurba?
Freqüentava sim, era o melhor cinema que nós tínhamos. Um detalhe interessante, a minha irmã, a Ivone ia casar e o meu cunhado tinha um apartamento lá. Ela foi ver os detalhes finais, de acabamento, no dia anterior a queda do prédio. Ela ficou doente com o fato. Se o prédio tivesse desabado um dia antes provavelmente ela estaria entre os que faleceram.
A senhora ainda solteira viajou por outros países?
Junto com meu Tio Jorge Vargas, Tia Mariquinha e um casal de primos. Viajamos por três meses. Fomos para Os Estados Unidos, Portugal Espanha, França, Suíça, Itália, Egito, Jordânia, Jerusalém, Belém, Nazareth. A Jordânia estava em guerra, víamos muitos soldados, um grande número de pessoas mutiladas andando pelas ruas. Minha prima é dois ou três anos mais velha do que eu. Ela estava namorando firme. Só que o namorado dela não tinha o habito de escrever muito. Em cada hotel que eu chegava já havia três ou quatro cartas do Edson para mim! Ainda guardo as cartas que ele remeteu e as que eu escrevi.
Essa escultura da cabeça do Edson quem a fez?
Foi o artista plástico Dr. Jairo Ribeiro de Mattos, que a fez e nos deu no nosso casamento. Eles trabalharam juntos na Casa da Lavoura. O Jairo era engenheiro e o Edson desenhista. Nós casamos no ano de 1963. A escultura é tão perfeita que até os óculos do Edson se colocada nela para direitinho!


ESCULTURA DE EDSON RONTANI FEITA PELO ARTISTA PLÁSTICO JAIRO RIBEIRO DE MATTOS
A senhora tinha algum contato com as revistas que o Edson colecionava?
Eu não gostava de revistas em quadrinhos. Minha irmã Ivone uma vez pediu e ele emprestou, mas ela não gostava nem de mostrar de medo que fizessem uma orelha na revista. Ele não admitia que dobrasse as folhas da revista para ler a pagina. Tal era o seu zelo. Ele era amigo do Seu Silas, dono do sebo mais antigo da cidade.
A senhora é devota de Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora Desatadora dos Nós?
Sou sim, muito devota! 
A senhora ia com o Edson em bailes de carnaval?
Um dos carnavais que marcou muito foi quando voltei da viagem ao Líbano e trouxe trajes típicos para mim, para o Edson. E para mais três primos. Ganhamos o prêmio, de melhor bloco, isso foi em 1962, foi no Club Coronel Barbosa.
O que a senhora achava da participação do seu pai Comendador Humberto D`Abronzo como Presidente do XV de Novembro de Piracicaba?
Acho que havia um grande interesse na participação do meu pai, principalmente por ver na sua empresa a capacidade de investir recursos no time.
A senhora torce por algum time?
Quando há jogo do Brasil, torço pelo Brasil. Meu neto diz que eu torço roupa!
O Edson era quinzista?
Eu creio que sim. E corintiano também.



A senhora e seus irmãos tratavam seus pais de você ou senhor e senhora?
Não! Imagine! Se os chamasse de você eles nos quebrariam os dentes! Como a grande maioria dos pais da época o faria. Tínhamos que tomar a benção, mesmo depois de casada. Meu pai fazia questão. Eu tive uma infância maravilhosa. Brincava de carrinho de rolimã, bolinha de gude. Empinava papagaio isso na Vila Rezende. Nós morávamos em uma casinha tão linda, com terraço, dois quartos, sala, cozinha e banheiro, e a dispensa. Eu dormia na sala, porque não havia mais quartos. Quando ele comprou a primeira televisão, vinha muitas pessoas para assistir, era pequeno o número de pessoas que tinham televisão. Eu tinha que esperar todo mundo ir embora para poder deitar. Eu não via a hora de ver o povo ir embora, porque no dia seguinte tinha que levantar cedo para ir de bonde até o Colégio Assunção.
O que levou o pai da senhora a mudar para o centro de Piracicaba?
O terreno em que situava a casa era necessário para ampliar a indústria.
A senhora praticava algum esporte?
Gostava de nadar. No Clube de Campo, o meu Tio Jorge amarrou uma corda na minha cintura e me fez dar a volta nadando. Ele ia todo dia de madrugada nadar no Clube de Campo, ele geralmente estava saindo quando eu chegava. A primeira vez em que entrei na piscina, vi todo mundo pular e sair nadando achei aquilo muito fácil. Quase morri!

sábado, janeiro 16, 2010

JANDYRA SILVEIRA RAMOS
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de janeiro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: JANDYRA SILVEIRA RAMOS
Bisneta de Prudente de Moraes, a sua avó Maria Amélia casou-se com seu avô João Batista da Silveira Mello. A Professora Jandyra casou-se com o Professor Algemiro Coelho Ramos. Muitas gerações de piracicabanos devem a ambos não só o aprendizado formal de música, português, latim. Formaram um casal que sempre honrou e dignificou o nome de seus antepassados ilustres. Que educou antes de tudo, com o exemplo.
A senhora nasceu onde?
Nasci em Brotas no dia 12 de fevereiro de 1932. Meu avô materno tinha uma fazenda de café no Alto da Serra. Meu pai Silvio Silveira Mello tomava conta dessa fazenda. O pai dele João Batista da Silveira Mello que tinha o cognome carinhoso de Lalau foi um dos primeiros médicos de Piracicaba, ele foi casado com a filha mais velha de Prudente de Moraes, Maria Amélia. Era o genro para quem ele escrevia. Foi ele quem tomou as providencias necessárias para realizar a mudança de Prudente de Moraes quando este terminou seu mandato como presidente da república. Meu avô João Batista Silveira Mello foi um dos primeiros médicos da Estrada de Ferro Sorocabana. Lembro-me da família Martins comentar que ele foi médico deles. Minha mãe era da família Camargo Simões, seu nome é Jandyra Simões Silveira Mello. Os Simões de Brotas abriram fazendas, era sertão, viam-se onças.
Seus pais tiveram quantos filhos?
O João. A Maria Amélia, conhecida por Lia, era muito bonita. Não havia colegial em Piracicaba, ela fez um pouco em Limeira, um pouco no Colégio Piracicabano, e quando abriu no Sud Mennucci só tinha ela de mulher, a classe era de 33 alunos. Eram todos muitos amigos. Ela conheceu seu marido, Hélio Candido de Souza Dias, da família Souza Dias de São Paulo. Ele foi um dos maiores agrônomos que conheci. Eles tiveram nove filhos. Depois vinha o Silvinho, eu, Josette, e a Maria da Glória. É interessante observar que a Josette era muito amiga de Monteiro Lobato, ainda moça ela já escrevia. Monteiro Lobato quando escreveu Os Doze Trabalhos De Hercules, estava na Argentina, de lá ele mandou para ela os fascículos. Antigamente as frutas de Piracicaba eram maravilhosas, e a minha mãe mandou para Monteiro Lobato uma caixa de mangas Bourbon. Ele escreveu uma carta interessante dizendo que ele sempre pensou que a Bahia fosse a rainha das mangas, mas que ele descobriu que Piracicaba era a rainha das mangas!
A senhora conheceu Monteiro Lobato?
Conheci! Foi em uma visita em que a minha irmã Lia foi fazer a ele. A única coisa, que me lembro de ele ter dito foi quando ele me olhou e disse: “–Você é pernilonga quem nem o seu avô!”. Ele e a esposa dele gostavam muito da minha irmã Josette. Quando ele faleceu, sua esposa mandou de presente para a minha irmã Josette uma tesourinha que ele utilizava para abrir suas correspondências.
O Dr. João Batista da Silveira Mello morava aonde em Piracicaba?
Ele morou na Rua Treze de Maio, entre as ruas Santo Antonio e Alferes José Caetano, em frente aonde foi posteriormente o consultório do médico Dr.Tito. O meu pai tinha um grave problema de visão, e mesmo assim ele tomava conta da contabilidade da fazenda, com grande competência. Essa sua deficiência visual o impediu de prosseguir nos estudos. Seus irmãos prosseguiram nos estudos, um deles, João Batista também, foi juiz, o Otávio da Silveira Mello tomava conta do Jardim Botânico.
A senhora teve uma tia que foi prefeita em Limeira?
A minha tia, também neta de Prudente de Moraes, Maria Thereza Silveira Mello de Barros Camargo foi prefeita em Limeira, foi uma das primeiras deputadas.
A mãe da senhora, Dona Jandira Simões Silveira Mello estudou onde?
A família dela era muito grande, minha avó teve muitos filhos e a minha mãe era a mais velha. Com o tempo minha mãe entendia o francês ela lia francês, em espanhol. Ela lia para o meu pai que tinha sua visão deficiente. Eles leram todos os clássicos portugueses. O mais engraçado era quando eles iam ao cinema, com o tempo minha mãe passou a ter uma pequena deficiência auditiva. Ambos iam até o cinema, sentavam-se bem á frente da tela para não incomodar as pessoas que ali estavam. Era um horror para quem se sentava perto deles, porque minha mãe ia lendo as legendas para o meu pai. Quem se sentava sempre por perto era Erotides de Campos e sua esposa. Uma das lembranças que guardo da minha mãe era ela mexendo as panelas com um livro na outra mão: lendo! Ela lia o tempo todo! Discutia qualquer assunto. A família do meu pai era muito ligada a leitura. Ela tinha um tio-avô, o Tio Nhô-Nhô, ele era irmão da Carolina Ferraz Barbosa, esposa do Coronel Barbosa, que deu origem ao nome do Clube Coronel Barbosa. Nós morávamos na Rua Prudente de Moraes, na direção da cadeia, e o Tio Nhô-Nhô morava em uma casa que existe ainda na esquina da Rua Prudente de Moraes com a Rua Tiradentes. No tempo da Segunda Guerra Mundial ele descia até a nossa casa para ouvir o Reporte Esso. Já velhinho, ele entrava, e dizia: “Ó de casa!”. A criançada respondia: “Entra Tio Nhô-Nhô!”. Começava o Repórter Esso tínhamos que fazer silêncio. O apresentador entrava no ar e dizia aos ouvintes: “-Boa Tarde!”, Tio Nhô-Nhô respondia: “-Boa Tarde!”. Ele era lúcido. Todo dia ele ia a nossa casa para a minha mãe ler as Notas e Informações do Jornal O Estado de São Paulo. Ele estava tão acostumado, que para ele só a minha mãe é que sabia ler essas notas e informações! Ela lia bem, entendia o que estava lendo. Em casa, o castigo era quando a minha mãe viajava para acudir um parente doente, alguém era escalado para ler as Notas e Informações do Jornal Estado de São Paulo.
A senhora estudou o primário onde?
Fiz o primário aqui no Prudente, que funcionava onde é hoje o Museu Pedagógico Prudente de Moraes. Antigamente o ginásio era no Sud Menucci, a relação dos alunos que passavam ficavam expostas no Jornal de Piracicaba. Quando entrei na sala de aula a primeira coisa que o Professor Benedito Dutra fez foi fazer a chamada dos alunos, quando chegou o meu nome ele me disse: “- Dona Simões! Vamos ver se não derruba a peteca!”. Por causa dos meus tios que eram muito bons.
E piano, onde a senhora fez seus estudos?
Próximo da minha formatura foi incluído o curso de música no currículo escolar. Os conservatórios só existiam no Rio de Janeiro, em São Paulo e Campinas. Miguel Zigggiate ele vinha para Piracicaba procurando levar alunos para o conservatório. Eu, Cidinha Mahle, que estudava com Dona Dulce Rodrigues de Almeida, ela tinha uma formação excelente como pianista. Eu estudei com Dona Maria Wagner, uma senhora austríaca que tinha vindo ao Brasil para dar aulas á filha de um fazendeira de café
Quantos filhos os pais da senhora tiveram?
Éramos seis. Tínhamos um irmão que faleceu em Jacareí. O mais velho, João Batista Silveira Mello, é vivo ainda, mora em Curitiba, ele era conhecido como João Fazendinha. Ele tem filhos maravilhosos.
Ainda na fazenda a senhora teve aulas de canto?
A Dona Dirce Rodrigues nos ensinava a cantar, na época eu deveria ter de cinco a seis anos de idade. Quando viemos morar em Piracicaba ela tornou-se nossa amiga. Ela era muito amiga. da minha irmã Josette. Essa minha irmã foi pioneira no ensino de musica para bebês a partir dos 10 meses. No ano passado a Universidade Federal de São Carlos implantou esse curso de música.
A senhora tem algum parentesco com o Sr. Rubens Silveira Mello?
Eles são parentes do meu pai. Meu pai conhecia bem Dona Diva, irmão do Silas e do Celso Silveira Mello.
A senhora tem quantos filhos?
A mais velha é a Esther, médica, professora de genética, trabalha com pesquisa na USP. Ela tocava vilino e depois tocou viola na orquestra do Maestro Ernst Mahle. Por três vezes ele foi á Bahia para completar a orquestra da Universidade da Bahia. Depois dela nasceu a Ruth, já falecida. Em seguida a Rachel que é engenheira química, ela trabalhou por treze anos na Gessy Lever. Hoje ela está na Itália com o marido. Conseguimos formar os quatro filhos, dois na USP e dois na Unicamp. O Caio fez direito na São Francisco em São Paulo. Hoje ele é um dos diretores mais novos da Assembléia Legislativa. Ele gosta muito de escrever. Ao conhecer as músicas de Germano Mathias, gostou muito. Descobriu que Germano estava vivo. Ele conseguiu fazer com que o Germano voltasse á mídia, tendo inclusive escrito um livro sobre ele.
A senhora toca instrumento de teclado?
Por 30 anos toquei na Igreja Bom Jesus.
A senhora lecionou em Paraguaçu Paulista?
Lecionei e na a casa onde eu morava pertencia a um alfaiate, Sr. Adolfo Grilli. Para ele eu era a filha mais velha.
A senhora tinha algum grau de parentesco como interventor Fernando Costa?
A esposa dele era prima do meu pai.
Houve um período em que o gado, cabra era tratado com carrapaticida?
Existiam em Piracicaba os banheiros carrapaticidas. Havia um lá adiante da Metalúrgica Dedini e outro na Paulista. A cada vinte dias o gado tinha passar por aquele banho. Era composto por corredores, onde cada pessoa que tivesse gado, cabra levava seus animais para passar por esse corredor. O serviço que o meu pai desenvolveu na escrituração dessas atividades serviu como modelo para a Água Branca, São Paulo.
A senhora lecionou em Londrina?
Quando eu me formei embora estivesse com os devidos registros, não tinha a idade obrigatória para prestar concursos, quer era de 21 anos. Meu irmão trabalhava no Paraná, e eu fui ajudar a minha cunhada a preparar uma festa de formatura. Era obrigatório ter registro para lecionar, o que no caso eu tinha. Com isso dei aulas no colégio particular, do estado.
Qual condução a senhora usou para ir á Londrina?
Fui de avião. Meu tio veio para cá e eu fui com ele. A comunicação entre Londrina e Piracicaba era quase inexistente, o telefone levava horas para poder completar uma ligação. A viagem de trem era constantemente interrompida por queda de barreira. Quando chegava á Sorocaba era um alívio. Em Londrina dei aulas de piano no conservatório de lá.
A senhora chegou à idade de poder prestar concurso, para onde foi designada?
Os concursos eram como provas de mestrado. Havia uma prova de erudição. Uma prova em que a pessoa cantava Lá-rá-rá-rá e você tinha que fazer as notas musicais correspondentes. Depois tinha uma prova com o tempo de 40 minutos, sobre um tema sorteado 24 horas antes. Uma aula dada em escola do Estado, sorteada também 24 horas antes. Na Alta Sorocabana era o local mais próximo da minha irmã. Eu saía de São Paulo ás 4 horas da tarde e chegava a Santo Anastácio no dia seguinte ás 7 horas da manhã. De presidente Prudente vim para Palmital, que é pertinho de Assis. De Palmital eu fui Paraguaçu.
Quando foi que a senhora conheceu o seu marido Professor Algemiro Coelho Ramos?
Ele lecionava latim em Paraguaçu. Ele morava com seus parentes em uma casa que ficava em frente onde eu morava. Então eu ia e voltava com, nós éramos muito amigos, ele tinha as namoradas dele. Depois ele foi para São Paulo. O pai do Algemiro era de família tradicional de Itapetininga, daqueles tradicionais coronéis, uma figura imponente, tinha muita semelhança com Washington Luiz. Na época de Getulio Vargas ele foi preso, pensaram que estavam prendendo Washington Luiz! E ele com maior orgulho! Aos 7 anos de idade a mãe de Algemiro teve morte súbita. Ele foi morar com uma tia em Itu. As Irmãs de São José perceberam que o Algemiro gostava muito de estudar, a madre o aconselhou a entrar para o Seminário em Pirapora dos Padres Premonstratenses. Só que ele não tinha a vocação sacerdotal. Quando teve que passar para o Seminário Maior em São Paulo, ele estava desapontado, conversou com os padres, que o apoiaram na sua decisão. A sua tia foi informada da sua decisão, e como ela tinha mudado para São Paulo ele foi morar com ela. Prestou exame para a Faculdade de Filosofia, entrou, e arrumou emprego em um banco. Quando ele concluiu a faculdade conseguiu uma substituição grande para dar aula de latim em Paraguaçu.
Onde foi o casamento da senhora com o Professor Algemiro?
Foi na Igreja São Judas Tadeu, em São Paulo, no dia 10 de janeiro de 1962. Foi um casamento muito simples.
Ele era uma pessoa muito franca?
Era de uma grandeza, muito preocupado com os outros. Tinha muitas pessoas que o adoravam.
Em que ano ele faleceu?
Foi dia 4 de maio de 1995. Quanta gente ele ajudou, quantas apresentações por carta ele fez! Quantas bolsas ele conseguiu no CLQ, com o Turcão, com Wilson Saito. Em Paraguaçu o Banco do Brasil estava construindo uma agencia, a moçada animou-se, lá não havia muitas oportunidades de trabalho. Pediram ao Algemiro que os preparasse para o concurso do Banco do Brasil. Todo dia ás 6 horas da manhã estava abrindo a escola, deu as aulas pra eles. Passaram todos! Uma vez Algemiro e eu fomos passear em Paraguaçu, passamos pela porta do Banco do Brasil, quando um dos funcionários nos viu, saíram todos de dentro do banco. Aqui em Piracicaba ele era procurado por pessoas das mais diversas faixas etárias para conversar com ele quando tinham problemas.

Comentários:
Fui aluno de Dona Jandira e do prof Algemiro, no ginásio Dr. Jorge Coury. A eles tenho imenso respeito e saudades dos professores de qualidade, que ajudaram a formar toda uma geração com caráter e hombridade. Esta entrevista trouxe-me muitas recordações. Parabéns, Nassif.
Um abraço de Luiz Ricardo Bastos
# postado por Luiz Ricardo Menezes : 12:11 PM

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