JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 03 de fevereiro de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: NAOKI (PEDRO) KAWAI
Naoki Kawai, conhecido como Pedro Kawai ou Pedro Fuji, é muito popular entre os piracicabanos. Pelas suas atividades profissionais, por suas atuações em entidades assistenciais. Foi eleito vereador, mas não pode assumir o cargo, os meandros da legislação eleitoral vigente na época não computaram os votos de Pedro Kawai como sendo de Naoki Kawai, nome que constava em seu registro de candidato. Isso não o deteve em sua trajetória de trabalho em benefício aqueles que necessitam de ajuda humanitária. Católico devoto uniu a sabedoria oriental com os ensinamentos cristãos. Já trabalhou na roça, foi fotógrafo de centenas de noivos, como técnico de laboratório fotográfico vivenciou a época em que as famílias dirigiam-se até o estúdio para serem fotografadas, e em branco e preto. Por muitos anos guardou como souvenir uma multa lavrada por um guarda rodoviário, tinha atingido a absurda velocidade de 140 quilômetros por hora em seu preparadíssimo Gordini! Coisa da juventude! Casou-se em 28 de fevereiro de 1970 com Inês Terezinha Furlani Kawai, tiveram os filhos: Pedro Motoitiro Kawai, Cássia Kishino Kawai e.David.Naoki Kawai. Com uma extensa folha de serviços sociais prestados á comunidade piracicabana, entre as atividades exercidas foi presidente do Clube Nipo Brasileiro por 16 anos.
Naoki Kawai como surgiu o nome Pedro Kawai?
A igreja católica não realizava o batismo com o nome japonês Naoki, o padre disse que iria batizar como Pedro pelo fato de ter nascido no dia 29 de junho, dia em que se comemora o santo, isso foi em 1944. Sou natural de Rancharia, Estado de São Paulo, o nome do meu pai é Motoitiro Kawai e da minha mãe Kishino Kawai, naturais de Okayama, Japão, chegaram ao Brasil na década de 20. Desembarcaram em Santos, de lá vieram á São Paulo, na Hospedaria dos Imigrantes e em seguida fora para a lavoura de café na Fazenda São Martinho, em Araçatuba. Meu pai foi integrante da guarda imperial japonesa, uma unidade de elite que exigia dos seus componentes o comportamento impecável das suas cinco gerações anteriores.
O choque cultural foi muito violento assim que seus pais chegaram ao Brasil?
Minha mãe contava que tanto ela como o meu pai tinham estudos superiores (faculdades), imagine o que significou ter que pegar um cabo de enxada! O choque foi muito grande para eles, ela com 23 a 24 anos e ele com 27 a 28, eram casados e já tinham uma filha.
Por quantos anos eles permaneceram na fazenda de café?
Foram de 3 a 4 anos, quando saíram e mudaram para Rancharia, onde adquiriram 40 alqueires de terras e passaram a plantar algodão.
Quantos filhos eles tiveram?
Somos no total 12 irmãos. Com seis anos de idade fui para a escola em Rancharia, embora a nossa vida fosse difícil os meus pais tinham em mente que a educação dos filhos era prioritária. Em 1959 meu pai faleceu, em 1963 mudamos para Piracicaba.
Como foi escolhida Piracicaba para a família morar?
O meu irmão mais velho, o Paulo, já estava em Piracicaba, o meu cunhado Nicolau Nakagawa era fotografo, foi dono da City Foto, localizada na Rua Moraes Barros. Nossa família adquiriu uma casa situada na Rua Benjamin Constant, próxima a Rua São Francisco de Assis, aonde mais tarde veio a funcionar a Foto Fuji.
Você já era fotógrafo?
Não atuava como profissional, mas conhecia o assunto. Trabalhei mais no estúdio, não fazia muitas reportagens externas. Estávamos em quatro irmãos trabalhando na empresa, o Paulo, Jorge, eu e o Kenji. O irmão mais novo era metalúrgico!
A Foto Fuji por muitos anos foi uma grande força da fotografia em Piracicaba. Era uma das melhores da cidade?
Sem falsa modéstia foi muito representativa em toda a nossa região. Tivemos a felicidade de fazer um contrato de exclusividade com a Fuji do Brasil e passamos a ser representantes exclusivos da marca na região. Todo produto Fuji comercializado em um perímetro determinado, envolvendo diversas cidades próximas, resultava em uma participação percentual a título de comissão. Logo depois que montamos a Foto Fuji passamos a adquirir cada vez mais filmes fotográficos, até que começamos a adquirir da própria fábrica, via distribuidora. A Fuji Film vendo o sucesso do nosso trabalho ofereceu a distribuição regional.
Que tipos de fotos eram a Foto Fuji fazia?
Antigamente eram feitas muitas fotos em estúdio, de casamento inclusive. Em um sábado do mês de maio de um determinado ano fotografei 50 casais. Minha mãe ficava no andar térreo coordenando e eu ficava no estúdio no andar superior. Eram tiradas cinco a seis fotos por casal, em preto e branco. O que mais me chateava é que às vezes saia o noivo ou a noiva de olhos fechados! Isso só se sabia após a foto ser revelada! Tirávamos muitas fotografias 3x4, fazíamos reportagens fotográficas, com 8 a 10 fotógrafos dedicados á elas como o Paulo, Jorge, Kenji, João Boaretto, Esneder Penatti, Leonel Menegatti.
Como eram essas reportagens?
São fotografias externas, realizadas em igrejas, casamentos, fatos, eventos. Cheguei a trabalhar com a Polícia Técnica na época do perito Homero Anéfalos.
Essas fotos de crimes e acidentes impressionavam?
Bastante! Eu tinha um amigo que cursava faculdade em São Carlos, quase todas as sextas feiras nos reuniam no Jequibá para bater papo e tomar uma cervejinha. Uma noite fui fazer a cobertura de um acidente no pontilhão da estrada de Iracemápolis, um dos envolvidos teve a cabeça desfigurada. Voltei ao laboratório, revelei o filme e me atentei para a pessoa da foto, era o meu amigo de sexta feira. Quando tive a confirmação me senti muito mal.
Você fotografou bailes de carnaval em clubes?
Nós tínhamos a exclusividade das fotos dos bailes de carnaval do Clube Ítalo Brasileiro.
Iam famílias para tirar fotografias?
Muitas famílias iam tirar fotos de todos os integrantes reunidos, isso no estúdio, era um costume da época.
Após um período na Foto Fuji qual foi sua próxima atividade?
Por um ano e meio trabalhei na feira livre, comercializando legumes, se você quiser conhecer uma cidade e seus habitantes o trabalho na feira é revelador, a cada dia você está em um canto diferente da cidade.
Você praticava algum esporte nessa época?
Às segundas, quartas e sextas eu treinava judô com os três irmãos Mubaraki na academia deles, situada em cima do Cine Politeama, foi lá que conheci o Jô Antonelli, hoje Sétimo Dan, grande mestre.
Você gostava de ir a bailes?
Freqüentava bailes em todos os clubes de Piracicaba, um dos mais animados era no Clube Treze de Maio. Como fotógrafo eu encontrei sempre as portas dos clubes abertas e fui muito bem recebido em todos eles.
Qual foi o primeiro veículo que você adquiriu?
Foi um caminhão Fargo, ano 1946, verde, “queixo-duro” (veículos sem direção hidráulica), eu comprei para trabalhar na feira. Tive uma Rural Willys, depois cada um dos irmãos tinha um Gordini. Quando eu me casei a lua de mel viajamos em um Gordini. Fui levar a minha irmã até Marília, na volta eu tomei uma multa por excesso de velocidade, 140 quilômetros por hora com o Gordini! Guardei essa multa por muitos anos. Era um Gordini com tala larga nas rodas traseiras, fios e velas importadas. Tive dois ou três Ford Landau, e um Alfa Romeo TI. Eu gostava muito de carro, hoje não ligo mais!
A Foto Fuji existiu por quantos anos?
A empresa encerrou as suas atividades por volta de 1993. Eu permaneci de 1963 a 1973 ano em que deixei a sociedade, minha intenção era mudar para Curitiba. A Foto Fuji tinha uma máquina muito avançada para fazer revelações de filmes de amadores. Era quase tudo automatizado, colocava-se o negativo, apertava-se o teclado e a maquina processava o filme. No Brasil só existiam sete máquinas dessas, a Foto Fuji tinha uma delas. Uma empresa de Curitiba necessitava de um técnico para operar essa máquina, fui convidado a ir trabalhar naquela cidade. O meu sogro Davi Furlani que era proprietário da Vidraçaria Santa Terezinha, convenceu-me a trabalhar com ele. Mais tarde montei a minha empresa, a Vidraçaria Fuji, na Rua do Rosário, esquina com a Avenida Dr. João Conceição, onde é hoje a Paulitintas.
Quando se deu o seu ingresso no Clube Nipo Brasileiro?
Logo que cheguei a Piracicaba, em 1963 filiei-me ao Clube Cultural e Recreativo Nipo Brasileiro de Piracicaba, o presidente na época era Oscar Nishimura, proprietário do Restaurante Alvorada.
Era um clube restrito a comunidade japonesa?
Era fechadíssimo, era composto por japoneses ou descendentes. Atualmente temos diretores que não são nem descentes de japoneses, como o vice-prefeito Dr. Sérgio Pacheco, há também o Rudinei Ribeiro.
Qual o critério para ser admitido como sócio do Clube Nipo Brasileiro?
Deve ser uma pessoa de boa conduta, bom cidadão e que deseje participar das atividades do clube. Temos atividades esportivas com pessoas da terceira idade, como o basebol que é muito praticado pela comunidade É famoso também o karaokê, assim como as aulas de japonês. A sede do clube fica na Avenida do Café, 611, ela foi construída pela comunidade japonesa, tendo à frente Oscar Nishimura, a família Takaki, e outros. No ano 2000 adquirimos dois alqueires de terras no Bairro Pau D`Alhinho onde temos um campo de basebol com a infra-estrutura necessária.
Entre as suas atividades filantrópicas você pode citar algumas?
Fui presidente da Casa do Bom Menino por 12 anos, vice-presidente e fundador da APAC juntamente com Carlos Cantarelli e Ariovaldo Pizzinato. Participei do Centro de Obras Sociais de Piracicaba e o trabalho que é desenvolvido na Igreja dos Frades, junto ao Cursilho.
O que o motiva a participar dessas entidades?
Pela minha óptica o homem vem á Terra para ser útil, não só para si, mas para todos que o rodeiam. Isso está escrito na Bíblia Sagrada: “Tive fome e deste-me alimento; tive sede e destes-me o que beber”; “Estive preso e me visitaste” Acredito que é uma obrigação do ser humano ser útil ao próximo. O fato de termos sido concebidos, o processo de fecundação do óvulo pelo único espermatozóide em milhões, determina que seja um vencedor dentro do maravilhoso processo da criação. Nascermos é um feito heróico! Por qual razão estamos nesse mundo? Para que?
A busca insana pelo sucesso leva o ser humano a que parte?
No meu conceito, quando chegar o momento da minha partida eu estou pronto! Tenho a plena convicção de que fiz o que deveria ter sido feito na hora correta. Todos os dias ao me levantar eu agradeço a Deus, coloco um objetivo para ser alcançado pelo meu trabalho. Há dias que logo no período da manhã atingi a meta a que me propus, em termos financeiros, esse é um objetivo que todo homem tem que ter. A partir do momento que realizei meu objetivo pessoal passo a me dedicar á filantropia, o que eu necessitava Deus já proveu para mim, resta que eu faça pelo meu semelhante. .
Esse raciocínio não é muito comum encontrarmos em outras pessoas!
Eu sou assim! Senão a gente não faz! Eu divido, não levo serviço para casa.
Pedro, você é bom cozinheiro?
Sem falsa modéstia, sei fazer uma boa feijoada assim como macarronada! Também sei fazer galinhada!
Você já participou de política?
A pedido do Bispo Dom Aniger, fui candidato á vereador sendo que o registro era em meu nome civil, Naoki Kawai, quem recebeu uma estrondosa votação foi Pedro Fuji! O nome como eu era conhecido na cidade! Pedro Fuji foi eleito, Naoki Kawai não! Na administração do prefeito João Hermann Neto, o Storel era presidente do Centro de Obras Sociais de Piracicaba, eu era vice-presidente, fui com um motorista buscar uma Belina que o governo estadual doou ao Centro de Obras Sociais, havia uma fila de representantes de outras cidades que foram receber os respectivos veículos. O Governador Paulo Maluf ia a cada representante para oficializar a entrega do veículo. Ao chegar junto a mim me apresentei: “Naoki Kawai, Piracicaba!”. Uns 90 dias depois fui novamente á São Paulo buscar uma Kombi que foi doada pelo governo á Casa do Bom Menino. Havia uma enorme fila de pessoas que foram receber doações. O Governador Paulo Maluf veio de um em um, observei se alguém sussurrava algo em seu ouvido, não vi nada, ao chegar junto a mim Paulo Maluf disse: “- Naoki Kawai, de Piracicaba o senhor está bom?”. A partir daquele momento passei a admirar Paulo Maluf! Eu tinha o famoso número do telefone vermelho de Paulo Maluf, em situações de muita necessidade era só ligar naquele número, caso não atendesse na hora ele ligava depois.
Quando você conheceu o Cursilho?
Foi de 14 a 17 de abril de 1973, permaneci por quatro dias no Seminário Diocesano, um acontecimento que marcou uma nova etapa na minha vida. Foi um encontro comigo mesmo! O cursilho me fez parar, olhar para o meu interior, analisar aspectos importantes da minha existência, assim tomei um novo rumo em minha vida. A pessoa que sofreu algum problema sério de saúde ela muda sua forma de viver. Ele percebe como é frágil.
Você se relaciona com pessoas muito influentes?
Mantenho contato com pessoas que ocupam cargos importantes, diretores de instituições, políticos, empresários, industriais. Em determinada época eu presidia a Casa do Bom Menino, tínhamos 22 funcionários, havia um déficit muito grande, Eu chamei a TV Campinas que fez uma matéria com a Casa do Bom Menino, expondo a situação falimentar da mesma, a reportagem foi parar no gabinete do governador do Estado! Consegui que o Vice Governador José Maria Marins trouxesse á Piracicaba, para a Casa do Bom Menino, um valor que cobria as nossas necessidades e ainda dava uma grande folga de caixa.
Como surgiu a idéia de criar a APAC?
Reuníamos todas as quinta feiras na Igreja São Dimas, de 10 a 12 casais, eram cursilhistas, o jornal estampou um pedido do Dr. Washington, delegado de policia que tinha vindo de São José dos Campos, solicitava a apresentação de voluntários para visitar os presos. O Cantarelli se interessou e me convidou para conhecer melhor o assunto. Fomos até a cadeia, entramos no pátio, os presos fizeram muitas perguntas á nós. Expusemos qual era a nossa intenção: evangelizar, falar de Deus, escutar as queixas deles. Alguns eram pessoas conhecidas na cidade. Trouxemos ao nosso grupo as impressões do que vimos lá, entre outras pessoas tomavam parte desse grupo Sérgio Maluf, Waldemar Brunelli, Silvio Ferraz, Ariovaldo, Antonio Benedito. Íamos á cadeia as segundas, quartas e sextas, às seis horas da tarde, permanecíamos por uns quarenta minutos mais ou menos.
Qual era o maior desejo dos detentos?
Queriam que nós visitássemos as suas famílias para levar noticias sobre elas.
Como esse trabalho refletia nos presos?
A cela quatro detinha os presos de maior periculosidade, no inicio fomos vistos com certas reservas, após uns seis ou sete meses um deles me chamou e me entregou de uma forma muito discreta, um estilete comprido o suficientemente grande para atravessar o corpo de um homem. Ele disse-me:
“- Agora tenho uma arma maior do que essa. É Deus!” Tive que fazer o possível para sair com aquele artefato sem que ninguém percebesse, poderia agravar a situação do preso.
Qual era o maior problema que você via nas celas?
A convivência na mesma cela de presos com diferentes graus de periculosidade, quem tinha cometido um delito leve estava junto a alguém que havia cometido um grave delito. Essa mistura era péssima.
O que os levava a criminalidade?
Se tivessem uma assistência como a que era oferecida na Casa do Bom Menino, com uma infância e adolescência, estruturada, bem cuidada, com educação, possivelmente não iriam cometer delitos.
A própria sociedade descuida da formação?
A formação é fundamental, é mais difícil recuperar do que formar. A APAC recuperou muitos detentos.
Qual é o seu maior sonho atualmente?
Ver a minha neta casada! Ela hoje tem apenas oito anos! (Muitos risos).