domingo, setembro 22, 2013

EURIDES GIMENES CASAGRANDE


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de setembro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

 


ENTREVISTADA: EURIDES GIMENES CASAGRANDE


 
Eurides Gimenes Casagrande nasceu a 12 de agosto de 1935, no município de Piracicaba. Filha de João Domingues Gimenes Filho e Isabel Alonso Gimenes que tiveram quatro filhos: João, Diogo,Eurides e Aparecida. Seus avós maternos e paternos imigraram da Espanha, os paternos adquiriram uma área com mais de 100 alqueires de terra, a uns trinta quilômetros de Piracicaba. Ela tem paixão por animais, pela vida rural, embora resida na cidade, com sua picape Pampa vai sozinha toda semana até o sítio de sua propriedade. Lá é recepcionada com muita alegria pelo seu cão de estimação que sem nenhuma cerimônia cumprimenta ao seu modo a sua amiga, entra na picape e a acompanha até a abertura da casa da sede do sítio. Patos, pavões, galináceos, desfilam pelo terreno. Eurides e sua família sempre levaram uma vida de muito trabalho. Aos 11 anos ela já montava em sua égua e conduzia as vacas que estavam mais afastadas para serem ordenhadas pela sua mãe.
Conheceu seu marido quadrando jardim, um bom hábito cultivado pela juventude da época. Os rapazes circulavam a praça central em um sentido enquanto as moças andavam no sentido contrário. Foi assim que surgiram muitos namoros e casamentos. Eurides foi funcionária da famosa Fábrica de Bolachas Cacique.  
Qual era a atividade principal desenvolvida no sítio?
Era a criação de gado leiteiro. Criavamos também animais de médio e pequeno porte, como porcos, galinhas. As plantações eram feitas principalmente para alimentar os animais. A renda familiar vinha da comercialização de leite, meu tio trazia os latões de leite para a cidade com uma caminhonete velha de sua propriedade.
Com que idade a senhora começou a trabalhar no sítio?
Eu tinha onze anos quando comecei a ajudar a minha mãe na leiteria. Eu montava na Baia, uma égua marrom,  muito mansa, para subir tinha que encostá-la em um barranco. Ia com ela ao encontro das vacas que estavam mais distantes, elas já sabiam que era para virem em direção a mangueira onde minha mãe as ordenhava. Ela já era viúva, meu pai faleceu quando eu ia completar nove anos. As vacas eram muito mansas, vaca brava minha mãe vendia. Quando minha mãe ficou viúva tínhamos mais de trinta vacas. Às cinco horas da manhã ela já se levantava para tirar leite.
Mesmo trabalhando a senhora ia à escola?
Estudava, a escola se chamava Escola Mista da Fazenda Figueira. Lá só estudava-se até o terceiro ano. Minha primeira professora foi Dona Angélica, a segunda professora foi  Dona Lavínia, a terceira Maria de Lurdes Frota Escobar, que mais tarde tornou-se minha tia ao se casar com meu tio. Nós entravamos na classe, ninguém falava nada, a primeira coisa que fazíamos era cantar o Hino Nacional, em pé, com a mão sobre o coração. Na parede havia um quadro enorme com a fotografia de Getúlio Vargas.
A mãe da senhora fazia o pão que a família consumia?
Boa parte da nossa alimentação provinha do próprio sítio, o pão era feito em casa, a lingüiça era caseira.
Com que idade a senhora veio junto com sua família, residir na cidade de Piracicaba?
Quando mudamos para cá eu tinha catorze anos. Nós alugamos o sítio para um tio e viemos para a cidade, fomos morar em uma casa alugada por nós e situada na Rua Dr. Otávio Teixeira Mendes, no Bairro Alto. Ali eu a minha mãe fazíamos marmitas, antigamente era uma atividade chamada “dar pensão”. A comida era separada em cinco ou seis marmitas presas a um varal com uma alça para transportar. Muitas famílias iam buscar, ou então eu ia levar até a casa delas. Da Rua Dr. Otávio eu ia com dois jogos de marmitas pesadas lá perto da Igreja Bom Jesus, a pé. Com essa atividade minha mãe ia nos mantendo. Quando ela parou com o fornecimento de marmitas eu fui trabalhar na Fábrica de Bolachas Cacique, lá trabalharam também meu irmão e minha irmã. A Cacique ficava na Rua Santa Cruz, sua proprietária era Dona Augusta, que foi dona também da Padaria Vosso Pão, onde hoje se situa o Edifício Canadá, na esquina da Rua Santo Antonio com a Rua Prudente de Moraes.
Que tipos de bolachas eram fabricadas na Cacique?
Fazíamos as bolachas: maisena, Maria e a água e sal. Eu ligava a máquina, a estampa ia cortando a massa, iam à assadeira, outras duas moças colocava-as no forno que tinha de 12 a 15 metros de comprimento, as bolachas saiam assadas na outra extremidade. Lá existiam dois batedores, batiam em uma caixa, havia as mesas do lado onde eram empacotadas. Trabalhei na Cacique por uns dois anos, uma semana eu trabalhava das cinco horas da manhã até uma e meia da tarde. Na semana seguinte da uma e meia da tarde até as dez horas da noite. Minha mãe me colocou em uma escola de costura situada próxima ao Líder Bar, na Rua Governador Pedro de Toledo. As aulas eram após o almoço, começava a uma hora da tarde, existiam mesas grandes, as professoras ensinavam a fazer o molde, cortar, tirar as medidas.
A senhora costurava qualquer tipo de roupa?
Só costurava roupas femininas. Eu tirava a medida, pegava o pano, fazia o molde, cortava e costurava. Usava-se muito tecido de algodão, tafetá (Tafetá é um tecido fino e acetinado feito de seda). Comecei a trabalhar em casa, minha mãe tinha uma máquina de costura Singer, para funcionar tinha um pedal que transmitia a força dos pés para uma correia e movimentava a máquina. Costurei mais para as pessoas de casa, parentes, amigas.




Foi nessa época que a senhora conheceu seu futuro marido?
Aos 16 anos conheci José Erasmo Casagrande. Antes de completar 19 anos nos casamos, foi no dia 25 de julho de 1953. O casamento foi realizado na Igreja Bom Jesus pelo Padre Martinho Salgot. No tempo em que eu namorava às 10 horas da noite tinha que estar dentro de casa, a cavalaria (soldados montados a cavalo) andava pelo bairro inteiro. Eles davam “um pega”,  ficavam bravos, com quem estivesse na rua depois de 10 horas da noite. A cidade parava, tinha muitos cavalarianos, e impunham respeito. Quando eu morava no Bairro Alto na Rua Moraes Barros esquina com a Rua Visconde do Rio Branco havia a sorveteria do Seu Florindo, era só lá que pegávamos sorvetes.
Qual era a profissão do seu marido?
Era pedreiro. Casamos e fomos morar na Rua XV de Novembro, um pouco acima do Cemitério da Saudade. Na época não havia muitas casas naquela região, havia muitas chácaras. Residimos ali por uns três anos, nessa casa nasceu a minha filha Sonia. Continuamos morando na mesma rua, mas mais abaixo, onde nasceu o nosso filho Celso, voltei a morar na Rua São José, próximo a Igreja Bom Jesus, passado uns tempos, meu sogro nos deu um casarão situado na Rua Moraes Barros, após passar o cemitério. Era conhecido como Bairro Casagrande, tinha muitas famílias com o sobrenome Casagrande. Lá eu tive minha filha Sandra. Para nos locomovermos usávamos o ônibus que passava em frente ao cemitério.
A senhora trabalhava na época?
Por três anos fui proprietária do Bar Furlan, situado na Rua XV de Novembro, tinha boche, as bolas eram feitas de madeira, mais tarde que vieram as bolas de massa. ( Ou bocha, consiste em lançar bochas (bolas) e situá-las o mais perto possível de um bolim (bola pequena), previamente lançado. O adversário por sua vez, tentará situar as suas bolas mais perto ainda do bolim, ou "remover" as bolas dos seus oponentes). Esse bar existe até hoje. Eu fazia polenta com frango para a turma de boche quando faziam torneio. Também fazia os salgados que eram vendidos no bar. A noite era meu marido quem tomava conta do bar. A nossa casa era junto ao bar. Em 1969 vendi o bar e fui morar na Avenida Dona Jane Conceição esquina com a Rua da Palma, na Paulista. Eu ia de ônibus até São Pedro, pegava malas de tecido com o bordado riscado, bordava, levava de volta para São Pedro. Bordava só o Ponto Rococó. Por uns cinco anos eu exerci essa atividade.
Qual foi a sua próxima atividade?
Fui limpar casa, fui ser faxineira. Limpava para a minha tia Araci Gimenes, irmã do meu pai, casada com Otávio Sturion, ele e seus irmãos Ermelindo e Mário eram os proprietários da Casa Três Irmãos. Permaneci nesse trabalho por um ano aproximadamente.  Meu filho Celso começou a trabalhar com onze anos. Eu comprava leite, e ele ia vender até a Escola Nossa Senhora da Assunção. Comprei um carrinho de mão, verdinho, guardo até hoje no sítio os engradados aonde iam os litros com a tampa de plástico. Eu enchia os litros de leite, tampava e ele ia vender. Meu irmão trazia o leite, eu comprava dele. Depois a fiscalização não permitiu mais a venda de leite em via pública. Só podia ser vendido leite pasteurizado.
O que a senhora fez?
Fui até uma horta de propriedade do Seu Inácio, situada no Bairro Jaraguá,  eu comprava canteiro de verduras, Seu Inácio cortava, fazia os maços de verdura e o meu filho Celso ia, enchia o carrinho de verdura, e fazia o mesmo percurso, até a Escola Assunção. Tenho até hoje uma cadernetinha que o Celso marcava o nome do freguês para quem ele vendia fiado, quanto era o lucro, quanto eu tinha que pagar para o Seu Inácio no dia seguinte, ele fazia essa contabilidade na rua, chegava e dizia: “Está aqui mãe, o dinheiro. Este daqui é da senhora, esse outro é para pagar o Seu Inácio”.  A noite ele estudava na Escola Estadual Professor Alcides Guidetti Zagatto. Minha filha Sonia foi trabalhar na Padaria Suiça do meu tio Francisco Castilho, vivo até hoje, com 104 anos. A minha outra filha, alguns anos depois, aos 14 anos foi trabalhar em um pequeno escritório, em seguida foi trabalhar na famosa Casa Raya, de material esportivo. Meus três filhos sempre estudaram em escola pública, e os três concluiram o curso superior de Administração de Empresas.
Atualmente a senhora é proprietária de um sítio?
Herdei um sítio do meu pai. Quando meu avô Gimenes repartiu a fazenda com os filhos, a parte do meu pai ficou com a minha mãe. Ela dividiu para os quatro filhos.
Quando a senhora era mocinha qual era a sua forma de lazer?
Na época era habito das moças e rapazes quadrar o jardim. Frequentava muito pouco o cinema.
A senhora segue alguma religião?
Sou Católica Apostólica Romana. Frequentava as Igrejas Bom Jesus, Catedral, dos Frades, São José.
A senhora chegou a usar véu durante a missa?
Para comungar se fosse solteira usava véu branco na cabeça, e se fosse casada usava véu preto.
A senhora gostava de ouvir rádio?
Gostava muito do Atinilo José. Lembro-me até hoje quando o radialista Ary Pedroso terminava o seu programa dizia: “- Obrigado Senhor! Para todos que tem um lar para voltar!”.
No ponto de vista da senhora as mudanças de comportamento ocorridas nesses anos foram melhores ou piores?
Acho que as mudanças ocorridas no relacionamento humano pioraram muito. Hoje temos muito mais ofertas de bens materiais do que naquela época, Tudo era meio esticado, para tomar um refrigerante só em ocasiões muito especiais, como casamentos, batizados, Natal. Não existia geladeira. Minha mãe matava um porco, passava o dia inteiro picando. Fritava todos os pedaços no fogão a lenha, pegava latas de 20 litros que tinham sido usadas para o transporte de querosene, lavava-as muito bem, conforme ia fritando com toda a gordura despejava, enchia de duas a três latas com carne, torresmo, gordura. Elas tinham um aro, eram tampadas as bocas das  latas com um pano preso pelo aro. Amarrava uma tira de pano, na madeira do telhado havia um gancho, as latas ficavam dependuradas lá, livres de insetos ou roedores. Cada vez que ia almoçar ou jantar, ela pegava a lata, esquentava aquela carne, aquilo era a “mistura” (acompanhamento) da refeição. A outra opção era fritar um ovo. Meus filhos Sonia e Celso iam assistir televisão no vizinho, o famoso “televizinho”, eles iam a um bar de propriedade da Dona Helena e do Seu Pedro, isso no Bairro Alto. Eles perguntavam-me: “- Mãe! Posso ir na Dona Helena assistir televisão?”. Eu os deixava irem.
O marido da senhora chegou a ter automóvel?
O primeiro carro ele adquiriu de um cunhado que morava em São Caetano, era um Buick, depois ele teve um DKW, mais tarde um Fusca (Volkswagen sedã). Eu tinha quase quarenta anos quando tirei carta (habilitação) de motorista. Meu marido comprou uma Belina I, mais tarde uma caminhonete, vendemos o sítio e adquirimos outro mais próximo da cidade, a uns 15 quilômetros, são nove alqueires de terras no bairro rural da Água Bonita. Compramos já faz 20 anos. Nessa época adquirimos uma caminhonete Pampa. Quando meu marido era vivo nós tínhamos gado, tratava no cocho. Depois que ele faleceu a 19 de agosto de 2005. vendi tudo. Gado, cavalos.
A senhora dirige até hoje?
Dirijo, vou sozinha, eu e Deus.
E se furar um pneu?
Levo meu celular, ligo para meus filhos. Se eu me esquecer de ligar dizendo que já cheguei, meus filhos já ligam para saber. Eles cuidam muito de mim. Essa educação, esse carinho, reflete na formação dos meus sete netos, que me chamam de mãe-avó. O que me ajudou a vencer todas as dificuldades foi a minha fé e os meus filhos.
Seus filhos nasceram em hospital?
A Sonia e o Celso nasceram em casa, com auxilio de parteira, a Sandra nasceu na Santa Casa de Misericórdia de Piracicaba, o médico foi o Dr. Matheus. Na época era costume ter os filhos em casa. Havia o resguardo de 40 dias após o parto. Não usei fralda descartável para nenhum dos meus filhos. Eu comprava o tecido e fazia as fraldas, fazia a bainha a maquina em todas. Existia a calça plástica. Até os netos mais velhos não usaram fraldas descartáveis.
O que a senhora vê no sítio que acha tão bom?
Gosto de ir lá ver, tenho um cachorro no sítio, o Tufão, toda vez que chego ele quer me abraçar, abro a porta da caminhonete ele sobe, me cheira, morde devagarzinho a minha mão. Enquanto não vou abrir a minha casa ele não para de pular e chamar a atenção. Depois do almoço, deito no sofá ele deita no tapete,dorme, chega a roncar. No sitio tenho galinha, pavão, ganso, pato, peru, cordeira, carneiro. Arco-Íris é o nome de um dos pavões, é um pavão raro, tem penas de todas as cores, inclusive brancas. Outro pavão é o Pitu.
A senhora abate os animais?
No meu sítio eles morrem de morte natural.

 
 

JOSÉ TIBUTINO DE SOUZA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado  07 de setembro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: JOSÉ TIBUTINO DE SOUZA
 

Piracicaba criou uma tradição no setor sucroalcooleiro, principalmente na metalúrgica voltada a essa atividade. Por muito tempo o setor metalúrgico foi uma das grandes molas propulsoras do desenvolvimento da cidade. Com isso criou um nome muito forte e respeitado em todo o país e fora dele. O Brasil, país de extensão continental, tem regiões onde o desenvolvimento é até hoje bastante precário, a massa humana, principalmente os mais arrojados, se deslocam de uma região para outra. Muitos sem o mínimo conhecimento necessário, para exercer qualquer tipo de atividade dentro de uma indústria. Graças a sua determinação, conseguem com muito esforço vencer os obstáculos a principio intransponíveis. José Tibutino de Souza, é um exemplo vivo de que pode-se vencer com a força do trabalho. Nascido a 10 de dezembro de 1930 em Juru, município do estado da Paraíba, filho de Antonio Tibutino de Souza e Maria Idalina da Conceição que tiveram tres filhos. Viuvo, Antonio casou-se com Francisca Idalina da Conceição, irmã de Maria Idalina, com quem teve quase uma dezena de filhos. Até os 22 anos José Tibutino trabalhou na agricultura de algodão, com o advento de pragas, o algodão perdeu sua produtividade.
O senhor saiu de Juru e foi para qual localidade?
Naqquele tempo tinha esse negócio de trazer peão de lá para cá, geralmente iam para o Mato Grosso. Arrumavam um caminhão, o “Pau-de-Arara”. Um tio meu juntou uma turma e de “Pau-de Arara”,viemos até o Ceará. Seguimos para Juazeiro, na Bahia, onde ficamos hospedados em um barracão. A prefeitura fornecia alimentação. Lá permanecemos esperando alguma condução. O meu destino era vir para São Paulo. Tomamos um trem da Central do Brasil e viemos até Minas Gerais, em Teofilo Otoni permanecemos por mais uns quinze dias. Eram vagões especiais, destinados só para migrantes. Chegamos a São Paulo de trem, na Estação do Norte , no Brás. De São Paulo fui para Presidente Prudente, trabalhar emuma lavoura de hortelã, cuja finalidade era produzir óleo. Fui  pensando que não iria trabalhar na enxada, nunca gostei de trabalhar na enxada. Permaneci por dois meses lá e vim para Piracicaba.
Porque o senhor escolheu Piracicaba?
Eu tinha um irmão aqui, o Moisés e meu tio, João Nobre que ocupou um posto elevado na Guarda Civil. Cheguei em Piracicaba em 1952, vim de Ourinhos para cá pela Estrada de Ferro Sorocabana. Peguei um biriba (taxi) e fui até uma pensão na Vila Rezende, onde meu irmão morava.
O senhor arrumou algum trabalho?
Eu não sabia fazer nada. Através da minha tia, fui apresentado ao Luizinho, funcionário da Dedini. Após tirar a carteira de saúde fui trabalhar na Indústria Dedini. Iniciei na caldeiraria como ajudante, meu chefe era o Bergamim, que queria que eu trabahasse como mçariqueiro. Após algum tempo, fiquei sabendo pelos comentários dos colegas, que  a melhor função era a de soldador, tinha oportunidades de viajar. Ganhava um salário maior. Coloquei como objetivo o de ser soldador.
O senhor sentiu algum tipo de preconceito contra pessoas que vinham do norte do país?
Na época tinha demais. Eu não ligava, levava na esportiva, trazia costumes e linguajar próprios da minha terra, era conhecido como Paraiba. Eu tinha 22 anos, queria vencer na vida. Por cinco meses trabalhei como ajudante. Tinha levado nesse período duas suspensões, porque pegava algum serviço de solda sem o conhecimento  do Bergamim. Na terceira vez, acabei me desentendendo com o Bergamim. Deixei o emprego. Passando perto do Clube Atlético Piracicabano tinha uma caldeiraria, a Motocana. Eram umas quatro horas da tarde de uma sexta feira. Perguntei se não estavam precisando de um soldador. Pergutaram em que empresa tinha trabalhado, quando disse que foi na Dedini, como soldador, imediatamente fui aceito. Disseram-me que tinha um serviço na Usina São Martinho, em Ribeirão Preto, mandaram que eu voltasse na segunda-feira, com minha mala de viagem. Na segunda-feira de madrugada eu já estava lá com a mala. Quando cheguei na Usina São Marinho, vi que havia uma reforma grande sendo feita. No momento em que chegeui era uma fase em que estavam usando mais o maçarico do que a solda e de maçarico eu era bom. Quando chegou a hora da solda, o chefe era um pernambucano chamado Benicio, naquela época a cana era presa ao caminhão por cabos de aço, e na ponta eram soldadas ponteiras de latão. Seu Benício me disse: “-Após o horário de expediente, você quer pegar esse trabalho?”. Aceitei na hora. Eu ficava até as dez, onze horas da noite para soldar aquilo. Quando começou a parte de solda para valer, SeuBenicio me chamou e disse: “ Olha Paraiba, soldador você não é! Mas como você é esforçado, vou te dar uma chance, vou mandar vir um soldador, e você vai acompanhá-lo. Tive tanta sorte que o soldador que foi para lá era meu conhecido, era o Toninho Zéfundo. Permaneci por onze meses na Usina São Martinho. O soldador mandava eu dar o primeiro passo na solda, ele dava o segundo. Ai eu aprendi a soldar. Quando voltei à Piracicaba, fui trabalhar em Carioba, na Companhia de Força e Luz. Estavam precisando de soldador, eu não tinha carteira profissional, na época podia trabalhar sem  carteira profissional. Fiz um teste, usei o eletrodo 5-P, fui provado. Já com carteira profissional, registrado. Alguns funcionários que trabalhavam lá eram de São Paulo, me incentivaram a ir para lá, diziam que lá em São Paulo eu poderia arrumar um serviço melhor. Fui trabalhar em São Caetano. Foi uma decepeção, permaneci por quase um ano trabalhando em um lugar com poucas com poucas condições. O lado bom é que conheci São Paulo. Morava em São Caetano mas trabalhava em Osasco, São Bernardo. De lá fui trabalhar na Fichet, situada em Santo André. Trabalhava em montagens em todos os lugares.
O senhor conheceu sua esposa em Piraicaba?
Em 28 de fevereiro 1960 decidi me casar, casamos em Piracicaba, na Matriz de Santo Antonio.  Eu a conhecia, nós quadravamos o jardim em Piracicaba. Fomos morar em Piritituba. Eu trabalhava em uma firma no Bom Retiro, essa empresa estava mudando-se para Cumbica. Foi no período em em que Brasilia estava sendo construida, tinha muito serviço em São Paulo. Em Santo André a  Mannesmann fabricou grande parte dos postes de luz de Brasilia, passei a trabalhar lá como soldador. Eu já tinha me especializado. Da Mannesmann fui trabalhar como terceirizado na Petrobrás em Capuava, Santo André.  Ali soldava tubulações, depois chegou a solda em aço inoxidável fiz alguns curso de soldagem passei  a soldar com argônio, aluminio. As coisa melhoraram. Em 1961 nasceu a minha primeira filha. Em empresas contratadas trabalhei na Sambra, na Liquigáz, comprei um terreno e fiz uma casinha em Pirituba. Eu sempre vinha a Piracicaba, na época eu tinha um automóvel Volkswagen. Em uma dessas vezes quando voltei para SãoPaulo,tinha chovido muito e a água inundou a minha casa. Decidi mudar. Apareceu um loteamento próximo ao Pico do Jaraguá, ali comprei um terreno. Contratei um pedreiro e também trabalhei na construção da minha casa. Ali morei mais de 10 anos.
Quando o senhor voltou a Piracicaba para morar definitivamente?
Foi em 2002. Eu já estava aposentado. Comprei uma casa antiga no centro de Piracicaba, a minha esposa não queria nem ver, de tão ruim que estava a casa. Derrubei a casa antiga e fiquei um ano construindo uma nova casa. Eu estava com 70 anos, hoje,2013, estou com 83. Esses dias choveu muito, entortou a antena parabólica, esperei secar o telhado, subi e endireitei a antena.
Com 83 anos o senhor subiu no telhado da sua casa para fazer reparos?
Além da antena parabólica, troquei umas telhas que a chuva tinha danificado. O unico problema de saúde que estou tendo é um gripe muito forte.
O senhor dirige veiculos ainda?
Dirijo, a renovação da carteira de motorista é feita a cada três anos.
O senhor pratica algum esporte?
Meu esporte é trabalhar. Sempre gostei de trabalhar com soldagem.
Qual é a diferença da solda normal para a solda de alumínio?
Além do material utilizado para soldagem, o argônio, tem que ter uma mão muito firme.
Atualmente o soldador usa equipamentos de segurança e proteção, isso já existia quando o senhor começou a trabalhar?
No inicio não usava nada, não sabia, ninguém me orientava. Quando entrei no Dedini nunca tinha visto isso. Quando me queimava saia correndo.
Tanques de combustíveis, de grande porte, o senhor soldava?
Em uma ocasião fui soldar um tanque em Ribeirão Preto, ele tinha 10 metros de altura. Por uma abertura entrava no tanque, a cada duas horas saía de lá de dentro com a roupa encharcada de suor,  o sapatão tinha que ficar em cima de uma tábua, isso a noite, durante o dia parecia que do teto saia fogo de tanto calor.
Tanque de transporte de combustíveis em caminhão o senhor soldou?
Soldei em Limeira, trabalhei em uma fábrica de tanques de transporte de combustíveis. Um tanque tem três repartições dentro, em cima só tem a boca de entrada, trabalhava dentro, onde não dá para ficar em pé.
Soldar tanque de combustível que já foi usado para o transporte, não é perigoso?
É perigoso explodir. Tem que deixá-lo cheio de água por bastante tempo, depois tira-la e fazer o serviço. Primeiro tem que ser bem lavado. O ideal é soldar o tanque usado cheio de água. Se a solda for no fundo, vira-lo. A água ocupa o espaço onde ficaria o gás residual do combustível transportado.
O senhor trabalhou em Brasília?
Trabalhei com a Liquigás, fazendo os encanamentos de gás para os apartamentos funcionais, de propriedade do governo federal. Trabalhei no Eixo, isso foi na década de 70. O cano que foi colocado era de meia polegada, de ferro. As curvas feitas no cano para passar da sala para a cozinha eram feitas a mão. Um serviço de qualidade duvidosa. Eram canos que conduziam gás, e que com o passar do tempo iriam enferrujar. E nós tínhamos que soldar, o que aumentava o risco de no futuro ocorrer problemas s´rios de vazamentos.
Não é muito arriscado usar cano de ferro para conduzir gás?
O correto é usar cano de cobre.
Chuveiro a gás é seguro?
Pessoalmente não acho prático. Levam uns 20 minutos para poder aquecer a água, ou esquenta demais ou de menos. Não tenho paciência de ficar  regulando a temperatura ideal.
O senhor chegou a trabalhar a solda com carbureto?
A solda a carbureto tem um botijão de oxigênio e o carbureto que dá a chama. (O Carbureto de Cálcio aplicado em geradores apropriados reage com água, produzindo o acetileno que quando combinado com oxigênio, proporciona uma chama quente). Na Petrobras, quando íamos soldar um tubo era colocado um produto que produzia um ar a baixa temperatura, internamente, mesmo fazendo a solda por fora do tubo, internamente não ficava nenhuma rebarba, a superfície interna do tubo, onde foi soldada, ficava totalmente lisa.
Qual é a solda mais resistente que existe?
Quem faz a solda ficar mais ou menos resistente é o soldador. Todas são resistentes, o importante é como a superfície foi preparada para receber a solda, como essa soldagem foi realizada. Se não tiver uniformidade na solda, fica um buraco, ali ela perde a resistência e quebra. Por isso existe um exame de Raio –X em determinadas peças que foram soldadas, se existir algum ponto fraco, nesse exame aparece.
O senhor como pessoa nascida no nordeste, experiente, consegue responder por que até hoje o nordeste não resolveu o problema da seca?
Não há empenho de fato em resolver. Falta orientação, educação para o povo.
 


 

 
 



quarta-feira, setembro 04, 2013

PADRE LUCAS MARANDI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 31 de agosto de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
 

ENTREVISTADO: PADRE LUCAS MARANDI
 

A Paróquia Imaculado Coração de Maria, mais conhecida como Igreja da Paulicéia, tem padres de diversas nacionalidades, mas é com certeza absoluta a única igreja do Brasil que tem um padre que veio de Bangladesh, Padre Lucas Marandi, que está a poucos meses no Brasil, e comunica-se em português. Com cerca de 150 milhões de habitantes em 2012, Bangladesh é um pouco maior do que o estado do Amapá. Bangladesh foi governada, em diversos períodos da sua história, por hindus, muçulmanos e budistas. Tornou-se parte do Império Britânico, quando o Reino Unido, em 1858, assumiu o controle da Índia. Os conflitos entre hindus e muçulmanos provocaram a divisão da Índia em duas nações 1947, quando a Índia se tornou independente. O Paquistão, formado pelo Paquistão Ocidental e Paquistão Oriental foi criado a partir das regiões nordeste e noroeste da Índia. A maioria da população nas duas áreas é composta de muçulmanos. Muitas diferenças, tanto culturais como econômicas, dividiam os habitantes do Paquistão ocidental e oriental. Em 1971, essas diferenças resultaram no estabelecimento do Paquistão oriental como uma nação independente que é Bangladesh. Padre Lucas Marandi é filho de Mondel Morandi e Elina Hembrom, nasceu na cidade de Dinajpur a 16 de  junho de 1979, tem quatro irmãs.
A família do senhor é católica?
A minha família agora é católica. Ha quarent anos professavam o animismo (os cultos animistas alegam que: "Todas as coisas são vivas”). Tinham uma grande fé nas forças da natureza. Cultuavam as forças espirituais dos seus ancestrais.
Qual é a atividade profissional exercida por seus pais?
São agricultores, ainda tem fazenda com arroz, cana-de-açucar, batata, milho, verduras. A agricultura está cada vez mais mecanizada.
Quando o senhor era jovem ajudava o seu pai na agricultura?
Ainda jovem, estudava de manhã e na parte da tarde ajudava meu pai. Eu plantava arroz, cana, batata. Depois colhia quando estava na época da colheita.
Qual é a alimentação tipica do país?
O básico para nós é o arroz e peixe.
Como se chama o idioma mais utilizado?
Nós chamamos de bangla. Há também dialetos. O povo entende um pouco quando alguém fala em inglês. Lá é mais comum o povo entender a lingua inglesa do que no Brasil.
O senhor fez seus estudos em que localidade?
O ensino fundamental, médio e faculdade de Serviço Social fiz em Bangaladesh. Após concluir a faculdade entrei no seminário, fui atraído pelos padres xaverianos que trabalhavam com as pessoas não-cristãs.
Antes de entrar para o seminário, ainda jovem, quais eram as formas de diversões que o senhor praticava?
Eu gostava muito de jogar futebol.
O senhor jogava bem?
Sim! Era um bom atacante.  Às vezes, raramente, ia ao cinema.
Qual é a religião predominante em Bangaladesh?
O islamismo é predominante com aproximadamente 88,3%, há outras religiões como o hinduísmo, budismo, o cristianismo com 0,3%, cerca de 400 mil católicos.  e outras. Há liberdade de prática de diferentes religiões, cada um com suas igrejas, templos, e há respeito entre as diferentes religiões.
O islamismo tem regras rígidas.
Em Bangaladesh não há regras rígidas ainda.
Como é visto o consumo de álcool, tabaco, em Bangaladesh?
No nosso país não existe o consumo de álcool, como cerveja, vinho, por exemplo, Tabaco é consumido.
Quando a família do senhor soube que tinha se dedicado a religião católica qual foi a reação?
Uma parte da família ficou muito feliz. Outra parte não ficou contente porque sabia que eu não iria trabalhar no país. Hoje estou aqui no Brasil! Eles têm saudades do filho, filhos têm saudades dos seus pais, eles estão vivos.
Por quanto tempo o senhor permaneceu no seminário?
Fiquei dez anos no seminário. Em Bangaladesh fiz quatro anos: filosofia, noviciado, depois fui pra as Filipinas. Lá aprendi a língua local, tagalo, estudei inglês, após quatro anos estudei teologia na capital, Manila. Nas Filipinas noventa e cinco por cento da população é formada por católicos. O governo proibiu o autoflagelo que era realizado durante a Semana Santa. No Natal é feita a novena durante nove madrugadas. A missa começa as quatro horas da manhã.
O senhor celebrava missas em tagalo?
Sim, celebrei missas em tagalo, em inglês, os filipinos falam bem o inglês.
Por quanto tempo o senhor permaneceu nas Filipinas?
Nas Filipinas fiquei por seis anos.
Em que ano o senhor ordenou-se padre?
Foi a 9 de setembro de 2011 em Bangladesh, na minha paróquia. Fui ordenado pelo Bispo Moisés Montu Costa.
Quantos idiomas o senhor fala?
Falo a minha língua materna que é o santalé, na Ìndia tem três estados que falam esse idioma: sanatalé, falo bangala, inglês, tagalo. Agora português. Em dezembro de 2011 comecei a aprender português no Brasil. Após permanecer por seis anos nas Filipinas fui designado para vir para o Brasil.
O senhor já sabia alguma coisa a respeito do Brasil?
No ensino fundamental a escola tem um livro com histórias sobre Pelé. O futebol brasileiro é muito bom. Time e jogadores muito bons.
Em que ano o senhor veio para o Brasil?
Em 20 de novembro de 2011, vim de avião pela TAM. Desci em Guarulhos, fui levao diretamente a nossa casa na Vila Mariana. Descansei. A tarde fui visitar a Avenida Paulista. Minha primeira impressão foi de espanto, principalmente com as roupas que as pessoas estavam usando. Em noossa cultura usa-se o sari. Achei o trãnsito melhor do que no meu país.
E a alimentação?
Agora como de tudo. Apenas o feijão que ainda não posso comer. Gosto de feijão, mas sinto que para mim ainda é pesado. Com relação aos demais alimentos me acostumei. Gosto de cafezinho, lá nós bebemos muito chá. Assim como aqui se toma um cafezinho, lá se toma um chazinho.
Da Vila Mariana o senhor foi para onde?
Fui para região de  Campinas, em Hortolândia, onde temos uma casa e permaneci por três meses, onde estudei português.
O senhor sabia falar alguma palavra em português? 
Nada. Foi muito difícil.
A língua portuguesa é tida como uma língua rica, por exemplo, “Saudade” é uma palavra de tradução muito difícil.
Não considero uma língua complicada, mas sim difícil. Tem muitas regras. Diferente do inglês.
A figura do padre ainda conserva muito respeito no Brasil?
Sim, é muito respeitada.
Como é o dia do senhor?
Normalmente levanto-me as seis e meia, temos orações, café da manhã, em seguida começamos a trabalhar. Em determinadas noites celebramos a missa. Aos domingos temos missa de manhã e a noite. Missa de jovens é aos sábados à noite.
O senhor aparenta ter pouca idade, isso lhe traz problemas?
Muitos dizem você é muito jovem! Será que tem experiência?
O senhor prepara suas homilias (prelecção dada por um sacerdote no decorrer de uma missa)?
Prepero!  Não posso celebrar a missa sem preparação.
Como o senhor vê a comunidade?
Aqui temos treze comunidades. Também temos setores perto da nossa igreja. A paróqui é muito grande. O povo é muito unido, isso fica claro em algumas atividades que realizamos, como a festa das comunidades. Ao completar 60 anos, a paróquia mostrou-se presente com a participação de muitas pessoas. Dia 6 de setembro as 19:000 iremos sagrar 50 anos de vida sacerdotal do Padre Giovanni Murazzo.
Os fiéis se confessam ao senhor em um confssionário tradicional ou em um ambiente reservado, como uma sala?
A confissão é um sacramento. Conversar é outra coisa, diferente. Assim como conselho é outra coisa. Atualmente a confissão é feita face a face.
O senhor tem o sonho de permanecer no Brasil ou de conhecer novos países?
Eu não posso sonhar. Todas s coisas que irei realizar dependem do meu chefe, meu superior. Depende da vontade deles se devo ficar aqui ou ir trabalhar em outro país. Se eu não for mandado não posso querer ir trabalhar em determinado país, não tenho essa autonomia para escolher.
Quantos padres vieram de Bangaladesh ao Brasil?
Até agora só eu. Acredito ser o primeiro e único que veio de Bangaladesh ao Brasil.
Quem nasce em Bangaladesh recebe qual denominação?
Em português chamamos de bengalês.
Como o senhor vê a figura do Papa Francisco?
Ele é muito humilde e muito próximo do povo, especialmente dos pobres, dos excluídos. É um papa muito próximo das pessoas.
Como o senhor vê a violência?
Ela existe onde há a presença do ser humano. Em alguns países é maior, em outro é menor, mas sem violência não existe nenhum país.


 
 

FRANCISLIDIO BEDUSCHI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 24 de AGOSTO de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

 


ENTREVISTADO: FRANCISLIDIO BEDUSCHI



Francislidio Beduschi nasceu em Piracicaba a Rua Moraes Barros, 1608 no dia 23 de agosto de 1941, às seis horas da manhã pelas mãos da parteira Elza Normanha. É filho de Francisco Beduschi e Lidioneta Brossi Beduschi que foram pais também de Luis Carlos Beduschi. Casado com Maria Lucia Godoy a 29 de junho de 1968 com quem teve os filhos Ana Lúcia, Francisco Neto e Gustavo.
Qual era a atividade profissional do seu pai?
Era alfaiate, tinha sua oficina no mesmo endereço em que nasci. A alfaiataria era do meu avô, ele trabalhava para o meu avô Vitório Beduschi que ainda muito novo veio da Itália, região de Padova. Meu irmão esteve lá, a casa onde meu avô morou, na Itália, não existe mais, ele chegou a ver o registro de batismo do meu avô na igreja local. Meu irmão disse que pisar nas mesmas ruas em que meu avô andou foi muito emocionante, na Itália ele resgatou o brasão da família.
Seu avô veio para o Brasil sozinho?
Ele era adolescente, veio com os pais e irmãos, um dos irmãos faleceu durante a viagem. Inclusive ao desembarcar no Brasil, um dos irmãos teve o nome trocado pelo que faleceu, falha do serviço de imigração. Desceram em Santos, seguiram para a Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo. Em seguida vieram para Indaiatuba indo trabalhar em uma fazenda de café, onde permaneceram por pouco tempo, vindo logo depois para Piracicaba. Meu bisavô , Antonio, a primeira coisa que fez quando chegou a Piracicaba foi colocar os filhos para aprenderem um ofício. Meu avô, Vitório, aprendeu alfaiataria, seu irmão mais novo, Antonio, também. O Antonio foi fundador do Clube Flôr do Bosque de Tenis de Mesa, o Lalo Neder jogava lá. O filho do meio, o Aristides, foi sapateiro.
Quantos filhos seu avô Vitório teve?
Meu avô foi pai de oito filhos, quatro homens e quatro mulheres. Seu filho mais velho, Armando, trabalhava na alfaiataria nos momentos em que não ia para a escola, ele fazia o curso Normal, foi professor. Prestou concurso para Coletoria Federal, foi aprovado e foi designado para Santa Catarina. Meu pai ficou na alfaiataria, quando se casou era alfaiate.
Com que idade seu pai iniciou o ofício de alfaiate?
Com treze a quatorze anos ele já começou a ficar no salão, meu avô morava em frente.
Na época alfaiate era uma profissão valorizada?
Era muito valorizada. O meu avô deixou uma casa para cada filho trabalhando só como alfaiate. Eram oito filhos. Meu pai faleceu moço, a 7 de março de 1953, afogado no Rio Piracicaba, o irmão dele Vitor, estava junto, tinha 19 anos, viu, pulou na água para salvá-lo, mas infelizmente faleceu também.
O seu pai casou-se em que ano?
Foi em 1940. Meu avô materno, Cesário Brossi, tinha uma fábrica de sabão no Piracicamirim, onde atualmente é a empresa Gramarmo, minha mãe saia de lá e vinha estudar no colégio Sud Mennucci, um funcionário a trazia de charrete, após as aulas ela voltava com as amigas, passando em frente a alfaiataria, ela e meu pai acabaram se conhecendo. A primeira conversa, segundo eles me contaram, aconteceu no Largo da Santa Cruz onde tinha uma quermesse, meu pai estava lá, minha mãe veio para ficar na casa de um irmão da mãe dela, chamado Bento de Oliveira. Ali começou o namoro deles. Em pouco tempo se casaram, foi no dia 29 de junho de 1939. Foram morar na Rua Moraes Barros, 1608. Minha mãe estudava o curso Normal, que formava professores. Uma das tarefas do curso era fazer o livro de entrada dos alunos. Ela então criava nomes fictícios dos alunos e a localidade de nascimento. Foi assim que ela colocou no livro Francislídio Beduschi, nascido em Rio das Pedras! Ela não era nem casada ainda.
Seu pai teve muitos clientes?
Meu pai era arrojado. Na época era muito comum o pessoal fazer roupas novas em algumas ocasiões: Natal, Semana Santa e Finados. Faziam o terno novo, o “pareo”. Meu pai começou a pegar serviço, meu avô dizia: “- Chico! Não vai dar para você fazer!”. Ele dizia que dava. Daí apertava todo o mundo. Minha mãe ajudava muito, fazia de tudo para ajudá-lo. Ela trabalhava como professora substituta efetiva na escola Sud Mennucci.  A parte mais difícil em um paletó é acertar as mangas. Meu avô pacientemente o aconselhava a recomeçar até acertar. Coisas que só um mestre sabe é fazer o aprendiz aprender, e só se aprende fazendo.
Seu pai sempre trabalhou na alfaiataria?
Não. Mais tarde ele deixou a alfaiataria e foi trabalhar na fábrica Boyes, onde já tinha dois primos trabalhando lá: Solano e Nico Fidelis. O Comendador Louis Clement era quem mandava na fábrica. De lá ele foi trabalhar no Serviço de Saúde Pública, era radiologista no Dispensário de Tuberculose, situado na Rua José Pinto de Almeida, onde antigamente foi a Santa Casa de Piracicaba, entre a Rua XV de Novembro e Rua Moraes Barros. No dia que saiu a sua nomeação oficial, foi o dia em que ele faleceu. Ele já trabalhava lá, apenas estava aguardando os trâmites burocráticos. Quando ele faleceu, eu estava com onze anos e meu irmão nove anos. Minha mãe carregou tudo sozinha. Ela também entrou no serviço público de saúde, foi trabalhar no Dispensário de Tuberculose como Visitadora Sanitária.
Onde você realizou seus estudos?
O curso primário estudei no Sud Mennucci, o ginásio comecei a fazer no Dom Bosco, onde fiz primeiro ano de preparatório, primeiro e segundo anos, e daí fui para o seminário.
O que o motivou a ir para o seminário?
Por incrível que pareça aquilo que fiz a vida inteira, ser professor. Eu gostava do trabalho feito pelos religiosos, promovendo a cultura, ensinando. Fui para Lavrinhas, no Estado de São Paulo, no Vale do Paraíba, no Colégio Salesiano São Manoel. Tinha uns 120 alunos internos. Lá tinha sido uma fazenda de café.
A disciplina era rígida?
Muito rígida. Às seis horas da manhã tocava o sino, todo o mundo levantava, arrumava-se em silencio, às seis e meia estava descendo para a igreja, missa, comunhão, após a missa havia uma leitura, acabava por volta das sete e quinze, ia para o refeitório. Sempre em silencio, tomava o café da manhã que consistia em uma xícara de café com leite, e um pãozinho, sem manteiga, sem nada. Acabava o café, saia, para por ordem na casa inteira, eram duas divisões: a dos menores até uns 14 ou 15 anos, e a dos maiores.
Em que dia você ingressou no seminário?
Foi a 9 de março de 1955. O Padre Pedro Baron me levou de Piracicaba  à São Paulo, pelo trem da Companhia Paulista, e de São Paulo para Lavrinhas fomos com outro padre que não conheciamos. Fomos quatro estudantes: Irineu Danelon, que é Bispo de Lins hoje, Antonio Lavorente, Antonio Carlos Volpato, que era de Itú, e eu. A primeira noite longe de casa foi uma choradeira só. Era um dormitório enorme, composto por uma cama e um pequeno armário individual. Não tinhamos muitos pertences pessoal. Para colocar o paletó tinha um cabideiro enorme. Era comum no seminário todo mundo usar paletó. E gravata! Eu estava com 13 a 14 anos. Uma vez não coloquei gravata e desci para a missa, o padre conselheiro, que era o padre da disciplina, Padre Júlio Comba, ele era italiano, mas falava o português corretíssimo, disse-me: “Eu sou 0 Mestre do Elegante, ponha uma gravata!”
Você já sabia dar o laço na gravata?
Isso é uma as primeiras coisas que aprendíamos, era o laço mais simples possível. A gravata tinha que ser preta, o paletó podeia ser de qualquer cor. Lá eu conclui o ginásio e comecei a fazer o científico.
Foi onde voce aprendeu linguas?
Eu já tinha começado a estudar aqui frances e ingles. Lá além de francês e inglês aprendi italiano, grego e latim. Tenho o Novo Testamento em grego e latim.
Você foi coroinha?
Fui aqui no Dom Bosco. (Beduschi recorda-se do tempo em que ajudava a missa que era celebrada em latim): "Introibo ad altare Dei, ad Deum qui lætificat juventutem meam" (“Entrarei nos altares de Deus, o Deus que alegra minha juventude)”. "Adjuntorium nostrum in nomine Domine” (“O nosso auxílio está no nome do Senhor “Qui fecit caælum et terram” ("Que fez o céu e a terra").No oratório festivo do Dom Bosco era a reuniãos das crianças para jogar bola, depois tinha uma aula de catecismo, era feita uma oração e iamos embora para casa. Os primeiros coroinhas que o padre conseguiu reunir para ajudar a missa foram Abel Lavorenti e eu. Sou da turma de Francisco Conca, Francarlos Reis.
Quais anos você permaneceu no seminário?
Nos anos de 1955, 1956 e 1957. Terminei o colegial, fui para Pindamonhangaba receber a batina e fazer o noviciado.
O que é noviciado?
É o período de aprendizado sobre a ordem religiosa, a vida que você está escolhendo. Hoje são dois anos, no meu tempo era um ano só. Permaneci lá o ano de 1958, onde no dia 9 de março recebemos a batina. Eramos 25 noviços. É uma cerimonia muito bonita: “Despe-te do homem velho e reveste-te do homem novo”. Esse ano é muito rígido.
Mudou um pouco o nível de conforto?
O chuveiro era aquecido! Em Lavrinhas não tinha chuveiro, o banho era em um antigo tanque de lavar café, vestido com um calção comprido, até o joelho, era água corrente, vinha de uma mina, mas eramos mais de uma centena de jovens tomando banho ao mesmo tempo. No final de 1958 fiz os votos religiosos validos por três anos: “Pobreza, castidade e obediência”. O mais difícil é a obediência, quando você renuncia a sua lliberdade e coloca na mão do seu superior. Terminado um ano, fui para o Seminário de Lorena, lá era a Faculdade de filosofia, fiz ao mesmo tempo o curso de pedagogia. Isso foi de 1959 a 1961. Sempre gostei muito de ler, passo a viver aquilo que estou lendo, me insiro na história. Dar aula de história, fazendo dela um psicodrama faz o aluno gravar muito mais. Ele irá lembrar das histórias que eu conto o resto da sua vida. Outro dia uma moça disse-me:  “- Lembrei-me de você na viagem que fui para a Grécia. Você falava que a Grécia parecia uma mão virada para baixo, eu passei por todos os “dedos” do território grego”. Ela tinha ido visitar a Grécia e viu todo o contorno do litoral grego. Como eu tinha dito.
Voce prosseguiu seus estudos em Lorena?
Em Lorena após tres anos conclui as faculdades de filosofia e pedagogia. Aprendi a estudar. Estudar não é decorar, se você não entender, não adianta nada. A primeira prova de filosofia que fiz, sai crente de que tinha tirado a nota oito ou nove. Tirei dois. Fui conversr com o orientador vocacional, era o Padre Valter Pini. Ele disse-me: “Primeiro você lê o texto para conhece-lo, depois irá ler uma segunda vez para entender aquilo que não entendeu na primeira leitura, palavras que você não conheça, na terceira leitura, ai você começará a guardar. Irá começar a compreeender, será quando saberá a matéria. Comecei a fazer esse jeito, não tive mais dificuldade. No último ano tinhamos exame de toda a filosofia, eram sete calhamaços de matéria, tudo em uma prova só. Você entrava na sala, o professor entregava um envelope, em cujo interior havia uma tese e um complemento. Tinha que desenvolver aquela tese e se quisesse o complemento. O tempo de prova era de quatro horas ou mais. Abri o envelope, das 35 teses que havia para a prova, eu sabia muito bem 30 delas. Após tres horas e pouco eu já tinha feito a tese e o complemento. Entreguei. Sabia que iria ter nota acima de oito. Tirei oito virgula oito no exame de toda a Filosofia. Pedagogia eu ja tinha terminado, fiz um trabalho sobre a educação na Idade Média. O nosso professor de pedagogia era formado em Roma, com publicações na Itália.
Qual foi seu próximo destino?
O superior usando o voto de obediência mandou-me para Campinas. Fui dar aula no Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora de Campinas. Era internato. Fui cuidar dos alunos maiores. Nessa época já usava batina. O filho de um senador do Mato Grosso, da família Dezi, era meu aluno. Era mais velho do que eu. Permaneci lá por um ano. No final do ano meu superior mandou-me para São Paulo, os salesianos tem no bairro da Mooca, uma editora, fábrica de livros, cadernos, ficava na Rua Dom Bosco. Passei a tomar conta de uns 60 internos, que eram orfãos, eu tinha 19 anos. Eles estavam na faixa dos sete aos dezesseis anos.
Manter a disciplina não era muito fácil?
E a cara de bravo que eu faço! Os meus ex-alunos do Colégio Jorge Coury, de Piracicaba, podem dizer alguma coisa. Fui discipulo de Arlindo Rufatto, aprendi com ele. Na Mooca permaneci por um ano, apesar de cansativo foi um trabalho gostoso. Fim de semana escolhia uns dez ou doze internos que tinham e comportamento melhor, punha todos eles dentro de um kombi, levava farofa e frango e ia para a Praia do Gonzaga em Santos.  Por volta de uma a uma e meia da tarde subíamos de volta para São Paulo. Isso incentivava os demais durante a semana. Trabalhei nesse período das seis horas da manhã até as onze horas da noite. Foi nesse ano que no dia das mães vim visitar minha mãe em Piracicaba, meu irmão estava fazendo o curso de Agronomia no quilômetro 47 do Rio de Janeiro. Recebi como premio ser professor no seminário, voltei para Lavrinhas. Eu não era padre ainda, era clérigo. Passei um ano como professor no seminário, dando aulas e cuidando os internos maiores. No final do ano fiz o pedido de renovação dos votos, só que já eram votos perpétuos. Fiz os votos perpétuos, fui para São Paulo, no Alto da Lapa, na Rua Pio XI, fazer os últimos quatro anos para ser ordenado como padre. Lá permaneci 1965 e 1966. Em dezembro de 1966 pedi minha carta liberatória e vim para Piracicaba.
Você desistiu de vir a ser ordenado padre?
Não era aquilo que eu queria. Lá não fui lecionar, fui estudar teologia. Fiz dois anos de faculdade de teologia. Tive a oportunidade de dar aula de religião em escola do Estado. Dia 6 de dezembro de 1966 deixei minha batina preta com um, tinha uma batina branca de linho deixei com outro
Ao chegar a Piracicaba, pensou em exercer qual atividade?
Decidi dar aulas. Meu avô queria que eu estudasse o curso de Direito. Eu pretendia ter vida própria, não queria ficar dependendo do meu avô. Uma tia, irmã do meu pai, disse-me que iria me apresentar nas escolas. No Colégio Jorge Coury quem estava respondendo pela direção era o Salles. Apresentei-me, ele disse que iria passar meu nome para o diretor, Arlindo Rufatto. Dali a uns dias o Arlindo me telefonou. Fui até o Jorge Coury, a pé. Arlindo disse que tinha gostado do meu jeito, queria que eu lecionasse em sua escola. Só que história já tinha professor. Ele disse-me: “Você vai dar aula  de matemática”.  Como eu tinha feito estatística, tinha o direito de dar aula de matemática. Ele me arrumou 18 aulas, isso foi em 1967. Eram professores: Conceição, Joana Falanghe, Clemência Pizzigatti, Persão, José Nogueira. O Arlindo ligou para o Adolfo Basili do Sud Mennuci me remendando para que eu também desse aulas lá. O Basili me arrumou mais seis aulas de filosofia no Sud Mennucci. No Sud fui colega de grandes mestres como Arquimedes Dutra, Costinha, Demóstenes, Benedito Andrade, José Salles.
Seus alunos ficavam em pé assim que você entrava na classe?
Alguns se levantavam, mas já não era mais um costume. A única professora que vi exigir que os alunos se levantassem quando ela entrava para dar aulas foi a Conceição. Quando ele chegava, os alunos se levantavam, ficavam ao lado da carteira escolar, ela dizia um bom dia e mandava que sentassem.
As escolas eram muito rigorosas com relação a uniforme escolar.
Isso sim. Eram muito exigentes com relação ao cabelo dos rapazes, cabelo comprido era proibido. No Jorge Coury Attilio Lafratta e Dona Margarida inspecionavam tudo. Dona Margarida verificava até a altura das saias das meninas, havia um padrão. Foi um tempo bom.
Como era Arlindo Rufatto?
Era uma pessoa exigente, mas justo. Muito enérgico.
Quanto tempo você lecionou no Sud Mennucci e no Jorge Coury?
No Sud Mennucci lecionei por três anos. Decidi dar mais aulas no Jorge Coury, onde lecionei matemática por uns cinco anos. Ai começou a existir a matéria Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política. Passei a dar aulas de matemática em Saltinho, comprei do meu sogro um Fusca branco ia toda noite lecionar lá. Deusdete Gobbo, professor de artes ia comigo. O José Maria também dava aula lá. Elias Sallum me convidou para dar aulas na Unimep de Estudos de Problemas Brasileiros. Nessas circunstâncias o Attilio Lafratta me convidou para dar aulas no Colégio CLQ. Comecei a dar aulas no Colégio CLQ, onde permaneci por 33 anos lecionando história. Somando os outros locais onde lecionei, dei aulas por 50 anos.

 
 

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