domingo, julho 26, 2015

INÊS APARECIDA DE ANDRADE RIOTO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 25 de julho de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: INÊS APARECIDA DE ANDRADE RIOTO

Nascida a 10 de novembro de 1952, em Santo André, o grupo escolar estudou no Colégio São José, o ginásio e o normal no Colégio Américo Brasiliense, era atleta pela escola, jogava handball e nadava.
Após concluir o curso normal você tornou-se professora?
Após concluir o normal, prestei o vestibular e entrei na faculdade de educação física. A professora do colégio onde estudei adoeceu, fui convidada a lecionar educação física em substituição a ela. Quando dei aula eu tinha dezessete a dezoito anos e meus alunos a minha idade. Formei-me na FEFISA- Faculdade de Educação Física de Santo André. Naquela época o professor de educação física podia lecionar educação física, lecionar em clube, exercer o esporte profissional. Hoje é diferente, na faculdade o aluno direciona para que área vai atuar.
Como atleta, você disputava campeonatos em que área?
Disputei pela natação vários campeonatos. Eram campeonatos muito famosos, disputados. Havia uma valorização muito grande do esporte pela escola e a própria escola era muito valorizada. Naquela época independente da sua condição financeira ou social, todos queriam ser aluno da escola publica estadual. O nível dos professores era elevado. Essa escola em que estudei era a maior escola, tinha por volta de três mil alunos. É uma escola muito grande e muito tradicional, tanto para alunos como para professores. Ao formar-me professora queria prestar um concurso, ter uma boa nota para lecionar nessa escola. Foi o que aconteceu, anos depois prestei concurso, ingressei e permaneci nessa escola até me aposentar. Aposentei-me em 1983, Permaneci mais três  anos como professora eventual, quando faltava o professor efetivo a professora eventual substitui para os alunos não ficarem sem aula.


Nesse meio tempo você fez algum curso de especialização?
Fiz quatro cursos de pós-graduação: Natação, Ginástica Rítmica, Handebol e Recreação.
Você se interessou por uma área específica?
Quando eu estava para me aposentar, sabia que não poderia parar. Quando pensamos na aposentadoria achamos que será uma delícia, só vamos passar o tempo viajando. Como se tivéssemos dinheiro para isso! Só que como funcionário público não temos. O professor continua com o salário, e geralmente diminui as horas de planejamento de aula, acabamos perdendo. Fiquei sabendo que havia um curso de Gerontologia, que é o estudo do envelhecimento, na Faculdade de Medicina da USP,
Você então fez a sua quinta pós-graduação, em Gerontologia? Qual foi o tempo de duração do curso?
Fiz a quinta pós-graduação, a duração do curso é de um ano. A partir desse ano ele passou a ser de atualização, no ano seguinte criou-se o curso regular, de graduação, em Gerontologia. A Faculdade de Medicina da USP está formando Gerontólogos, são quatro anos para estudar o envelhecimento.
Como surgiu sua vocação para estudar o envelhecimento?
As pessoas programam sua aposentadoria sob o aspecto financeiro, mas não programam o que irão fazer. Ninguém é preparado para com o que vai utilizar o seu tempo. “Há a ilusão de que irá sair viajando, ou ficar no ‘Dolce Far Niente”, ou seja, o doce fazer nada.



Como muitos de nossos avós fizeram, quando era outra realidade?
Sim a realidade era diferente.
Percebi que nos aposentamos cedo, e nos aposentamos bem de saúde, não dava para ficar parado, e ao fazer esse curso de Gerontologia, tive aula com uma profissional sensacional a Dra. Marisa Accioly R.C. Domingues, foi a coordenadora que criou o curso de Gerontologia para a USP.-Leste em São Paulo. Após fazer o curso conheci o Dr. Alexandre Kalache, um médico que mora no Rio de Janeiro, que tinha feito pós-graduação em Londres. Foi convidado a ir para a Organização Mundial da Saúde onde foi diretor por 12 anos. Ele criou um programa chamado “Copacabana, Amiga do Idoso”. Ele nasceu e cresceu ali, era um lugar de muitos idosos. Ele levou esse projeto para a Organização Mundial de Saúde, eles acharam muito interessante, o Canadá achou mais interessante ainda. Começaram a criar um protocolo de como criar o programa  “Cidade Amiga do Idoso”.
 O que é Cidade Amiga do Idoso?
Quando você prepara uma cidade para receber o idoso, você recebe pessoas de qualquer idade. É promover acessibilidade. Toda e qualquer cidade deve ter essas características. As cidades foram construías de forma aleatória, nem todas eram programadas. Claro que tem alguns bairros que se tornam mais difíceis pela topografia. O inicio pode ser no centro da cidade ou nos prédios públicos. Nos hospitais, nas UPAs, nas Unidades de Saúde, para promover  a facilidade de acesso dessas pessoas a esses lugares. 
Você chegou a frequentar hospitais?
Alguns, porque não era o meu foco, na verdade, a parte médica, interna aos hospitais liga-se a Geriatria. São os médicos especializados em Geriatria que cuidam da saúde dos idosos.
Qual são as diferenças entre Gerontologia e Geriatria?
A Geriatria cuida da parte médica, é constituída por médicos especializados nessa área. A Gerontologia abrange toda a parte social, o convívio, Como o idoso vai interagir socialmente.
O fator social influi muito na saúde do idoso?
Influi, tanto na parte mental como física. O idoso com melhores condições financeiras com o tempo ele tem possibilidades de orientações sobre uma alimentação melhor, atividades físicas, Isso já vem desde a sua infância. Hoje graças a mídia, a internet, a medicina, é possível à todas pessoas terem acesso a muitas informações.Antigamente só as pessoas em condições melhores podiam ir a um nutricionista. Quando estavam envelhecendo iam a um geriatra. Hoje na rede pública não temos geriatras suficientes. Tanto é que as LPIs, que são as instituições de Longa Permanência para Idosos, os antigos asilos, clínicas existem médicos que atendem, mas nem todos são geriatras. É muito difícil, ainda é muito novo. O Brasil envelheceu, mas não enriqueceu, nem na cultura de atividades para idosos, nem enriqueceu financeiramente para sustentar esses idosos.
Você diria que o país está despreparado para a “nova” geração de idosos?
Está! Em 2040, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, teremos mais idosos do que crianças e adolescentes. Nos países desenvolvidos, chamados Primeiro Mundo, idoso é quem tem 65 anos ou mais. No Brasil, assim como nos países em desenvolvimento, é considerado idoso a partir dos 60 anos. Nos países desenvolvidos há toda essa cultura no cuidado para envelhecer. São preparados não só na questão financeira, mas também na questão do tempo. O que eu vou fazer? Como vou ocupar o meu tempo após me aposentar? Essa é a grande mudança. No Brasil começa a surgir uma movimentação nesse sentido, pois é gritante no mundo inteiro. Com a internet que nos liga a diversos países á mais fácil receber informações, também é mais fácil fazer programas e trabalhos com relação ao envelhecimento
A voracidade da mídia sobre esse novo filão que é o idoso, já despertou?
Em alguns aspectos sim. Todos nós que trabalhamos na área acabamos cobrando não só do poder público como também da mídia. Se você observar, as novelas nem sempre nos trazem boas influências, nem sempre são “boas companheiras”. Mas em alguns momentos elas são importantes, porque traz a tona o envelhecimento. Se você pegar todas as questões, inclusive a LGBT, que são gays, lésbicas, bissexuais e travestis, eles sempre existiram, mas nunca se falou que eles envelheciam. A última novela, a pedido até de algumas áreas da gerontologia, realizaram essa novela para mostrar que as pessoas envelhecem. Independente de gênero, independente da sua escolha de afetividade.
O mercado de consumo, os políticos, já descobriram que há um número cada vez maior de idosos com poder de decisão e até mesmo capaz de influenciar na tomada de decisões de outras faixas etárias mais jovens?
Acredito que já estão descobrindo! Por que de fato o idoso tem esse poder. Para o mercado de consumo, aqueles que se prepararam financeiramente, formaram seu patrimônio e se programaram o idoso é um foco bem interessante: as viagens, a boa alimentação, as academias, teatro. Por força da lei quem tem a partir de 60 anos paga metade, na área da cultura, do lazer.
No Brasil o governo está dando a devida importância ao idoso?
A importância do idoso, no Brasil, eu acredito que começa no meio acadêmico. Pela possibilidade de fazer intercâmbio, termos expressões mundiais como o Dr. Alexandre Kalache, um brasileiro, que ao aposentar na Organização Mundial voltou ao Brasil e ele está ligado a projetos no mundo inteiro. A UNICAMP, a PUC SÃO PAULO, que já têm a Gerontologia como mestrado e doutorado. Estava mais avançado no meio acadêmico, chegou-se a um ponto em que descobrimos que tínhamos muitas pesquisas, muitos números, mas pouca prática. Ai começa a se despertar. Em São Paulo o Dr. Kalache foi consultor do Governo do Estado e lançou em São Paulo o programa Estado Amigo do Idoso que possui vários projetos, inclusive da área que eu pesquiso que é a Vila Dignidade, área sobre Moradias para Pessoas Idosas. Os antigos asilos e clinicas. Vila Dignidade é um projeto em que a cidade cede um terreno, o Governo do Estado constrói uma média de 20 casas, Essas casas vão ser direcionadas para pessoas de baixa renda, que recebem no máximo dois salários mínimos. O governo constrói, monta, mobília a casa, ai o Departamento de Assistência Social da Prefeitura é que cuida das casas.
Até alguns anos o idoso ou ficava com a família ou ia para o então denominado asilo.
Hoje o nome é mais bonito: Instituição de Longa Permanência para Idosos.
Sua pesquisa delimitou alguma área geográfica?
Iniciei pela cidade onde moro: Santo André. O que se vai notando é que conforme o nível social e a condição financeira eles são bem diferenciados. Tem o residencial do Einstein, o Santa Catarina. Pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) a pessoa a partir de 65 anos tem direito a receber um salário mínimo. Quando ela vai para uma instituição 70% do valor desse salário ela usa para pagar a instituição e 30%, por lei, fica com o idoso.
Até o momento em quantas instituições você já fez esse levantamento?
Em instituições filantrópicas já estive em muitas. Com essa facilidade da internet, entrando em contato com amigos que fazem esse mesmo serviço em outros países, começamos a perceber que havia modelos diferentes. Os Estados Unidos está mais avançado nessa questão do idoso, eles tem residenciais, condomínios, que vão desde as pessoas mais simples, são condomínios feitos e mantidos pelo governo, geralmente são prédios de três andares. Apartamentos, só que com toda infraestrutura: lazer, esporte, um posto médico, com enfermeiras. Cuidadores. Tudo isso mantido pelo governo. Há até condomínios em que ao abrir a sua porta você está dentro de um campo de golfe. Nesse nível, só na Florida existe cerca de 60 a 70 condomínios.
No Brasil temos algo parecido?
Temos em São José do Rio Preto, que tem um condomínio em que eles fizeram uma espécie de clube, um família adquiriu terras com essa intenção, lotearam, o interessado compra o terreno, constrói sua casa, eles fizeram ai um clube. A pessoa torna-se sócia daquele clube, com toda infraestrutura de esporte, lazer e cuidados da saúde, também dentro do clube. Se não me engano também é aberta para a cidade, as pessoas da cidade que tenham 60 anos ou mais podem ir, passar o dia, pagam separadamente, mas tem os esportes com profissionais habilitados   e voltados para essas áreas.
Você chegou a ir á essas casas de repouso?
Só nas filantrópicas que nos fomos.
Existe uma oscilação muito grande entre elas com relação ao tratamento ao idoso?
Existe! Isso porque também existem diferentes níveis de demência. Costumamos dizer que existem diferentes velhices.
O idoso não é obrigatoriamente demente.
 Não. Existe senilidade e senescência. Senescência é o envelhecimento normal, onde a gente esquece normalmente uma chave, vamos fazer duas três coisas ao mesmo tempo, alguma coisa fica sem ser feita. Isso é o normal. Tem o outro caso que é a senilidade, que são as demências. O nome demência ficou um paradigma muito forte. As pessoas se  incomodam com esse nome. Demente se ligava ao louco. E não é isso, é simplesmente o fato de você não estar com todo seu potencial cognitivo. Não fazer  todas as funções que você gostaria de fazer. E depois começou vir tanto a tona sobre Alzheimer, hoje em dia quando alguém esquece alguma, até por brincadeira costuma-se dizer que a pessoa tem Alzheimer. Alzheimer é uma das demências. Ficou um nome genérico, todo mundo que esquece alguma coisa já é tachado como portador da doença.
Qual é o seu objetivo com suas pesquisas?
Já que estamos envelhecendo cada vez mais, precisamos acomodar as pessoas, no local onde ela encontre mais facilidade e possa estar melhor instalada, tenha um direcionamento melhor. Tanto alimentação, como atividade física. Uma pessoa que mora sozinha, dificilmente irá chegar ao longo da vida sozinha. Ela pode ter autonomia e ser independente, mas a qualquer momento ela poderá tornar-se dependente. Dentro da Gerontologia costumamos dizer que  o que mais tentamos preservar nas pessoas, quando vamos envelhecendo, como diz o Dr. Kalache, na minha faixa de idade, 62 anos, somos gerontolescentes, preservamos autonomia e independência. Autonomia é o poder que eu tenho de conseguir o que eu quero. Independência é a minha capacidade de locomover-me sem depender de ninguém. Posso cair e ter uma fratura, ser obrigada a ficar em uma cadeira de rodas, mas posso ter autonomia de dizer: “Me leve para lá, me leve para cá”. “Desejo almoçar isso”. “Quero por aquela blusa”. Isso é autonomia. A demência ocorre quando ao longo do tempo vai se perdendo a independência e a autonomia.
Você pretende publicar algum trabalho sobre suas pesquisas?
Eu já estava com o meu mestrado todo planejado quando comecei a ver a questão da moradia, vi que é uma coisa séria e não tinha estudo no país a respeito, quando outros países estão tão avançados.
Pode-se dizer que você é uma pesquisadora pioneira nesse assunto moradia?

Não sei se sou pioneira, o Brasil é muito grande, não existe ainda uma integração entre todas as universidades para tomarmos conhecimento de tudo que é feito. O que acontece às vezes é que a pessoa foca em um determinado local. A minha pesquisa optei em fazer em moradias diferentes, já que teremos velhices diferentes. 

IRMÃ LUIZA MARIA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 de julho de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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http://www.teleresponde.com.br/


ENTREVISTADA: IRMÃ LUIZA MARIA



A Congregação das Irmãs de São José remonta aos meados do século XVII, na cidade de Le Puy-en-Velay, França. O Padre Jean Pierre Médaille conseguiu reunir algumas das jovens e viúvas com as quais se encontrara em seu trabalho missionário. Decidiram, então, apoiar-se mutuamente na realização de um novo projeto. Pobres invadiam povoados e grandes centros. Era uma situação calamitosa e devastadora, exigindo solução para tanta miséria e fome. Luísa Josefina Voiron era o nome de batismo da Madre Maria Teodora Voiron. Nascida em Chambéry, França, em 6 de abril de 1835. O Brasil é contemplado com a presença das Irmãs de São José. Madre Maria Felicidade encarregada de escolher as religiosas para importante missão designa sete Irmãs, tendo como superiora Madre Maria Basília.que faleceu durante a viagem dois dias antes de chegar ao Brasil.
Irmã Maria Teodora no dia 24 de maio chega na Baía da Guanabara preparando-se para a viagem a Itu. Chegou à cidade na tarde de 15 de junho de 1859. As Irmãs se instalaram temporariamente no prédio da Santa Casa de Misericórdia de Itu até que fossem concluídas as obras do colégio. Muito bem acolhida por todas as irmãs, ela só não agradou ao bispo D. Antônio Joaquim de Melo, que a achava jovem demais para ser superiora, pois contava apenas com 24 anos, e decidiu que Madre Justina seria superiora. Passados alguns meses D. Antônio procura Irmã Maria Teodora e lhe confia o cargo de superiora. Isso aconteceu no dia 13 de novembro, dia da festa de Nossa Senhora do Patrocínio, e dia da inauguração do colégio que recebeu seu nome.
Irmã Luiza Maria, cujo nome de batismo é Eunice Barreto Valle nasceu em Garanhuns, Pernambuco, no dia 14 de agosto de 1925, estará fazendo 90 anos em agosto próximo. É filha de Hermínio de Souza Valle e Aparicia Barreto Valle, que tiveram ainda mais dois filhos: Eraclides Valle Faria, mais conhecida como Kida e José, já falecido. Pertence a Congregação de São José de Chambery. Quando tinha três anos sua família mudou-se para São Paulo.
A senhora começou a freqüentar a escola quando?
Aos seis anos passei a freqüentar a Escola Prudente de Moraes, localizada na Avenida Tiradentes, em São Paulo. Depois nós mudamos para o bairro Tucuruvi, freqüentamos a Escola Silva Jardim. Onde o Dr. Ulisses Guimarães era o diretor. Antigamente para fazer o ginásio tinha que ter no mínimo onze anos, Eu terminei o primário com nove anos. Quando entrei estava alfabetizada, no mesmo ano me passaram para o segundo ano. Fui estudar no Colégio São Paulo da Cruz, no Tucuuvi, das irmãs passionistas. Fiz o quarto e o quinto ano escolar novamente com elas. Foi ai que despertou a vocação, vendo as irmãs. O primeiro chamado que Deus me deu foi através da presença das irmãs.
Depois meu pai foi transferido para Taubaté, fui para o Colégio Bom Conselho das Irmãs de São José. Identifiquei-me mais com o carisma das Irmãs de São José. Com 15 anos pedi para o meu pai para entrar para o juvenato.
Qual foi a reação dele?
A princípio ele era contra, achava que era coisa de criança ainda. Minha mãe me apoiava. Depois ele foi conversar com a superiora e deixou-me ir. Juvenato, que era em Itu, onde continuávamos estudando. Eu estava na terceira série quando fui fazer o juvenato, tinha 15 anos de idade. Juvenato é a fase das que pensam em vocação, mas são muito jovens ainda. Após o juvenato eu contava firme, um desejo era esse mesmo, estava convicta disso. Fiz o postulado aos 20 anos em seguida e noviciado aos 21 anos. Em 1949 fiz os votos de Pobreza, Castidade e Obediência, que hoje denominamos: Amor Universal, Despojamento e Disponibilidade. Trocamos um pouco os nomes.
A senhora fez estudos de nível superior?
Fiz as faculdades de História, Geografia, Biologia e Teologia.
A senhora permaneceu em Itu?
Lecionei só um ano em Itu, fui transferida para Santos, fui lecionar no Colégio São José, na Avenida Ana Costa, onde permaneci por quatro anos. De Santos fui para o Colégio Santana, em São Paulo, onde permaneci por 16 anos. Vim para Piracicaba, lecionar no Colégio Assunção. Aqui estive por duas vezes, sendo que na segunda vez fui diretora do colégio por dois anos. Como diretora eu assumia pelo menos a aula de religião de uma das classes, para ficar em contato com as alunas, eu não gostava de ficar sem dar aulas, isso foi no final da década de 50 e inicio da década de 60. Em seguida fui para Franca onde permaneci por dois anos. Voltei para o Colégio Santana, que foi um colégio em que voltei por cinco vezes. Depois eu pedi para fazer uma experiência de inserção, trabalho no meio do povo. Vivendo como e com o povo. Éramos três Irmãs: Irmã Marta Alexandra, conhecida como “Tereza de Calcutá Brasileira”, de tão dedicada que ela era, Irmã Maria Isabel Muniz e eu Nós três fizemos uma casinha de madeira, os quartos só cabia a cama e um criado mudo. Isso foi na Vila Zilda. Morei cinco anos ali. Um dia a Irmã Marta Alexandra chegou com um garoto que ela achou na rua comendo comida de um saco de lixo. Fiquei cinco anos lá, foi uma experiência maravilhosa.
Como era a convivência com a comunidade?
Era tranqüila, inclusive na época a dependência química de alguns viciados era praticamente só do álcool. Tinha um grupo deles, quando a gente passava por eles, diziam: “Oi Irmã!”. Eles cuidavam da nossa casa. Naquela época já tínhamos abolido o uso do hábito.
Irmã, por que a Igreja aboliu o uso do hábito?
A Congregação este ano está completando 365 anos de fundação. Nosso fundador não queria que ficássemos em evidência, dizia: “-Façam as coisa da melhor forma possível, mas façam de uma forma discreta. Vistam-se como viúvas por que assim vocês podem sair sozinhas”. A mulher só podia sair acompanhada do marido ou do pai, as viúvas podiam sair sozinhas. Quando foi reconhecida como Congregação, a primeira coisa que fizeram foi mandar por o hábito. Era todo preto, uma espécie de touca branca, véu preto, e o que chamávamos de murça, uma barra branca cobrindo o tórax. Um terço na cintura e um crucifixo grande dependurado no pescoço. Hoje nós temos esse símbolo só.
O hábito impunha respeito, mas também dava certo ar de distanciamento?
A pessoa fica e evidência, queira ou não queira o hábito dá evidência, impunha respeito, mas também evidenciava. Quando o Concílio Vaticano II disse que as congregações deveriam se atualizar, voltar ás suas origens, se estava enfraquecida fortalecesse a espiritualidade, vamos ser como as pessoas comuns, vamos tirar o nosso hábito, isso foi feito pouco a pouco, não foi obrigado. Eu fui uma das primeiras a tirar. Tem algumas que até hoje usam o hábito. O importante para nós é o carisma e a espiritualidade e não o exterior, o nosso testemunho é que tem que ser importante, e não a aparência. O nosso carisma é o da união, viver e criar a unidade. Esse é o grande carisma da congregação. A espiritualidade é alimentada pela devoção a Santíssima Trindade, Encarnação e Eucaristia, essas três fontes de espiritualidade é que fortalece a vivência da unidade.
Atualmente a senhora está morando em qual cidade?
Em Campos do Jordão, em uma comunidade de três irmãs, é uma casa.
Visitamos os morros onde existem muitos pobres, visitamos as comunidades, conversamos com as pessoas, propomos a oração do terço, uma vez por semana na comunidade. Faz só dois anos que estou lá. Temos que nos voltarmos para os mais carentes, e quem são os mais carentes? Será que são os miseráveis ou essa juventude rica e grã fina que são carentes de amor, de valores, de religiosidade. Um é carente financeiro, miserável e outros são miseráveis de valores. No colégio Santana tive a oportunidade maior de ver as coisas, nós temos desde o berçário até o colegial. Tinha uma mãe que chegava as seis e meia da manhã trazendo o bebezinho, ia buscar as sete horas, sete e meia, o horário correto era cinco e meia. Isso todos os dias. As professoras notavam que a criança vinha sujinha, coloquei um sinal na fraldinha da criança, ela foi para casa, levou a bebe, no dia seguinte quando ela voltou a primeira coisa que pedi para a professora olhar era se a fralda estava marcada. Ela nem tinha trocado a fralda  da criança. Do jeito que levou ela trouxe. Como essa criança pode ter amor a essa mãe? Que não é mãe, ela só gerou. A desculpa é do trabalho. É uma desculpa esfarrapada. Tem uma lenda muito bonita, um pai que nunca conseguia ver o filho, ele saia antes que a criança acordasse e chegava depois que a criança estava dormindo. Quando ele saia ele dava um nó no lençol da criança, para dizer: “- Eu passei por aqui e te dei um beijo” Quando a criança acordava a primeira coisa que ela olhava é ver se tinha o nó. Ela tinha um grande amor pelo pai, sabia que o pai gostava dela. Porque todo dia ele passava por lá e fazia aquele nó. O trabalho não é desculpa.
Irmã, atualmente o pai tem trabalhar, a mãe tem que trabalhar, é em função do progresso material, de um consumismo sem limites?
Tenho a impressão de que há de tudo. Os meios de comunicação estão divulgando demais a importância do “ter”. Contanto que eu tenha dinheiro e consuma bastante é o que importa. O consumismo tomou conta do mundo. Desde as crianças. Os pais que atendem a todo tipo de pedido das crianças. Não há mais limites. Para poder consumir eu preciso trabalhar, quanto mais eu trabalhar mais eu posso consumir, isso quando não fico devendo depois. Com isso dão pouco valor para o cuidado com a família. Você pode deixar a criança por oito horas no colégio, mas quando você vai buscar a gente nota a diferença, aqueles que abraçam o pai, a mãe, quando chegam. Ficaram na escola em período integral, mas sentem que em casa são amados. Você pode ficar em casa, se ficar o tempo todo em frente a televisão, enquanto a criança está lá fazendo outra coisa. Ou então na internet. Os pais podem e devem continuar trabalhando, mas não deixem de valorizar a criança. Colocou no mundo, você é o responsável. Não adianta dizer: “-Basta um filho!”. Os filhos que eu puder ter. Claro que não serão mais 12 filhos como antigamente. Mas pelo menos uns dois ou três. Para a criança também poder ter contato com irmãzinhas, irmãozinhos. Filho único não é o ideal.
Isso é um fenômeno mundial?
É mundial. Em termos sociais não vejo muitas perspectivas de mudanças, em termos religiosos está havendo uma preocupação maior em todas as religiões. Na Igreja Católica estamos tendo a felicidade de ter esse Papa maravilhoso. Ele está fazendo muito para o ecumenismo, essas religiões que se separaram foram por questões políticas. O que eu admiro nos evangélicos é o zelo apostólico. Eles não têm medo de ficar fazendo propaganda da sua religião, onde quer que estejam. Nós católico somos mais acomodados. O católico é que tem que vir para a nossa igreja. Nosso Papa diz aos padres e bispos: “-Não fiquem na igreja, saiam da igreja! Procurem o povo, e não o povo procurar a igreja!” Ele está estimulando muito essa ação apostólica, essa ação missionária do clero. O nosso clero é um pouco acomodado também.
Existe uma questão que está em pauta, que é o celibato.
Estou rezando para que ele consiga! Para tirar o celibato, os padres não eram celibatários! Quem é celibatário é o religioso, que faz voto de castidade, por opção, o padre quer ser padre, ministro, mas ele não está sendo chamado para ser celibatário. No Concilio de Trento (Convocado pelo papa Paulo III, em 1542, e durou entre 1545 e 1563), inventaram isso, por o celibato para o clero. Estou rezando para esse Papa conseguir, temos 10.000 padres no Brasil, que deixaram a Ordem para poder casar. Estou rezando muito para ele ter essa firmeza, essa coragem, porque tem os cardeais que são contra. Estou com esperança que o Papa consiga superar isso e tirar o celibato do clero. Muitos são diáconos, que gostariam de exercer o ministério total.
Quantas Irmãs da Congregação de São José existem no Brasil?
No Brasil somos 600, no mundo 15.000.
A Igreja Católica perdeu um pouco do seu espaço, a senhora acredita que tenha ganhado em qualidade?
A Igreja Católica está em um processo de caminho muito bonito. Quem é católico é para valer! Havia muito católico que era só de nome. Estamos sentindo um crescimento maior de pessoas que estão assumindo a religião. São mais autênticos.
Diante do quadro delicado que passamos atualmente em nosso país a Igreja tem se posicionado de que forma?
A CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil tem um trabalho muito bonito também na linha social.
Nós tínhamos dentro da Igreja, a Igreja Progressista (Os progressistas geralmente questionam uma ou mais crença distinta da igreja). A seu ver isso é uma fase?
É fase! Os carismáticos, por exemplo, é uma forma que a Igreja realizou para ter uma visibilidade maior. Eles pegaram muita coisa dos evangélicos. Os carismáticos dos Estados Unidos eram evangélicos. O carisma em si é positivo. Gosto muito dessa parte externa, que é importante nos dias de hoje. Temos que respeitar os tempos também. Cada tempo tem seu jeito. Ficar em um cantinho só rezando era um tempo. Agora quanto mais movimento tem, mais o povo gosta. Então vamos respeitar! Como Jesus dizia: “- Vocês estão no mundo, mas não são do mundo! Não vivam como o mundo! Mas vivam no mundo!” sendo testemunha do evangelho, sendo testemunha do Cristo no mundo.
    TERÇO COM CONTAS EM CINCO CORES, CADA COR SIMBOLIZA UM CONTINENTE
A senhora tem um lema?
Tenho! “Em tudo amar e servir”. Escolhi, rezando, senti muito essa necessidade. O que Jesus pede? Amar! Amar a todo mundo. Sem exclusão de ninguém. Seja santo, ou seja, bandido.  É Filho de Deus. Em tudo amar. E servir aonde precisar. O que precisar estou a disposição. Essa disponibilidade é uma graça que Deus me deu. . Por isso quando minha superiora pergunta: “- Reze para saber o que você sentiria se eu a transferisse para tal lugar”. Não preciso rezar, está precisando lá, pode mandar. Se for ver eu não quero sair de onde estou, mas se está precisando porque não vou? Chego lá , me adapto, lembro-me do meu tempo de criança, era a última a sair de casa, eu passava beijando as paredes e chorando. De saudade. Quando chegava a outro lugar em um zás – traz fazia amizades, ficava gostando.  Acontece a mesma coisa na vida religiosa, quando saio de um lugar eu sinto falta, quando chego no outro, já estou tão bem,!
A senhora é muito comunicativa?
Sou mais de prestar atenção, de ouvir, escutar.
A senhora tem algum livro escrito?
Tenho mais anotações. Minha sobrinha Cristina é que fez um livro da minha vida, ela fez um apanhado de tudo que escrevi das minhas orações, fez uma brochura. Eu gosto muito de rezar escrevendo. Primeiro comecei com o salmo da minha vida, depois contei toda a minha história, escrevi: “Passo a passo, pouco a pouco e o caminho se faz”. Gosto muito de rezar escrevendo. Ali eu falo com Jesus. Eu tinha isso no Pen Drive, minha sobrinha pegou todas essas minhas orações.
A senhora usa computador, internet?
Uso! Temos que aprender a cada dia, Quando tenho alguma duvida consulto o Google. De um modo geral eu procuro responder os e-mails que mandam. Tenho um gruo de ex-alunas, formadas há 44 anos, no Colégio Santana, naquele período em que fiquei 16 anos. Eu dava aulas de história, geografia, biologia e ainda religião. Até hoje, todos os anos agora em novembro ou dezembro, , a gente se encontra, matando a saudade.




CIDADE E INSTITUIÇÕES ONDE IRMÃ LUIZA MARIA TRABALHOU

ERACLIDES VALLE FARIA (KIDA)

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 11 de julho de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: ERACLIDES VALLE FARIA (KIDA)






Eraclides Valle Faria, mais conhecida como Kida  nasceu a 24 de agosto de 1926, em Correntes(Segundo dados da prefeitura local, população com cerca de 18.000 habitantes no último censo), uma cidadezinha próxima a Garanhuns. É filha de Hermínio de Souza Valle e Aparicia Barreto Valle, que tiveram ainda mais dois filhos: a que seguiu a vocação religiosa Irmã Luiza e José, já falecido.
Qual era a atividade dos seu pai?
Meu pai era militar. Ele faleceu no posto de Major da Policia Militar do Estado de São Paulo. Meu pai mudou de Correntes, onde era comerciante, dono de uma loja, veio para São Paulo, aqui ingressou na Polícia Militar. Onze meses após ter ingressado ele trouxe minha mãe, eu e minha irmã, fomos morar em uma travessa da Avenida Tiradentes, na Rua Alfredo Maia onde moramos por sete anos.

Em qual escola a senhora começou a estudar?
Foi na Escola Estadual Prudente de Moraes na Avenida Tiradentes, 273, Bairro da Luz. Ali fiz o primeiro ano. Depois da Revolução Constitucionalista de 1932 meu pai fez uma casa.
Ele participou da Revolução de 1932?
Participou! E como participou! Voltou traumatizado. Um espirro que alguém dava ela já pulava e saia gritando. A revolução para quem esteve na frente de combate foi muito traumatizante. Ele permaneceu na linha de frente por quatro meses, nas proximidades da divisa com Minas Gerais.
Nesse período em que seu pai estava em combate, onde a senhora, sua mãe e sua irmã permaneceram?
Ficamos em uma casa localizada ao lado do Quartel do Exército, no bairro Santana. Quando havia tiroteio, os aviões passavam jogando bombas, parecia prata caindo, meu pai aconselhava que nessas horas ficássemos embaixo da mesa, era o lugar mais seguro. Enquanto minha mãe rezava para a guerra terminar, minha irmã e eu pensávamos ao contrário, porque meu pai mandava queijos lá de Minas. Nós não vimos nada, não vimos a guerra. O enfrentamento foi na frente de batalha.
Nesse período da Revolução de 1932 vocês não freqüentaram a escola?
Nessa época não freqüentamos. Meu pai após a revolução construiu uma casa no Tucuruvi, na Rua Vitória, número 9.
Ali em Santana,  na Avenida Voluntários da Pátria, eram ruas de terra?
Era! Havia feira livre em plena Avenida Tiradentes! Os bondes tinham seus terminais em Santana, tanto o aberto como o “camarão, este fechado e recebia esse nome por ser vermelho lembrando o crustáceo.
A senhora chegou a conhecer o “Trenzinho da Cantareira”?
Quantas vezes eu vi a “Maria Fumaça”! Meu pai só viajava naquele trem para ir até o quartel. O dia em que ocorreu um enorme desastre com aquele trenzinho, matou muitas pessoas, naquele dia meu pai amanheceu doente, com forte crise de sinusite, disse “- Hoje não conseguirei trabalhar, e não foi.” Ele iria à parte da tarde. Ele pegava esse trenzinho às onze horas da manhã, para ir para o quartel.  Nesse dia ele não foi, o trem tombou, ocorreram muitas mortes. Era um trem misto de carga e passageiros, trazia água para São Paulo. Todos os funcionários públicos usavam aquele trem porque não pagavam a passagem. E também porque não havia outro tipo de condução, não havia ônibus ali naquele tempo. Tinha o bonde e o trem. Nessa época comecei a estudar na Escola Estadual Silva Jardim na Avenida Tucuruvi, 724. Lá estudei até o terceiro ano. O nosso diretor era Ulisses Guimarães que depois se tornou grande figura nacional. 
Minha primeira professora foi Dona Mariazinha. Lembro-me que uma vez deu uma tempestade e ela me colocou no colo dizendo: “-Não tenha medo!”.
O professor e diretor da escola, Ulisses Guimarães, ensinou uma música aos alunos?
Ele ensinou assim: Nesta mãozinha direita/eu tenho cinco dedinhos/Fazem tudo de uma feita, /fazem tudo ligeirinhos./São pequenos, são prendados, são espertos, pois não são?Eu acho tão engraçados/os dedos da minha mão/São  cinco na mão direita /e cinco na outra mão!/Juntando cinco mais cinco/ ao todo dez dedos são!”  Quando o diretor da escola Ulisses Guimarães entrava na sala de aula, todos os alunos levantavam-se, ele mandava sentarem.
Quando ele cantava essa música?
Na hora que ele entrava na sala de aula, dizia: “- Hoje vim trazer um versinho para vocês!” Ele cantava e depois conversava com a professora. Todo mundo o respeitava, era sério, não era de brincadeira. Mas era amigo!
Após o terceiro ano nessa escola, em qual escola a senhora foi estudar?
O meu pai adoeceu, fez uma cirurgia de úlcera, ele foi transferido para Taubaté. Lá  conclui o curso primário na escola Dom Pereira de Barros. Fiquei morando na casa dos meus pais até casar aos 18 anos com José Faria, natural de Natividade da Serra.
Como a senhora conheceu o Sr. José Faria?
Conheci na igreja, ele era Congregado Mariano e eu era Filha de Maria. Meu marido veio junto com outros amigos de Natividade da Serra, fizeram a inscrição para o concurso da Polícia Militar, foi aprovado. Nessa ocasião meu pai precisava de um ordenança, entre os recrutas, ele escolheu o meu marido. Muitas vezes ele ia em casa para cumprir alguma ordem dada pelo meu pai, levar ou trazer algo, o José ia de bicicleta, era rua de terra ainda. Ele ia muito lá, na igreja, meu pai começou a nos ver juntos, ele me chamou e perguntou-me: “– Você está gostando daquele soldado?”. Respondi que estava. Meu pai então me perguntou: “- Vocês estão namorando?”. Respondi-lhe; “–Nós conversamos, nada mais do que isso.” Meu pai conversou com o José perguntando-lhe: “: Você está com boas intenções com a minha filha?”. O José respondeu-lhe que sim. Ele disse-lhe: “-Então você comece a ir à minha casa! Ela não vai à rua, não freqüenta cinema!”.
Tinha hora certa para namorar?
Meu pai estabeleceu os horários dizendo-lhe: “Se você for a noite é das sete as nove da noite. Se for durante o dia, você vai as três da tarde e as cinco da tarde você entra no serviço, conforme marca sua escala de inicio de trabalho.” Meu pai era durão. Eu seguia as regras. Sem querer, mas segui, às vezes ficava “de mal” com o meu pai, ficava sem tomar a benção dele. Eu me escondia o mais que podia para não vê-lo.
Vocês namoraram quanto tempo?
Seis meses! Foi na época da Segunda Grande Guerra, já tinham seguido muitos civis para a Itália, para combater, requisitaram mais homens para seguirem à frente de batalha, veio um pedido para que o quartel enviasse os soldados solteiros. Meu pai chamou o José e disse-lhe: “Você está com boa intenção com a minha filha. Você quer casar com a minha filha? Ou você casa agora ou se for à guerra não sei de que jeito irá voltar. Se voltar! Casamos no Santuário de Santa Terezinha em Taubaté. Ficamos um período morando com os meus pais. Quando foi para ter o primeiro filho, preferimos ir para nossa casinha.
Quantos filhos a senhora teve?
Doze: Luiz Adalto, que irá fazer 70 anos no dia 21 de outubro. Neusa Maria, Ana Maria, Sonia Maria, Maria José(falecida precocemente), Maria de Fátima, Maria Bernadete, Luiz Antonio, Maria de Lourdes, Luiza Maria, José Faria e Maria Cristina. Em média há um ano e meio de diferença de idade entre um e outro.
Como era a vida da senhora para manter essas crianças todas?
Ele era soldado raso quando já tínhamos quatro filhos. Eu só digo que foi Ele que me ajudou muito! Eu fazia doce, pastel para vender, mas isso dava um valor muito pequeno, ajudava algumas costureiras, ajudava no arremate das roupas. Às vezes elas traziam em casa, às vezes eu ia à casa delas. Eu nem contava para ele que estava fazendo essas coisas. Nunca reclamei. Sabia que estava casando com um soldado e ele ganhava pouco. Eu morava em frente à casa da minha mãe, nunca ela soube o que eu tinha e o que eu não tinha. Tinha dias em que ele vinha almoçar, ele me perguntava se eu também não ia almoçar, eu dizia que tinha tido fome antes não deu para esperar, eu almocei um pouquinho antes. Eu não tinha comido nada, depois que ele saia, eu raspava tudo que sobrava e comia. Todo mundo queria ser minha madrinha, me ajudavam, sem eu pedir. Tive vizinhas maravilhosas. Às vezes eu ia a igreja, levava aquele bando de crianças, sentávamos todos no primeiro banco. A missa era às oito horas, às seis horas eu já começava a dar banho e trocá-los.
Para manter a ordem com essa criançada não era fácil?
Foi muito fácil. Eles eram muito obedientes. Iam para o quintal, meu marido sempre alugava casa que tivesse quintal. Ele se interessava mais no quintal do que na casa. A criançada acabava de tomar café, iam todos para o quintal. Eu arrumava a minha casa sossegada e fazia o almoço. Na hora do almoço eu colocava o rosto na porta da cozinha e dizia: “- Olha o almoço!”. Eles passavam no tanque de lavar, eu deixava dependurado junto ao tanque esse saco de farinha de trigo. A criançada lavava as mãos, enxugavam e vinha à mesa para almoçar. Minha mesa tinha um banco mais alto e outro mais baixo, sentava cada um conforme sua altura.
Era fogão a lenha?
Quando íamos alugar uma casa, a primeira coisa que eu fazia era ir à cozinha para ver como era o fogão. Às vezes era a lenha, outras a carvão, com quatro bocas. Eu não gostava do fogão a carvão, às vezes acaba o carvão no fogão e a comida não estava cozida ainda. Naquele tempo não havia panela de pressão. O feijão levava duas horas para cozinhar. Passava roupa com ferro de brasa. Eu engomava a farda, aquela de cor caqui. Passava uma goma bem leve, só com o pano. Durava três a quatro dias, usando a mesma roupa. Ele era muito cuidadoso.
Qual condução ele usava para ir trabalhar?
Um tempo ele teve bicicleta, depois passou a ir a pé. Era um dia no quartel outro dia em casa para dormir. Ele me ajudou muito a cuidar das crianças, No dia em que ele estava em casa, eu dava banho, ele enxugava e trocava. Quando ele não estava, eu dava banho, ia colocando na cama, quando terminava de dar banho os que tinham tomado banho antes estavam todos dormindo!
A senhora costurava também?
Eu só costurava, não sabia cortar, tinha uma vizinha que era costureira, ela cortava roupa para mim. E a minha roupa, assim como dos filhos maiores ela fazia. E eu passava roupa para ela. A coisa que eu mais detestava era passar roupa. Mas era a única coisa que eu podia fazer para ela, para não pagar a costura.
Não existia geladeira, como fazia para guardar a comida?                           
Antigamente não estragava, acho que a comida era melhor. Carne, feijão, eu fazia de um dia para outro, deixava em cima da pia, não estragava. Em Taubaté moramos uns três ou quatro anos. Meu marido gostava muito de mudar. Mudamos muito, acho que fiz umas quarenta mudanças. De cidade em cidade. Cada dois filhos nasceram em um lugar.
Qual foi a cidade que a senhora mais gostou?        
Foi Tietê.
Ele reformou-se com quantos anos de serviço?
Ele fez vinte e sete ou vinte e oito anos de serviço, como ele não tirava as licenças prêmios, contava em dobro. Depois se arrependeu, porque se aposentou moço, e ficar dentro de casa é triste. Minha irmã arrumou emprego para ele em uma concessionária Volkswagen, isso em São Paulo. A maior parte da educação dos meus filhos, devo a minha irmã, ela lecionava no Colégio Santana, meus filhos estudaram no Colégio Santana. Depois meu marido trabalhou um tempo no Colégio Santana. Sempre essas coisinhas, só para não ficar dentro de casa. Ele fez a Academia de Polícia Militar do Barro Branco de tanto eu falar, com isso ele deu baixa como primeiro-tenente. De São Paulo fomos morar em Caraguatatuba onde permanecemos por 17 anos. De lá mudamos para Piracicaba, em uma casa próxima a Igreja São Judas Tadeu. Eu tinha uma amiga que morava no Lar dos Velhinhos, ela escreveu uma carta e mandou um livro do Lar. Meu marido se entusiasmou. Eu dizia à ele: “ Estamos ficando velhos, nós não queremos deixar herança para depois os filhos terem que dividir, a única coisa que nós temos que fazer é não ter casa, alugar.
Em que ano vocês vieram morar no Lar dos Velhinhos?
Em 1999. No Lar ele morou 10 anos. Morávamos em uma casa, depois que ele faleceu eu vim morar no apartamento dentro de Lar. Sempre cuidei dos outros, era como se eu não existisse.
E essa história da senhora se vestir de noiva nas festas juninas?
Já fui entrevistada a respeito diversas vezes, pelos jornais, rádios televisão. A nossa animadora cultural, a Maria é a responsável! Tinha uma senhora que ela e o marido eram os noivos da festa todos os anos. No ano retrasado o marido dela faleceu. A Maria me escolheu como noiva, eu ajudei a organizar o casamento, com o papel para cada um decorar.

A senhora foi eleita Miss?
Isso faz uns quatro anos. Fui eleita “Miss Lar dos Velhinhos”. Foi através das olimpíadas, o evento foi no Ginásio junto ao campo do XV de Novembro, o Ginásio Municipal de Esportes "Waldemar Blatkauskas". Tinha participantes de outras entidades, outras cidades, como Rio Claro, Rio das Pedras, eu era representante de Piracicaba.
Qual foi a sensação que a senhora teve?
Fui meio nervosa! Andar no meio de um público enorme. Tinha que andar bastante, desfilando. Eu fui de salto alto! Estava chique, arrumada como uma rainha!

A senhora conquistou muitas medalhas, como foram essas conquistas?
Tenho algumas das olimpíadas, uma delas é da caminhada, saímos da “Estação Idoso José Nassif”, na Paulista, e fomos até a catedral, andando, e voltamos..
Qual é o segredo para ter tanta disposição?
Não saberia responder!
Uma particularidade muito interessante é que a senhora tem uma série de bonecas em seu quarto, esse carinho que a senhora tem por elas relembram sua infância?
Eu tenho essas bonecas hoje porque quando eu era criança não tive! Nunca tive uma boneca. A primeira boneca que tive foi dada por um primo do meu pai, ele tinha voltado da Revolução de 1932, estava internado em um hospital, minha mãe soube, foi fazer uma visita à ele. Só que ele estava muito mutilado. Quando chegamos, ele estava com essa boneca aos pés da cama, em uma caixa. Ele quase nem podia falar, disse que a boneca era para mim. Peguei a boneca, fiquei encantada, a boneca abria o olho, fechava, era da Estrela. Foi a primeira boneca que eu tive. Uma mulher que estava doente, com tuberculose, gostou da boneca, pegava-a, beijava-a, abraçava, apegou-se a ela. Minha mãe deu a boneca para ela. Eu queria morrer quando vi minha boneca ir embora!
O importante é que a senhora está realizando um desejo seu, de retomar o lado puro e infantil sem nenhum pudor em assumir, como adultos que colecionam brinquedos por puro prazer.
Minha única preocupação é que alguém pense que estou ficando ruim da cabeça! (risos).
A senhora participou no dia anterior a esta entrevista, de uma festa junina, isso a cansou?
Não sei o que é cansaço! Fui a uma cidade do Paraná, andei de ônibus, horas e horas cheguei lá a tardezinha, minha filha disse que estavam se preparando para ir a uma festa típica. Fui com eles, retornamos para casa a uma e meia da manhã.
Qual é a visão da senhora sobre o jovem atual?
Tenho dó de alguns, suas mães não querem ter o trabalho de ensiná-los. Deixam os filhos crescerem sem controle algum. Com o aparecimento do WatttApp ficam o dia inteiro voltados aquilo. Esses jovens vão ficar alienados. Até na igreja, junto com os pais, estão mais preocupados com as mensagens do celular do que com a celebração.
A senhora assiste televisão?
Assisto, não assisto nenhuma novela, com exceção da “Dez Mandamentos”. Assisto o programa do Datena. O que percebo é que as famílias estão acabando. Acredito que haverá uma hora onde as coisas mudarão.
A senhora tem uma imagem do Padre Cícero, é devota dele?

Ele é lá da minha terra, meu avô, pai do meu pai, era amigo intimo dele. Todo ano, dia 20 de março, aniversário do Padre Cícero, ele saia de Correntes, em um carro de boi, saia um dia antes, até chegar em Juazeiro. 

RICARDA DIAS ALVES DA PAIXÃO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 4 de julho de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: RICARDA DIAS ALVES DA PAIXÃO




Nascida em área rural pertencente a Charqueda a 29 de junho de 1935, Ricarda Dias Alves da Paixão esta completando 80 anos. Filha de João Batista Dias e Maria Moritiba Dias. Têm vivos os irmãos Sebastião Dias, Salvador Dias e Terezinha Dias. Na realidade sua mãe teve dezesseis filhos, oito faleceram ainda muito novos. Todos nasceram no sítio.
Qual era a atividade do pai da senhora?
Trabalhar na roça! Na lavoura de algodão, café, cana-de-açúcar. Lembro-me do nome das fazendas Boareto, Gava, Água Branca. Localizavam-se entre Piracicaba e Charqueada. Estudei até o quarto ano primário, a escola ficava no bairro Recreio depois que passou para Escola Mista, foi quando arrumaram uma sala na fazenda e a professora ia lá. Ela dava aula para primeiro, segundo, terceiro e quarto anos em uma única sala. Era a Escola Mista. A minha primeira professora chamava-se Maria de Lourdes.
Para ir até a escola a estrada era de terra?
Era de terra, quando chovia, para ir do Boareto até a Escola do Recreio era uma dor de cabeça, a distância era em torno de quatro quilômetros. Ia a pé. Ia uma criançada, todas juntas.
Com quantos anos a senhora começou a trabalhar?
Eu era muito doente. Tinha bronquite asmática dos dois até os dezoito anos. Em função da minha doença trabalhava nos afazeres domésticos, era casa de chão, tinha que molhar o chão com um matinho para não fazer pó. “-Molhava em uma vasilha de água e sameava o chão!” Sempre gostei de plantar flores, tinha o meu jardim em frente de casa.  Quando comecei a trabalhar mesmo, firme, eu estava aqui em Piracicaba, comecei a trabalhar como empregada doméstica. Vim para a cidade morar na casa da minha irmã Maria Aparecida, já falecida, ela era lavadeira de roupas, seu marido Benedito Antonio, era caminhoneiro.
O primeiro emprego da senhora em Piracicaba  foi na residência de qual família?
Eram todos dentistas, residiam a Rua Moraes Barros, próximo onde era a Porta Larga, era a família de João Batista de Aguiar. A casa era grande, tinha bastante serviço, lá eu lavava, passava, cozinhava, Nessa casa permaneci aproximadamente por um ano. Eu morava lá, dormia no emprego. No período de uns dois a três anos trabalhei em mais dois ou três lugares.  Casei-me e não fui trabalhar mais fora de casa.
A senhora casou-se com quem?
Casei-me com Mário Alves da Paixão.
Como vocês se conheceram?
No jardim, na Praça José Bonifácio, naquela época nós dávamos a volta em torno da praça, era o famoso “quadrar jardim”.
Qual era o percurso que vocês faziam?
Íamos pelo jardim, quando chegávamos na então Caixa Econômica do Estado de São Paulo, mais tarde Nossa Caixa Nosso Banco, hoje Banco do Brasil, na Rua Santo Antonio, dávamos a volta, seguia pela praça até a Livraria Brasil, na Rua Moraes Barros, nas proximidades da agência do Banco do Brasil, virava a esquina, ia até a matriz outra vez, virava, seguia pelo jardim e fazia o mesmo trajeto novamente.

Nessa época a senhora morava em que local?
Quando conheci o Mário eu morava no sítio. A gente vinha passear em Piracicaba. Depois eu vim trabalhar em Piracicaba. Conheci o Mário antes de mudar para a cidade.
Sem querer invadir a privacidade da senhora, essa sua mudança para a cidade foi motivada após conhecer o Mário?
Não! Mudei para trabalhar mesmo! Tive que fazer essa opção, o serviço na roça não era compatível com a minha saúde. O serviço era pesado demais. Como empregada embora trabalhasse muito as condições de trabalho não afetavam tanto a minha bronquite.
O namoro naquela época era bem diferente?
Era como se fosse um amigo. Conversava, falava de musica, de roupa, de dança. Na época ele já era funcionário publico.
Em qual igreja vocês se casaram?
Casamos na Igreja Bom Jesus. Uma semana antes casamos no civil, depois casamos na igreja.
A lua-de-mel foi aqui mesmo?
Não viajamos. Casamos e ficamos aqui mesmo. Casamento de pobre, não é?
Foram morar em que local?
Fomos morar a Rua São José entre a Rua do Vergueiro e a Rua Luiz de Queiroz. Alugamos uma casinha de dois cômodos. Mudamos para Limeira onde ficamos dois anos. Em seguida mudamos para Araras onde permanecemos por um ano. Voltamos a morar em Limeira. De Limeira viemos morar em Piracicaba a Avenida Presidente Vargas. Em seguida fomos morar na Vila Independência, onde moramos por oito anos. Por volta de 1969 a 1970 viemos morar na casa que residimos atualmente. Era ainda rua de terra. Entramos em uma casa praticamente com o telhado e as paredes. Graças a Deus superamos tudo isso, hoje tenho 11 netos e 7 bisnetos.
Quantos filhos vocês tiveram?
Tivemos seis filhos: Mário Alves da Paixão, Magali Alves da Paixão, Maximiliano Livramento Alves da Paixão, Maria Aparecida Alves da Paixão, Marcos Alves da Paixão e Marcelino Alves da Paixão. 
Com que idade o seu marido, Mário, faleceu?
Faleceu aos 42 anos, com o mal de Chagas. Eu tinha 38 anos.
Aos 38 anos, viúva, com seis filhos, como a senhora conseguiu superar as inúmeras dificuldades que deve ter encontrado?
Até então eu ficava só dentro de casa cuidando dos filhos. A partir desse momento tive que ir trabalhar fora de casa. Comecei trabalhando como doméstica. Com todo esforço que eu fizesse o dinheiro não era suficiente. Após inúmeras tentativas de fazer alguma coisa que agregasse algum dinheiro, como coletar ferro velho, vender jornais, percebi que a saída seria trabalhar como diarista, o salário era mais compensador. Criei meus filhos trabalhando como diarista por 33 anos. Trabalhava na cidade toda.
A senhora é religiosa?
Eu sou louvado seja Deus! Sou católica, minha maior devoção é Deus. Se, estou muito apertada me pego nele. Quando digo: “- Meu Deus do céu!” estou dizendo “Me acuda meu Deus, me ajude!”.
Nesse período todo que a senhora ficou trabalhando a senhora tinha algum tipo de diversão?
Abandonei tudo! Eu queria trabalhar! Na época a Escola Estadual Dr. Jorge Coury tinha os bolsos das camisas bordados com as iniciais do colégio: “JC”, muitos daqueles bolsos vinham para que eu bordasse. Eu bordava os bolsos, fazia guardanapos, enquanto as crianças iam a escola. Até eles voltarem as dez, onze horas eu estava bordando. Para aumentar um pouco o dinheirinho que eu ganhava. Era bordado a mão, não era a maquina. Fazia crochê. Meus filhos querem que eu coloque faxineira em casa! Isso porque quando chega às duas horas da tarde estou cansada!
Como é a saúde da senhora?
Olha, pelo que vejo de gente reclamando, eu só fico escutando. Graças a Deus não tenho nada daquilo.
E a alimentação da senhora, como é?
Normal. Sem exagero. Minhas patroas diziam: “-Por que você come tão pouco e trabalha tanto?” Eu dizia que meu jeito de viver é assim, eu me sinto bem! Nunca fui de comer em excesso. Mesmo que vá a um restaurante, é aquele pouquinho. Se eu beber uma latinha de refrigerante é muito! Quando vejo algumas pessoas comendo um prato enorme eu até passo mal. Como a pessoa consegue comer tudo aquilo?
A senhora acredita que o excesso de alimentação pode prejudicar a saúde da pessoa?
Eu acho que sim! Às vezes acho que o meu problema está relacionado com a alimentação que eu não gosto. A maioria das coisas que eu olho, não falo, mas penso: “-Não me agrada!”.

Qual é a sabedoria da vida, para chegar a idade que a senhora está, com essa lucidez e saúde que a senhora tem, qual é a receita?
Acho que é não dar muito ouvido para as coisas ruins, as coisas ruins fazem mal, se a pessoa se aproxima e começa a emitir comentários sobre coisas negativas, e se eu não puder ajudar, acho melhor não ouvir.
Existem as famosas “comadres” que sentem um prazer imenso em ficar comentando fatos e boatos.
Isso me faz mal! Simplesmente dou um jeito de sair dessas conversas. Dou as costas e saio! Se eu não posso ajudar, não vale a pena ouvir!
Tem gente que fica fofocando ao telefone, isso faz mal à pessoa?
Faz mal! A gente vem para casa “carregada” e preocupada com o problema alheio.
A senhora assiste televisão?
Assisto, gosto de uma novelinha, quando ela me agrada.
Política a senhora acompanha?
Não acompanho!
Conheceu algum político?
Meu filho! Meu filho é político! O Mario Alves da Paixão. Foi candidato quatro vezes e não conseguiu ser vitorioso.
O que o atraiu para a política?
Até hoje eu não sei! Até hoje ele quer voltar, eu digo a ele que não deve voltar.
A senhora fica nervosa quando ele está em campanha?
Eu fico! Posso ajudar, mas não gosto. A política o desgasta, desgasta a família.
Dos tempos passados o que traz saudade?
Tenho saudades dos meus bailes! Eu e meu marido freqüentávamos muito o Clube Treze de Maio. Barbaridade! Muitos bailes! Meu marido chegava a pagar uma pessoa de confiança, para olhar as crianças e nós irmos aos bailes.
Quais eram os tipos e música que mais faziam sucesso?
Samba, mazurca, bolero, forró, lambada, salsa, tango. Carnaval nós não pulávamos, era difícil, mas conhecemos todo o pessoal que pulava carnaval. Agora baile era normal, as crianças estavam bem de saúde, pagávamos uma pessoa e íamos ao baile.
A que horas vocês iam ao baile?
O baile naquela época começava às sete horas da noite e terminava sempre às sete horas da manhã seguinte. Eram doze horas dançando! Não era como hoje que vai para o baile a meia-noite. O prazer estava em dançar, na música, muitas vezes nem água tomava. O baile era com orquestra ao vivo. Parece que estou até vendo aqueles violões que iam até o telhado! Isso foi na década de 60.
O Clube Treze de Maio é um clube fundado por negros, naquela época aceitavam a presença de brancos?
Não havia discriminação, era freqüentado tanto por negros como por brancos. É interessante como esse período foi marcante na nossa vida, outro dia, estava em um velório de uma pessoa conhecida, conversando com uma senhora quando chegou seu marido e disse-me: “-A senhora é esposa do Mário Alves da  Paixão!”. Sua esposa me reconheceu. Eu não os reconheci. Com o passar do tempo, minhas amigas ficaram fortes, ganharam alguns quilos, eu mantive sempre o mesmo peso.
A senhora só freqüenta a igreja ou tem alguma função especial?
Freqüento a Igreja Menino Jesus de Praga. Eu ajudo a zelar a igreja. Agora estou afastada porque ela está em reforma.
A senhora freqüentou a Igreja São José?
Freqüentei, esses dias tirei fotografia junto ao Monsenhor Luiz Giuliani foi na missa em comemoração aos meus oitenta anos, o Monsenhor veio celebrar, o meu filho mais velho fez a primeira comunhão com ele. O meu filho Marcelinho foi batizado por ele. A missa em louvor aos meus oitenta anos foi concelebrada peno Monsenhor Luiz Giuliani e Padre Sebastião. Foi uma missa muito bonita mesmo.
O marido da senhora tinha carro?
Tinha um Volkswagen azul claro.
A senhora dirigia?
Nunca dirigi. Arrependo-me até hoje.
Naquele tempo ia-se muito passear no Mirante do Rio Piracicaba?
Quando as crianças eram pequenas eu ia, assim cmo ia também ao zoológico, na Escola Agrícola, iam as crianças, eu o pai.  Íamos de bonde.
Do alto da sua experiência, o que a senhora pode dizer às pessoas que estão iniciando a vida agora?
Estávamos minha filha e justamente conversando sobre isso agora pouco. Se a pessoa recebe mil tem que pensar bem onde vai colocar esse dinheiro. Como dona de casa principalmente, tenho meu meio de diminuir as despesas com água, luz, não vou deixar a casa inteirinha com luz acesa à noite. Tenho que encontrar um meio de diminuir o gasto com o gás, tenho que fazer isso tudo para ajudar no final do mês, porque ganho só mil. O homem se está acostumado a tomar três garrafas de cerveja, ele terá que tomar uma garrafa de cerveja. Se ele tomar todos os dias as três garrafas, no final do mês ele terá gasto um bom dinheiro em cerveja. Daqueles mil reais deve sobrar um pouquinho.
A senhora é do tempo em que se comprava e anotava em uma caderneta, quando recebia o salário pagava. Em que lugar a senhora comprava?
Nós comprávamos no Adelino Dantas, na Vila Independência. Depois que mudamos para cá passamos a comprar no estabelecimento de propriedade do Florindo e da Branca. Hoje eles já não têm mais o estabelecimento.
E praia a senhora gosta?
Estive na Praia Grande, em Ubatuba, adoro a visão do conjunto. Não gosto de entrar na água.
A senhora vivenciou o tempo da Jovem Guarda?
Curti muito essa época!
A senhora é uma pessoa de muita fibra e coragem, ainda nova ficou viúva com seis filhos para criar com recursos bem limitados.
O bom é que eles me obedeciam. Com isso eles me ajudaram.
A senhora tem uma música favorita?
Gosto muito de Aquarela do Brasil de autoria de Ary Barroso, outra que eu gosto é Brasileirinho com letra de Pereira Costa e música de Waldir Azevedo. 
A senhora gosta de viajar?
Gosto muito! Quero ir à Brasília! Já viajei por muitos lugares do Brasil, ao nordeste fui várias vezes, inclusive em Salvador.
A senhora foi de avião?
Fui de avião. A primeira e a segunda vez eu fui de ônibus. A terceira eu fui de avião. Gostei. É rapidinho! De ônibus são três dias de viagem! Agora quero viajar de avião, a gente passa medo, mas é rápido! No inicio eu pensava que iria sentir medo, iria ficar tremendo, quando tomasse o avião. É uma maravilha! Hoje estou desfrutando, mas tudo que passei não foi fácil, embora sempre alguém me ajudou, a família, os amigos. Sempre teve alguém que deu uma força. Tivemos vizinhos maravilhosos, eu ia trabalhar eles cuidavam das crianças, Parentes que foram muito participativos.
Os patrões que a senhora teve também colaboraram muito?
Tive excelentes patrões e patroas. Fiquei treze anos trabalhando com a família Spruk. Fiquei treze anos trabalhando com Dona Ida, o marido dela era barbeiro na galeria, chamava Seu Lazinho. Trabalhei por três anos na casa da Dra. Marly Therezinha Germano Precin. Às vezes eu chegava em casa e já tinha uma mala de roupa em casa. Quem me dava era a Dra. Marly, os Ometto, onde trabalhei por cinco anos. Todo lugar que eu ia queriam que eu trabalhasse para eles. Sou feliz, não posso querer coisa melhor, aonde chego sou muito bem tratada.


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