sexta-feira, agosto 21, 2015

JOSÉ CARLOS CATALINI



PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 22 de agosto de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: 



JOSÉ CARLOS CATALINI


José Carlos Catalini nasceu a 1 de março de 1963, a Rua Boa Morte, 1932 em Piracicaba. Filho de Luiz Catalini e Lúcia Brunelli Catalini, que tiveram também os filhos Cláudio e Marlene. José Carlos tem uma filha, Rayanna.
Até que idade você residiu a Rua Boa Morte?
Residi lá até os 35 anos. A casa existe até hoje, fica bem em frente ao Lar Escola Maria Nossa Mãe. Ali aprendi a conviver com o barulho do bonde. Tenho até um episódio pitoresco, eu era criança deveria ter uns sete anos, minha mãe estava lavando a calçada, usando a mangueira, eu peguei a mangueira e joguei água nos passageiros do bonde. A reação dos passageiros não foi muito agradável! Colocávamos nos trilhos do bonde tampinha de metal, tiradas ao abrir refrigerantes, bebidas. Gostávamos de ouvir o barulho que as rodas faziam ao passar sobre elas. Muitas vezes o motorneiro (condutor) parava o bonde para tirar as tampinhas da linha. Muitas vezes ia passear de bonde, ia até a garagem, que ficava na Avenida Dr. Paulo de Moraes, logo após a Rua da Glória, do lado esquerdo. Lembro-me do trem da Companhia Paulista. A estação ficava  aproximadamente a duas quadras da minha casa. Ao lado da minha casa ficava a fábrica de bebidas do Thomaz Del Nero, que foi meu padrinho, ele engarrafava a então famosa Caninha 18. Lembro-me de que havia dois tonéis enormes de madeira onde era depositada a aguardente.

Você morava em frente ao Lar Escola Maria Nossa mãe, um local em que abrigava meninas. Você lembra-se desse período em que o Lar Escola funcionava como internato?
Lembro-me sim! Elas moravam no Lar Escola. Inclusive tem um primo nosso que adotou uma menina que residia lá. Ele tinha sete filhos homens, queria ter uma filha. Ele foi o fundador do primeiro trailer de lanches que abriu em Piracicaba, isso foi em 1978, ficava na Rua Governador Pedro de Toledo entre  a Rua Riachuelo e Rua Floriano Peixoto. Tanto que o seu filho, Marco, mais conhecido como Sule, é proprietário do “Rei do Chope” e anuncia: “Há 37 anos o melhor lanche da cidade”.
Você estudou em qual escola?
Estudei no “Barão do Rio Branco” onde fiz o primário e o ginásio. Minha primeira professora foi Dona Maria Helena. Lembro-me ainda da Dona Mafalda, Dona Nininha, o “Cridão” que era o zelador. O diretor era José Wander Parsia. Após concluir o ginásio fui estudar o colegial no Instituto de Educação Sud Mennucci. Após concluir fui cursar Histologia (ciência que estuda os tecidos biológicos), na Unimep.

O seu pai, Luiz Catalini, foi pioneiro em uma atividade na cidade?
Na época meu pai e meu tio José Catalini fundaram uma empresa especializada em demolições. Meu avô, Giacomo Cataline era “grameiro”, vendia grama. Ele era natural da Itália. O primeiro depósito da empresa de demolição foi na Rua Joaquim André, atrás da Igreja dos Frades. Isso foi em 1957. Até então, acredito que era o próprio pedreiro quem fazia a demolição dos prédios. Não sei dizer o que era feito desses materiais todos, uma vez que não havia um depósito específico para o material que era retirado das demolições.
Como o seu pai e o seu tio retiravam os produtos frutos das demolições?
No inicio eles não tinham nenhum meio de transporte, pagavam o frete para terceiros. Após algum tempo conseguiram adquirir um pequeno caminhão. Da Rua Joaquim André eles mudaram para a Rua Benjamin Constant, onde hoje é a Casa Rosário. Antigamente ali não existia nada, era um terreno baldio. Mais tarde eles mudaram o depósito para a Rua Santa Cruz esquina com a Rua São Francisco de Assis e José Pinto de Almeida. Meu pai alugava aquele terreno, o proprietário era o Pedro Cobra. Atualmente está sendo construído um edifício no local pela arquiteta Bia Coury. Ao lado havia o Piacentini que trabalhava com álcool, que mais tarde sofreu um incêndio e atualmente é uma academia de ginástica. Hoje vejo muitas obras sendo realizadas pela arquiteta Bia Coury, quando éramos crianças ela brincava conosco no jardim em frente ao então Colégio Assunção. No Lar Escola ajudávamos as irmãs a cuidarem do jardim, fazíamos pequenos serviços. Elas nos davam às vezes pirulitos, cenouras, produto da horta que elas cultivavam.
Com quantos anos você começou a trabalhar?
Com 11 anos meu pai já me levava junto com ele, para ajudar a carregar tijolos. Na época tínhamos um caminhão GMC. Minha mãe não gostava, Dizia: “- O menino é criança Luiz! Imagine! Deixe-o brincar, quando crescer um pouco mais ele vai!”. Meu pai respondia: “Está na hora dele começar a trabalhar, tem que ensinar ele a trabalhar! Ele não deve ficar com a mente vazia e começar a fazer coisas erradas!”.
Você passou a gostar de trabalhar com demolições?
Já faz 32 anos que meu pai faleceu, eu continuo a trabalhar nesse ramo, comecei com 11 anos, hoje estou com 52, são 41 anos que trabalho nessa atividade.
O cliente que deseja demolir uma casa, qual é o procedimento?
Geralmente a pessoa quer que faça a demolição, tire todo o material, para ele construir um prédio novo. Alguns querem ficar com o material, nesse caso cobramos pela demolição realizando todo o trabalho de limpeza da área. Geralmente a pessoa não quer nada.
Com a onda de novas construções você deve ter tido muito serviço ultimamente?
Tenho bastante trabalho, mas hoje já tem muitas empresas nesse setor. Alguns até sem a devida experiência ou conhecimento.
A demolição é um serviço que deve ser feito por profissionais do ramo?
Tem que ter conhecimento para não fazer coisas erradas. Como por exemplo, causar danos ao vizinho. Tem que saber como vai demolir para evitar acidentes pessoais. Muitas construções que vamos demolir estão tomadas por cupins. O grande perigo é no alto, o madeiramento. Há casas que ainda tem o madeiramento feito com coqueiro. Se não me falha a memória, na Rua Joaquim André com a Rua José Pinto de Almeida ainda tem uma casa cujo madeiramento é com coqueiro. As telhas são aquelas feitas por escravos, “feitas nas coxas”. As telhas são desiguais, variam conforme a coxa do escravo que a fez, havia o escravo mais gordo e o mais magro. É conhecida por telha comum, telha nacional ou telha caipira.
Quando chove há a penetração de água com o uso dessas telhas?
De forma alguma! É a melhor telha que existe! O problema dela hoje é o trânsito pesado das nossas ruas. Os caminhões passam, elas trepidam e escorrega um pouquinho. De vez em quando tem que mandar uma pessoa subir no telhado e ajeitar as telhas em seu devido lugar. Ela não é como a telha paulistinha que tem uma garrinha que fica na ripa.
Você já pegou algum tijolo diferente?
Quando a casa é muito antiga sempre aparecem tijolos com algumas iniciais. Como por exemplo, LC, com uma cavidade em forma de losango no meio do tijolo. Aquele tijolo com a suástica nazista, mostrado na televisão eu nunca vi aqui em nossa região.
Quanto pesa um tijolo normal?
Cerca de um quilo e setecentas gramas.
Qual foi o tijolo mais pesado que você pegou até hoje?
Foi um tijolo de uns seis quilos e quinhentos gramas. Estava em uma fazenda, quem me arrumou esse tijolo foi o Roberto Aragon. O tijolo media uns vinte e dois centímetros de largura por uns trinta e cinco centímetros de comprimento. Os tijolos grandes que existem em Piracicaba medem vinte e nove centímetros por quatorze centímetros. Pesam em torno de quatro quilos e quinhentos gramas.
Em frente ao Lar Escola existia um sobrado, da família Aguiar, a demolição foi feita por vocês?
Foi. Isso deve fazer uns trinta anos. Sobrado dá bastante trabalho, porque o sobrado tem concreto. Quebramos tudo na marreta, hoje se usa martelete.
Qual foi a casa mais antiga que vocês demoliram?
Acredito que tenha sido a casa situada a Rua Rangel Pestana, ao lado das Lojas Marisa. Era feita de pau-a-pique ou barrote, amarrada com cipó. Inclusive teve uma parede que caiu na rua. Não houve dano maior porque tomamos a precaução de irmos bem cedo para iniciar a demolição quase de madrugada. Nós percebemos que era uma construção estranha. Inclusive o cupim conseguiu comer o pau-a-pique. Antigamente podia fazer isso. Hoje a legislação está bem mais rigorosa, não pode fazer barulho antes das oito horas da manhã.
Quanto tempo você demora em demolir uma casa com uns cento e vinte metros de construção?
Uns vinte e cinco dias mais ou menos. Isso se for tirar tudo com cuidado. Se a pessoa tem pressa a demolição é feita mais rapidamente, só que nesse caso cobramos pela demolição. Tem que colocar uma equipe maior vai haver muita perda de material, temos que colocar máquinas.
A questão da reciclagem de material está funcionando?
Funciona! O próprio descarte de entulho tem lugar apropriado para ser feito. Para o proprietário regulamentar a construção nova ele tem que apresentar a documentação referente a demolição feita anteriormente.
Há casos de pessoas que contratam um pedreiro e ele mesmo faz a demolição, se não for um contrato com uma empresa atualmente a legislação é muito rígida nesse sentido?
O risco de ocorrer um acidente de fato existe. Se não houver um contrato com uma empresa responsável o proprietário poderá ter sérios problemas.
Você tem alguma história inédita que tenha acontecido?
Tenho algumas, uma delas ocorreu em Rio Claro. A noite alguns gatunos entraram em uma loja maçônica, acenderam umas velas para enxergarem melhor, acabaram incendiando o prédio. Queimou tudo! Não tinha mais nada! Madeiramento, telhado, tudo caiu. Pratos antigos de porcelana quebraram-se todos. Não havia mais nada no local. Havia um sótão e lá tinha um caixão de defunto! Quando o empregado comunicou-me, imaginei que fosse uma brincadeira dele. Ele pediu que jogasse uma corda, joguei, quando olhei, vi que ele estava descendo o caixão de defunto, inteiro! Com visor. Só não tinha nada dentro.
Foi um susto?
Foi um susto grande, não sabíamos se tinha algo dentro. Graças a Deus estava vazio. Naquela época tínhamos uma caminhonete Toyota, trouxemos para Piracicaba o caixão dentro da Toyota. Por onde passávamos com aquele caixão o pessoal ficava assustado. Não era normal. Isso foi em 1985.
O que vocês fizeram com o caixão?
Ele ficou aqui guardado. Por uns dois ou três anos. Como todo mundo que vinha comprar material via o caixão, eu tinha que explicar a mesma história, eu fiquei enjoado. Veio uma pessoa, um vizinho, pediu o caixão acabei dando. Ele disse que iria vender, no fim transformou aquilo em um brinquedo, colocava os amigos dentro Tanto fizeram que acabaram destruindo o caixão. Outra ocasião um empregado achou uma caixinha de música, era toda de ouro, estava em um porão. Ele não sabia que era uma caixinha feita com ouro, acabou dando para a sua filha brincar, certo amigo desse empregado, espertalhão, percebeu que a caixinha era ouro. Acabou indo a uma loja, adquiriu uma boneca e trocou. Nem eu sabia que era uma caixinha de ouro. É interessante que cada casa antiga que você pega ela já vem com muitas lendas. Demolimos mais de trezentas casas. O antigo Banco do Estado de São Paulo foi demolido por nós. Meu tio, José Catalini, demoliu o Hotel Central. 
Ali havia muito material importado. Os lavatórios eram ingleses. Demolimos o Quarto Cartório, inclusive refletiu na Capela Passo do Senhor do Horto, uma construção muito antiga, de barro, foi motivo de muita preocupação para nós. A famosa lanchonete Daytona, ícone da juventude de certa época, anos 70, foi nós que demolimos.
O que mais atrapalha uma demolição?
É a chuva, o vento. Primeiro tira-se o telhado, coloca-se a bica, que é uma espécie de canaleta de madeira, muitas vezes tem que emendar várias tábuas de cinco metros, ali as telhas escorregam uma a uma, alguém segura a telha embaixo, quando é muito alto a pessoa que segura a telha embaixo usa luvas.
Você já demoliu casas sofisticadas, com lustres importados?
Já tive casos assim. Isso foi em uma época em que as coisas antigas não eram tão valorizadas. Na Rua José Pinto de Almeida, entre a Rua Prudente de Moraes e a Rua São José, havia uma casa antiga, com lustres de cristais. Os tijolos antigos do Colégio Piracicabano fomos nós que fornecemos, são frutos de demolição.
Qual é mais caro, o milheiro do tijolo antigo ou do novo?
O tijolo antigo tem um custo maior. Há pouco tempo vieram uns portões que foram feitos na forja pelo Seu Antonio Caputo, pai do Giovani Caputo, que faz até hoje esses trabalhos artesanais. Ele estava fazendo uns lustres para a atriz Regina Duarte.
Ao fazer uma demolição qual é aproximadamente o índice de perda de material?
Sabendo tirar, se for uma construção bem antiga, a perda gira em torno de sete por cento. Se for construção moderna a perda é bem maior.
Você recebe a visita de muitas pessoas famosas, interessadas em coisas antigas?
Vem muita gente famosa, o Paulinho da dupla Cesar e Paulinho já esteve aqui, Craveiro e Cravinho, Dr. Daruge. Enfim pessoas de bom gosto que procuram coisas antigas.
Qual é a sua indicação para tratamento de cupim?
Material contaminado com cupim tem o local apropriado para descarte. Alguns estudiosos do assunto às vezes solicitam se temos algum material para fornecer com o intuito de analisarem. Geralmente são estudantes da ESALQ.
Não há tratamento para exterminar o cupim?
Existem muitos produtos que dizem exterminar o cupim, a meu ver, dependendo do comprometimento da madeira é inútil tentar tratar. Se for passível de tratamento o cupinicida pode auxiliar e até resolver. Na Rua Governador Pedro de Toledo havia o Bazar do Cego, fomos demolir só que havia um enxame muito grande, era uma colméia gigante, segundo disseram ela existia há mais de quinze anos. Pedimos auxílio ao pessoal da Escola de Agronomia, eles conseguiram levar a colméia embora. Já tomei muita picada de abelha, já cheguei a pular do telhado, por causa de abelhas, aquelas caboclas, quase todos os telhados que chegávamos para demolir tinham a abelha cabocla. Antigamente noventa por cento dos telhados tinha esse tipo de abelha. Hoje parece que sumiram.
E escorpião?
Conforme a região de Piracicaba, encontramos bastante. Uma ocasião, no Jardim Colonial encontramos em uma demolição mais de quarenta escorpiões. Tivemos que colocar luvas para poder mexer nas telhas. Encontramos muitas aranhas nessas casas. Geralmente as caranguejeiras.



NORBERT BRUSCHE



PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 25 de julho de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: NORBERT BRUSCHE

Norbert Brusche nasceu a 27 de junho de 1932 é engenheiro aposentado. Reside no Lar dos Velhinhos de Piracicaba desde o dia 1 de julho de 2009 é casado com Eunice Brusche, são pais de três filhos.
O que o trouxe para o Lar dos Velhinhos de Piracicaba?
Justamente pelo Lar ter uma estrutura para abrigar idosos. À medida que a idade avança sentimos que a saúde já não é mais a mesma. Há o risco de necessitar de um sistema de saúde. Como o que tem no Lar: aqui tem médicos, enfermeiros, cuidadores. Viemos para o chalé que estamos ocupando, mas temos um contrato onde está escrito que no dia em que precisarmos iremos para um pavilhão onde nós teremos todo o suporte que nós precisarmos: de saúde, tratamento e o que for necessário. Hoje como somos autônomos no sentido de não depender de enfermeiros, cuidadores, vivo aqui como se estivesse em um condomínio fechado. Tenho o meu carro e tenho toda a minha liberdade.
O senhor ocupa um cargo na administração do Lar dos Velhinhos?
Desde 2013 entrei na diretoria com a intenção de ajudar em alguma coisa no Lar, nenhum diretor recebe qualquer tipo salário, nem mesmo a presidente. Os cargos de diretoria são ocupados por voluntários. Hoje ocupo o cargo de Segundo Tesoureiro.
Qual é a função do Segundo Tesoureiro?
No nosso caso em específico, dividimos a nossa tarefa em duas partes, a nossa Primeira Tesoureira Maria Aparecida Flabio realiza todos os trabalhos contábeis. Eu me dedico mais as análises financeiras do Lar. Realizei e continuo realizando uma análise do comportamento financeiro do Lar.
É de conhecimento de muitas pessoas que o senhor realiza um exaustivo trabalho de pesquisa de campo, os dados são colocados em computador e através de programas próprios são analisados. Isso é feito pelo senhor há quanto tempo?
A parte numérica, a parte financeira, a parte de tentar descobrir no Lar os pontos que administrativamente poderiam ter algum problema eu comecei a fazer em fevereiro de 2015.
Quando o senhor decidiu participar da administração do Lar?
A administração do Lar, antigamente era feita por uma pessoa que era muito arrojada, uma pessoa fantástica no sentido de fazer gerar a riqueza e a beleza que é o Lar. Quando entrei na administração do Lar, sou engenheiro e tenho o curso de Administração de Empresa e toda a minha vida me preocupei com o problema econômico-financeiro,  principalmente análise financeira de desperdício e perdas,  no sentido de ajudar o meu chefe, aquele que era arrojado e fazia a nossa empresa funcionar. Foi assim que resolvi colocar os meus préstimos a disposição do Lar.
O senhor trouxe toda a sua experiência profissional na iniciativa privada para a administração do Lar?
Exatamente! Trouxe toda a minha experiência em administrar as empresas onde trabalhei, olhando toda parte de custos, inclusive olhando a parte de pessoal, pessoas que precisam de treinamentos, seleção de pessoal, política de salários, incentivos, são coisas que exigem um conhecimento profissional mais profundo eu vim tentar trazer para o Lar.
O que o Lar dos Velhinhos representa para Piracicaba?
Em primeiro lugar é uma entidade sui-generis, no sentido de ter aqui uma Cidade Geriátrica, há quase 500 idosos que são seus moradores. Em segundo lugar, ele tem uma estrutura para atender idosos, que impressiona. Não parece, mas essa entidade tem 215 funcionários.
Não é um número elevado de funcionários?
Essa é uma das análises que me coube fazer. Sempre quis saber se não estamos com gente demais. Por exemplo, na área da saúde teríamos que ter mais pessoas.
O que levou o Lar a estar com dificuldades financeiras?
O Lar nunca teve uma situação financeira folgada. Tanto é que o nosso presidente anterior sempre dizia que mais de uma vez ele passou por crises muito fortes. Na verdade já houve épocas em que a sociedade piracicabana, mais precisamente amigos do nosso antigo presidente, pessoas de maiores posses, que infelizmente não estão mais entre nós, ajudaram muito o Lar. Além disso, naquele tempo o Lar tinha um pouco mais da metade do número de pessoas que tem hoje. Aquelas pessoas que existiam naquela época eram mais jovens do que são hoje, e, portanto o seu estado de saúde era melhor do que está hoje. Os idosos que estão hoje nos pavilhões estão em condições de saúde inferior a que estava há 10 ou 15 anos atrás.
Isso é também em decorrência do aumento da longevidade do ser humano?
Exatamente. Chegamos a ter pessoas com 100 anos de idade.
O que o Lar está fazendo para superar a crise atual?
O Lar está tendo que enfrentar a crise que é do Brasil inteiro. Hoje temos chalés disponíveis no Lar, só que a crise imobiliária chegou ao Lar. Não há alternativa a não ser pedir socorro à sociedade piracicabana. Tem sido noticiado, por toda mídia, a situação do Lar, os piracicabanos estão de repente percebendo que dada a situação, que não é só do Lar, é geral, mas o Lar de forma alguma pode sofrer as conseqüências, os nossos idosos tem que ser tratados com carinho, cuidado, a saúde deles não pode pagar por um problema econômico que o Brasil está passando. A sociedade de repente está se movimentando, e é isso que o Lar está fazendo, pedindo socorro à sociedade. E a sociedade está começando a responder.
O senhor acredita que a sociedade piracicabana vê no Lar dos Velhinhos uma entidade representativa, tanto quanto seus valores maiores, como é o Rio Piracicaba, como é a Escola de Agronomia, o Esporte Clube XV de Novembro de Piracicaba, uma tradição tão forte que motiva a população a ter orgulho do Lar dos Velhinhos?
Isso foi a primeira coisa que me chamou a atenção quando vim para Piracicaba! Ao perguntar à alguém se conhece o Lar dos Velhinhos, percebe-se no piracicabano exatamente esse orgulho citado. Como é uma Cidade Geriátrica e ela é inusitada, eu diria até na América do Sul, há motivo de orgulho para o piracicabano. O piracicabano nunca teve qualquer noticia de qualquer dificuldade que o Lar passasse antes.
A seu ver foi aberto um canal com a mídia onde está sendo passada uma espécie de radiografia do Lar?
É o que está acontecendo no momento. Ninguém gosta de dizer que está passando por dificuldades. O Lar nunca deu a conhecer a sociedade toda e qualquer dificuldade que passasse, para não passar uma imagem que poderia até ser mal interpretada.
Quem supria o Lar nas horas difíceis eram os capitães de indústrias, os capitalistas?
Aquelas pessoas que há 30 anos eram os grandes beneméritos, gostavam de ajudar o Lar, segundo testemunho do próprio Dr. Jairo Ribeiro de Mattos, essas pessoas não estão mais entre nós. O que era uma iniciativa pessoal do Dr. Jairo deixou de existir porque essas pessoas não estão mais entre nós.
Quais são as principais fontes de renda que o Lar dispõe hoje?
A principal fonte de renda obviamente tem que partir do governo. Existe um convênio com a Prefeitura Municipal que cobre 22% das nossas necessidades. Há uma previsão de mudança na lei, eles serão obrigados a fazer uma licitação que se chama Chamamento Público. Existe uma lei que diz que toda pessoa abrigada, que recebe do INSS, e que depende dos serviços do Lar, o Lar tem o direito de reter 70% deste valor para cobrir os custos. Deixando 30% para que a pessoa use a seu bel prazer.
O fato de o Lar cuidar do bem estar dos seus abrigados, da higiene e ter um ambiente sanitariamente saudável passa a imagem de um local provido de muitos recursos?
Como temos todo um sistema de saúde, não digo que temos um ambiente hospitalar, mas sim um ambiente saudável. As próprias pessoas que moram aqui cuidam das suas próprias casas, ninguém quer viver em condições precárias.
Existe alguma forma de gerar recursos de forma permanente?
Existe sim. Eu diria que são dois tipos de recursos: externos e internos. Como é uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos, existe a obrigação moral da sociedade de sustentar esse Lar. Isso é levado a sério em outros países. Na Suécia, Alemanha ou qualquer país de primeiro mundo, a sociedade é representada pelo governo, que cuida de entidades como esta. Sei de espanhóis que recebem aposentadoria da Espanha. E moram no Brasil. Teoricamente a sociedade representada pelo governo federal, estadual e municipal deveria e tem obrigação, até por constituição, de cuidar do Lar. Dada a precariedade de recursos, a sociedade civil tem que complementar isso. Tem o dever moral de fazê-lo.
Da mesma forma que a justiça obriga a fornecer pensão alimentícia ela poderia usar os mesmos instrumentos para assistir o idoso?
Pode! Já se pensou em tomar medidas nesse sentido. O nosso gasto mensal é em torno de R$ 650.000,00 a R$ 700.000,00. O recurso que o Governo do Estado de São Paulo destina R$ 24.000,00 por mês é uma piada e o Governo Federal é pior ainda, destina R$ 4.600,00 por mês para todos os idosos! Ou seja, esse valor para distribuir entre quase 500 idosos! O que é isso? O Governo Municipal dá quase R$ 64.000,00 ao Serviço Social e mais R$ 21.000,00 da área da saúde. A inadimplência do Estado em relação as suas obrigações constitucionais não há justiça que consiga ajustar. Uma vez que o Estado não consegue fazer isso, a sociedade complementa. É a mesma coisa que se vê no ensino, se a escola pública não está dando aquilo que você quer você vai à escola privada. Escola privada, hospital privado, existe em função da ineficiência do Estado em cobrir toda a área de educação e saúde. O que surpreende aqui na cidade de Piracicaba é a ausência da participação dos empresários no sustento do Lar dos Velhinhos. Sei que outras entidades eles ajudam. Estou acostumado ao sistema utilizado na cidade de onde vim, Indaiatuba, com um carnê de R$10,00 por mês a população ajudava as entidades. Se tivéssemos esse sistema também em Piracicaba, estaríamos bem. Existe outra forma, uma maneira interna de resolvermos o problema, transformando em fonte de renda a superfície que pertence ao Lar. Teríamos uma fonte de renda sem depender da caridade da população. Surgiram muitas idéias, e outras estão surgindo para aproveitamento dessas áreas, só que o resultado será daqui a três anos, e o nosso problema tem que ser resolvido com máxima urgência.
Qual é o déficit mensal do Lar hoje?
Ele é flutuante, depende muito da receita. Quando uma moradia vitalícia é comercializada é apurado um valor referente a ela. Tenho todos os números em forma de planilha e em gráficos. Uma pessoa que mora em um pavilhão custa mensalmente para o Lar R$ 2.400,00. 
Por que as empresas não estão ajudando o Lar dos Velhinhos de Piracicaba?
Qualquer empresário tem consciência da sua luta pela sobrevivência da sua empresa. Ele tem que saber muito bem onde ele gasta o seu dinheiro. A empresa dele não é uma entidade beneficente, ele não tem a obrigação de ajudar ninguém. Quando um empresário visualiza que é uma obrigação social da sua empresa ajudar aqui ou lá, se vislumbrar uma possibilidade de que a marca dele apareça através dessa ajuda, essa ajuda entra na conta propaganda, ele sabe que aquele dinheiro que ele gastou reverte como uma propaganda, ele irá fazer a transação.
De que forma o empresário pode associar o nome da sua empresa com o nome do Lar dos Velhinhos?
Dissemos que é publico de que o Lar é motivo de orgulho para a cidade. Já participei de diversas doações, onde o doador e empresário no dia seguinte têm a sua divulgação feita pela mídia. Ele pode agregar a sua propaganda o nome do Lar. Esse empresário irá colocar essa despesa na conta propaganda. Na verdade é um investimento.
Do alto da experiência que o senhor acumulou em suas atividades profissionais, o senhor acredita que neste momento uma empresa associar seu nome ao nome do Lar pode resultar em um ganho de marketing e financeiro?
É na época da crise que as empresas que souberem manusear muito bem a sua propaganda, o seu marketing, saem na frente das outras empresas, sobrepõem sobre a concorrência.  O Lar pode ser uma ancora para uma publicidade dessa natureza.
Poderia ser um selo com os dizeres, por exemplo: “Esta empresa contribui para o bem estar dos abrigados do Lar dos Velhinhos de Piracicaba”?
Esse é um velho sonho, para que as pessoas efetivamente enxerguem no Lar, não apenas um gasto, uma despesa, mas sim uma vantagem, um investimento.
O Lar aceita voluntários? O que é necessário para ser voluntário?
Com certeza aceitamos voluntários. Ele deverá apresentar-se ao Serviço Social, dizer quais são suas aptidões, obviamente como voluntário assinar uma documentação, depois o próprio serviço social o encaminhará dentro das suas aptidões, suas preferências.
As doações podem ser feitas de que forma?
Se a pessoa fizer uma doação única, existe a conta corrente do Lar dos Velhinhos, no banco Itaú, agência 0731, conta corrente 01291-0. Essa doação pode ser de preferência identificada, para que possamos agradecer. Se a pessoa estiver disposta, como gostaríamos que fosse, poderá simplesmente se identificar junto a nossa telefonista, fornecendo seus dados, nome, endereço, para que possamos emitir um boleto. Ele irá receber os boletos no seu endereço.
O senhor veio morar no Lar dos Velhinhos para descansar, o que o motiva a trabalhar de forma tão intensa?
Existem seres humanos que tem dentro de si o idealismo, a vontade de ajudar, a fraternidade, a generosidade. Esta entidade deveria ter também administradores profissionais, mas por falta de recursos não pode contratá-los. Sempre trabalhei como voluntários em tantas outras obras.
O senhor ocupou cargos de alto nível em multinacionais, ao analisar o currículo de um candidato o fato dessa pessoa ser voluntário em alguma entidade é importante?
Muito importante! Dir-se-ia que se pode dividir as pessoas em egocêntricas e altruístas.  No momento em que esta contratando uma pessoa para trabalhar na sua empresa, se você percebe que ela é do perfil egocêntrico, essa pessoa não terá muita facilidade em relacionar-se com os outros. Terá dificuldade em formar um grupo. Vai se tornar em alguém que quer levar vantagem em tudo em detrimento dos interesses da empresa. Já uma pessoa altruísta é ao contrário. Participa dos grupos de trabalho, e comprovadamente as equipes de trabalho produzem muito mais do que um grupo de pessoas trabalhando individualmente.
O senhor acredita que até profissionalmente é uma atitude inteligente ser voluntário?
Sem duvida nenhuma! Até profissionalmente. Comprovadamente as pessoas que dão de si acabam sendo mais felizes. É importante ressaltar que o Lar não é uma entidade comercial, existem entidades que cuidam de idosos e são comerciais, caríssimas. Existem entidades honestas e fraudulentas.O Lar dos Velhinhos de Piracicaba, com seus mais de 108 anos de existência, a meu ver, está acima de qualquer suspeita. As entidades sem fins lucartivos e de interesse público devem ser vistas com especial cuidado, pois sua prestação de serviço não ode estar sujeita ao risco de mercado.
O Lar dos Velhinhos de Piracicaba tem uma característica marcante no tratamento dos seus idosos?
Enquanto outras entidades que cuidam de idosos têm uma clientela formada por idosos auto-suficientes, ou quando muito cadeirantes, mantendo em média não mais do que uns 90 abrigados, o Lar tem uma população de perto de 500 idosos, dos quais cerca de 290 são dependentes em grau I, II e mesmo grau III, dos serviços intensos de saúde, ou seja, médicos, enfermeiras, técnicos de enfermagem, farmacêuticos, cuidadores e outros profissionais da área da saúde. 

MARIA CRISTINA SGARIONI



PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 8 de agosto de 2015
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: MARIA CRISTINA SGARIONI
Maria Cristina Sagarioni nasceu a18 de abril de 1949, em São Paulo, no antigo Hospital Matarazzo, que já não existe mais, situado no Bairro Bela Vista. Filha de Wilson da Silva Santos e Clara Navarro da Silva Santos, que tiveram também o filho Wilson da Silva Santos Filho.
Qual era a profissão do seu pai?
Nos primeiros anos ele foi alfaiate de alta classe. Moramos em Santana, Pinheiros, na Rua São Sebastião em Santo Amaro, mais propriamente no Bairro Alto da Boa Vista, junto ao Clube Banespa, ali na época eram chácaras. Quando eu tinha 10 anos, meu avô, pai do meu pai, veio conhecer Piracicaba, e meu pai veio visitá-lo. Meu pai encantou-se com Piracicaba. Estudei até os 10 anos em São Paulo, no Educandário Petrópolis. Eu sofria muito bullying, era gordinha,com 10 anos eu pesava 50 quilos. Ganhei troféu de robustez infantil. Hoje não tem graça nenhuma, mas naquele tempo era engraçadinho.
Em que bairro vocês vieram morar em Piracicaba?
Viemos morar no Jardim Elite, depois adquiriram uma casinha na Rua Fernando Febeliano da Costa. Nessa época meu pai já era representante comercial de material escolar. Depois adquiriram uma casa maior situada a Rua João Sampaio onde permaneceram enquanto foram vivos.
Em Piracicaba, aos 10 anos você foi estudar em qual escola?
Fui estudar no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Quando cheguei ao ginásio passei pela fase de “aborrecente”, própria da adolescência, uma das diversões era faltar às aulas e ir aos cinemas, Politeama, Plaza (situado junto ao Edifício Luiz de Queiroz, mais conhecido como Comurba, que ruiu). No Sud Mennucci repeti três anos. Lembro-me do grande mestre professor Benedito de Andrade. O professor Rossini Rolim Dutra queria que eu fizesse curso de canto. O diretor era o Professor Adolfo Basile. Fui jubilada do Sud Mennucci. Fui estudar no Colégio Assunção. Lá fui uma aluna exemplar. Na época estudava piano, fiz curso de música clássica. O uniforme era saia azul marinho, pregueada, gravatinha azul. Formei-me no ginásio no Colégio Assunção. Estudei nessa época com a Claudia “Cacau” Ranzani, seu pai é o Dr. Guido Ranzani ela ia a minha casa para estudarmos juntas. Lembro-me que quando o João Hermann Netto e a Cacau namoravam, o João me chamava de “Aparecida”, nunca me chamou pelo nome correto. Ai eu fui fazer o Curso Normal na Escola Estadual Monsenhor Jerônymo Gallo. Fui muito boa aluna, formei-me professora, mas nunca lecionei. Eu tinha uns 18 a 19 anos. Conheci meu marido quando tinha de 19 a 20 anos. Nunca me esqueço de que uma freira nos ensinou, quando quiséssemos espirrar em público, em uma igreja, em uma reunião, para evitarmos isso, tínhamos que unir as duas pontas dos dedos: indicador e polegar e apertarmos bem as extremidades que passava a vontade. Houve uma época em que comecei a fazer isso e dava certo!
Você o conheceu em Piracicaba?
Eu conheci meu marido, Luiz Carlos Sgarioni, em Piracicaba, embora ele não seja daqui, ele é gaucho e vinha visitar uma irmã que morava próximo a casa dos meus pais.
Em que local você conheceu o seu marido?
Foi no Clube Cristóvão Colombo, situado a Rua Governador Pedro de Toledo, esquina com a Rua Prudente de Moraes, o famoso “Palácio de Cristal”. Desfilei em muitos bailes de carnaval no Clube Coronel Barbosa, na época freqüentado pela elite piracicabana, entrei em concursos, lembro-me de uma fantasia de grega que ficou maravilhosa. Minha mãe era muito caprichosa comigo, vestia-me muito bem. Vestidos longos, você precisava ver os bailes que freqüentei! Na época eu morava na Rua Treze de Maio, entre a Rua Governador Pedro de Toledo e a Rua Benjamin Constant. Cada serenata que eu ganhava! A janela era baixinha, minha mãe fazia lanches e oferecia aos seresteiros. Eu tinha um fã que se eu fechasse o olho era com estivesse escutando Altemar Dutra. Uma vez participei de um concurso no Cristóvão Colombo, estava noiva do meu marido. A minha juventude passei no Clube de Campo de Piracicaba. Eu sempre me dei bem com pessoas riquíssimas e paupérrimas, nunca fiz diferença de tratamento. Sempre achei que as pessoas têm valor pelo que elas são. Quando o meu marido me viu, aproximou-se, começamos a conversar, e iniciou-se um namoro, embora minha mãe não simpatizasse com a idéia. Namoramos de dois anos e maio a três anos, na época ele era corretor de seguros, estava muito bem estabilizado financeiramente. Depois ele passou a ser representante comercial e permaneceu nessa função. Casamo-nos na Catedral de Santo Antonio, o celebrante foi o Padre Otto Dana, foi a 27 de maio de 1972. Um ano depois tive a minha filha Mariana, depois nasceu meu filho Ricardo. Hoje tenho dois netos.
Após se casar vocês foram morar em que local?
Fomos morar em São Paulo, no Bairro Higienópolis, na Rua Alagoas, próximo a Praça Buenos Aires, onde permanecemos por onze anos, depois fomos para a Rua Albuquerque Lins, também em Higienópolis. Freqüentava a Padaria Barcelona, meus filhos estudaram sempre no Colégio Rio Branco, um dos melhores colégios de São Paulo, tanto que ingressaram na faculdade sem cursinho.
Em São Paulo, com dois filhos, você tinha alguma atividade profissional?
Meu marido achou por bem que eu deveria cuidar dos nossos filhos.
Você é religiosa?
Sou católica. Tenho devoção a Nossa Senhora Rosa Mística e Santo Expedito. Tenho uma devoção muito forte por Jesus Cristo e Nossa Senhora.
Em São Paulo você dirigia?
Meu primeiro carro foi um Vçoyage amarelo, depois tive um Escort azul marinho. Meus filhos faziam muitos cursos paralelos: inglês, natação. Tinha show do Menudo, eu ia leva-los, show do Paulo Ricardo eu levava-os. Eu assistia junto com eles. Eu era uma mãe participativa.
Você e seu marido acharam por bem terminar o casamento?
Nossos filhos já estavam crescidos, decidimos que a separação seria uma decisão boa para nós dois. Temos uma excelente relação, de muito respeito, somos amigos. Ficamos casados até 1990. Ele continua morando em São Paulo e eu moro em Piracicaba. Eu tinha quarenta anos quando nos separamos. Eu nunca tinha trabalhado em nada, embora fosse professora, inclusive de piano, só que não tinha experiência. Tratei de imediatamente arrumar um emprego, não queria ficar dependendo de ninguém. 
Você foi trabalhar no que?
Após uma rápida passagem como atendente em uma gráfica, fui trabalhar em uma clinica de ortopedia na Avenida Angélica. Depois um dos médicos montou outra clinica na Rua Ouvidor Peleja, na Vila Mariana. Fiz curso de auxiliar de fisioterapia. Pelo fato de ter uma boa comunicação, trouxe uma clientela enorme, quando sai foi uma choradeira. Eu acompanhava os pacientes, ficava ao lado deles quando passavam pelo processo de infiltração. Os médicos, meus chefes, eram mais novos, eles tinham uma relação como se eu fosse a uma tia deles. Eu ia no fundo, fazia um chá, chamava todo mundo.
Em que ano você voltou à Piracicaba?
Foi em 2003. Minha mãe estava muito mal. Por cinco anos tratei de ambos. Em 2008 ambos faleceram. Meu pai falou muito: “--Vai conhecer o Lar! Lá é tão bom, tão lindo!”. Em março de 2010 mudei para o Lar dos Velhinhos. Aqui sempre fui muito bem tratada, desde Dr. Jairo Mattos até a Dona Cyonea, todos os funcionários.
Tenho umas amigas que moram ao lado, elas iam confessar na Igreja dos Frades. Eu não me confessava há 50 anos, minha mãe tinha tido uma indisposição com um padre. Logo após eu ter nascido, ela foi confessar, e o padre perguntou: “-Quantos filhos a senhora tem?”.  Ela disse que tinha uma menina só e que pretendia parar por ai. O padre disse-lhe rispidamente: “- A senhora não leu a bíblia? Crescei-vos e multiplicai-vos? A senhora tem que ter mais filhos!” Minha mãe era brava, respondeu-lhe: “- O senhor vai poder sustentá-los? Criá-los?”. Ela saiu brava. Quando eu estava mais mocinha ela me disse: “-Você tem que confessar direto com Deus!” Com isso nunca mais fui confessar Casei, tive filhos, tive toda essa parafernália que aconteceu, separei-me, minha vida virou no avesso. Você estar em baixo e subir é fácil. Você estar lá em cima e descer exige muita estrutura. Eu sei o que é bom, o que custa caro, tanto na alimentação, como no vestir-se, apresentar-me. Tive que mudar tudo radicalmente. Eu freqüentava as boates mais requintadas de São Paulo como Hipopotamus, Gallery. Eu não imaginava que iria ser uma pessoa assalariada. O meu prazer era ir a shopping comprar alguma coisa, um sapato, uma bijuteria. Era uma vida fútil.
Como foi o episódio da sua ida à igreja e a conversa com o frade?
Três amigas que moram aqui no Lar me convidaram para ir até a Igreja dos Frades, fomos, as três se confessaram, eu fiquei por ultimo. Era o Frei Messias, um avozinho. Isso foi um divisor de águas para mim. Ele disse-me: “- Olhe filha, se você achar que é uma conversa, tudo bem, se achar que é uma confissão, tome como quiser. Comecei a chorar. Achei aquilo tão sublime. Contei-lhe a história da mamãe, disse-lhe que fazia 50 anos que não me confessava, não tinha nada muito grave, mas que eu gostaria que ele soubesse um apanhado da minha vida. Eu queria me sentir aliviada. No final ele disse: “-Vou tomar como confissão!” 
Você é uma cozinheira de mão cheia?
A coisa da qual eu mais gosto é cozinhar! Aprendi com a mamãe, ela me preparou para o casamento e para ser do lar. Ela me colocou em tudo que você possa imaginar: aulas de pintura, costura. Quando se tratava de fazer algo gostoso para comer eu queria aprender, toda vida fiz pão em casa, eu tinha cozinheira, tinha tudo, mas quem dava o toque final era eu.
Qual é o seu prato imbatível?
Eu tenho tantos! As tortas são alguns dos pratos preferidos que eu faço. Recebo muitas encomendas dos próprios moradores do Lar dos Velhinhos. Pão caseiro é muito procurado. As quartas e quintas ninguém me vê, eu fico na cozinha. Amo fazer isso! Ponho uma música, minha touca e vou ao trabalho. Não aceito muitos pedidos porque sou eu e Deus. Se você ver a minha cozinha, não é para fazer o que eu faço. Faço milagre. Só cabe eu lá, não cabe mais ninguém comigo. Faço cuscuz paulista, aquele de cortar, que é úmido, faço de frango, sardinha, legumes, palmito.
Se alguém quiser experimentar alguma das delicias que você prepara como pode encomendar?
Basta ligar e encomendar pelo telefone 9 9758 9435. Sempre pedir com antecedência, basta ligar na segunda e eu entrego na quinta ou sexta-feira. A pessoa vem buscar aqui, eu não tenho como entregar. Meus clientes são os moradores do Lar, funcionários, o próprio médico do Lar. Não divulgo essa minha atividade. Minhas coisas são simples, muito caseiras e muito carinhosas. Meu pão não é de máquina, é de sovar e de amassar, tenho um balcão de granito, quando estou batendo a massa dá a impressão de que estou batendo em alguém! Adoro o que faço, cantando, escutando musica. Isso me tirou de um comecinho de depressão. Depressão é falta de ocupação! Sei por mim. Vim para o Lar com a condição de não fazer mais nada, Achei que chegando aqui iria só comer, dormir e passear. Isso é horrível! Acho que se você tem a possibilidade de fazer alguma coisa, faça! A saúde mental depende da ocupação.

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