Ignez
Vieira e Silva nasceu em Piracicaba a 4 de de janeiro de 1936, no bairro da
Paulista, na Rua Joaquim André, 1134. Filha de Manoel Vieira e Silva e Maria Prates
Vieira,
Seus pais são nascidos no Brasil?
Meu
pai nasceu em Portugal, em 17 de janeiro 1889, na região de Leiria em Fátima, veio
para o Brasil com 10 anos, junto com meus avós. Desceram do navio em Santos,
passaram pela Casa do Imigrante em São Paulo e vieram a residir inicialmente no
bairro dos Marins, em Piracicaba.
Sua
família é católica praticante?
Além do meu pai, meus avós
tiveram outros filhos entre os quais três filhas freiras franciscanas: Irmã
Bernadete, Irmã Cesarina que trabalhou na Santa Casa de Piracicaba e Irmã Joana
que ajudou o Lar Escola por mais de 50 anos trabalhando com promoções, a busca
de donativos. Fora o seu trabalho interno com as crianças. Ela sempre foi muito
ativa.
Quando chegaram a Piracicaba o
seu avô e a família foram trabalhar no que?
Meu pai foi trabalhar com meu avô
como pedreiro, um dos locais onde trabalharam foi no Engenho Central. Em
seguida foram morar em uma propriedade das Irmãs Dominicanas, em um colégio na
cidade de Amparo. Isso foi em 1917.
O Seu Manoel, seu pai, já
mocinho, foi trabalhar em que local?
Meu pai não tinha completado 20
anos quando uma tia que trabalhava na Santa Casa veio buscá-lo para trabalhar
na enfermagem. Ele fez um curso em São Paulo onde se diplomou como enfermeiro.
Isso tudo ocorreu na Santa Casa quando ela era ainda na Rua José Pinto de
Almeida entre a Rua XV de Novembro e a Rua Moraes Barros. Ele foi um dos primeiros enfermeiros, foi um
dos funcionários que fez a mudança para o prédio recém-construido na Avenida
Independência, na época toda de terra, onde é atualmente a Santa Casa de
Misericórdia de Piracicaba. As árvores eram ainda pequenas, atrás da Santa casa
havia pés de eucalipto. No local onde era a conhecida “Santa Casa Velha” passou
a ser o Centro de Saúde. Toda a mudança de pacientes, equipamentos, foi
realizada pelo meu pai e outros enfermeiros. Meu pai tinha orgulho da sua
profissão. Em 1943 o Provedor da Santa Casa na época era o Dr.. Coriolano
Ferraz do Amaral, pai da Dona Levica Meirelles, avô da Professora Ana Maira
Meirelles de Mattos, esposa do Dr. Jairo Ribeiro de Mattos. Meu pai trabalhou
com Dr. Nelson Meirelles, que na época era um jovem médico, trabalhou com Dr.
João Correia. Lembro-me que eu ia com a minha tia Joana, que era freira, pedir
donativos na casa da Dona Levica, que na época morava na Rua XV de Novembro,
entre a Rua Boa Morte e Rua Alferes José Caetano. Principalmente na campanha da
Festa do Sorvete.
Como o seu pai conheceu a sua
mãe?
Meus avós maternos eram também
portugueses, meu avô era José Coelho Prates e minha avó Maria Prates, eram pais
de Florisvaldo Coelho Prates, naquela
época a minha mãe morava na Rua Moraes Barros, entre a Rua Bernardino de Campos
e a Rua Visconde do Rio Branco. Por lá passava todos os enterros, procissões,
penso que a Rua Moraes Barros já era calçada com paralelepípedo, mas as ruas
adjacentes eram todas de terra. Penso que meu pai conheceu minha mãe em uma
dessas épocas. Era uma época em que o carro funerário do Libório ia à frente e
atrás ia o caixão carregado por amigos do falecido ou falecida. Todos os homens
iam de terno, um calor medonho. Isso eu vi muitas vezes. Lembro-me de quem
morava em frente à casa da minha avó era a Teresa Bragion. O marido dela era
dono da Casa Becari.
Quantos filhos seus pais tiveram?
Tiveram quatro filhos: Lourdes, Luis, Valdemar e Ignez.
Você estudou em qual escola?
Estudei o curso primário por pouquíssimo tempo na Escola
Normal, lembro-me que no avental tinha as letras E N (Escola Normal), mais
tarde é que passou a se chamar Sud Mennucci. O Dr. José Rodrigues de Almeida
estava trabalhando na Usina Monte Alegre da família Morganti, estava sendo
formada a parte de saúde. Quando ele soube que o meu pai tinha saído da Santa
Casa, imediatamente ele foi lá em casa, meu pai estava com tudo arrumado,
pronto para mudar para São Paulo. Na época eu tinha sete anos. O médico Dr.
José Rodrigues de Almeida precisava de um enfermeiro para trabalhar na Usina
Monte Alegre. O meu pai já tinha trabalhado com ele na Santa Casa. Mudamos para
lá e passei a freqüentar o Grupo Escolar Marquês de Monte Alegre. Meu pai
assumiu como chefe da parte de enfermagem. Ele era conhecido como Manoel
Enfermeiro. Muitos médicos o conheceram, ajudaram principalmente o Dr. Lula.
Meu pai aplicava injeções, ele trabalhava dia e noite naquela época. Chegou a
morar na Santa Casa, em função do plantão. Tinha até o quarto dele na Santa
Casa, mesmo depois de casado. Ele ficava uma noite sim e outra noite não,
trabalhando. Fui estudar na Escola Baroneza de Rezende, outros dois anos fiz em
Amparo, com as irmãs da escola de Amparo. A minha primeira comunhão foi na
Capela São Pedro, em Monte Alegre, a preparação foi feita pelas irmãs
franciscanas. Foi no dia 29 de junho de1943, dia de São Pedro, era a data
máxima. Minha adolescência foi toda em Monte Alegre. Quando eu saí de lá tinha
22 anos. Fui morar com meus pais na Rua Joaquim Andre, entre a Rua Governador
Pedro de Toledo e Rua Boa Morte. Em frente a casa de José Osoris. O Bellotto
era nosso vizinho. Onde hoje é a Assagio era um armazém do Seu Lauro Arthur,
mais conhecido como Raul. Em uma das esquinas, em um sobrado morava o professor
Lineu Cardoso, na esquina oposta era o Hotel Paulista, que foi demolido. Isso
na esquina da Rua Joaquim André com a Rua Boa Morte. Até hoje chamo de “minha
padaria” a Padaria Jacareí.
Qual era a doença mais comum na época?
Não era como hoje, onde há especialistas em cada
área, o médico tinha que atender o paciente em todas as áreas. Meu pai
acompanhou vários médicos moços, fazendo a residência: Dr. Alcides Aldrovandi,
Dr. Alfredo de Castro Neves, mais conhecido como Dr. Alfredinho, Dr. Garboggini.Dr.André Ferreira dos Santos mais conhecido como Dr.
Preto, meu pai saiu da Santa Casa em 1943.
Seu pai tinha uma irmã que morava próximo a sua casa na Rua
Joaquim André?
Era a Tia Emília! Ela foi enfermeira na Usina Monte
Alegre. Mãe da Nilza e do Luiz, eles moram até hoje na mesma casa, na Rua São
Francisco de Assis, no quarteirão onde fizeram um edifício enorme, da família
Cobra e família Coury. Na Rua Governador Pedro de Toledo, esquina com a Rua São
Francisco de Assis havia uma pensão, com um porão habitado também por hospedes,
foi demolida para dar lugar a um prédio. Na quadra de cima havia a sapataria do
Joanim, como era conhecido o João Fustaino. Na esquina oposta existe até hoje
uma casa com uma escadaria imponente, foi onde morou o Angeli, irmão do Dr.
Jorge Angeli, que residia na metade do quarteirão da Rua Joaquim André. A
esposa desse Angeli era Dona Matilda, mãe da Edelza. Ele tinha plantação de
fumo. O Francisco Angeli também trabalhava com fumo. O José Osoris é pai da
Maria José, Maria Luiza e João José. O Professor Lineu Cardoso sempre dizia:
“Vizinha, este quarteirão é o “filé minhom” de Piracicaba. Éramos como uma
família. Naquele tempo a criançada jogava bola naquele quarteirão, o sobrinho
do Dr. Jairo de Mattos, o Paulinho, filho da Dalva, hoje um dos renomados
arquitetos de Piracicaba, Paulo Bellato, era um desses garotos que jogava bola.
O Dr. Caio Leitão morava ali.
A Casa Três Irmãos quando surgiu você a conheceu?
Eu morava no Monte Alegre, apareceu uma lojinha
pequena, meu tio dizia, vai lá, que aqueles meninos são todos católicos, são
todos marianos. Eram o Mario, o Ermelindo e o Otávio. Na Rua Gomes Carneiro
morava a Santa Morato, era doceira e organista. A Cidona, Maria Aparecida
Ferraz, irmã do Quincas, morava em uma casinha na Rua São Francisco, tinha como
vizinho uma horta. A Cidona era a cozinheira dela, ela era excelente
cozinheira, isso fez a fama da Dona Santa, que com ônibus para fazer os bufê
dela, viajava. A casa onde ela morava era do Lelio Ferrari, a sogra dele tinha
morado ali. Vizinho a minha casa morava o João Tedesco, pai do Norival Tedesco,
do Nestor. Lembro-me da Casa NÊ, um armazém que ficava na Rua Benjamin Constant
esquina com a Rua São Francisco. As filhas dele foram minhas colegas como Filha
de Maria. Lembro-me da Zulmira.
Você guarda lembranças da Estação da Paulista?
Dava para acertar o relógio com o apito do trem, tal
a pontualidade. Tinha uma caixa de cartas na Estação da Paulista. O meu irmão
Luiz morava na Rua Sud Mennucci, foi o braço direito na construção da Igreja
São José. Ele foi presidente do Grêmio Dramático da Igreja dos Frades. Foi
presidente da Congregação Mariana. Havia teatro no coléginho.
E as quermesses da Igreja dos Frades?
Quando eu era “Filha de Maria”, o que trabalhava nas
quermesses! Primeiro com a Dona Ester na barraca das “Filhas de Maria”, depois
com Dona Orlandina Sodero que era presidente do Apostalado da Oração, tinha a
barraca do Apostalado. Como eu era esperta, vendia muitas rifas, dei a alma
naquela barraca de São Francisco. Tomei conta das crianças na missa das oito
horas da manhã aos domingos, isso no tempo do Frei Saul, Frei Frederico. O Frei
Honório era muito amigo da nossa família. Ele tinha o habito de chamar as
senhoras todas de Dona Maria.
Você lembra-se quando foi construída a garagem da
prefeitura, em 1954?
Lembro-me sim, foi construída na Avenida Dr. Paulo
de Moraes, assim como a primeira sede dos
bombeiros ao lado, construída mais tarde.
Você ajudou muito nas obras sociais, em especial no Lar
Escola?
O Lar Escola foi a minha segunda casa. E a congregação
minha segunda família. A primeira pedra do Lar Franciscano de Menores foi meu
pai que colocou.
O seu pai foi muito ativo nas obras sociais.
Ele foi fundador da Creche São Vicente de Paula. Na
Rua Visconde do Rio Branco esquina com a Rua D.Pedro. Ele que montou quase
todas as conferências vicentinas de mulheres. João Scudeller foi o Presidente
Geral das Conferências Vicentinas. Meu pai que montou a Conferência Vicentina
da Matriz da Catedral de Santo Antonio, assim como da Igreja Bom Jesus.
De onde você acha que veio essa vocação dele em ajudar o
próximo?
Meu pai foi o vicentino mais velho de Piracicaba. Ele
tinha um enorme prazer em poder ajudar quem necessitava. O Pedro Grossi era
presidente do Conselho Geral, inclusive das casinhas na Rua D.Pedro, e meu pai
fazia parte do conselho, um dia ele chegou em casa com Tereza Nilza Machado.
Havia pessoas importantes que eram vicentinas como Maria Helena Chiarinelli,
Bia Lacorte, Irene Corazza prima da Maria Helena Corazza. Cecília da Elmo
Magazine. Maria Dulce Lordello. O Pedro Grossi foi em casa e disse: “-Seu Manoel,
vou fundar uma creche onde estão as casinhas em que moram os pobres. Vamos
transferi-los para outro local” Antonio Sallun, proprietário da Casa Paz foi o
presidente. Meu pai foi diretor.
Você cantou no coral da Igreja dos Frades?
Cantei, era segundo contralto, o regente era Ditinho
Januário, pai do Marcos Januário, o Janu. As vezes eu acho que nasci na Igreja
dos Frades!
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 9 de julho de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: PAULO BORGHESI DE CAMARGO
Paulo Borghesi de Camargo nasceu
em Piracicaba a 27 de setembro de 1934. Filho de Constâncio Cardoso de Camargo
e Guiomar Borghesi Laurelli, filha de Angelina Petan casada com Luiz Borghesi
que vieram da Itália no mesmo navio. Constâncio e Guiomar tiveram os filhos: Antonia, Paulo, Constâncio
e Ângela Nasceram no sobradão existente até hoje na Rua Moraes Barros esquina
com a Avenida Armando Salles de Oliveira. Esse sobrado foi construído pelo seu
avô paterno José Basílio de Camargo, cujas iniciais, JBC, estão em relevo no
alto do prédio.
CASA JOSÉ BASÍIO DE CAMARGO
Quem trabalhava na loja existente
na parte térrea do prédio?
Meu avô José Basílio de Camargo
passou a loja para o meu pai Constâncio Cardoso de Camargo e seu irmão, meu
tio, Joaquim Cipriano de Camargo. Eles “abriram” a sociedade, ou seja, deixaram
de ser sócios, e meu tio Cipriano foi estabelecer-se a Rua Governador Pedro de
Toledo esquina com a Rua XV de Novembro com a Casa Camargo, a do meu pai
chamava-se Casa José Basílio de Camargo onde eram vendidos cimento, cal.
Já havia cimento naquela época?
Tinha! O cimento vinha em
barricas, da Europa, quando dava muitos problemas no mar chegava a Piracicaba
como uma pedra só. (O cimento em contato com água ou umidade excessiva
solidifica). Tínhamos que quebrar a barrica para jogar aquela pedra fora. Lembro-me
de uma vez que chegou solidificado, veio da Inglaterra. Meu avô exportava
laranjas para a Inglaterra, eram embaladas uma a uma, lembro-me do carimbo do
destino: Londres.
Essas laranjas eram plantadas e
colhidas em que local?
Na região de Limeira. Ele
adquiria laranjas, a mais comercial era a laranja pêra, embalava uma a uma, o
emblema era o Mirante, o Salto do Rio Piracicaba, escrito Oranges Camargo. Exportava
pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Levavam a noite em pequenos
caminhões, carroças, até o armazém da Companhia Paulista, de lá eram
transportadas para São Paulo e em seguida para Santos. Ele exportava também a grapefruit,
(também conhecido como toranja, jamboa, laranja-melancia, pamplemussa, laranja
vermelha e laranja-romã, é um fruto semelhante à uma laranja), poucas
pessoas sabem mas era exportada de Piracicaba para a Inglaterra. Meu avô tinha
uma chácara na Parada Camargo situada no sentido Piracicaba- São Pedro. Ficou
para o meu tio Joaquim Camargo que doou para uma ordem religiosa de freiras que
residem até hoje naquela localidade.
Qual é a origem do sobrenome
Camargo?
Meu tio Felisberto Cardoso de
Camargo, agrônomo, pesquisou a origem da família Camargo, descobriu uma ilha na
França, nos mapas antigos há a ilhazinha na França chamada Camargo. Minha avó
materna é da família Cardoso, de origem portuguesa. O meu avô José Basílio de
Camargo deve ser de uma segunda geração de imigrantes que se estabeleceram
inicialmente em São Paulo. Muitos escravos quando foram libertos assumiam o
sobrenome do seu antigo proprietários.
DA DIREITA PARA A ESQUERDA O PAI DE PAULO É A QUARTA PESSOA AO SEU LADO A MÃE DE PAULO
Você iniciou seus estudos em qual
escola?
O curso primário eu estudei no
Grupo Moraes Barros. Ao lado existia a Farmácia Popular. Há uma propaganda
dessa farmácia na Fanfulla, junto com propagandas de comerciantes de São Paulo,
como o Matarazzo, por ai você vê a importância de Piracicaba na época. (O
jornal Fanfulla foi fundado pelo jornalista italiano Vitaliano Rotellini).
Conheci a Fábrica de Bebidas Andrade, lembro-me de que havia um rótulo com a figura
de um tamborzinho de madeira e um homem com uma garrafa em cima. Naquele tempo
o córrego Itapeva era a céu aberto. João Laurelli era tio da minha mãe, foi um
construtor muito antigo em Piracicaba. Tempo em que amassava-se o barro com o
pé. A Estrada de Ferro Sorocabana passava ao lado do sobrado, carreguei muito
cimento. O caminhão encostava de ré junto a porta de correr do vagão, pegava a
chave do vagão, ele era tirado da linha principal e colocado no desvio.
Lembro-me que na Estação Sorocabana, assim como na Estação da Paulista havia um
cocho de água para cavalos. O cocho da Sorocabana ficava onde hoje é o terminal
Municipal de Ônibus Urbano. Eu encostava o caminhão um pouco mais adiante, era
um Chevrolet, nessa época eu já era motorista habilitado, descarregava 750
sacos de cimento, sozinho. Não acredito que exista hoje um homem que faça isso
sozinho. O pior de tudo é que saia do forno da fábrica Votorantin, quando abria
o vagão estava transpirando, colocava um saco de cimento vazio amarrado na
barriga e fazia duas pilhas de 75 sacos em cada lado do caminhão. Fazia duas
viagens de 150 sacos cada uma antes do almoço. A entrega era feita pelas ruas
com um Ford 1929, após o almoço fazia mais duas viagens. Eu trabalhava para o
meu pai. É um serviço bem difícil de fazer.
Só comprava cimento quem tinha
disponibilidade financeira abastada?
Era um valor alto e vendido com
pagamento a vista. As construções não gastavam muito cimento. Usava-se muito
saibro e areia e massinha para rebocar. Aí começaram os pisos, havia tempo em
que o cimento era racionado. Antes do sobradão meu pai fez um depósito, embaixo
dos dois prédios que existem na Rua Benjamin Constant, havia a garagem, eu
descia e descarregava embaixo. As entregas picadas eram levadas pelo Fordinho.
Não existiam vendas como hoje, não se vendia de uma só vez 50 sacos de cimento.
Um adquiria três sacos, outro adquiria cinco, dependia muito do acabamento. Eu
fazia essas entregas, sozinho também. Meu pai tinha duas carroças e dois
empregados, um cavalo chamado Periquito e um burro chamado Saudoso. À tarde eu
levava a pé, no fim da Rua Benjamin Constant meu pai tinha 32 alqueires de
terra que formaram os bairros Risca-Faca (hoje Vila Cristina), Jardim Tóquio,
foi tudo loteamento feito por ele. Ele tinha adquirido essa área da Dona Jane
Conceição. As terras dele iam até a estrada que vai para Botucatu. Na época já
havia a caieira de Felício Tozzi, onde atualmente há o Shopping Paulistar e uma
loja do Supermercados Beira Rio, só que não dava para passar com o cavalo por
ali, era uma pinguela, eu ia pela Avenida São Paulo, pegava a Avenida Raposo
Tavares que na época era conhecida como Carreador do Cafezal. Não havia nada,
era uma estrada. Ali eu deixava o cavalo na sede da propriedade, onde começou o
Jardim Glória. Dali eu voltava a pé e atravessava na pinguela. No dia seguinte,
pela manhã, um negro de nome Benjamin, trazia a carroça, o leite , em casa, ele
vinha pela Avenida São Paulo. Trazia o cavalo amarrado junto a carroça e o
burro tracionando a mesma. Inicialmente as entregas eram feitas pelas duas
carroças, depois é que comecei a entregar com o Fordinho.
Quantos sacos de cimento cabiam
em uma carroça?
Na carrora, que era de roda de
ferro, cabiam 25 sacos de cimento eram trazidos pela Companhia Paulista de
Estrada de Ferro, vinha de Perus, cidade próxima a São Paulo. Chegava o vagão e
as duas carroças iam puxando, nem me lembro quantas viagens eram feitas por
dia. Da Paulista para cá o problema era o freio da carroça, descia a Rua
Governador Pedro de Toledo, virava no sentido da Rua Benjamin Constant e da
Fábrica de Bebidas Orlando em diante descia pela mesma até chegar à porta do
barracão. Na esquina da Rua Moraes Barros com a Rua Governador Pedro de Toledo
era a Farmácia Raya, propriedade de José Cançado. A loja Porta Larga foi do meu
avô também. Antes dele vender para a família Maluf chamava-se Loja do Sol.
Você tem lembranças de fatos
ocorridos com o trem da Estrada de Ferro Sorocabana?
O trem passava bem em frente a
loja de ferragens, um caso que me lembro foi quando veio um daqueles carrinhos
de manutenção, colocaram uns cinco ou seis trilhos grandes, encheram de tijolos
em cima, no vagão plataforma, sentados em cima dos tijolos tinha uns três ou
quatro funcionários, ao lado da linha havia a cerca viva, dava para ver o trem
mas não dava para ver o carrinho que era baixinho, ao cruzar a Rua Moraes
Barros, esquina com a Avenida Armando Salles, por onde havia a linha de trem, um
automóvel bateu na ponta do trilho, fez o movimento de um liquidificador,
esparramou tijolo, trilho, pessoas.
Não tinha porteira impedindo a
passagem de veículos quando o trem passava?
Tinha porteira, o funcionário da
Sorocabana ficava sentado o dia inteiro, fazendo jacá, cesta de bambu. Como não
era horário normal de passagem de trem o funcionário não estava em seu posto. A
passagem de trens não era tão constante.
Era muito comum fazerem a limpeza
do pátio da estação e jogar o lixo no ribeirão Itapeva, nas imediações da atual
Avenida Dr. Torquato da Silva Leitão, ia uma máquina e um vagão para
descarregar o lixo naquele local.
Era uma festa! A molecada ia em
cima do vagão para ajudar a descarregar, eu nunca participei disso.
Vocês vendiam areia?
Quem vendia areia era o Adamoli.
Ele retirava do Rio Piracicaba, perto do trampolim. O Adamoli vendia
diretamente ao cliente, para nós não compensava a mão de obra de tirar e
carregar novamente. Também não vendíamos tijolos. Vendíamos cerâmica. A
primeira cerâmica vendida em Piracicaba foi vendida pelo meu pai. Vinha da
Cerâmica São Caetano. No inicio era muito utilizada para beiral de janelas.
Depois ela começou a mandar lajotas grandes, saiu um lajotão para fazer piso,
só que não tinha a queimação adequada desgastava em pisos muito usados. Daí
começou a aparecer os ladrilhos, eram feitos com a prensa. O Paulo Franco,
nosso vizinho fazia ladrilhos hidráulicos, com cimento, prensados.
Embora na época a sua família
fosse considerada uma família de posses, você trabalhava pesado?
Todos tinham que trabalhar! Mesmo
sendo descendente de uma família com um bom poder aquisitivo a pessoa tinha que
trabalhar. Até quem era rico tinha que trabalhar! As cervejas eram entregues em
carrinho de tração animal, parecia uma diligência a estilo americano, colocavam
plumas nas cabeças dos cavalos. Ficava bonito. O Valentin Piccinatto parava a
carroça para entregar cerveja nós ficávamos olhando. Em Piracicaba havia uma
fábrica de cerveja, na Rua Benjamin Constant, no fundo era o ribeirão Itapeva,
a água descia por uma torre para resfriar, o Charantula era o dono do terreno,
eu lembro-me por causa da tubulação que jogava toda água por fora, era bonito
de se ver.
Na época existia a empresa
Vesúvio?
Eles faziam fogão de lenha,
portas de aço, eu conheci por Vesuvio, não me recordo o nome da família. Lembro
que ficava na Rua Governador Pedro de Toledo e saia na Rua Benjamin Constant,
atravessava o quarteirão. Ficava onde é o Tite, casa de materiais elétricos. Com
16 anos eu sofri um acidente, eu estava com o bolso da calça do lado direito
cheio de bombas, ele pegou fogo. Meu pai vendia bombas. Coloquei algumas no
bolso, por brincadeira um colega colocou fogo. Queimou a minha perna, fiquei um
ano e meio na cama, fui para São Paulo para fazer cirurgia plástica, meu tio,
irmão do meu pai, era chefe da Guarda Civil, acompanhou-nos. Fiz a cirurgia
plástica, fiquei pior, na época encheram de sulfa, deu uma intoxicação de
fígado, disseram que era melhor que me trouxessem para Piracicaba porque eu
iria morrer.
Após a conclusão do curso
primário no Grupo Moraes Barros você foi estudar em que local?
Fui estudar no Dom Bosco em
Campinas como aluno interno, em Piracicaba ainda não existia o Dom Bosco. Uma
das boas coisas que guardo lembrança é o futebol. Permaneci lá por uns dois ou
três anos.
NO COLÉGIO DOM BOSCO DE CAMPINAS, PAULO É O SEGUNDO DA DIREITA PARA A ESQUERDA EM PÉ.
Após concluir o curso em Campinas
qual foi a sua próxima etapa nos estudos?
Por insistência de um colega,
filho do Dr. Bermudes de Toledo Prestei vestibular no Mackenzie em São Paulo,
passei em décimo primeiro lugar. Éramos em 400 e poucos alunos prestando o
vestibular para o curso de eletrotécnica. Eu não gostava de química o Clayton Bermudes
era químico.
O que o levou a escolher o curso
de eletrotécnica?
Eu sempre gostei de coisa mais
complicada! Meu cunhado, Guerra de Andrade, já era formado lá. Ele trabalhava
na Usina Santa Bárbara. Quando estudava no Mackenzie eu morava em uma republica
de estudantes, próxima a Praça Buenos Aires. Já era um bairro mais refinado.
Lembro-me que morava nessa republico o Caruso, irmão do Caruso, da relojoaria,
Cyro Gatti. Eram de Piracicaba. Depois passei a trabalhar na Light, no Viaduto
do Chá, no quarto andar. Para poder trabalhar não podia permanecer no
Mackenzie, as aulas eram em período integral. No Paraíso havia a Escola Bandeirantes,
a maioria dos alunos eram japoneses que trabalhavam durante o dia e estudavam a
noite. Como o curso no Mackenzie era puxado, eu acabei dando aulas para os
japoneses. Ia à academia de judô na Avenida da Consolação com o campeão
Pan-Americano Ricardo Kurachi. Isso foi após recuperar-me do acidente, eu
estava tão preparado que fui até recomendado para disputar o campeonato
paulista de judô. Eu andava por muitos lugares de São Paulo, de bonde
“camarão”, ônibus elétrico.
PAULO EM UMA RÉPLICA MONZA
Qual era a sua atividade na
Light?
Quando souberam que eu tinha
estudado no Mackenzie já fui logo admitido. Quando entrei, saiu um japonês que
fazia ligação provisória, tinha suas dificuldades, tinha que conhecer o circuito
de rua, olhar os mapas. Por exemplo, um circo ia se instalar em determinado
local, às vezes tinha que colocar um transformador. Minha seção tinha 18
pessoas, quando fui sair o meu chefe, Dr. Suriam, disse que sentia muito, um
funcionário levava muito tempo para aprender a fazer ligação provisória e eu em
uma semana já sabia fazer. Na época tinha um jipe Candango, embaixo do Viaduto
do Chá, eu descia, o motorista estava lá, eu levava o binóculo, se tivesse
transformador eu olhava a carga, atendia reclamações em empresas onde estava
queimando muito o fusível. Via a potencia que os motores tinham, dizia se fosse
o caso: “Está gastando muito, se ligar tudo ao mesmo tempo irá queimar mesmo!
Ou você tem que mudar a sua carga ou ligar só as máquinas que mais precisa”. Na
Light permaneci uns dois anos e meio.
Você lembra-se da época do gasogênio?
Meu pai alugou para o Gianetti
uma área atrás do sobradão, para despejar carvão e tinha um homem que passava o
dia inteiro quebrando carvão. Tem que ter um determinado tamanho para colocar
no gasogênio. Na época não tinha ônibus para São Paulo, o percurso de carro era
feito com carros movidos a gasogênio. Forma um braseiro, solta um pinguinho de
água em cima, forma um gás e o veículo movimenta-se. Iam e voltavam para São Paulo!
Com carvão! O dono da fabrica Lorenzetti
tem um sitio na Serra de Santos, até hoje anda com um automóvel Brasília com
gasogênio!
Aí você voltou a Piracicaba?
Voltei à Piracicaba, meu pai
disse-me: “-Fique com a loja!” Eu fiquei com a loja. Fiquei alguns anos com a
loja, depois vendi para o Periañes. A loja é uma prisão. Se deixar na mão de
terceiros não sai da forma que você quer. Naquele tempo é que conheci o Maks
Weiser , ele tinha o posto de gasolina
na Rua Governador Pedro de Toledo esquina com a Rua São José onde hoje é um
edifício. Vendeu o posto e montou a revenda de carros. Fui ao rancho um dia com
ele, ele disse-me: “-Paulo, venha sempre aqui, você cozinha, mergulha, pega
peixe, faz tudo.” Na outra esquina tinha o bar de um japonês, o Mário Miyazaki.
O Sidnei Varchesky vivia de macacão de aviador, passou embaixo da ponte de
Artemis (Antigo Porto João Alfredo), eu estava no assento de traz, ele queria
me assustar, já que eu fazia loucura com o Fordinho
Você é bom cozinheiro?
Se eu quiser fazer faço uma boa
comida. Só não guardo a receita, invento e faço.
Você foi se tornando cada vez mais amigo do
Maks?
Naquele tempo não havia cegonha,
combinei com ele, ia buscar o carro na fábrica, passava na Florêncio de Abreu
onde tinha muitas lojas ferragistas e trazia mercadorias para minha loja,
quando era um volume muito grande eu despachava pelo trem da Companhia Paulista
de Estradas de Ferro. Foi assim que eu trouxe muitos automóveis DKW para
Piracicaba. Pegava o carro na Vemag, todo cheio de graxa, que eles deixavam em
um pátio, com um jornal e um pouco de gasolina limpava o para-brisa e vinha sem
placa, sem licença. Só uma vez que o guarda parou, o Geni Totti estava com
outro veiculo na frente, o guarda ficava em cruzamento de ruas, em cima de um
pedestal, uniforme azul e apito. O Geni cortou a frente dos outros carros, para
não me perder fui atrás, conversei com o guarda, disse-lhe que tinha sido um
engano. Essa era a rotina, duas, três, quatro vezes por mês ia buscar um carro.
Após vender a loja qual foi a sua atividade?
Peguei uma parte do sítio, montei
uma leiteria, no Bairrinho, eram 50 alqueires, cheguei a ter 100 vacas de
leite, tendo sempre 40 em lactação. A média era de uns doze litros de leite ao
dia. Há vacas que dão o dobro. Vendia para o Laticínio Piracicaba. Em Limeira
vi a maquina de fechar saquinhos, na época eram caras, fiz uma máquina. Passei
a embalar o leite. Eu tinha uma freguesia de casas e o resto entregava no
laticínio. Fiquei uns sete anos com a leiteria. Decidi mudar de ramo, passei a
comercializar automóveis usados: DKW, Gordini, Chevrolet. Tanto o Maks como o
Geni mandavam-me veículos para vender. O sobradão ficou com as minhas
sobrinhas: Gina, Marta e Renata Camargo Guerra.
Como eram essas corridas com o Maks?
O Maks viu que o DKW desenvolvia
uma boa velocidade com adaptação de motor, pistão, ele comercializava DKW,
começou a correr para inclusive divulgar mais a marca. Veio um alemão, viu
aquela febre de corridas aqui, meio quieto, perguntando, queria conhecer mais
detalhes, colocou no dinamômetro para medir a potencia, deu 100 cavalos. Sete
mil rotações por minuto. Ele quis levar o motor para a Alemanha. A condição que
lhe foi imposta era de que junto iria um técnico brasileiro, nosso,
acompanhando. Assim foi feto, talvez por causa da altitude, deu 115 cavalos de
potencia no dinamômetro da Alemanha. O Maks pegou o embalo, a Vemag patrocinava
tudo, e assim montamos uma equipe: Maks, eu, Geni Totti, os mecânicos Alcides Trevisan
e Djalma. Em São Paulo o Crispim. Viajamos pelo Brasil inteiro. Realizamos a
inauguração da Rodovia do Café, de Curitiba a Ponta Grossa. Ia rodando com o
carro até o local aonde iria haver a corrida. Meu papel era ser o coringa,
fazia de tudo, ia dirigindo o carro fazia de tudo. O carro era preparado conforme
a pista se tinha muita reta, pouca reta. A primeira marcha chegava a noventa
quilômetros! Isso porque era uma pista curta. Se colocasse uma marcha longa não
tinha arranque. Tínhamos tabelas, o Maks tem tudo! Ganhamos muitas corridas.
Quando uma cidade ia fazer aniversário já recebíamos um telegrama convidando
para ir com o DKW para correr. No Sul adoram uma corrida! O carro não tombava,
tinha cambagem negativa, havia muitos detalhes. Usávamos gasolina de aviação, a
gasolina verde.
PAULO DENTRO CO CARRO DE CORRIDA COM CAPACETE
AS CORRIDAS ERAM FEITAS NAS RUAS DAS CIDADES
TEXTO DO LIVRO DE MAKS WEISER ONDE ELE MENCIONA SEUS AMIGOS E COLABORADORES ENTRE ELES PAULO
AS CORRIDAS ERAM ACIRRADAS, AO FUNDO UM FUSCA E UM GORDINI
O senhor é bom de pesca?
Fui o primeiro a ir pescar no Rio
Araguaia. Eu ia todos os anos pescar no Rio Coxim, no Rio Araguaia. Eu tinha um
trailer.
Cimento
Portland Cimento
Portland é um tipo de cimento muito
utilizado na construção civil por sua resistência. O nome Portland foi dado em 1824 pelo químico
britânico Joseph Aspdin, em homenagem à ilha britânica de
Portland, no condado de Dorset. Joseph
Aspdin queimou conjuntamente pedras calcárias e argila, transformando-as num pó
fino. Percebeu que obtinha uma mistura que, após secar, tornava-se tão dura
quanto as pedras empregadas nas construções. A mistura não se dissolvia em água
e foi patenteada pelo construtor no mesmo ano, com o nome de cimento Portland,
que recebeu esse nome por apresentar cor e propriedades de durabilidade e
solidez semelhantes às rochas da ilha britânica de Portland. O
cimento pode ser definido como um pó fino, com propriedades aglomerantes,
aglutinantes ou ligantes, que endurece sob a ação de água. Com a adição de
água, se torna uma pasta homogênea, capaz de endurecer e conservar sua
estrutura, mesmo em contato novamente com a água. Na forma de concreto,
torna-se uma pedra artificial, que pode ganhar formas e volumes, de acordo com
as necessidades de cada obra. Graças a essas características, o concreto é o
segundo material mais consumido pela humanidade, superado apenas pela água. Com
diferentes adições durante a produção, se transforma em um dos cinco tipos
básicos existentes no mercado brasileiro: cimento portland comum, cimento
portland composto, cimento portland de alto forno, cimento portland pozolânico
e cimento portland de alta resistência inicial.
No Brasil, estudos para aplicar
os conhecimentos relativos à fabricação do cimento Portland ocorreram por volta
de 1888, quando o comendador Antônio Proost Rodovalho empenhou-se em instalar
uma fábrica na fazenda Santo Antônio, de sua propriedade, situada em
Sorocaba-SP. Várias iniciativas esporádicas de fabricação de cimento foram
desenvolvidas nessa época. Assim, chegou a funcionar durante apenas três meses,
em 1892, uma pequena instalação produtora na ilha de Tiriri, na Paraíba, cuja
construção data de 1890, por iniciativa do engenheiro Louis Felipe Alves da
Nóbrega, que estudara na França e chegara ao Brasil com novas ideias, tendo
inclusive o projeto da fábrica pronto e publicado em livro de sua autoria. Atribui-se
o fracasso do empreendimento não à qualidade do produto, mas à distância dos
centros consumidores e à pequena escala de produção, que não conseguia
competitividade com os cimentos importados da época.. A usina de Rodovalho
lançou em 1897 sua primeira produção – o cimento marca Santo Antonio – e operou
até 1904, quando interrompeu suas atividades.Voltou em 1907, mas experimentou
problemas de qualidade e extinguiu se definitivamente em 1918. Em Cachoeiro do
Itapemirim, o governo do Espírito Santo fundou, em 1912, uma fábrica que
funcionou até 1924, com precariedade e produção de apenas 8.000 toneladas por
ano, sendo então paralisada, voltando a funcionar em 1935, após modernização
efetuada pela Empresa Barbará & Cia, de propriedade do comerciante e industrial
Cachoeirense, Sr. Elpídio Volpini. Todas essas etapas não passaram de meras
tentativas que culminaram, em 1924, com a implantação pela Companhia Brasileira
de Cimento Portland de uma fábrica em Perus, Estado de São Paulo, cuja
construção pode ser considerada como o marco da implantação da indústria
brasileira de cimento. As primeiras toneladas foram produzidas e colocadas no
mercado em 1926. Até então, o consumo de cimento no país dependia
exclusivamente do produto importado. A produção nacional foi gradativamente
elevada com a implantação de novas fábricas e a participação de produtos
importados hoje
É muito difícil que o gasogênio venha ser usado em automóveis, principalmente na cidade: a adaptação custa muito caro e ele prejudica o comportamento dos carros leves por causa do peso. Além disso seu rendimento não é bom, como mostra o teste feito com um carro a gasogênio.
O gasogênio é inviável para o uso em automóveis, principalmente no trânsito urbano. E não só por causa do preço alto da sua adaptação, entre Cr$ 150.000,00 e Cr$ 200.000,00, mas também porque o carvão - o combustível - custa caro e torna o investimento de difícil recuperação.
Muito utilizado no Brasil durante a Segunda Guerra como decorrência do racionamento da gasolina, o sistema não é vantajoso também para percursos curtos. Além disso, existe o fato de que a sua instalação modifica, de maniera ponderável, o comportamente do automóvel por causa do peso.
O uso do gasogênio já está regulamento pela STI (Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio). Pode ser utilizado em carros de passeiuo, desde que os fabricantes dos aparelhos consigam demonstrar aos técnicos da STI que a segurança dos veículos não será prejudicada.
Desvantagens
Tudo indica, porém, que o gasogênio será mais usado em picapes (veja o teste de uma C-10 na página 62), caminhões, ônibus, tratores, caldeiras e motores estacionários, principalmente nas zonas rurais próximas das regiões produtoras de carvão vegetal, onde ele é mais barato e fácil de obter.
Responsável pela equipe que vem desenvolvendo o "projeto gasogênio" para a Lorenzetti (indústria mais conhecida pela fabricação de chuveiros, e que foi uma das primeiras a produzir sistemas a gasogênio para carros, em 1941), o engenheiro Eduardo Moura está convencido de que a grande vantagem desse combustível será sentida no interior, onde o preço do carvão é bem mais acessível.
- Um quilo de carvão, que chega a custar Cr$ 4,00 no interior, rende tanto quanto um litro de gasolina. Mas nas capitais existem alguns inconvenientes para o uso do gasogênio: a dificuldade de se conseguir carvão e o seu preço, de aproximadamente Cr$ 40,00 por quilo nos supermercados.
Um carro movido a gasogênio não tem funcionamento imediato: é preciso esperar de 5 a 10 minutos para que o gás, formado no gerador pela queima do carvão, seja suficiente para alimentar o motor. Começa aí, então, o aquecimento do motor com gasolina ou álcool (por lei, um veículo adaptado para o gasogênio deve manter o uso de seu combustível original). Só depois é que o motor passa a ser acionado pelo gasogênio, por meio da manipulação de botões instalados no painel do carro.
O que é um inconveniente: para um percurso curto, o uso do gasogênio pode vir a ser menos econômico do que o de gasolina ou álcool. O que limitará o uso de veículos movidos a gasogênio nos centros urbanos. Essa conclusão é reforçada por uma recente pesquisa que revelou que na cidade a grande maioria dos motoristas percorre em média 10 km com o motor funcionando continuamente 20 minutos.
Eduardo Moura aponta outra dificuldade para o uso do carro a gasogênio nos centros urbanos:
- É muito difícil evitar sujeira durante a limpeça dos filtros e o abastecimento de carvão. Por isso convém fazer isso em lugares espaçosos, que não incomodem outras pessoas. Duvido que o síndico de um prédio de apartamentos permita operações como essas na garagem.
Além de tudo é preciso habilidade e algum conhecimento técnico:
- É necessário limpar a cada dois dias alguns elementos filtrantes do aparelho para evitar entupimentos que impedirão a passagem constante do gás até o motor. E a autonomia do veículo a gasogênio é bem inferior à do carro a gasolina ou álcool, o que exige abastecimento mais freqüente.
A queda no desempenho
Outro aspecto que contribui para a inviabilidade do gasogênio em automóveis de passeio é a perda de potência do motor.
Segundo a Lorenzetti, um motor a gasolina adaptado para o uso do gasogênio perde cerca de 30% de potência, uma perda séria em veículos equipados com motor de pequena cilindrada.
Segundo o engenheiro da Lorenzetti, que andou muito em um VW 1500 adaptado para o uso do gasogênio pela própria fábrica, a queda de potência dificultou o uso do carro:
- Um dos graves problemas era o das saídas de sinais: o carro saía lentamente e atrapalhava o tráfego. Na estrada o rendimento caía muito nas subidas: era duro agüentar os motoristas de caminhões irritados com a lentidão do meu carro.
É por tudo isso que Eduardo Moura acha melhor adaptar o gasogênio a automóveis maiores e mais potentes.
- Nos carros grandes a perda de potência não é tão sentida. O desempenho deles permitirá que acompanhem o fluxo normal do trânsito.
Sobre o desempenho, Eduardo diz também que a queda acentuada de potência num motor a gasolina ocorre por causa de sua baixa taxa de compressão. Apesar de a Lorenzetti não ter feito testes com motores a álcool, de taxas mais elevadas, ele acredita que neles o rendimento cairá apenas 5%.
Um dos maiores especialistas de automóveis no país e que lembra bem da utilização do gasogênio durante a Segunda Guerra Mundial, Jorge Letry, não acredita que esse sistema será usado nos automóveis atuais:
- Apelar para o uso do gasogênio nos automóveis é um absurdo, quando temos o álcool e outras soluções energéticas mais viáveis. Talvez se pudesse recorrer a ele se houvesse um racionamento de gasolina, como aconteceu durante a guerra.
E a segurança?
Letry também aponta um aspecto curioso em relação ao uso do gasogênio nos dias de hoje:
- Os sistemas atuais são quase iguais aos de antigamente. As mesmas fábricas que desenvolveram o gasogênio na época do racionamento voltaram com a idéia. E essa é uma tecnologia muito desatualizada em relação aos automóveis modernos, o que significa um problema para a segurança.
Apesar de não ter dirigido nenhum carro atual movido a gasogênio, Letry acha quase impossível obter resultados satisfatórios em dirigibilidade:
- É só imagina um fusca com mais 120 kg do aparelho no eixo traseiro. E o Fusca normalmente já tem 60% do pesso atrás. Duvido que se consiga dirigibilidade com as rodas dianteiras. E para enfrentar uma subida íngreme com esse peso na traseira? Tenho até a impressão de que o Fusca é capaz de empinar.
Para Letry, a instalação do aparelho de gasogênio não prejudicará só a estabilidade um Fusca como também de qualquer outro carro:
- Imagine só como andaria um carro de tração dianteira com aquele peso atrás.
Segundo a STI, o aparelho de gasogênio deve ficar em suportes estruturais do veículo, no compartimento de carga (para caminhões e picapes) ou em reboque apropriado. A instalação do aparelho numa carreta pode ser boa solução apra automóveis, pois não compromete a sua estrutura.
Carreta, uma solução?
- Utilizando o sistema acoplado a uma carreta, o motorista pode usar o carro normalmente e só instalar o gasogênio quando precisar andar muito, quando terá certeza de que economizará combustível - lembra Eduardo Moura.
Mas o uso do gasogênio em carreta é mais difícil ainda nos grandes centros urbanos. Por causa do baixo rendimento do carro e da extensão da carreta, ele atrapalharia ainda mais o trânsito. Seria difícil também de estacionar e ocuparia a vaga de dois automóveis.
Para usar somente nos fins de semana, quando a carreta sria acoplada para viagens mais longas, o proprietário teria de ter uma garagem bem grande.
Por causa de todas essas dificuldades, os principais fabricantes de aparelhos de gasogênio não acreditam que eles venham a ser usados em automóveis.
No caminho certo
- As fábricas ainda não podem investir muito em projetos mais compactos e mais leves para automóveis, pois isso não seria rentável a curto prazo - explica Eduardo Moura.
Por isso estão mais interessadas no amplo mercado de transporte de cargas (caminhões, ônibus, picapes e tratores) e industrial (geradores, caldeiras e motores estacionários). São áreas em que o gasogênio vem demonstrando ser mais viável. Tanto que a Volkswagen do Brasil já vem fazendo experiências com motores estacionários movidos a gasogênio.
Segundo a Securit, outra fábrica que pesquisa o sistema, "o gasogênio constitui alternativa altamente econômica já que o carvão vegeral é matéria-prima facilmente encontrável em zonas rurais e de baixo preço. Atualmente, o quilo do carvão custa cerca de Cr$ 11,00 no varejo, caindo para Cr$ 4,00 se adquirido em carvoaria, por atacado.
Caso o usuário decida fabricar seu próprio carvão, como podem fazê-lo reflorestadores e fazendeiros, o custo do produto fica em torno de Cr$ 0,80 o quilo, o que acentua ainda mais as vantagens de economia operacional do gasogênio".
Para uso em veículos grandes, o gasogênio é viável
- Eu já ando com gasogênio há dez anos e acho esse o melhor sistema.
A opinião de Bráulio Gruailute expressa bem sua satisfação com o gasogênio. Ele é motorista da Lorenzetti para veículos movidos a gasogênio. Com 61 anos e muita prática no uso desse sistema, Bráulio nos acompanhou no primeiro teste feito com um veículo movido a gasogênio: uma picape C-10 com motor de seis cilindros a gasolina.
Começamos avaliando o consumo da picape a gasolina e vimos que o motor batia pino. Bráulio explicou:
- Avançamos a regulagem do distribuidor, porque assim o motor rende melhor com gasogênio. Mas bate pino quando se usa gasolina.
Depois de quase 200 km, enchemos o tanque, e a picape obteve a média de 5,45 km/litro - média razoavelmente boa para estrada, levando-se em conta o avanço do distribuidor e o peso do aparelho instalado na caçamba - ele tira cerca de 1/3 da capacidade de carga da picape, sem contar o carvão necessário para viagens longas.
Bráulio já havia explicado a maneira correta de dirigir o veículo, quando movido pelo gasogênio, mas insistiu em começar guiando para que percebêssemos melhor o funcionamento. Colocou 15 kg de carvão no gerador e acendeu-o com uma estopa embebida em gasolina. Antes de o carvão formar gás suficiente para movimentar o motor, ele fez uma demonstração:
- Liguei o carro com gasolina e vou passar rapidamente para o uso do gasogênio. Assim o motor falha quando o gás ainda não está no ponto.
Cinco minutos depois o carro já funcionava normalmente a gasogênio, sem que se percebesse perda de rendimento. Mas quando chegou à primeira subida mais forte, a velocidade baixou a 50 km/h, embora sendo acelerado até o fim.
Depois de 5 km, começamos a dirigir. A impressão era de que seria fácil guiar com gasogênio, como vinha fazendo Bráulio até ali. Ligamos o motor usando gasolina e fomos seguindo as recomendações dele. Primeiro, movemos a chave da esquerda do painel e interrompemos a passagem de gasolina para o carburador. Esperamos até o motor falhar, quando acabou de consumir o resto de gasolina que havia permanecido no carburador, e puxamos o botão de entrada do gás. Então fomos controlando, por meio de outro botão, à esquerda, a entrada de ar que se misturaria ao gás antes de ele chegar ao motor. Mas o motor começou a falhar e morreu.
- O botão de entrade de ar é muito sensível - lembrou Bráulio.
Na segunda tentativa acertamos mais ou menos a entrada de ar e pusemos a picape em movimento. Uns 50 metros à frente o motor voltou a falhar e parou. Bráulio explicou:
- É assim mesmo. Quando uma pessoa compra o aparelho na fábrica, fica comigo umas quatro horas aprendendo a dirigir. O segredo é só o botão de entrada do ar.
A partir daí não houve mais problemas: era preciso ir regulando o botão. Pisando fundo no acelerados, percebemos que o rendimento da picape havia caído muito em relação ao uso de gasolina. Na subida seguinte a velocidade caiu para 40 km/h; engatada a terceira, ele apenas consegui manter a velocidade.
- Em trechos assim, o melhor é usar gasolina para não atrapalhar o tráfego. É só virar o botão e fechar a entrada do gás que o motor volta a funcionar instantaneamente a gasolina - explicou Bráulio.
Mas não podíamos usar gasolina para não prejudicar a avaliação do consumo do motor a gasogênio, e o jeito foi continuar subindo a serra devagar, mais rápido um pouco apenas do que alguns caminhões que transportavam toneladas de carga.
Já tínhamos andado uma hora e 15 minutos quando o motor começou a falhar: havia acabado o carvão do gerador. A autonomia do gasogênio tinha sido de 64 km, com média de consumo de 4,27 km/kg de carvão. Portanto, a picape gasta mais carvão do que gasolinia (5,45 km/litro), mas evidentemente o carvão custa mais barato, embora seu preço varie. Se tivéssemos comprado o carvão em um supermercado de São Paulo, por Cr$ 40,00 o quilo, gastaríamos Cr$ 9.637,68 para rodar 1.000 km. A Cr$ 11,00, o preço médio de carvão no interior, o custo seria de Cr$ 2.576,09. E a Cr$ 4,00 o quilo, se comprado em grande quantidade numa carvoaria, o custo desse percurso seria de Cr$ 936,76. Com gasolina, por Cr$ 60,00 o litro, o custo seria de Cr$ 11.009,17.
Na pista de teste, comprovou-se que com gasogênio o motor rende menos, quando usado sem modificações na taxa de compressão: a C-10 movida a gasolina chegou à velocidade máxima de 128,430 km/h, com gasogênio, caiu para 95,240 km/h. Nas acelerações, a diferença foi maior: para chegar a 80 km/hm, partindo da imobilidade, demorou 39,82 segundos, contra 12,53 da picape movida a gasolina.
São 120 quilos a mais para afetar o equilíbrio
O gasogênio transforma, por combustão, a lenha ou carvão em gás pobre. Não um gás apenas, mas vários, como nitrogênio, hidrogênio, monóxido de carbono e metano, misturados em proporções variáveis.
Esse gás é obtido no próprio gerador do aparelho, onde é depositado e queimado o carvão. Para isso, o gerador deve estar carregado - são 15 kg de carvão no aparelho testado da Lorenzetti. Depois é só acender uma mecha de estopa ou algodão embebido em combustível líquido, e colocá-la sobre a chapa na parte inferior do gerador. Está dada a partida.
A mecha vai incendiar carvão, enquanto os furos na parte lateral inferior do gerador garantem a entrada de oxigênio, necessário para alimentar a chama. Cinco minutos depois, o carvão queima.
No próprio gerador há um recipiente que recebe a água colocada num reservatório acima da carroceria do veículo. O calor ferve a água, que se transforma em vapor e se mistura com o gás originário da queima do carvão. Aí já está formado o gás que passará a movimentar o motor.
No entanto, o gás que sai da mistura entre queima de carvão e água é muito sujo e prejudicial para o motor. Por isso tem que passar por vários filtros, até que chegue bem limpo ao motor.
O motor, quando funciona a gasogênio, passar a aspirar o gás por sucção. Mas o caminho do gás é complicado. Logo que sai do gerador, ele passa pelo primeiro filtro, uma serpentina, que retém impurezas maiores. O funcionamento desse filtro é simples: o gás vem do gerador e toca a parte superior da serpentina. Com o choque, as partículas mais pesadas (fuligens do carvão) ficam depositadas na parte inferior (onde se encontra o cinzeiro), e o gás volta a subir em direção do motor.
Por meio de um tubo de condução, o gás encontra outro obstáculo: um filtro com água emulsionada com óleo solúvel. Esse filtro maior, do mesmo tamanho do gerador, retém outras impurezas, pois o gás é obrigado a atravessar a água, fazendo-a borbulhar, e passar entre tubos de palhas de aço.
Dois filtros de sisal vêm a seguir no caminho do gás. O primeiro elimina o alcatrão do carvão, enquanto o segundo tira o excesso de umidade. Já no compartimento do motor, o gás enfrenta o último osbtáculo; um pequeno filtro de sisal em banho de óleo 20-50. É nesse filtro que o gás se mistura com o ar, cuja entrada o motorista controla, e vai para o carburador.
Segundo os fabricantes de gasogênio, um motor movido com esse combustível é menos poluente que o a gasolina ou a álcool. Não cheira mal, não faz fumaça e nem suja o veículo. A DEAM (Diretoria de Engenharia do Ar e Ação Metropolitana da Cetesb) não fez, até o momento, nenhum estudo de poluição do motor a gasogênio em veículo. Mas, apesar disso, essa acha que o gasogênio não é poluente quando o veículo está em movimento, pois o motor consome todo o gás formado no gerador. A preocupação maior é quando o veículo está parado e com o carvão aceso no gerador, porque então os gases podem contaminar o ar.
- Mas como o veículo a gasogênio dificilmente será bem sucedido nos grandes centros urbanos, não há o que temer. Será mais usado em zonas rurais, onde não há riscos de poluição do ar. Apenas nos preocuparíamos se o gasogênio fosse usado em mais de 2.000.000 de veículos - diz um dos engenheiros desse departamento da Cetesb.