domingo, novembro 19, 2017

ANTONIO CARLOS GIULIANI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista

joaonassif@gmail.com
Sábado 18 de novembro de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/







ENTREVISTADO: ANTONIO CARLOS GIULIANI

A trajetória profissional do Professor Doutor Antonio Carlos Giuliani impressiona pelo seu dinamismo e o reconhecimento natural das suas atividades. Com extenso currículo, estampamos aqui uma pequena parcela das suas realizações. Bacharel em Administração, Mestrado e Doutorado em Administração – UNIMEP. Especialização em Marketing pela FGV - Fundação Getúlio Vargas, e pela University of Califórnia Berkeley. Consultor do INEP/Ministério da Educação. Administrador, com mais de 25 anos de experiência profissional no setor de varejo e serviços. Professor do PPGA – Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado Profissional e Doutorado em Administração e Coordenador do MBA em Marketing e Negociação / UNIMEP - Universidade Metodista de Piracicaba. Professor visitante e conferencista das universidades: Universidad Boliviana Catolica “San Pablo” – Bolívia, Universidad de Guanajuato – México, Universidad del Azuay – Equador, Universidad Libre Seccional Cali – Colômbia, Universidad Madero - México, Universidad Nacional de La Plata – Argentina, Universidad Sevilla - Espanha. Áreas de competência: Varejo e Serviços, Marketing e Estratégia. Autor de 30 livros no Brasil, Argentina, México e Estados Unidos. Trabalhos publicados em periódicos nacionais e internacionais. Master Coach/Mentor e Analista Comportamental, Modalidades Carreira e Business. Professor homenageado, paraninfo, de dezenas de turmas de formandos universitários. Recebeu da Câmara de Vereadores de Piracicaba o Diploma de Reconhecimento de Mérito pelo "Dia Municipal do Escritor". O piracicabano Antonio Carlos Giuliani recebeu em setembro o certificado de pós-doutorado (postdoc). Apesar de acumular títulos e reconhecimentos tanto no Brasil como em muitos países do exterior, tem a postura dos sábios: simplicidade e humildade. Recentemente dedicou-se, gratuitamente, a uma palestra sobre marketing à um pequeno grupo de pessoas da terceira idade, que permaneceram magnetizadas com sua exposição altamente técnica e complexa  em linguagem coloquial. O que a princípio parecia ser tão distante de todos os presentes, constatou-se ser o cotidiano de cada um.

Qual é a sua relação de parentesco com monsenhor Giuliani, pároco emérito da Igreja São José?

Sou filho de Antonio Giuliani e Geni Giuliani que tiveram dois filhos, eu e minha irmã Ana. O meu pai era primo do monsenhor Giuliani. Sou nascido em Piracicaba a 28 de julho. Sou casado com Sandra Trombetta Giuliani, contadora, temos uma filha: Ana. Estudei na Escola Nossa Senhora Assunção, depois no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, Colégio Estadual Dr. Jorge Coury, um colégio fantástico, foi na época em que estava em seu auge, tive aulas com grandes mestres: Da. Conceição Brasil, Persão Magossi, Davi, Nogueira, Cecília Graner, Clemência Pizzigatti, Argemiro Ramos e sua esposa a professora Jandira Silveira Ramos, Bernadete, professora de francês, Donátila, professora de inglês. Minha primeira professora do jardim de infância foi a Rosali. No primeiro ano do grupo escolar foi Dona Neusa, nos outros anos tive aulas com Zilda Negri, Maria Filomena Fonseca Correia, no quarto ano tive aula com Dona Aparecida.




Você fez o cursinho pré-vestibular?

Fiz, eu pretendia prestar o vestibular de medicina, mais a pedido dos meus pais, era mais uma satisfação familiar. Decidi cursar administração, o meu pai tinha uma loja de comércio em Piracicaba, a loja Irmãos Giuliani, situada a Rua Governador Pedro de Toledo entre a Rua Joaquim André e a Avenida Dr. Paulo de Moraes, fundada pelo meu pai e meu tio Orlando. Eu trabalhei por 25 anos na loja. Foi uma loja muito conhecida na cidade e região.

A sua permanência por 25 anos no comércio proporcionou-lhe uma grande experiência.

Quando se trabalha no comércio de varejo, aprende-se a comprar, a vender, e o principal, que hoje falta no varejo: relacionamento! Não tem mais relacionamentos! Acabou! Você não tem mais atendimentos. Não tem Olho no Olho! È muito mecânico. A nova geração dos digitais está chegando, eles que irão comprar, mas não acredito que como ser humano irá querer só o contato mecânico, tecnologia, há a necessidade de se relacionar.

Atualmente qual é a sua atividade?

Hoje eu sou professor em tempo integral no Curso de Mestrado e Doutorado em Administração, Coordeno um MBA Master in Business Administration em Marketing, na UNIMEP, isso já faz 26 anos, eu conciliei, vida profissional,varejo, e ao convite de uma ex-professora, Nádia Pizzinatto que me levou ao magistério com isso tenho 31 anos de UNIMEP.

Você ministra palestras, seminários.

Como professor eu me realizo dentro de uma sala de aula. Fui coordenador dos cursos de mestrado e doutorado por 15 anos consecutivos. Ministro palestras sou convidado de quatro universidades no exterior, tenho uma página na internet giulianimarketing.pro.br

A loja Irmãos Giuliani marcou a vida de muitos piracicabanos. Por quanto tempo ela funcionou?

Meu pai teve a loja por 38 anos. Tinha uma clientela muito grande, era um nome muito forte na cidade, meu pai foi um visionário, um empreendedor. A entrada da loja era na Rua Governador Pedro de Toledo e a saída era na Avenida Dr. Paulo de Moraes, Na Avenida Dr. Paulo de Moraes tinha 1.200 metros de loja. Tivemos uma loja que tinha cama, mesa e banho, brinquedos, presentes, TV, som, vídeo, todo tipo de móveis. A pessoa entrava e mobiliava a casa, da entrada até a lavanderia com lavadora, secadora.

Vocês trabalhavam com o sistema de carnê próprio?

Tínhamos o carnê próprio, meu pai tinha uma estratégia para vender para os noivos que hoje tem outro nome, mas na época, a pessoa que fosse casar, ia até a loja, abria um crediário, e ia pagando conforme os recursos da pessoa permitiam. Ela não recebia a mercadoria de imediato, era nos moldes de um consórcio, os produtos eram pagos antecipadamente, para o cliente era bom porque naquela época havia bastante inflação. Quando fosse casar, o contrato estipulava que ele tinha que comunicar 90 dias antes para planejar a entrega. Os produtos entregues eram os mais atualizados.

A empresa chegou a ter quantos funcionários?

Mais de 60 funcionários. Cheguei a coordenar 35 vendedores, internos e externos.

Como trabalhavam esses vendedores externos?

Na época existia a venda porta a porta, eram efetuadas visitas aos possíveis compradores, montava-se uma pasta com catálogos dos produtos, o vendedor com um carro ia até Rio das Pedras oferecerem nossos produtos. Falar isso hoje parece que estamos falando da idade da pedra, só que o transporte de Rio das Pedras à Piracicaba não é como hoje que é tida como um bairro de Piracicaba, em função do acesso rápido. A venda externa efetuava o pedido, dali a uns quatro ou cinco dias entregava. Assim era feito com as cidades vizinha: Saltinho, Charqueada, São Pedro, Águas de São Pedro, existiam uns bairros que hoje são condomínios, como o bairro Santa Rosa, vendia na zona rural, o sítio tinha uma característica diferente, já se sabia os produtos que eram vendidos por impacto, então se levava máquina de costura, geladeira, fogões, já ia com a mercadoria. Visitavam-se no máximo três fazendas no dia. Chegava a faturar em até 36 meses! Pagavam direitinho! Meu pai comentou que comercializou refrigerador a querosene, rádio com bateria, eu não cheguei a vivenciar isso.

Imãos Giuliani foi um nome de muito peso.

Ele construiu uma boa marca! De marketing ele posicionou. Ate hoje encontro com pessoas e ao saber o meu nome perguntam o que eu era do Antonio! Quando digo que sou filho, a pessoa conta-me que comprou tudo lá: “Meu primeiro fogão, minha primeira geladeira”. Até hoje tem lembrança.

Nos dias atuais a mídia atua em uma velocidade que não permite que o indivíduo raciocine sobre a mensagem enviada e imediatamente bombardeia com uma nova mensagem de consumo, qual é a relação dessa mídia consumista com a violência urbana?

Inicialmente é importante entender que o marketing é feito a todo momento, entre organizações, pessoas, onde você vai trocar alguma coisa. Se eu trocar uma experiência, estou sendo produto, vou transmitir um conhecimento, estou vendendo algo intangível, um serviço. E para você comprar ou acreditar no que estou falando, tenho que ter uma embalagem, passar credibilidade, tenho que ser empático. Colocar-me no lugar de quem está me ouvindo para ver se estou falando em uma linguagem que vá atender a comunidade. O marketing começa por ai. Se você pega marketing na década de 60.70,80 e até alguns anos da década de 90 vimos um marketing muito agressivo. Era um marketing: Produto; Promoção;Comprar. Compra! Compra! Compra! Se você voltar o perfil do consumidor daquela época era de um consumista. Essa geração era aquela em queria ganhar dinheiro, ter um carro, quer uma casa. Trazendo para 2017, todas as estratégias de marketing utilizadas, estão sendo redirecionadas. Temos uma geração, dos “nativos digitais”, são aqueles que estão chegando aos seus 22 anos, mais uns três anos estarão com o poder de consumo na mão. Eles irão ditar as regras do mercado. Esse consumidor é diferente das gerações anteriores. Como é diferente da geração X, Y. Somos de uma geração de loucos por trabalho, em seguida vem outra geração que prioriza a qualidade de vida, temos agora a geração em que trabalho tem que proporcionar motivação e satisfação, não se fixa em lugar nenhum, um ano aqui, dois anos ali, não está bom aqui ele procura outro, é a tecnologia. Do mesmo jeito em que ele não se fixa, ele não é mais fiel as marcas. Ele vai pela oportunidade, e tem um fator: se a sua empresa é ética! O Marketing de Causa Social é aquele que trabalha só para conscientizar o consumidor a mudar a sua postura. Essa mudança de postura pode levar de cinco a dez anos, o tempo de uma geração. Essa nova geração está consumindo menos, não é em função de momento econômico do país, é um modelo diferente: “menos é mais”.  Invés de comprarem um carro prefere usar um Uber; porque vai construir uma casa na praia se pode alugar uma casa por quatro ou cinco dias sem ter que conservar o patrimônio, tendo despesas fixas. Hoje as cidades têm muitos imóveis antigos sendo vendidos, porém sem sucesso, porque não estão de acordo com o que a sociedade precisa atualmente. Ninguém dessa geração nova vai imobilizar um valor significativo em um imóvel. Essa geração está mudando tudo, o marketing já se ajustou. As empresas estão mais preocupadas em atender as necessidades. Fazer um produto que atenda aos anseios do consumidor.




Esse novo perfil de consumidor atinge a todas as camadas sociais?

Quando se fala em geração “nativo digital” não descrimino classes A,B,C,D. Todos tem esse comportamento. Hoje ele prefere ter um dinheiro na mão, pegar uma mochila, comprar uma passagem em uma época de promoção, ir viajar, conhecer vários lugares, sem se apegar a nada. Por isso temos hotéis fazendo locações de forma diferenciada, que é para atender a esse consumidor. As gerações anteriores não foram assim, quando saia de casa o hotel tinha que estar reservado. O marketing mais agressivo acabou. Não existe mais. Quem faz está morto! Não viu que esse tipo de marketing morreu.

A televisão já percebeu isso?

Percebeu, mas está sendo lenta na mudança. Quem vê novela hoje? Quem vê é a sobra da geração mais antiga. Um jovem não vê mais televisão, ele vai no YouTube, Netflix, hoje a pessoa cria um canal no YouTube, lá você faz o seu programa, as pessoas baixam, ouvem, participam, vai ver o seu programa quantas vezes quiser, no horário que quiser. Não tenho que sentar em frente a televisão em horário determinado para assistir um filme ou novela.

A desagregação familiar é fruto dessas mudanças?

O conceito de família, pai e mãe, mudou muito. Estar presente pai e mãe está muito diferente. Esse reflexo sim, eu já vejo que a sociedade está mostrando um lado negativo. Não há mais uma educação acompanhada. Assistida.

Você não é um conservador, essas afirmações são próprias de conservador.

Não sou conservador. Na minha profissão eu preciso entender quando você diz que precisa fazer uma estratégia de marketing para o consumidor da terceira idade. Sei como me comunicar com ele. Se eu pegar o mesmo produto e tiver que me comunicar com um nativo digital, tenho que tomar outra direção. Mais visual do que tanta fala, nativo digital não lê. Não sei o que será daqui a quatro ou cinco anos. Essa geração estará no mercado. Quando se começou a internet era tudo simplificado: Tudo bem escrevia-se “tb”, beleza “blz”, abraço “abç”. Hoje dentro das empresas no momento em que ela vai recrutar um profissional, ela já não aceita mais isso. Existem regras no mercado. Para mim, o conceito família mudou muito, e vai mudar muito. Acho que vão ser outras concepções. Quando você fala em diversidade de gênero, não sou contra, mas sou de uma geração que estranha no primeiro momento. Duas mulheres podem adotar uma criança e criar, só não sei antecipar como essa criança irá crescer. Hoje você pega indústrias de confecções, uma marca internacional de primeira linha, não está mais produzindo a roupa masculina e feminina. Produz um padrão. Pode usar o homem, pode usar a mulher. A família mudou e vai mudar mais ainda o conceito. O relacionamento está sendo substituído pela tecnologia, no caso o celular. Você assiste dentro de um restaurante, o pai, a mãe, filho, filha, namorado junto, todos quietos, cada um com seu celular!

Isso é um fenômeno mundial?

É uma questão mundial. O brasileiro tem um complexo de inferioridade. Essa geração nova está com um conceito novo de amigos, mais forte. Amigo é amigo de verdade.

O complexo de inferioridade é por falta de método por parte do brasileiro?

Eu acho que vem desde a sua educação. Teríamos que recebermos uma disciplina e uma orientação de que nós somos bons.

O ensino básico está sucateado, seja por interesses políticos, pessoais, seja por incompetência administrativa, vai resultar em desastre?

Já está refletindo na graduação! Em 31 anos de magistério tenho três gerações, tenho muitos casos em que dei aula para a mãe, para o filho e prestei consultoria para a empresa do avô. Tive como aluno Luiz Carlos Calil que foi presidente da Caterpillar Brasil. Dentro da Caterpillar, entre os gerentes raros não foram meus alunos. Há 20 anos eu tinha um aluno maduro dentro de uma sala de aula. Chegavam com uma idade maior porque não tinham tido a oportunidade que os jovens de hoje tem, mas eles sabiam da importância, trabalhavam, davam um valor maior, o jovem hoje também trabalha só que eles vinham com um conhecimento maior. O perfil era diferente. Eu preciso fazer para ter. Quando você compara essa geração, vamos dizer que foi o meio dos 30 anos, vamos pegar  de uns sete anos para cá, esse reflexo da educação básica já começou a entrar. É o aluno que não escreve direito, se você diz para ler o capítulo ele diz: “O senhor está louco! Dezesseis páginas? Não vou ler!” Cometem erros básicos, que se tivessem lido um pouco mais não aconteceria. É o ensino fundamental que está chegando.

Como deverá ser o EAD Ensino A Distância?

O Ensino à Distância, como tudo, há os que são éticos, sérios e os não éticos, enganosos. É uma tendência, as pessoas não têm mais tempo, o custo para buscar fisicamente a educação é alto, tanto físico como monetário. Na UNIMEP já tivemos alunos de Manaus. Já cheguei a dar aulas no Brasil inteiro. Ocorre às vezes do individuo ficar em sua cidade, fazer a universidade e depois procura uma universidade de renome para fazer o curso de pós-graduação e se qualificar. O EAD veio, está ai, vai persistir só que há várias modalidades. Hoje temos faculdades de medicina que não usam mais os cadáveres para estudo, usam robôs, onde são realizados todos os procedimentos. Até um robô infartado, onde se pega a veia. Não vi ainda um curso de medicina pelo EAD, existem sim cursos de aperfeiçoamento, especialização, onde ele já fez o presencial. A meu ver, mesmo trabalhando com robô é diferente de pegar uma veia do ser humano. As variáveis são inúmeras no ser humano. O EAD veio, já está ai, de certo modo facilita, eu posso fazer uma aula minha presencial e transmiti-la em EAD. Já fizemos isso, ter aula aqui em Piracicaba e ter alunos do México, dos Estados Unidos, que naquele horário participam e ficam interferindo. Ele participa! A grande dificuldade dos brasileiros em trazer muitos professores americanos para o Brasil é o idioma. O americano normalmente não fala português, e os nossos alunos têm grande dificuldade com o inglês.

A mística de que o curso superior ensina tudo relativo a profissão ainda existe?

A escola capacita você aprender, não irá ensinar tudo, pois nem tempo tem e nem é o papel dela. Nessa evolução do mundo, é responsabilidade individual buscar o conhecimento constantemente. É a geração do “aprender-aprender”. Para mim, isso é educação. Você dá os passos iniciais.

Você faz palestras, cursos?

Faço! Faço em universidades, associações comerciais, empresas, para dirigentes empresariais. Tem palestras que vou para o exterior, chego a falar para 1.000 pessoas. Este ano estive no México onde fiz uma palestra e lancei um livro, em uma universidade tinha 1.350 pessoas!

Qual é a sensação?

Foi de um gelo total! Mesmo após 31 anos de atividade, dá um frio na barriga! Subi ao palco e pensei; “Meu Pai!” Você olha é um mar de cabeças, pessoas com graduação, empresários, nesse evento de abril eu falei sobre o “Varejo Brasileiro”. As estratégias de marketing utilizadas pelos grandes varejistas. Eles têm muito varejo americano, mas não sabem dar o “tom” deles! Quando você mostra um Habib's, Boticário, Natura, Riachuelo, Casas Bahia, Magazine Luiza. É uma responsabilidade muito grande falar a um publico desses.

Qual é a reação deles?

De espanto, motivação, prestam muita atenção. Quando você está em um palco, você sabe se está agradando ou não. Tem que ter em mente: “Você tem seis segundos para subir e chamar a atenção”. É o tempo mercadológico de marketing que qualquer um tem. Você vai me julgar em seis segundos, quando eu subir naquele palco, sem abrir a boca!  Só de olhar. Se uma pessoa sobe uma escada para falar, se estiver ansioso ou nervoso, é melhor segurar em baixo, respirar, subir ereto, firme, se for falar ao microfone, segurar bem o microfone, pegar alguma coisa para que ele fique ajustado, para ele não falar tibiamente”Boa tarde...”. Tem que ser uma “BOA TARDE!”. Como profissional, você como um colaborador de uma empresa, você é um produto! Você tem que “se vender” para o seu chefe! Não para mostrar que é um bajulador, mas mostrar suas qualidades!

Qual é visão de um bajulador dentro de uma empresa?

São elementos que ainda existem muitos, a pessoa que é bajulada gosta, mas sabe que aquilo não é verdade. Faz bem, quando você está em um cargo de chefia, de comando, a pressão é violenta, ela quer pessoas que o agradem, falem coisas boas, o seu ego vai ficando sempre em pé. Isso ajuda. Só que qualquer pessoa percebe o nível de sinceridade com que foi elogiada.

Você é religioso?

Sou católico.

Dois homens de grande projeção nacional, Nizan Guanaes, empresário e publicitário de sucesso e Abílio Diniz, dedicam-se diariamente a rezar o terço. Segundo consta, estão encontrando um lado reflexivo da vida, como você analisa isso?

Penso que na correria cotidiana, as pessoas falam “Não tenho mais tempo!”. O tempo é o mesmo! São 24 horas para todo mundo. Se você não tem tempo, alguma coisa errada você está fazendo! Você deve estar priorizando seus esforços em alguma coisa que não é o prioritário! Levantar cedo e pegar seu WhatsApp, pegar uma lista de “Bom dia!”; “Bom dia!” e mandar florzinha para todo mundo isso é uma perda de tempo! Há lojistas que pegam seu telefone, e pedem o seu WhatsApp. O que você espera? Que mandem uma oferta! No outro dia você já começa a receber “Bom dia... Bom dia... Bom dia...!” Depois de cinco a seis dias você exclui (deleta). Dado a esse cenário, o terço é um momento em que o ser humano sempre necessitou. Ele para. Faz um “stop”! Olhe para o seu interior, observe mais, fale menos, tente ver porque a pessoa teve determinada reação, coloque-se no lugar dela, será que ela não está sob pressão? Esse é o mundo! Como católico acredito no terço, sou muito devoto de Nossa Senhora de Fátima, não criei o hábito, mas tenho a certeza de que ao parar e rezar o terço a pessoa concentra-se em pedir ou agradecer, você já está alimentando a sua alma. Na hora em que você alimenta o seu interior, estará em equilíbrio. Estando em equilíbrio a margem de erro diminui ou até chega a zero. Já li essa matéria, Abílio Diniz é um exemplo, uma pessoa guerreira, trabalhadora, assim como tudo que tocou virou ouro, sempre há um porque, foi uma pessoa que planejou, fez gestão, ao chegar a uma fase da vida sentiu a necessidade de olhar o seu interior.

Você pratica exercícios físicos?

Sim! Faço aeróbica, sou muito agitado. Segunda, quarta e sexta, às seis horas da manhã estou na academia. É sagrado. Gosto de animais, e tenho um orquidário com mais de 800 vasos. Também gosto de ir para a cozinha, sou bom de cozinha, embora minha esposa afirme que sou bom porque vou poucas vezes!

Qual é o seu prato “pièce de résistance” ou prato mais substancial, irresistível?

Uma boa bacalhoada ou uma costela de porco com geléia de goiaba ou amora.

Quantos países você já visitou?

Acredito que só falta visitar a Alemanha! Europa, Estados Unidos e muitos dos seus estados, América Latina, Canadá, já estive em todos esses lugares.

Você já esteve na cidade de origem da sua família?

Sim, estive em Nápoles, meu avô Giuseppe Giuliani e sua esposa Clarice Giuliani plantavam uva, faziam vinho, vieram para o Brasil, adquiriram terra em no bairro rural de Bairrinho, fazenda, já vieram pra Piracicaba.

As suas palestras são abertas ao público?

Algumas têm algum custo, as outras não. Dia 23 de novembro estarei fazendo uma palestra em Limeira, o custo é levar material escolar para doar para crianças carentes. Será as 19:30 horas.

Uma das coisas que me fascina é ver os jovens digitarem o celular com os polegares, está alem da minha capacidade!

Nem eu consigo! Só que eles não fazem uma coisa que nós fazemos! Aprendemos datilografia com os 10 dedos! Fiz o curso, com uma taboa cobrindo o teclado, a professora era Rosinha Orlando Canto, na Rua XV de Novembro. Quando eu dizia que queria acabar logo o curso, ela se limitava a dizer: “-Sua rapidez não está boa ainda!. Você só sai daqui quando chegar a 250 toques por minuto”. As pessoas reconhecem que não somos nativos digitais e sim imigrantes digitais assim que pegamos o celular na mão.

sexta-feira, novembro 10, 2017

ELZA DE CAMARGO EVANGELISTA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista

joaonassif@gmail.com
Sábado 11 de novembro de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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ENTREVISTADA:ELZA DE CAMARGO EVANGELISTA


 

Elza de Camargo Evangelista, corpo ereto, varria a entrada da sua casa. As folhas e pequenos frutos estavam espalhados pelo caminho, diariamente esse é um dos seus afazeres. Ao me apresentar, disse-lhe o motivo da minha visita, uma entrevista para A Tribuna Piracicabana. De forma gentil, mas firme, disse-me que se considerava uma pessoa comum, não sabia como poderia contribuir, mas de forma hospitaleira convidou-me para entrar. Os seus 79 anos de existência pareciam constar apenas no calendário, tal a sua disposição.

A senhora nasceu em que cidade?

Nasci em Capivari, meu pai com a nossa família veio morar no Retiro, uma vilinha afastada, dentro do bairro Monte Alegre, época em que tinha outro lugar bem retirado conhecido por Viúva. Nasci a 23 de maio de 1938. Fiz o primeiro grau no Grupo Escolar Marquês de Monte Alegre. Sou filha de José de Camargo e Cecília Ricardo de Camargo. Tiverem treze filhos, sendo que três meninas faleceram com pouco tempo de vida. Os filhos que sobreviveram foram dez: Francisco, Manoel, Valdemar, Elza, Odete, Benedito, Maria Helena, Ana, Neusa Maria e Aparecida.

Com quantos anos a senhora foi morar no Monte Alegre?

Eu era bem pequena, naquela época comentavam que o Monte Alegre iria ser continuidade da cidade de Piracicaba. Não havia televisão, o meu pai tinha um rádio, no porta rádio fixado na parede, minha mãe dizia “venha escolher o feijão para mim” minha irmã e eu estávamos mexendo no rádio, disse:lhe “Dete, venha me ajudar a escolher feijão”, puxei-a com rádio e tudo. O rádio caiu no chão. Já imaginamos que quando meu pai chegasse do serviço iria bater em nós. Meu pai não bateu, pegou o rádio do chão, ele só tinha esfolado, era uma madeira tão boa que não quebrou. Colocou no lugar, ligou e funcionou!

Com que idade a senhora começou a trabalhar?

Aos catorze anos comecei a trabalhar na fábrica de papel da Usina Monte Alegre. Trabalhava na escolha, ia até a pilha de papel, uma pessoa ficava separando em  pilhas menores de papel, chamada de resma (500 folhas de papel) , separava, lembro-me de que tinha um banquinho para subir e alcançar o papel. Fazíamos os leques de papel sobre a mesa e escolhia. Verificava se havia alguma imperfeição, era o que denominamos hoje de controle de qualidade. O papel era branco, uma quantidade grande, era feita a exportação desse papel. O papel era produzido do bagaço da cana-de-açúcar.

A que horas era o inicio do trabalho?

Entrava às sete horas da manhã, parava para o almoço, alguém da família levava a marmita. Se fosse almoçar em casa tinha que caminhar pela estrada, e era um bom percurso. Permaneci uns três anos trabalhando na fábrica de papel.

Após sair desse trabalho, qual foi o próximo?

Vim para Piracicaba para ser empregada doméstica. Trabalhei na casa do Professor Alfredo Lineu Cardoso, pai do médico Dr. Lineu Antonio Cardoso. O profesor morava com a sua família a Rua Joaquim Andrè esquina com a Rua Boa Morte. A esposa dele é Dona Marina Capelato Cardoso. No período em que trabalhei lá eles tinham dois filhos: o Irineuzinho e o Augusto. O sobradinho onde eles moravam existe até hoje, eu sempre passo por lá. Trabalhei também na casa do Sr. Benedito Duarte Novaes. Ele trabalhava com pneus, a casa dele era anexa a sua empresa. Naquele tempo as ruas em sua maioria eram calçadas com paralelepípedo.

Era muito comum as casas terem um bom quintal naquela época.

Tinha, havia muitas frutas. A carência maior era de um bom banheiro. Eram raras as casas que tinham banheiro interno, eram em sua maioria no quintal, onde havia uma fossa séptica. Banho era de bacia! Como tudo mudou, hoje meu chuveiro é dos modelos mais modernos, uma ducha grande, Aqueles banhos de bacia eram um terror, uma vida muito difícil. Tempo do sabonete Eucalol. A roupa era lavada no tanque, a mão, esfregava sabão peça por peça, sabão Minerva, sabão Campeiro, “Sabão Rinso Lava Mais Branco”, vassoura de palha, escovão para passar no assoalho após ter encerado. Lenbro-me da Etubaina, Gengibirra,  Existiam umas enceradeirs que trepidavam, pareciam britadeiras. Naquele tempo trabalhava-se aos sábados também.

A senhora no período em que morava no Monte Alegre plantou cana-de-açucar?

Plantei, cortei. Naquela época já queimavam a cana. Havia o campeonato para disputar quem era o melhor cortador de cana-de-açúcar, quando eu era pequenina sempre havia os piqueniques no campinho de futebol. O meu pai nunca deixou eu ir, Fui bem pouco na Teixeirada, era um evento que tinha brinquedos para as crianças, havia uma escada que ia até a beira do Rio Piracicaba, Muitas pessoas andavam de barco.

No Monte Alegre havia os bailinhos também?

Havia o Salão de Bailes, próximo ao cinema, Algumas vezes fui às matinês dos domingo no cinema. Baile, carnaval meu pai não deixava irmos.

Havia missa toda semana?

Todos os domingos havia missa na Capela São Pedro que tem em suas paredes afrescos do pintor Alfredo Volpi.

A senhora casou-se?

Casei-me com Hélio Evangelista. Ele foi motorista de taxi em Piracicaba por 17 anos. Começou a trabalhar no centro, no final ele era taxista no ponto da Churrascaria Beira Rio. Ainda tem dois amigos dele que trabalham lá. Já são aposentados, mas continuam trabalhando.

Como a senhora vê essa nova tecnologia que está presente na vida de muitas pessoas?

Acho ótimo! Uso WhatsApp, tenho Facebook, Instagram, Messenger, não podemos ficar para trás!

Como a senhora aprendeu a trabalhar com essas ferramentas tecnológicas?

Tenho um sobrinho que me ensinou bastante coisa, mas tive que aprender muita coisa sozinha. Fui pesquisando por mim mesma, aprendi muita coisa.

O computador é uma janela para o mundo?

Sem dúvida!

A senhora tem excelente saúde física e mental, qual é o segredo para tanta saúde e disposição?

Não sei explicar. A minha infência, adolelescência foi muito difícil. Acredito que para superar muitas dificuldades que encontrei na vida foi só pela fé em Deus. No ano de 1980, fui até a Unicamp, tinham aberto inscrições para prestar um concurso. Eu já estava casada, meu marido nem queria que eu fosse, mas fiz o concurso. Passei. Fui chamada em 1984. Fui trabalhar em Campinas, no restaurante da Unicamp. Meu marido ficou em Piracicaba, trabalhando com o taxi, eu trabalhava a semana toda em Campinas, morava com a minha irmã, aos finais de semana vinha para Piracicaba, segunda feira cedinho meu marido me levava até Campinas para trabalhar. Teve um concurso para motorista da Unicamp. Meu marido fez o concurso e passou. Foi trabalhar lá. Por 10 anos ele trabalhou em Campinas. Vinhamos para Piracicaba, a nossa casa era aqui, as crianças das primeiras nupcias do Hélio, estavam aqui, sempre os considerei como filhos. Por 13 anos trabalhei no restaurante, dia 5 de novembro fez 20 anos que me aposentei.

No restaurante a senhora atendia a alunos, professores, funcionários?

Todos que frequentavam o restaurante da Unicamp passavam por ali. A Unicamp é uma cidade! Foi uma vitória! Meu marido vendeu o ponto de taxi que ele tinha em Piracicaba, por uns tempos ficou com o automóvel Corcel. Meu marido era muito querido na Unicamp. Há quem diga que tivemos sorte, mas também lutamos muito para vencer.

Qual era o prato preferido no restaurante da Unicamp?

Era quando tinha feijoada!

A senhora frequentava os cinemas de Piracicaba?

Frequenva o Politeama, Broadway, Colonial, São José. Hoje só temos cinemas no Shopping!

Existe uma cidade que conserva orgulhosamente como um monumento o seu tradicional cinema!

É o Cine Vera Cruz de Capivari! E funciona regularmente! Uma maravilha que preservaram! Quando viemos para Piracicaba o bairro Monte Alegre era circundado por mato. Na decada de 70 meu pai mudou-se para Piracicaba, foi morar no bairro Morumbi, também era mato. Para vir do Monte Alegre para a “cidade” de Piracicaba utilizavamos a estrada do Campo de Aviação, estrada de terra, vinhamos com a jardineira, enchia de poeira dentro dela. Hoje sinto-me milionária, porque tenho paz. Deito e durmo.

Ha quanto tempo a senhora reside no Lar dos Velhinhos?

Mudei qui em dezembro de 2013. Antes eu morava em um edifício a Rua Moraes Barros. Meu marido faleceu em 2008. Um dia vi Dr. Jairo Ribeiro de Mattos no centro, ele é muito conhecido na cidade, eu o conhecia, chamei: “-Seu Jairo!”. Ele virou na minha direção e perguntou-me se o conhecia. Disse-lhe: “Seu Jairo, quem não conhece o senhor nessa cidade?”. Disse-lhe que gostaria muito de morar no Lar dos Velhinhos. Expliquei-lhe minha condição, disse-lhe que não queria morar em outro lugar que não fosse o Lar dos Velhinhos. Ele anotou meus dados e disse-me: “-Em menos de 10 dias a senhora irá receber um chamado do Serviço Social do Lar”. Uma semana depois recebi uma ligação da Assistente Social. E pronto deu certo!

A senhora gosta de televisão?

Gosto ! Novela da Globo eu não assisto! Não gosto da Globo! Não vejo nada que tem na Rede Globo! Não dá para ver, é só mau exemplo, para os jovens isso é terrível! Mexe com a família, leva a discórdia entre casais. O canal da minha preferência é o SBT. Eu assisto as novelas escritas pela esposa do Silvio Santos. São novelas voltadas para a família.

E instrumento, a senhora toca algum?

Trabalhei em muitas casas em que a pessoa era professora de piano, passei a gostar de piano, meu marido comprou um teclado para mim. Até hoje eu tiro alguma coisinha.

Aqui na sua casa é a senhora mesmo que faz seu alimento?

Hoje eu comprei um marmitex, mas tenho meu fogão, faço feijão, arroz, salada, carne de panela de pressão, uma costela. Quando estou bem disposta, marco uma quitinete na praia, em maio fiz 79 anos, passei na praia. Vou para Santos, sozinha, pego o ônibus e vou. Fiquei uma semana.

Quando caiu o Edifício Luiz de Queiroz (COMURBA) a senhora lembra-se?

 Quando o COMURBA estava sendo construído, eu morava no Monte Alegre ainda,  tinha uma irmã que ia casar, vim com ela em Piracicaba, era assim que nos referíamos: “vou à Pircicaba”. Tinha uma sapataria a Rua do Rosário, chamada Casa Oliveira, viemos juntas para ela comprar o sapato do seu casamento. Nós duas passamos em frente ao COMURBA, era hora de almoço, aqueles jovens, pedreiros, estavam todos sentados descansando, minha irmã tinha 19 anos, eu era nova, bonita, ao passarmos percebemos que os moços nos olharam com atenção. Dali a uma semana ficamos sabendo que o COMURBA tinha caído, aqueles jovens todos possívelmente foram soterrados. Era dia 6 de novembro de 1964.
E o Rio Piracicaba? A senhora costuma ir passear as vezes?
Eu costumo pescar no Rio Piracicaba! A EPTV filmou meu marido e eu pescando, tenho a fita com o filme.
A senhora não conta histórias de pescador?

Conto! É história que aconteceu mesmo, não é invenção não!

De que tamanho era o peixe?

Não era o peixe! Era garça! A garça veio, pegou a vara e saiu voando com a vara de pesca dependurada! Era de um dos moços que estavam pescando próximos de mim. Quanto peixe eu peguei! Cascudo, tilápia, meu marido pegava tanta tilápia que nem ficava com elas, distribuía com os vizinhos. Lambari pegava em grande quantidade. Uma vez comecei a pegar lambari sem isca! Só pelo brilho do anzol.

Vocês pescavam de barranco ou de bote?

De barranco, lá embaixo perto da ponte do Morato. Pesco até hoje. Estava pescando no lago do Lar dos Velhinhos, um peixe bem grande, arrancou uma parte da minha vara de pesca, ela é vara que monta e desmonta. Fiquei só com um pedaço da vara na mão! Eu pescava também no lago da Rua do Porto.

Mas ali não tem muita piranha?

Peguei uma piranha enorme lá! Para tirar tem que tomar muito cuidado, ela tem dentes afiados.

Dá para comer piranha?

Serve para fazer caldo! Sopa! É muito bom! No lago da Rua do Porto jogaram muitos alevinos de tucunaré. Até teve um dia que peguei um. Era pequeno, soltei, com cuidado para não se machucar.

 

 

JOSÉ INÁCIO MUGÃO SLEIMANN


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 04 de novembro de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/







ENTREVISTADO: JOSÉ INÁCIO MUGÃO SLEIMANN

José Inácio Mugão Sleimann nasceu a 31 de julho de 1947 em Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Seu pai é Jabra Abdala Sleimann e sua mãe Zarife José Tannus, naturais de Bakto, Síria. Tiveram sete filhos: Abdala e Maria nascidos na Síria e Julia, Tereza, Marta, Janira e José Inácio nascidos no Brasil. Foi casado em primeiras núpcias com Eliana Marta Sabino Sleimann, já falecida, com quem teve quatro filhos: Ricardo, Milena, Carlos Eduardo e Leandro. José Inácio é casado em segundas núpcias com Nurair Cristina Fuzinelli Sleimann. José Inácio Mugão Sleimann formou-se em Direito na Faculdade de Direito de São Carlos, em 1973. 

Como se deu a imigração dos seus pais e irmãos?

Inicialmente meu pai veio para a Argentina trabalhar na colheita de trigo, ele tinha um irmão que morava na cidade de Lobos, localizada na província de Buenos Aires, localizada a 115 quilômetros da cidade de Buenos Aires. Após um ano decidiu vir para o Rio Grande do Sul, veio de trem. No Rio Grande do Sul mudaram o nome dele, Originariamente era Suliman ou Suleiman, colocaram Sleimann O nome significa "homem de paz" e corresponde ao nome inglês Solomon . Meu pai chegou ao Brasil na década de 10. Ele foi para Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Dez anos depois ele mandou buscar minha mãe e meus irmãos. Meu pai vendia frutas, depois virou mascate, abriu loja, isso em Passo Fundo. Comprou um sítio onde plantou 1.500 pés de azeitonas. Era um sítio que além das azeitonas produzia 90% da nossa alimentação.

Você estudou em Passo Fundo?

Estudei no Colégio Notre Dame, fiz o jardim de infância e primeiro ano, fui colega do Filipão (Luiz Felipe Scolari), gaúcho de Passo fundo, somos amigos de familia, ele fez um livro onde sou citado. Meu pai apesar de estrangeiro era um grande cabo eleitoral. Meu primo Daniel Dipp foi prefeito de Passo Fundo, deputado federal, sempre foi político. Meu pai era amigo de Leonel Brizola e de Getúlio Vargas. O Brizola se criou com meu irmão Abdala em Passo Fundo, o Brizola gostava muito de ir em casa para comer quibe. Quem criou ele na cidade foi Dr. Sabino Arias, Brizola era de Carazinho, criou-se em Passo Fundo, quem o encaminhou foi Dr. Sabino Arias. O irmão do Brizola foi Chefe da Estação de trem de Passo Fundo da VFRGS – Viação Férrea Rio Grande do Sul.

Seu interesse por política começou quando?

Desde pequenino sempre gostei! Participava dos comícios, época de Fernando Ferrari, o “Mãos Limpas”, participava com ele no Movimento Trabalhista Renovador. Eu era ligado ao PTB, sai do PTB fomos para o MTR, Uma turma da cidade foi para o Movimento, o prefeito, meu primo Daniel Dipp, depois disso vieram os partidos políticos: ARENA – Aliança Renovadora Naciona e MDB – Movimento Democrático Brasileiro. Por todo meu histórico aderi ao MDB. O Adhemar de Barros esteve com sua esposa Dona Leonor duas vezes em Passo Fundo, eu era criança, mas recordo que era um casal muito simpático, foram a missa das seis horas da manhã nas dua vezes ques estiveram na cidade, comungaram. A padroeira lá é Nossa Senhora Aparecida. O Jânio Quadros foi de trem, fez um comício na gare, em cima de um caminhão Alfa Romeu, esses comícios eram organizados sem a tecnologia atual, havia a necessidade de alguém segurar o microfofone, os políticos gesticulavam muito. Na ida desses dois candidatos eu estava cumprindo essa função ao lado deles. Essas passagens fui recordar com Adhemar de Barros, junto com o filho dele que é muito meu amigo, o Adhemarzinho. E junto cm o Jânio que eu estive com ele, em sua residência no Guarujá e eu era vereador aqui em Piracicaba. Participei também da “Revolução da Legalidade” no Rio Grande do Sul, um dos acontecimentos mais dramáticos da história do Rio Grande do Sul, iniciou em 25 de agosto de 1961, pelo governador do Estado, Leonel Brizola que, ao tomar conhecimento da renúncia de Jânio Quadros à presidência do país, resistiu bravamente para garantir a posse do vice-presidente João Goulart. Durante doze dias, Brizola manteve firme a “Cadeia da Legalidade”, de dentro do Palácio Piratini, tendo em volta uma multidão na Praça da Matriz, atingindo a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, que se estabeleceu em sessão permanente. Eu já morava aqui em São Paulo quando houve uma campanha para eleição de governadores: Zé Bonitinho (José Bonifácio Coutinho Nogueira); Adhemar de Barros; Jânio Quadros, eu ia aos comícios para agitar, gostava de agitar. Era contra a ditadura, e tinha um padrinho general, sogro do meu primo, general também.

Você continuou estudando em Passo Fundo?

Fui estudar na Escola Nossa Senhora da Conceição, dos Irmãos Maristas, depois passei para o Colégio Estadual Nicolau Araujo Vergueiro, quando estava com 14 a15 anos vim para São Paulo.Meus irmãos Abdala e Maria já moravam em São Paulo, no bairro Cambuci, a Rua Dona Ana Nery, 563, quase esquina com a Avenida do Estado. Eu convivi ali, ia jogar futebol na Vila Mariana. Estudei no Liceu Acadêmico São Paulo, na Rua Oriente, onde iniciei o Curso Técnico de Contabilidade. Meu irmão era csado com uma baiana e trabalhava com artigos religiosos. Fui para a Bahia, não me adaptei. No Mercado Modelo, o antigo, meu irmão comprou um posto de gasolina em Piracicaba. Sem conhecermos a cidade! Ele adquiriu o posto de um grego, amigo do meu irmão e do meu pai, ele tinha uma confecção em São Paulo seu nome era Jean Athanase Billis. Ele tinha esse posto em função do cunhado dele que morava aqui e trabalhava no Banco da Lavoura de Minas Gerais. Foi assim que em 1966 eu vim para Piracicaba, com 19 anos.

Você não conhecia a cidade?

Nem sabia que existia! A primeira vez eu vim de carro com o Jean Athanase Billis. A mudança veio de trem. Eu morava no posto, tinha dormitórios no Posto Canta Galo. Meu irmão trouxe o meu cunhado Angêlo Zancanaro, para Piracicaba, juntamente com a sua esposa, nossa irmã Maria. Eles tiveram os filhos Sérgio e Azize, nome da minha avó, Marcos e Carlinhos. O meu cunhado e minha irmã assumiram o Restaurante Canta-Galo que ficava anexo ao posto. Ele fazia um churrasco diferente dos outros. Era um hmem muito sério, enérgico, não admitia nada errado.

Você era responsável pelo posto?

Eu tomava conta do Posto Canta Galo.

Tinha um funcionário que lavava carros e era muito famoso?

Pedro Chiquito! Maior cantador de cururu de todos os tempos! Temos grandes lembranças dele.

Como foi seu ingresso na política de Piracicaba?

Eu gostava de política! O Dr. João Pacheco Chaves parou no posto, perguntei-lhe se era deputado. Ele disse-me que sim. Perguntou-me quem eu era, disse-lhe que era o Gaúcho, dono do posto. Mas que eu gostava de política. O Dr. Francisco Antonio Coelho, o ¨Coelhinho” eu não o conhecia, ele se apresentou, disse-me que tinha trazido o livro de filiação para que eu assinasse como membro do partido MDB. Assinei, minha ficha de filiação ao MDB de Piracicaba é de número 67. Em 1968 houve eleições para prefeito. Lembro-me de alguns candidatos: João Guidotti, João Fleury, e tinha outros. Apoiei João Guidotti que era do MDB.

Em 1970 Dr. João Pacheco Chaves comentou com Franco Montoro que conhecia um rapaz bom de discurso. Vieram me buscar no posto e me levaram na Chácara Nazareth, onde estava Franco Montoro, na época candidato a senador. Já fui fazendo comício, fui abrindo espaço para ele. Fui participando. Disse a ele que se ganhasse a eleição precisava conseguir o asfalto entre Piracicaba e Anhembi.

Você teve algum “convite” para ir até a unidade militar de Campinas?

Quando o presidente João Baptista Figueiredo fez uma alusão que considerei depreciativa aos gaúchos, disse que preferia o odor de cavalos, mesmo ele sendo filho de gaúchos, fui à tribuna da câmara, meti-lhe o pau. No dia seguinte veio o Capitão Alfredo Mansur, e disse-me: “-O senhor precisa ir para Campinas!” no 5º GCAM. Liguei para Brasília, falei com o meu padrinho, expliquei o ocorrido, não disse nada do Capitão Mansur. Fomos para Campinas. O general deixou que eu entrasse, Capitão Mansur aguardou fora. O General disse-me que o que eu estava fazendo não estava correto. Disse ao general, um gaúcho: “Está certo o que o general Figueiredo falou de nós?” O general imediatamente respondeu: “Servi no 8º Regimento de Cavalaria de Santana do Livramento!”. Fui dispensado na hora. Houve outra ocasião semelhante, por outro motivo, quando também fui acompanhado do Capitão Mansur.

Você continuou fazendo política?

Apareceu o Quércia como candidato a senador. O comício dele era em Rio das Pedras. Cheguei lá, tinha uma pessoa que tinha trabalhado com o Montoro, perguntaram-me se eu ia falar, disse que se me autorizassem iria. Subi no palanque, comecei a falar, o Quércia veio me abraçar, me agradecer, eu não o conhecia, comecei a amizade com ele ali. Em Piracicaba fiz o comício também para ele. Ele perguntou-me se queria apoiá-lo em sua campanha, eu fui. Fiquei muito amigo dele. Para mim podem falar o que for, foi um dos maiores amigos que tive dentro da política. Tenho-o dentro do meu coração. Quando ele foi governador do Estado fui diretor da antiga Banespa Mineração, era diretor de patrimônio, era para fazer a liquidação da Banespa Mineração.

E a política piracicabana?

Em 1972 Dr. Adilson Benedito Maluf foi candidato a prefeito, o Hidinho Maluf, irmão do Adilson e eu, sentados no banco da praça, ele disse: “Acho que o meu irmão vai ser candidato a prefeito!”. Perguntei de qual partido. Quando ele disse-me que era do MDB disse-lhe: “- Pode dizer à ele que tem um cabo eleitoral, que sou eu !” Eu estava no Posto Cantagalo, o Hidinho havia dito que ele tinha um corcel azul, quando o Adilson parou, perguntei-lhe se ele era o Dr. Adilson Maluf? Disse-lhe: “Sou o Gaúcho, sou seu cabo eleitoral!”.

Até então você era conhecido por Gaucho?

Era! Mas o Professor Helmeister do Colégio Piracicabano, onde continuei meus estudos de contabilidade, me apelidou de Mug, Mug da Sorte. O cantor Wilson Simonal havia lançado a música do Mug da Sorte. Quando entrei na classe ele dise-me: “Chegou o Mug da Sorte!”. Eu era magrinho, jogava polo aquatico no Palmeiras em São Paulo. Fizemos a campanha do Adilson, ganhamos, e houve a briga política com o Cecílio Elias Netto, hoje um grande amigo meu. O Cecílio foi cumprimentar o Adilson pela vitória, em uma reunião na casa da irmã do Adilson, eu impedi a sua entrada. No dia seguinte “O Diário” trazia referências a minha atitude, denominando-me por Mugão. Nunca mais me chamaram pelo nome José Inácio! Tanto que incorporei ao meu nome oficial o apelido Mugão. A cidade inteira me conhecia por Mugão! Em 1976 fui eleito vereador, ganhei a eleição por 3 votos do João Sachs e do Taquara. Estavamos empatados, até que tive 3 votos a mais. Fui eleito com 963 votos. O segundo mandato fui eleito em 1982, Piracicaba tinha 632 candidatos a vereador, fui eleito em primeiro lugar com 2523 votos na proporcionalidade fui o mais votado até hoje. Tinha 11 candidatos a prefeito. O mandato de vereador era de seis anos, fui vereador seis anos com o prefeito João Hermann Netto e seis anos com o prefeito Adilson Benedito Maluf.

Você sempre teve uma atuação expressiva.

Sempre batalhei apaixonadamente pela causa que defendia; em 1974, fui nomeado responsável pela limpeza pública do município, quando criei as famosas “margaridas” (como eram chamadas as mulheres que varrem as vias públicas). Incentivei ativamente a criação do Parque das Torres, no Capim Fino, possibilitando as retransmissões de televisão em Piracicaba. Atuei na criação do entreposto municipal de abastecimento de hortifrutigranjeiros, dando ao entorno do mercado municipal melhores condições de higiene. Participei de diversas conquistas junto ao Governo do Estado, como as passarelas em frente à empresa Dedini e do bairro Cecap, as escolas da Vila Industrial e Vila Monteiro, instalação da Regional da Cetesb, Distrito Policial de Santa Terezinha ( o único da cidade com sede própria)  na articulação para o asfaltamento das estradas Piracicaba-Anhumas e Piracicaba-Anhembi, autorizadas pelo então governador do Estado, Franco Montoro. trabalhei pela expansão da iluminação e telefonia nos bairros de Anhumas, Ibitiruna e Tanquã, sendo a maior extensão do Estado de São Paulo em iluminação e telefonia em bairros rurais na época. Lutei ainda pela instalação do Posto de Saúde de Ibitiruna, realizada com recursos próprios, atuei pela criação de centros comunitários, creches, postos de saúde, iluminação publica, extensão da rede de água e esgoto e expansão do asfalto. Fui diretor de patrimônio da Empresa Paulista de Turismo (Paulistur) no governo Orestes Quércia e na gestão Antonio Fleury Filho fui sub-diretor do interior da Cetesb. Ocupei ainda o cargo de membro da Executiva da União dos Vereadores do Estado de São Paulo e como conselheiro da Associação Paulista dos Municípios.

Você recebeu o título de cidadão piracicabano?

Por enquanto não! Tenho Piracicaba e o XV de Novembro em meu coração!


 

quinta-feira, outubro 26, 2017

ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de outubro de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/




ENTREVISTADO: ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS

Armando Alexandre dos Santos é jornalista profissional, historiador e professor universitário, licenciado em História e em Filosofia, com pós-graduação em Docência do Ensino Superior em História Militar. Atualmente leciona no programa de Pós-Graduação em História Militar, da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).

É membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e dos Institutos congêneres de São Paulo, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais e Santa Catarina, assim como da Academia Portuguesa de História, da Associação Nacional dos Professores Universitários de História-ANPUH e da Associação Brasileira de Estudos Medievais-ABREM. Autor de 64 livros nas áreas de História, da Ciência Política e da Religião, publicados no Brasil, em Portugal e diversos países. A tiragem total de suas obras já ultrapassou a cifra de 1,4 milhões de exemplares. Seu livro “Juro que é verdade” de 2017 é sua primeira publicação na área de literatura ficcional. Armando Alexandre dos Santos é filho de Antonio dos Santos, português de Trás-os-Montes, e Layr Alexandre dos Santos, nascida no Brasil filha de pai e mãe portuguêses.

Você tem origem legitimamente portuguesa.

Até a semana passada eu julgava que todo o meu sangue era português, foi quando fiquei sabendo por um exame específico de DNA, feito nos Estados Unidos, que tenho apenas 71,4% de sangue português, mais ou menos 7,5% de sangue italiano, que deve ter sido de italianos que foram para a Ilha da Madeira, lá pelo século XV ou XVI, tenho 8,4% de sangue árabe, me surpreendeu muito mas tenho quase 5% de sangue escandinavo e 1,2% de sangue negro de Serra Leoa. Esse exame de DNA atinge três focos, examina o lado masculino: pai,pai,pai,pai até o fim; o feminino: mãe,mãe,mãe,mãe. E um terceiro elemento que é o meu sangue, que é uma resultante da somatória desses dois e de todos os outros que estão no meio, esses dois quase desaparecem, pois temos quatro avós, oito bisavós, 16 trisavós, é uma progressão geométrica. Ao cabo de 500 anos já ha centenas de milhares de pessoas, se formos até os tempos de Jesus Cristo, portanto ha 2.000 anos, cada um de nós temos 4 quintilhões

(4 000 000 000 000 000 000) de antepassados linearmente. É uma quantia astronômica, eu fiz um calculo, se micro filmássemos essa lista, com os microfilmes mais reduzidos que existem, na ciência atual, se empilhássemos as caixinhas de micro filmes daria um cubo dentro do qual caberia o Himalaia inteirinho e ainda sobraria espaço. Isso significa que todo mundo é parente mais próximo ou menos próximo de todo mundo. A humanidade é uma coisa só. Entre um esquimó e um negro da África do Sul a proximidade é muito grande. Hoje se sabe que todo gênero humano descende de um único casal. Isso é sabido, independente de convicções religiosas, há um homem e uma mulher dos quais todos nós descendemos. É tido como certo de que essa mulher teria vivido na África. Se você pegar uma sociedade relativamente fechada, como por exemplo, a Inglaterra, que é uma ilha. Qual foi o último grande bloco imigratório para a Inglaterra? Foi na Idade Média quando chegaram os normandos, nunca mais a Inglaterra recebeu em quantidade significativa novos contributos étnicos. Isso faz com que todos os ingleses sejam parentes entre si, hoje se calcula por cálculos matemáticos avançadíssimos, que qualquer inglês, de qualquer classe social, é parente de qualquer outro inglês de qualquer ponto da Inglaterra, pelo menos em 14º grau. Isto significa que a Rainha da Inglaterra tem em 7ª geração um antepassado em comum com qualquer inglês. A 7ª geração é constituída em 200 e poucos anos! Posso dizer que nenhum nobre é só nobre e que nenhum plebeu é só plebeu! Na terra do meu pai, Trás-os-Montes, há um ditado que diz que: “Não há geração sem conde nem ladrão!” Isso é o gênero humano! Sou muito relacionado com genealogistas, acredito que eu seja talvez o único brasileiro com curso superior de genealogia, isso não existe no Brasil, existe em alguns países da Europa, um curso universitário de genealogia, o meu foi feito na Espanha.

Você nasceu em São Paulo em que dia?

Nasci a 30 de julho de 1954 entre os bairros Pari e Brás, fiz a minha primeira escola no Liceu Acadêmico de São Paulo, na Rua Oriente, travessa da Rua Rodrigues dos Santos. Fiz o ginasial e o colégio no Colégio Estadual de São Paulo, antigo Ginásio do Estado, foi o primeiro colégio público de nível secundário, do Estado. Foi fundado em 1894. A fundação desse colégio deve-se ao seguinte fator, durante o Império o Brasil tinha um regime Unionista. O governo todo era feito a partir da Corte no Rio de Janeiro. Os presidentes das províncias eram nomeados pelo governo central, não eram eleitos localmente, essa fase foi indispensável no Império, enquanto o Brasil se constituía e se firmava como uma nação unida. Havia um sério risco de acontecer com o Brasil o que aconteceu com a América Espanhola, uma fragmentação. Essa fase era necessária. Mas o próprio Império estava evoluindo para um sistema federativo, em que houvesse uma maior autonomia das várias províncias para que elas pudessem se gerir e se manterem por si próprias. Esse processo de evolução para federação foi cortado, pela proclamação da República. O Federalismo se transformou em uma bandeira republicana, quando na realidade já era do Império. Uma das primeiras medidas que o governo Republicano tomou para mostrar que representava o progresso, o futuro, foi fundar em todos os estados, colégios. Para dizer: o Império só tinha o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, nós levamos a cultura para o Brasil todo. Outra coisa: Institutos Históricos. No Império havia o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro, fundado em 1838, a República começou a fundar esses institutos. Do ponto de vista do exterior, diria quase cosmeticamente, para a visão pública, pareciam grandes avanços, em relação ao período do Império. Na realidade, de uma visão mais crítica, e de quem acompanhou as coisas, a Proclamação da República foi um desastre para o Brasil. A corrupção que entrou, o desvio da finalidade da própria nação, o aproveitamento da coisa pública, uma série de fatores sobre os quais poderíamos fazer outra entrevista, conversar sobre isso largamente. Esses acontecimentos de um modo muito rápido tomaram conta do Brasil. No tempo de D.Pedro II havia a chamada Ditadura da Moralidade, D.PedroII era exímio na administração pública, com ele ninguém brincava. Poderia contar aqui dezenas de episódios nessa linha. Ele era um homem do seu tempo, naquele tempo, a figura do chefe de família, do patriarca, era aquele modelo. Um homem sério, sisudo, com uma grande barba, impondo respeito, aos parentes, aos amigos, era o ar próprio do tempo. Era um grande erudito, ele tinha, no meu modo de entender, uma qualidade muito brasileira, algo que o brasileiro gosta de ver na autoridade, o brasileiro não gosta de autoridade frouxa! O brasileiro gosta de autoridade firme. Que sabe mandar. O brasileiro não tolera autoridade que manda fria e insensivelmente. O brasileiro obedece uma coisa difícil de fazer, mas ele gosta que quem mandou, dê a entender que está sofrendo junto com ele. É o lado afetivo do brasileiro. Essa relação de proximidade de quem manda e quem obedece, é algo que a psicologia do brasileiro exige. E D.Pedro II tinha! Outra pessoa, em outro contexto, também teve, foi Getulio Vargas. Era extremamente autoritário, mas era jeitoso. O brasileiro gosta de jeito! Autoridade que manda com firmeza, mas com jeito. E D.Pedro II era assim!

Você tem uma relação muito forte com Portugal.

Inclusive sanguínea! Morei na Cidade do Porto, Lisboa, Coimbra.

Qual é a correlação que você faz entre Portugal e Brasil?

Portugal e Brasil são continuidades, não vejo uma dissociação. É o mesmo povo, o mesmo país, sentimentos, a própria visão do universo, aquilo que os alemães chamam de cosmovisão (Weltanschauung, termo alemão que se pronuncia "vèltanxauung", cosmovisão ou mundividência) a portuguesa e brasileira são muito parecidas. A arquitetura tradicional brasileira foi muito influenciada pela portuguesa. A forma do brasileiro acolher pessoas que vem de todas as partes do mundo, os imigrantes de qualquer parte do mundo não se sentem um peixe fora da água aqui no Brasil. Sempre encontraram aqui uma receptividade que não encontram em outro lugar. Os italianos vieram para cá e se inseriram na sociedade. Os italianos da mesma época foram para os Estados Unidos, encontraram um ambiente bem diferente, hostil, fecharam-se entre si, uma das consequências foi a formação das máfias. Um meio de proteção dentro daquele contexto. Uma defesa que tomou um rumo que lamentamos, obviamente.

Você mudou-se para Piracicaba em que ano?

Vim para Piracicaba em 2006, eu morava em São Paulo na Avenida Angélica, a 50 metros da Avenida Paulista, era um barulho muito grande, e iniciaram a construção de uma estação do metrô, ao lado, dia e noite o som de bate estacas, foi quando decidi mudar de lá.

O seu ingresso no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo deu-se quando?

Foi em 1994. Atualmente sou emérito. Ingressei em 1994 embora tivesse livros publicados muito antes. Tínhamos uma administração no IHGSP que tinha decido fechar o ingresso de novos membros, por algum tempo, de fato tinha havido no passado uma abertura excessiva, tinha entrado muita gente com mérito, com menos mérito, a administração tinha sido muito boa, eu era muito amigo do presidente antigo, Dr. Licurgo de Castro dos Santos Filho, um grande médico, um grande historiador, enquanto foi presidente estabeleceu que: “Não entra ninguém, ou quase ninguém”, a partir do momento em que ele cedeu a presidência ao Dr. Hernani Donato, ele continou a fazer parte da diretoria, e chegaram a conclusão de que já estava na hora de receber novos membros. De posse da lista dos que já frequentavam e faziam parte da casa, mesmo sem serem membros, eu fui um dos primeiros a ser chamado. Entrei na última leva dos que entraram no primeiro século de existência do IHGSP, em agosto de 1994. Dois meses depois o Instituto completou 100 anos.

Onde é a sede do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo?

Na Rua Benjamin Constant, 158, centro de São Paulo.

Qual foi o primeiro livro que você publicou?

Foi “A legitimidade monárquica no Brasil”, um estudo publicado em 1988, sobre a Princesa Isabel, a família da Princesa Isabel, o ato de renuncia do seu filho D.Pedro de Alcântara, é um estudo muito específico para saber quem de acordo com o Direito era o Chefe da Casa Imperial do Brasil. Foram 7 anos de pesquisas, estremamente demorada, acurada.

Escrever é uma atividade rentável?

Depende do que se escreve! Rende imensamente em satisfação interior, o que dá grandes resultados finaceiros é escrever livros didáticos, só que existe um circulo restrito das grandes editoras.

Você trabalhou em editoras?

Trabalhei muitos anos em várias editoras, a editora recebe um grande número de originais, um grande editor não consegue dar conta de tudo que recebe, ele tem uma série de freelancers (profissionais autônomos) estudantes de letras, professores desempregados, pessoas que lêem os originais, fazem uma sinopse em 20 a 30 linhas, e dão um parecer favorável ou contrário à publicação, de cada 100 títulos recebidos, 7 ou 8 vão para o editor, esse editor, no final de semana vai para a casa de campo ou de praia dele, leva os sete ou oito livros com as sinopses. Irá ler as sinopses, se interessar ele terá acesso ao livro, irá escolher um ou dois livros para ser lançado. De 100 livros 7 ou 8 chegam as mãos dele, ele vai escolher, se escolher, 1 ou 2. Isso faz com que muita gente com obras excelentes não publique, porque caiu em determinado crítico que não gostou, ou torceu o nariz, ou estava de mau humor, levantou com o pé esquerdo. Recentemente houve um caso engraçado de uma pessoa mandou, para uma grande editora, alguns contos menos conhecidos de autoria de Machado de Assis, como ele tem contos psicológicos muito bons, que são atemporais, não há elementos que identifique que o conto foi escrito no século XIX, a pessoa pegou os contos de Machado de Assis que poderiam ter sido escritos hoje, fez uma coletânea e mandou para uma editora. Um professor X que foi analisar, leu e foi contrário a publicação porque não tinha nenhum valor literário. João Scortecci deu voz e vez a esse público. Há muitos prêmios Jabuti que começaram os passos com João Scortecci. Certa vez estávamos no escritório do João Scortecci em uma roda de pessoas, uma dela era psicólogo ou psicanalista, entrou em pauta o assunto Paulo Coelho, e surgiu a questão: Qual é o segredo do sucesso do Paulo Coelho? Que ele não tem mérito literário todo mundo concorda. Mas ele vende uma quantidade enorme, assombrosa, de livros no mundo todo. Algum segredo deve ter.

Qual é o segredo?

Chegamos às conclusões: primeiro lugar é a propaganda; há algo mais no Paulo Coelho que o torna tão atraente  universalmente. Na conversa, concluiu-se que os livros do Paulo Coelho são baseados na literatura clássica, contos de fada, folclore. Das mais variadas nações, ele reescreve isso. A característica dessa forma de literatura, é que fala para todas as épocas, todos os tempos, se dirige muito mais ao subconsciente da pessoa do que ao consciente. Isso aborda, trata de problemas muito profundos, que está no fundo da nossa cabeça, em todas as épocas, são problemas permanentes da espécie humana. O que o Paulo Coelho escreve corresponde a necessidades profundas de muitas pessoas, esse é o segredo!

Quem escreveu mais livros, você ou o Paulo Coelho?

Eu pergunto se o Paulo Coelho escreveu alguma coisa! O Paulo Coelho pega lendas, reescreve em mal português, não permite que se corrija uma vírgula, ele diz que o que escreve segue princípios da numerologia do livro. Uma vez eu estava em debate sobre esse autor na escola do João Scortecci que é um grande amigo, grande editor que revelou grandes nomes da literatura brasileira. João Scortecci é um rapaz modesto, de origem cearense que fez o curso universitário no Mackenzie pagou o curso dele, com outros colegas, faziam poesias e imprimiam em mimeografo a álcool e saiam vendendo pelos botecos de Higienópolis. Após formado, fundou uma editora, é a editora que lança o maior número de títulos do Brasil, a Editora Scortecci, dedica-se a fazer pequenas tiragens, de livros de autores iniciantes, que não conseguem vencer o bloqueio das grandes editoras. Ele publica de três a quatro livros por dia. Como ele muitos optaram por esse caminho, chama-se edições por demanda

Com relação a literatura brasileira, como estamos?

O brasileiro é um dos povos mais criativos do mundo, não só na literatura, mas em qualquer àrea, o brasileiro tem condições de se destacar e estar dentre os melhores do mundo todo.

Por que não há nenhum prêmio Nobel brasileiro?

Penso que entra muito a falta de método do brasileiro. O brasileiro é genial, mas é um pouquinho desordenado. Ele não tem disciplina. Nós somos brasileiros, sentimos isso na nossa pele. Um norte-americano, um alemão, um europeu, ele tem dentro da vida dele uma certa disciplina. Um exemplo ficticio: a pessoa trabalha em uma agência bancária, tem como hobby ficar na garagem da sua casa para brincar de fazer invenções. Ele tem um método, todos os dias, seja a época do ano que for, faça sol ou faça chuva, entre 19:00 e 21:00 horas ele se fecha naquele mundo dele. Não atende telefone, desliga rádio, desliga televisão, naquelas duas horas ele não pensa em outra coisa. Vai trabalhar naquele projeto. Ao cabo de algum tempo ele inventou alguma coisa, patentou, vai viver daquilo. Se for escritor, na hora de escrever, ele vai fechar a porta do quarto, proibir a mulher e os filhos de o incomodarem, desliga o telefone, desliga tudo, ele vai trabalhar duas horas naquilo. Quando marcar duas horas, ele pode estar no mais emocionante e culminante ponto de uma redação, ele para e irá continuar no dia seguinte. Essa disciplina faz com haja resultados concretos observáveis e palpaveis. O brasileiro não se desliga totalmente do mundo de fora, é hora de escrever, mas lembra-se que tem um e-mail para responder. Entra, dá uma “sapeada”, entra no Mercado Livre, ele nem se desligou completamente do mundo externo e nem se entregou completamente ao que está fazendo. Também quando chega uma inspiração ele faz qualquer negócio para não perder aquele fio. Ele é muito mais levado por esses impulsos. Quando o brasileiro tiver método, acho que nenhum povo da Terra nos supera!

Povos de outras culturas, cada um tem uma forma de pensamento proprio, o brasileiro tem uma forma de pensamento definida?  

O próprio do brasileiro é a improvisação! É um genial improvisador! Isso é uma riqueza fantástica. A capacidade de diante de uma situação difícil ter um jeitinho que resolve momentâneamente e rapidamente, situações complicadíssimas, é uma grande riqueza. Mas é uma riqueza que cobra um preço, ele confia demais no jeitinho e não prevê. Falta um pouco de equilíbrio, planejamento. Quando ele tiver essa capacidade de planejar e essa auto-disciplina estou convencido de que não ha nenhum povo no mundo que faça frente ao brasileiro.

Como vai nossa educação?

Esse é um outro capitulo que daria para conversarmos algumas horas. Por muito tempo fui professor no ensino fundamental, no ensino médio, atualmente estou só no universitário. O ensino no Brasil foi quebrado a pertir de 1963. Com a Primeira Lei de Diretrizes e Bases. Creio que foi Darcy Ribeiro um dos seus agentes, retirou o latim do ensino, mudou a Reforma Capanema que tinha vigorado por mais de 20 anos. Precisava realmente de um reajuste, uma atualização, mas que funcionava. Essa reforma previu para sete anos depois um segundo passo, estavamos em pleno regime militar, que aplicou o projeto que vinha do tempo de João Goulart, houve uma necessidade de adequar os curriculos para uma fragmentação de conhecimentos novos que surgiram, especificação técnica e tecnológica em várias áreas, por outro lado o desejo mal entendido de democratizar e levar o ensino à todos, produziu uma reforma que na realidade fez o ensino público cair vertiginosamente. De lá para cá tem vindo cada vez de mal a pior. O ensino público era difícil, respeitado, disputado, havia escolas particulares de muito bom nível, quase todas confessionais: católicas, protestantes. Eram escolas particulares de ótimo nível. Mas de um modo geral, a escola pública era melhor. Se costumava dizer que muitas vezes iam para escolas particulares pessoas que não tinham capacidade para estudar em uma escola pública. Isso mudou. Hoje estamos em uma situação iniqua, a escola particular é inacessivel para 90% das famílias, tem que ir para a escola pública. Na escola pública terão um sub-ensino e quando chega a hora de um curso superior, quem fez escola pública, se quizer fazer um curso superior terá que pagar para cursar uma faculdade de segunda, enquanto quem fez a escola particular consegue passar bem em uma universidade pública e sem pagar nada, irá ter uma formação muito melhor do que o outro. Essa distorção está em meu modo de ver na origem do problema educacional brasileiro. Era preciso pegar a escola pública de tempos anteriores, atualizá-la sem dúvida, ampliá-la, democratizá-la no sentido de transformar em algo acessivel, muito mais acessível ao Brasil todo, sem cair o nível. Ai entra um outro fator, que são as teorias pedagógicas novas. Que querem acabar com a linguagem culta. Querem ensinar: “Nóis pega o pexe”. Há uma porção de teóricos que querem dar os seus pitacos! Seus palpites. Querem fazer teorias novas para dizer que isto que está acontecendo, é muito bom que aconteça. E mais um outro fator: são autoridades que não entendem nada! Absolutamente nada! Não entendem nada de educação e põe leis, só atrapalham! Os próprios teóricos de pedagogia na maioria das vezes nunca entraram em uma sala de aula! Eles querem nos ensinar como controlar uma sala de aula quando eles mesmos nunca entraram! São livros teoricos que nos cursos de licenciatura e padagocia são “entronchados” na cabeça dos professores, no primeiro dia de aula o prefessor vê que não tem nada a ver com a realidade.

Como você vê a febre dos celulares nas salas de aula?

Essa semana eu vi uma noticia, que está sobre a mesa do Governador Alckmin para ser assinada por ele, uma lei já aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, que foi proposta pelo Secretário da Educação, José Renato Nalini, meu amigo, também do IHGSP, é um desembargador. Ele propos uma lei, essa lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa, a lei que autoriza a livre utilização de celulares em escolas públicas do Estado de São Paulo! Fundamentação da Lei: “O celular se transformou em um instrumento de pesquisa, pode ser muito útil para o aluno e pode ser um poderoso fator de ajuda de pesquisa para o aluno e para o professor, logo pode ter”.

O celular vai ser usado para pesquisa em sala de aula?

Esse é o problema! Até agora qualquer professor sabe que a grande luta do professor é contra o celular, é uma praga na sala de aula! Atrapalha! Permite colar, distrai os alunos. Eu estava dando uma aula, em um colégio particular, tocou o celular de uma aluna. Ela atendeu, era a mãe dela querendo saber se ele queria batatas fritas na hora do almoço!

Os pais tem responsabilidade pela decadência do ensino?

É um fator global. Decadência é crise de valores, está claro que existe uma crise de valores que abrange toda a sociedade. Os pais obviamente tem uma responsabilidade nisso. A principal fonte da nossa formação é a família. Atualmente a própria influência e autoridade dos pais é muito limitada, influenciada por vários fatores, o poder da mídia, a própria legislação não permite que um pai tenha uma margem de liberdade como tinha em passado recente. Em fevereiro de 1961, quando fui ao Liceu Acadêmico São Paulo eu tinha de 6 para 7 anos, minha mãe me levou para o curso primário, a professora chamava-se Dona Lucila, apresentou-me à professora, e disse-lhe: “A senhora está autorizada a bater no meu filho quanto a senhora achar necessário para a formação dele!”. É claro que a professora nunca me bateu. Mas compreende como a mentalidade era outra? Hoje nem a mãe pode dar uma palmadinha no filho! Ela é capaz de ir presa! Isso significa o que?  

Que o Estado está interferindo dentro das casas, forçando os pais tomarem uma atitude e não outra. Hoje é muito reduzida a autonomia de um pai com relação a 50 ou 60 anos passados.

Qual é o objetivo dessa história toda? Criar um caos?

Pode ser! Eu tenho a impressão que o que aconteceu na humanidade nos últimos 100 anos, e de um modo mais específico, nos últimos 30 anos com essa imensa entrada da informática, foi uma tal transformação na vida humana, que isso não pode se manter por muito tempo.

Essas mudanças não foram ainda absorvidas pelo ser humano?

Não foram absorvidas, não sei se são absorvíveis e a prosseguir esse avanço nessa mesma cadência, acho que irá haver um enlouquecimento de toda humanidade! Hoje somos bombardeados por tantas informações, tantas solicitações, que o ser humano não tem capacidade de deglutir. Quem tratou muito disso foi Samuel Pfromm Netto nascido em Piracicaba a 3 de março de 1932, Formou-se pela USP em Pedagogia em 1959 e tem mestrado e doutorado em Psicologia pela mesma universidade. Fez estudos de pós-doutorado nos EUA, na Inglaterra, na França, na Alemanha e no Japão. Chefiou missões culturais a este último país e à China. Sua produção bibliográfica compreende mais de quarenta livros. O Samuel ao mesmo tempo era um homem extremamente tradicional, de uma cultura quase renascentista, lia latim, conhecia o alemão, um homem de uma cultura fantástica, mas era um homem muito aberto para as novidades, ele trabalhou na TV Cultura, tinha muita experiência televisiva, era um grande comunicador, era um entusiasta do ensino a distância. Viu o futuro do ensino universitário no Brasil no ensino a distância. Ele dizia que o problema geral dessas novas formas de comunicação é a velocidade com que elas são dadas. A intensidade e a velocidade dos dados que são colocados diante de nós a cada momento e que impedem um processamento natural do espírito humano. O espírito humano ensinava o Samuel, ele tem três fases: ver, julgar e agir. A pessoa em um primeiro momento vê, não significa só ver visualmente, ela prende a realidade pelo ouvido, pelo olfato, os sentidos dela apreendem alguma coisa. Num segundo momento ela julga: O que é? Isso é bom ou é mal? Verdade ou mentira? É belo ou é feio? Ela toma uma posição diante daquele estímulo externo. Num terceiro momento ela age. Ela decide: Isso é bom, vou guardar em minha memória. Isso é bom, vou fazer isso. Isso é mal, não vou fazer. Isso não tem importância, eu vou esquecer. Mas é um ato de vontade. Essa três etapas: ver, julgar e agir, desde que o mundo é mundo, desde quando existe o Homo sapiens sempre foram assim. Hoje em dia com a rapidez, a intensidade e a sucessão desenfreada dos estimulos, não há tempo mais para o ser humano desenvolver o processo inteiro. Uma pessoa diante de uma televisão vê uma cena horrível de sangue,  antes que o espírito dela possa explicitar uma recusa àquilo, muda a cena e ela tem uma paisagem maravilhosa que a embevece, e depois um estímulo comercial: compre tal coisa! Logo depois uma cena de sexo, depois uma outra cena de violência, a sucessão é tão rápida, contínua, prolongada, a pessoa perde o hábito de pensar!  Julgar! Para o ser humano, que é racional, mexe com muita profundidade! É antinatural! E por outro lado é muito perigoso, nós estamos em um regime democrático, um povo que está habituado a seguir estímulos, nunca irá racionalmente ser soberano!

Quem manda no país?

Quem tem o controle do estímulo! Está ocorrendo um fenômeno, por meio da internet uma imensa quantidade de pessoas que nunca tiveram voz nem vez, estão conseguindo falar. E muitas são pensantes! Há muita bobagem, mas também há comentários de uma sabedoria e capacidade de analise profunda. Aí esta a esperança do futuro. Na década de 30 veio ao Brasil um grande matemático italiano, convidado pelo governo, para dar sugestões para reforma do ensino. Quando ele viu o curriculo escolar ficou abismado: “Os brasileiros são geniais, estudam na terceira série do ginásio o que na Itália, na Europa é matéria de faculdade!”. Ao cabo de um ano ou dois, ele mandou um relatório, para o Ministério da Educação, dizendo que o sistema de ensino no Brasil estava inteiramente errado, vocês colocam para crianças principios de matemática que elas irão decorar sem entender. Elas não tem conhecimento básico, nem filosófico para entender o alcance disto. Quando chegam a faculdade vamos ter pessoas que não aprenderam a pensar. Ensinem a pensar no ginásio e deixem esses assuntos matemáticos profundos para ensinar no curso universitário.

O primeiro passo é fazer com que o ser humano pense?

É por isso que é humano e não simplesmente um animal ! Nossa definição é animal racional! Há pessoas em todos os níveis sociais capazes! Tenho um material escrito onde abordo entre outros aspectos que todo homem público deve educar seus filhos na escola mais próxima de onde ele mora, não escolher nichos de excelencia; nenhum homem público deverá ter planos privados de saúde; é Presidente da República? Trate da sua saúde no SUS! Ele, a mulher, os filhos, netos. Proibir segurança privada. Se o cidadão não pode ter uma arma para se defender por que um deputado tem quatro ou cinco seguranças armados para acompanha-lo?

Você tem uma coluna na A Tribuna Piracicabana?

Tenho,todos os sábados, chama-se “Educação e afins” o título foi sugestão do Erich Vallim Vicente.

 

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