PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de dezembro de 2013.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de dezembro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados
na Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
Ismael Barbosa de Lima ainda no
berço ganhou do seu pai o apelido que muitos conhecem: Lillo. Do alto dos seus
mais de 80 anos de vida trabalha regularmente em uma empresa no Distrito
Industrial Leste (Unileste) em Piracicaba. Ali ele é uma espécie de coringa,
cuida do almoxarifado, confere produtos que entram e saem da indústria.
Dinâmico, carismático, com uma disposição invejável, com sua vivacidade fala
entusiasmado do seu trabalho. Seus olhos brilham quando fala da sua família e
da sua dedicação à inúmeras obras sociais que realizou na Igreja dos Frades e
na Paróquia São José. É músico, ainda se apresenta em um conjunto onde executa
violão elétrico, já foi cantor, hoje diz que a pigarra não deixa soltar a voz.
Como artista amador apresentou-se em teatro animando a platéia com seus quadros
cômicos. Segundo ele, para chegar a essa idade com tanta disposição é preciso
antes de tudo estar bem com a vida. Lillo nasceu em Piracicaba, no bairro rural
da Volta Grande a 10 de março de 1933. É filho de Joaquim Barbosa de Lima,
natural de Minas Gerais e de Ercília Danelon Barbosa que além de Lillo tiveram
a filha Rosalina, a primogênita. Lilo é casado com Dirce Zeffa Barbosa de Lima.
O sítio onde seus pais moravam pertencia a
eles?
Logo que se casou papai alugou
uma casinha no bairro Volta Grande, ele trabalhou como barbeiro, frangueiro.
Mesmo depois que mudou para a cidade ainda “frangueirava”. O frangueiro vendia
miudezas, nas férias escolares eu ia com ele no carrinho de tração animal. Levavam
tamancos, colorau, pó de café, sabão, linha de costura, botão, guarda-chuva,
era quase um mercadinho sobre rodas. Levava ainda muitas encomendas, naquele
tempo o pessoal de sítio não tinha muito acesso a cidade. Algumas noites meu
pai chegava da cidade com toda a mercadoria, ficava até as nove ou déis horas
da noite, junto com a mamãe, fazendo a separação de encomendas das pessoas.
Duas vezes por semana ele levava o pão, um filãozão de duzentos réis, no sítio
havia o pão feito em casa, por incrível que pareça o pessoal do sítio estava
tão acostumado com aquele pão queriam o da cidade. Eram panhoconas feitas em
casa, uma delícia. A condução motorizada
era escassa. O carrinho do meu pai era tracionado por dois animais, tinha roda
de madeira com um aro de ferro. Embaixo do carrinho havia duas gaiolas grandes
onde eram colocados os frangos que ele adquiria. Ele tinha ainda um jacá de bambu que imitava
um covo, era colocado na parte posterior do carrinho, em cima do caixão do
carrinho, aquilo também vinha lotado de frangos e galinhas. Ele passava no
moinho do Filetti, situado na Avenida Dr. Paulo de Moraes, enchia o “caixão de
querosene” com palha de arroz para calçar os ovos, não ter o perigo de
quebrarem, ali vinha quatro ou cinco dúzias de ovos. Esses ovos eram vendidos
em um remetente, que era quem pegava os ovos de vários frangueiros e mandava
para São Paulo, para Campinas, eram vendidos no atacado, em Piracicaba ficava
muito pouco. Lembro-me dos remetentes Fernando Gutierrez e Família Sanches
constituída pelo casal e vários filhos, a empresa situava-se na Rua do Rosário
quase esquina com a Rua Ipiranga.
Por quantos anos o seu pai
trabalhou como frangueiro?
Ele trabalhou de oito a nove anos, a linha
dele era enorme, logo depois que eu nasci meus pais mudaram-se para a casa dos
meus avós paternos, no bairro rural Pau Queimado. Meus avós paternos
chamavam-se Ezequiel Barbosa de Lima e Ana Luiza Amaral. Meus avós maternos
eram Luiz Danelon e Luiza Pessatti Danelon. Quando eu tinha três anos e meio
meus pais mudaram do bairro Pau Queimado para o bairro Campestre, papai foi
formar uma linha do Campestre para frente, ele frangueirava durante a semana e
aos sábados e domingos atendia como barbeiro.
Fiz o curso primário no Grupo Escolar de Campestre, naquela época existiam
muitas colônias: Colônia do Mineiro, Colônia da Fazenda Bela Vista conhecida
também por Fazenda Dona Antonia, a Família dos Mellegas que faziam açúcar
batido, a Família Schiavolin, ali era quase um vilarejo. Minha primeira
professora foi Dona Nena, parece que ela era esposa de Sebastião Rodrigues
Pinto, proprietário da Casa Edson, situada em frente a Catedral. Depois tive
aula com Dona Helena de Almeida Dutra, essa me marcou muito, foi ela quem me
ensinou a fazer versos, a recitar, ela era nossa fã incondicional, eu cantava,
recitava, fazia diálogo com outra menina da escola a Ivani Meneghetti, já
falecida. Fazíamos os diálogos, uma espécie de teatrinho, para as crianças era
uma maravilha. Para que eu representasse
um personagem era só ter uma oportunidade. No terceiro e quarto ano primário a
professora foi Olívia Valério, nós a chamávamos de Dona Vica, era irmã do
diretor do grupo, Alberto Valério. Dona Vica nos ensinou também religião. Papai comprou um terreno de um alqueire de
terra e construiu uma casa. Ele atendia tanto como frangueiro ou barbeiro. Aos
sábados por volta do meio dia ou uma hora da tarde já começava a chegar o
pessoal da roça que vinha para cortar o cabelo, fazer a barba. Nessa época eu
estava com oito ou nove anos de idade, tocava uma violinha, aprendi a afinar
sozinho. Papai tinha uma viola, ele era mineiro que gostava da viola, da
catira, de função de viola. Ele ia frangueirar eu pegava a violinha dele e
ficava tentando tocar alguma coisa. Desde pequeninho, quando me senti por
gente, andando, eu já pegava a viola do meu pai e saía arrastando.
O rádio era comum nas residências
rurais?
Naquela época morávamos no mato,
não havia rádio, nem energia elétrica. Usava-se lamparina de querosene e água
de poço. Conclui o primário aos onze anos, papai saia para franguear eu cuidava
da criação, ia “catar pontas”, naquele tempo os Mellega e os Schiavolin faziam
açúcar batido íamos buscar pontas de cana-de-açúcar no canavial, trazíamos na
carroça, para dar aos animais que voltavam a tarde da frangueação, picava as
pontas no cocho junto com farelo, milho. Esse era o meu serviço, ia também
cortar um pouco de capim, brincava bastante.
Você ia buscar essas pontas com
carrinho de tração animal?
Eu mesmo engatava no carrinho a
égua de nome Ruzia. Tinha outra égua de nome Surpresa. Esse nome ela recebeu
pelo fato que deu origem a sua aquisição. Papai estava atravessando uma fase
difícil no aspecto financeiro, naquela época havia o jogo de bicho, ele fez uma
porção de números, pegou o boné da minha cabeça, jogou aqueles papeizinhos
dentro do boné, chacoalhou e disse-me; “- Lillo, tire um papelzinho desses
ai!”. Tirei, Ele veio para a cidade, vinha trazer ovos. Jogou no bicho, a tarde
viu que ganhou o primeiro prêmio. Ele estava precisando de um animal para o
carrinho, para poder continuar a franguerar, comprou uma éguinha muito esperta
e colocou o nome de Surpresa, pela surpresa que ele teve ao ganhar no jogo do
bicho. Tinha ainda duas mulas que ele usava, eram mais reforçadas, a égua é
mais para carrinho que não leva muito peso. Para carga pesada tinha que usar
burro ou mula. Uma mula chamava-se Amazonas e a outra Menina, esta foi
adquirida muito novinha ainda, teve que ser dado um tempo para ela depois
começar a trabalhar. O que não faltava no sítio era cachorro. Entre eles tinha
um que era um viralatão. Certo dia papai estava retornando para casa, esse
cachorro entrou na sombra do caixão do carrinho e cheirava os frangos que
estavam na gaiola, além do pão naquele dia papai tinha uns biscoitos, ele jogou
um biscoito para o cachorro. Ele acompanhou papai até em casa. Nunca ficamos
sabendo quem era o dono desse cachorro, de onde ele tinha vindo, deve ter vindo
da Fazenda Milhã, ou da Fazenda Vai-e-Vem, daqueles fundos lá. Era um cachorrão
grande, ficou um mestre, chamava-se Avião. Tinha outro cachorro de tamanho
médio, era fraco, colocamos o nome de Malandro nele, ele não fazia nada, era
folgado. E tinha uma cachorrinha chamada Saa (Com dois a). Depois vieram outros
cachorros.
Quando sua família veio para a
cidade?
Logo que terminei o primário meu
avô paterno faleceu, ele tinha um Box no Mercado Municipal onde comercializava
fumo. Meu pai acabou adquirindo da minha avó esse box. Mudamos para a Rua
Floriano Peixoto, 558. A casa era alugada por Batista Rapetti. Ele permaneceu
um bom tempo ali, mas não se adaptou, resolveu frangueirar de novo, adquiriu um
caminhãozinho, um Chevrolet 1928. Esse caminhão só lhe deu dor de cabeça.
Vendeu o Chevrolet e comprou um Ford. As despesas eram bem maiores do que era
no tempo em que trabalhava com carrinho de tração animal. Surgiu uma vaga para
trabalhar como motorista no Lar dos Velhinhos de Piracicaba era para dirigir
uma caminhonete zero quilometro. Luciano Guidotti era o provedor do Lar dos
Velhinhos, ele que falou com papai, eram muito amigos. Papai trabalhou lá até
falecer, ele era motorista, fazia a barba, cortava o cabelo, ele dava banho,
fazia curativos. Foi muito útil para o Lar dos Velhinhos.
Nesse período qual era a sua
atividade?
Alguns dias após mudarmos para a
cidade fui trabalhar na casa de loucas e utilidades de propriedade de Batista
Rapetti, ficava na Rua Governador Pedro de Toledo, 1512, esquina com a Rua
Ipiranga, em frente ao Grupo Escolar Barão de Rio Branco. Por dois anos
trabalhei lá. Aos onze anos e meio eu era balconista. O Batista Rapetti saia,
ia caçar, junto ia seu amigo, dono do Café Triângulo. Na loja ficava a esposa
dele, eu e um sobrinho dele chamado Adolfo Beismann, que era um pouco mais
velho de que eu. Nós vendíamos e muitas vezes a patroa estava lá dentro da casa
nós a chamávamos: “- Dona Carmem!” O nome dela era Carmem Vitória. Ela e seu marido
moravam no fundo da loja, ela cuidava da casa, nós dois atendíamos o cliente,
vendíamos, sabíamos o preço de tudo. Quando a venda estava feita nós a
chamávamos, dizíamos o que o freguês estava levando. Ela aprovava a venda, nós
então embrulhávamos as compras. Naquele tempo era tudo no barbante. Não existia
durex. Tinha dois rolos de barbante preso e um suporte giratório, ficava em
cima do balcão. Embrulhávamos a compra em um jornal, passávamos o barbante
cruzando um fio sobre o outro. Não existia sacola plástica, alguns fregueses
traziam uma sacolinha de pano com duas bocas, era o chamado “piquá”. As louças
eram colocadas em um lado e outros materiais em outra boca do piquá, para não
ter perigo de quebrar a louça.
Vendia muitos presentes para
casamento?
Vendia! Na época de maio, junho,
quando eram celebrados bastantes casamentos vendia-se muito. O Rapetti tinha
grande variedade de presentes. Estavam em moda as licoreiras. Um escolhia com
alça, outro escolhia com bandeja, o presente para casamento era embrulhado com
papel de presente, mas preso com barbante.
As mercadorias vinham pela
estrada de ferro?
Vinha pela Companhia Paulista e
pela Estrada de Ferro Sorocabana. Eles entregavam na loja. Não sei por quais
cargas d’água ele liquidou a loja. Acredito que seja porque estava bem de vida,
tinha várias casas de aluguel, sítio em Santa Maria. Com isso perdemos o
emprego. Naquela época ganhávamos cento e cinquenta mil réis por mês, eu já
estava com 14 anos. No último dia Batista Rapetti nos chamou, pagou nosso salário
e deu uma gratificação de duzentos mil réis. Para nós foi como ganhar na
loteria esportiva. Meu pai construiu uma casa na Avenida João Conceição, onde
por muito tempo foi a Alvarco. Era um terrenão enorme, papai foi um dos
primeiros a comprar terreno ali, era do Pacheco Chaves.
Qual foi o seu novo emprego?
Quando o Batista Rapetti parou de
trabalhar consegui um emprego no bar em frente a Estação da Paulista. Naquele
sobrado que existe até hoje, na esquina da Rua Boa Morte com a Avenida Dr.
Paulo de Moraes. Era do Augusto Amstalden, meu tio e padrinho. A esposa do
Augusto era irmã da mamãe. O bar fica embaixo e ele morava na parte superior.
Quanto sorvete eu fiz ali! Sou de estatura pequena, para servir o sorvete tinha
que me debruçar com a barriga sobre o primeiro corpo para alcançar o butijão de
sorvete que ficava no segundo corpo. Trabalhei dois anos e meio lá, sem férias,
funcionava sem parar, de segunda a segunda.
Qual era o sorvete mais
requisitado?
Saía de tudo! Um tio meu,
Francisco Danelon, conhecido na cidade por “Tio Chico”, não media para fazer o sorvete, calculava
pela vasilha, às vezes não dava certo. Eu dizia:
“Tio precisa medir, precisa pesar o açúcar, o senhor está colocando a
vontade!”. Como balconista ele era um espetáculo. A limpeza do bar, ele fazia
tudo. Ali era servido café, sorvete, lanches. O lanche daquele tempo era uma
bengala cortada com a faca, colocava mortadela, salaminho ou queijo. Estava
pronto! Não existia chapa, não aquecia. Era lanche frio. Vendia demais! Naquele
tempo não existia a Viação Piracicabana, existia a empresa Atilio Gianetti que
era carro de praça (Taxi) que levava clientes para São Paulo. Não existia a AVA que ligava Santa Bárbara,
Americana e Campinas a Piracicaba. O trem era o único meio de locomoção, o
pessoal de Santa Bárbara e Americana vinha fazer compras em Piracicaba, essas
duas cidades eram muito pequenas. Dá para imaginar o movimento que tinha o bar
em frente a estação.
Quais eram os horários de
partidas e chegadas dos trens?
O primeiro trem saia as 6:35, não
sei porque não saía as 6:30 ! Às 9:50 ou 9:55 chegava o trem que vinha de São
Paulo, era feita a baldeação em Nova Odessa. Às 14:25 saía outro trem para São
Paulo, era o hora que tinha o maior movimento, o pessoal não queria ir embora
muito tarde, tinham vindo fazer compras em Piracicaba. O trem das duas e vinte
cinco era uma loucura. Eu chegava a ficar com o guarda pó melando de sorvete,
de leite. Era servido café, leite, sorvete, lanche, tudo de uma vez só. E o
pessoal tinha pressa, queria pegar um lugarzinho no trem, sentar. Às vezes ia gente
até no estribo do trem. O Augusto Amstalden ganhou muito dinheiro. As 21:50
chegava um trem de São Paulo, a tarde não vinha trem, a não ser que fosse algum
trem especial, algum acontecimento extra. O Augusto não me chamava de Lillo nem
Ismael, ele dirigia-se a mim dizendo Jéi. Esse era o apelido do Joel, outro
sobrinho. Ele dizia: “-Jéi! O trem está chegando! Pega o bule de café, pega o
leite!” O pessoal saía do trem morto de fome. Eles tinham saído de São Paulo em
um horário que não tinha como jantar. Quando esse pessoal ia embora o Tio
Augusto me dizia: “-Jéi! Abaixa as portas, precisa lavar o salom!”. Embora
fosse descendente de suíços ele conviveu com os italianos da Nova Suíça, onde
noventa por cento era de descendentes de italianos. Eles tinham o sotaque então
diziam: canecom, rojom, cachorrom, tudo com “om”. Às vezes estava na metade da
lavagem do salão, batiam na porta, diziam: “- Dá para servir um lanche?”. O freguês entrava, aquela água do chão ia
enxugando, tinha que jogar mais água. Eu saía do bar a meia noite, uma hora da
manhã.
Você morava onde?
Morava na casa em que resido até
hoje. Meu pai que a construiu, ele adquiriu o terreno de José Passari, que foi
proprietário do Posto de Gasolina do Pampaluche (Panfiglio Passari), situado no
inicio da Avenida São Paulo. Hoje conhecido como Posto Sabadim. Pelo cálculo
que fiz faz 65 anos que moro aqui, nesta avenida, neste número. Essa casa foi
reformada por três vezes. Ampliada. Posso afirmar que meia Piracicaba conhece o
Lillo. (CONTINUA)