PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
Rádio Educadora de Piracicaba AM 1060 Khertz A Tribuna Piracicabana
Sábado das 10 ás 11 Horas da Manhã Publicada ás Terças-Feiras
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
19 3433.8749 / 8206 7779 / 8167 0522
Rua do Rosário, 2561 Cep 13401.138 Piracicaba- S. P.
joaonassif@gmail.com
(11/JUNHO/2006)
Entrevistada: Da. Lidia Lucano Crivelo
Dona Lidia é o retrato vivo de uma geração que perpetua em seu intimo a garra dos imigrantes. O desejo de vencer transformou as adversidades em etapas a serem transpostas. As bases de sustentação do nosso país, do caráter do nosso povo, foram desenvolvidas com a fibra inabalável, construindo com risos e lágrimas uma nação que está mostrando a sua grandiosidade no cenário mundial. A junção de atos quase insignificantes, pequenas atitudes corriqueiras, a mesmice de um trabalho insano, o anonimato dos que realizam tarefas tidas como de menor importância, porém essenciais na vida dos grandes vultos. A memória privilegiada e a sua lucidez trazem a tona histórias de uma Piracicaba que se distancia a cada dia da história do seu passado, em função da famigerada globalização. Onde hábitos e costumes de um povo transformaram-se na geléia geral que hoje constitui grande parte da humanidade.
A senhora é natural do município de Piracicaba?
Sou filha de Serafim Lucano que veio de Padova, Itália, aos oito anos de idade e Rosa Parisch Lucano, ela era descendente de alemães. Nasci no dia 14 de junho de 1922 na Fazenda Olho D`Água propriedade do Dr. Francisco Toledo. Fica adiante de Saltinho, no sentido da cidade de Tietê. Os meus irmãos são: José, Romano, Eugênio, Avelina, Elza, Therezinha. Utilizávamos carroça ou trole com quatro rodas para a locomoção. Era estrada de terra. Nós praticamente não conhecíamos a cidade. Trabalhava na roça colhendo café, algodão. Naquela época tínhamos quase tudo que necessitávamos no próprio sítio. Plantando, tudo dava. Tínhamos arroz, feijão, o açúcar vinha de engenhocas que faziam o açúcar preto, açúcar batido. As nossas brincadeiras de criança era brincar de pega-pega, esconde-esconde, pular corda, brincadeira de roda, pata-choca. Lembro-me da brincadeira Vintém queimado, com uma corda, dez ou doze crianças. A primeira da fila diz: - Vintém queimado. A última pergunta: - Quem queimou? A primeira responde: - Ladrão dos porcos. A última responde: - Bendito vá daqui para lá. Todos eram puxados pela corda. Permanecia o lado que era mais forte ao puxar a corda. Quem perdia pagava um castigo. Era comum brincar de boneca usando uma abobrinha, com um palito furava o olhinho, o narizinho, a boquinha, enrolava um paninho e era uma boneca! Ou então uma espiga de milho, apanhada verde, tinha o cabelinho arruma e brincava. Com o chuchu colocava uns pauzinhos como pés e tínhamos os porquinhos. Depois mamãe começou a fazer boneca de pano. Ela aprendeu com uma senhora, então passamos a ter que tomar mais cuidado, não podia esquecer fora de casa, se chovesse iria molhar!
Quando os pais iam trabalhar na roça levavam as crianças?
Iam todos os filhos. Apenas as minhas irmãs Elza e Therezinha que nasceram na cidade de Piracicaba é que não chegaram a ir á roça. Os outros cinco iam. Mamãe dava de mamar para uma criança, na rede, no pé de café.
A família mudou-se para a cidade de Piracicaba?
Papai resolveu vir morar em Piracicaba. Eu tinha uns sete anos de idade. Viemos morar na fazenda do Ditoca. Passamos a morar o que na época era chamada de “Colônia do Ditoca”. Para quem segue no sentido Centro-Bairro da Avenida São Paulo, desde o Posto de Gasolina São Jorge até o Terminal de Ônibus, o lado direito era propriedade do Ditoca. A nossa casa ficava onde mais tarde foi construída a famosa padaria Pansa, ali tinha 15 ou vinte casas de colono. Todos trabalhavam na fazenda apanhando café, algodão, plantando arroz, feijão, milho. As casas situadas ali eram todas de barrote. Havia mais acima outras casas construídas com tijolos. Ao lado da Pansa existe uma baixada, era li que plantávamos arroz! Era uma várzea. A casa do Ditoca ficava próxima do local aonde depois veio a ser o Posto São Luiz. Ali ficava a sede. Atrás da casa ficava o pomar. No local onde hoje existe o Supermercado Guidi existia uma venda de propriedade do “Seu” Melico. Bem em frente é que ficava a casa do Ditoca e da sua esposa Dona Mocica. Ele tinha sete ou nove filhos, se não me engano um deles foi prefeito de Tiete. Já com sete anos de idade fui trabalhar na roça. Ás cinco e meia da manhã tinha que estar trabalhando. Papai fazia um foguinho no cafezal para esquentar a mão e poder apanhar café. Trabalhávamos até as seis horas da tarde. O patrão ficava andando a cavalo pelas ruas de café olhando se os empregados estavam trabalhando ou não. O nosso patrão, o Ditoca, dizia que: “-Diploma de filho de empregado era o cabo da enxada”.
As refeições eram feitas em quais horários?
Levantávamos, tomávamos um cafezinho e íamos embora. Ás oito horas mamãe ia com a cesta de comida, sempre tinha polenta. Polenta com ovo, polenta com lingüiça, polenta com sardinha. Ao meio-dia era o “minestrão”, a minestra, era feijão com macarrão tudo junto, e a Graça de Deus! (risos). Ás três ou quatro horas da tarde ela levava uma merenda, um bolo de fubá, ou uma banana, ou um mamão. Quando eram oito horas da noite, chegávamos á nossa casa e lavávamos as mãos e os pés, não havia banheiro, não havia pia, não havia nada! O banheiro era fora da casa, com uma fossa séptica. Depois de nos lavarmos, sentávamos á mesa e comíamos polenta de novo! Com ovo frito, com “futaia”! Futaia é ovo batido com cebola, bastante cheiro verde. Hoje conhecemos pelo nome de omelete! Comia quanta polenta podia comer, a mistura era pouca! Pão e bolo eram os que a mamãe fazia em casa, na época nem existia quase padaria. A primeira padaria que nós conhecemos ficava na Rua Benjamin Constant embaixo do pontilhão. (Era o pontilhão por onde passava o trem da Companhia Paulista e retirado do local na administração do prefeito José Machado).
Era comum usar sacos já utilizados para transporte de açúcar para confeccionar roupas?
Mamãe fazia roupas para nós com sacos de açúcar! Quando apanhávamos o café eram colocados panos embaixo do pé de café para não pegar pedrinhas nem terra. Abanávamos aquele café colocávamos em um saco, amarrávamos e os sacos eram transportados por carroça para a tuia. No término da colheita, aqueles panos eram dados para nós. Mamãe usava a sobra daqueles panos como lençol, para enxugar os pés, enxugar o rosto. Era uma miséria terrível! O pagamento geral era feito no final do ano, ao final da colheita. Durante esse período em que não recebíamos nada, retirávamos na venda do Sr. João Feliciano. Teve uma época e que fui á escola situada na Chave de Chicó. Tomava o trem da Sorocabana, que parava na Água Branca, pertinho da Igreja São João. Ali havia uma plataforma, íamos a pé até lá. Depois o Ditoca nos transferiu para o cafezal, onde havia uma casa mais próxima da plataforma para tomar o trem. Por dois anos freqüentei aquela escola. Lembro-me do nome de algumas professoras: Dona Cacilda, Dona Amélia, Dona Jacira. Depois o Ditoca trouxe de novo o papai para a colônia e com isso eu não pude mais ir para a escola, freqüentei a escola nos meus dez e onze anos de idade. Eu chorava porque queria ficar na escola. Precisei ficar olhando minhas irmãs que estavam crescendo, mamãe ia para a roça e eu ia junto, ajudava ela a trabalhar, a olhar as crianças menores. Meu pai pegava o couro do boi, limpava, estaqueava (esticar) com bambu, ele fazia uns espetos esticando, não perdia um pedacinho. Deixava o couro muito bonito. Ás vezes ele tirava o pelo, outras vezes não. Algumas pessoas queriam que ele fizesse reio, rédea, cabresto mantendo o pelo, porque ficava mais bonito. Outros já queriam que ele lixasse o couro, ficava branquinho.
A senhora foi trabalhar em outro serviço?
Com os meus treze ou quatorze anos minha mãe conversou com a Dona Mocica, e fui trabalhar de copeira na casa do “Seu” Ditoca. Passei a arrumar a mesa, varrer a casa, arrumar as camas. Tinha uma cozinheira e uma lavadeira. Mamãe nessa época ia lá pregar botões nas roupas, remendar meias, fazer doces: cocada, marmelada, goiabada, o que havia de frutas minha mãe transformava em doces. Enchia umas latas e guardava na dispensa. A chave ficava na mão da Dona Mocica. Lembro-me que eles tinham um rádio que era ligado a um acumulador. Como não tinha potência suficiente para ter um volume de som que todos escutassem, era ouvido por apenas uma pessoa por vez. Havia uma disputa muito grande entre os familiares para utilizarem o rádio. Tocava-se música caipira, samba. Os empregados nem sonhavam em chegar próximo do aparelho! Eu comecei a enjoar daquele serviço. Achava desagradável. Naquela época não existia banheiro completo, era um banheiro comum dentro da casa. Como era comum nas casas, eles usavam penico no quarto, eu tinha que fazer a limpeza! O Ditoca tinha uma escarradeira de louça. Ele cuspia muito. O chão da casa era assoalho, a lavagem era feita com soda caustica. Tinha uns 10 cômodos, era uma casa enorme. O chão não era encerado, só era lavado toda semana, com baldes de água. A Avenida São Paulo era uma estrada de terra. Quando algum carro ou caminhão passava pela estrada tinha que fazer uso de um trator ou burros para puxar porque ali atolavam mesmo! Era terrível. Do outro lado da hoje avenida, á esquerda de quem vai ao sentido centro bairro, era tudo pasto! A Fazenda do Ditoca tinha várias porteiras para entrar no cafezal: Porteira de Arame, Duas Porteiras e uma porteira que encerrava o terreno dele que era divisa com as famílias Momesso e Pupim.
Saindo da fazenda do Ditoca a senhora foi trabalhar onde?
Fui trabalhar na casa do “Seu” José Carlini, açougueiro, conhecido também como José Mata Burro. Ficava no primeiro quarteirão da Rua Governador Pedro de Toledo, no sentido bairro centro. Na esquina da Rua Governador com a Rua Joaquim André havia a sapataria do Fustaíno, na mesma calçada ficava o açougue, só que era antes da sapataria. Tinha o “Seu” Gobbo, que fazia arreio de burro, tinha em seguida a casa de um sírio, depois era a casinha que o “Seu” José morava. Ele tinha duas filhas, a Nancy e a Marjorie e o filho Ebear. A esposa era a Dona Helena. Nessa época conheci meu marido, Antonio Crivelo.
A senhora casou-se onde?
Casei-me na Catedral, quem celebrou o nosso casamento foi o Monsenhor Rosa, isso foi no dia 9 de janeiro de 1943. Era ainda a chamada Igreja Matriz, a catedral antiga de uma torre só. Era tão bonitinha por dentro. Era bem menor. Quando construíram essa nova ela permaneceu dentro! Construíram a nova catedral em volta da antiga igreja e foram derrubando aos poucos a igreja mais antiga que tinha permanecido dentro da nova! Casei-me e fomos morar na Vila Rezende.
Em que lugar da Vila Rezende a senhora foi morar?
(Risos) Fui morar no Sanatório São Luiz! Era um lugar onde ficavam os tuberculosos. Na época era terreno do Engenho Central. O nosso patrão era Mário Areas Witier, filho da Baronesa de Resende, que tomava conta dos empregados que colhiam cana e levavam ao Engenho Central. Ele tinha uma casa muito bonita. Tinham construído a casa onde minha sogra morava, e a casa onde fui morar. O Mário era uma pessoa maravilhosa. Sentava no chão, chamava meu sogro, meu marido para conversar com ele. Era uma pessoa muito humilde, muito bom.
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