segunda-feira, outubro 14, 2013

RUBENS GERDES


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de setembro de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: RUBENS GERDES

 


 

Rubens Gerdes é descendente de alemães e italianos. Nascido a 23 de junho de 1934, às seis horas da manhã, em Piracicaba na Rua Moraes Barros esquina com a Rua Bom Jesus, filho de Alberto Gerdes e de Judith Previtalli Gerdes. Seu pai teve quatro filhos no primeiro casamento, viúvo, contraiu segundas núpcias onde teve mais quatro filhos sendo Rubens o mais novo.

O pai do senhor exercia qual atividade?

Ele era sapateiro, proprietário da Sapataria Bom Gosto. O Teatro Santo Estevão exibia uma propaganda da sapataria. Lá eram fabricados sapatos e também se faziam consertos. Tanto de sapato feminino como masculinos.  Meu pai foi um homem muito conhecido, era sério, honesto, todo o mundo conhecia o Gerds.

O senhor estudou em que escola?

Fiz o curso primário no Sud Mennucci. Naquele tempo com oito, nove anos já estava trabalhando. A minha primeira profissão foi a de sapateiro. Meu pai cortava o sapato, muitas vezes eu cortava, pespontava, costurava, depois montava o sapato normal. Naquela época vendia-se muito sapatão, usava prego-torno, que é o prego de madeira. A sola era pregada com prego de madeira. Depois saiu o sapato Packard de sola grossa. Mudamos para a Rua Bernardino de Campos, entre a Rua XV de Novembro e a Rua Moraes Barros, meu pai deixou de ter a sapataria e comprou um sítio do Dr. João, vizinho a Fazenda da Dona Antonia, no atual Bairro do Matão. Lá tinha suínos, uma vaquinha. Eu tinha uns 10 a 12 anos nessa época, ajudava-o muito na alimentação dos porcos. Íamos e voltávamos todos os dias, a condução utilizada era carrinho de tração animal. morávamos na Rua Bernardino de Campos. De lá mudamos para uma chácara de nossa propriedade onde hoje é a Rua Bahia, era uma área de uns três alqueires. Havia os mais variados tipos de frutas. Nós plantamos pés de coco vindos da Bahia, agrônomos da Escola de Agronomia iam visitar nossa chácara. Com 14 anos entrei para trabalhar na Mausa na Rua Santa Cruz, que antigamente chamava-se barracão de laranjas, lá antes de entrar a Mausa havia laranjas, a Estrada de Ferro Sorocabana passava rente ao barracão. Permaneci na Mausa por quase sete anos. Naquele tempo o bom empregado era aquele que fazia de tudo. Foi no tempo de João Bottene, Dr. Carvalho, Arthemio Bottene, Fleury, Bottini. João Bottene era um homem que só com o olhar impunha respeito. Muito inteligente, fabricou as primeiras locomotivas do Monte Alegre, os vagõezinhos vinham de Santa Bárbara D`Oeste só com cana-de-açúcar. Não havia caminhão como há hoje.

Que horas o senhor ia trabalhar na Mausa?

Naquele tempo não havia horário, não havia energia a toda hora. Por exemplo, às sete horas da manhã estava lá, quando era meio dia, uma hora da tarde, vinha embora. Às nove horas, onze horas da noite tinha que voltar para trabalhar, não havia energia para trabalhar, a cidade não tinha energia. Depois a Mausa adquiriu um gerador de energia. Piracicaba toda tinha esse problema de falta de energia, principalmente o setor metalúrgico que usava a energia mais pesada. Ali eram fabricadas turbinas, filtros, tudo para usina de açúcar. Havia a fundição de peças, caldeiraria, ferraria, ajustadores, torneiros. Trabalhei mais como ajustador, mas quando ia fundir, participava todo o pessoal. Eram poucos funcionários.

O senhor saiu da Mausa e foi fazer o que?

Meu pai trabalhava no fundo de casa como sapateiro, fui ajudá-lo. Depois comprei um caminhão Ford, ano 1946, foi meu primeiro caminhão. Meu cunhado, José Menen, o Lolo, era construtor, eu transportava material para ele. A carroceria era de madeira, na hora de carregar e descarregar eu usava a pá, muitas vezes sozinho. Por 15 anos trabalhei com caminhão, em 1959 comprei um caminhão Internacional novo, na Duvema, situada na Rua Benjamin Constant. Levava ferro de construção produzido pela Dedini para Brasília, vi Juscelino Kubitschek de Oliveira andando em lombo de burro, lá em Brasília. Eu dormia como um canivete, encolhido, não dava para esticar as pernas na cabine do caminhão.

Como eram feitas as refeições no percurso?

Existiam as vendas na beira da estrada, comia ali, outras vezes tinha algum lugar que faziam comida para nós que viajávamos. Com o tempo foram formadas cidades ao longo do percurso. Ai parava em algum posto existente.

O senhor viajava quantas horas para chegar até Brasília?

Muitas vezes uns dois dias, não havia estradas como existe hoje. Era tudo estrada de terra. Não tinha postos de gasolina a vontade. O caminhão era movido à gasolina. No Internacional levava de dez a doze toneladas. Viajava sem ajudante, era eu, Deus e o caminhão. Viajava para o litoral, fazendo frete, transportei o primeiro aço utilizado na construção da Cidade Ocian. Na volta à Piracicaba trazia insumos para fertilizantes utilizados pela Cooperativa dos Plantadores de Cana de Piracicaba. Carregava na Solorico. Às vezes descia para o litoral transportando açúcar. Levei muito açúcar para Belo Horizonte.

Quantos sacos de açúcar eram transportados em cada viagem?

Conforme o pedido do cliente, variava de 150 a 200 sacos de 60 quilos cada um, totalizando 12.000 quilos. A usina tinha empregados para carregar o caminhão, para descarregar, muitas vezes eu não tinha ajudante, descarregava sozinho. Eu era um homem muito forte, carregava até dois sacos de açúcar de uma só vez. Fui muitas vezes para São Paulo quando a estrada era de terra, de Jundiaí até São Paulo começaram a fazer uns lajões, isso no tempo do Governador Adhemar de Barros. A Via Anchieta era fácil para descer, mas para subir era brava, tinha uma única pista. Eu ia para o Paraná, passava por Itapetininga, Itapeva, Itararé, Sengés, Ponta Grossa. Fui para o Mato Grosso, para Porto Velho, no Acre. Pegava carga de empresas de São Paulo e levava. Nessa época eu já tinha caminhão Mercedes-Benz. A primeira carreta que eu tive vendi para o Lubiani, Na época a empresa mais antiga de transportes de cargas era o Expresso Piracicabano. Cheguei a ter uma meia dúzia de caminhões, com motoristas trabalhando para mim.

Para dirigir caminhão tem que ter conhecimentos sobre o seu funcionamento, um dos pontos é o freio a ar, que se usado em excesso fica sem freio?

A sapata do freio tem que estar sempre sendo regulada, ficar encostada, para não usar muito o ar, ao pisar no freio ele já parar. Hoje se acabar o ar o caminhão trava.

Hoje é mais fácil dirigir um caminhão do que um automóvel?

Eu prefiro o caminhão, ele oferece mais segurança. Se precisar dirijo caminhão, mas atualmente só ando com o meu automóvel.

Porque a carreta faz o famoso “L”, que é quando a carroceria gira em torno do cavalo (onde está o motor)?

Isso depende do motorista. Não pode pisar no freio com toda a força do pé. Precisa travar no manequim, que freia a carreta lá traz, ai segura o cavalo pisando no freio. Se frear só a frente a carreta faz o “L”. Tem que ter habilidade para dirigir uma carreta. 

Como era viajar para o Acre nessa época?

Havia cargas perecíveis que tinham prioridade, não ficavam nas filas de balsas para transpor diversos rios, os demais caminhões obedecia a fila. Para ir e voltar levava até 60 dias de viagem. Quando o tempo estava bom demorava menos, uns trinta dias. Naquela época não existia seguro para veículos. Tive dois caminhões roubados, decidi parar de trabalhar no setor de transportes. Montei uma laminação de ferro, onde foi o chamado “Vidrão”, que era uma fábrica de garrafas que não progrediu. Eu fazia ferro de construção, adquiria refugo de ferro para relaminar. Após algum tempo encerrei as atividades dessa laminação.

Nessa época o senhor já era casado?

Já tinha me casado com Aparecida Pagotto Gerdes, ela faleceu há treze anos. Nosso casamento foi realizado na Igreja São Judas Tadeu, na época a Avenida Independência era uma pista só da Santa Casa até a Igreja São Judas Tadeu, sem asfalto. Tivemos quatro filhos: Reinaldo, Rose, Rogéria e Ricardo.

O senhor e seus filhos passaram a trabalhar na área de construção civil, e nessa atividade realizaram remoções de monumentos de um local para outro da cidade?

Eu estava ainda trabalhando, quando pegamos um serviço, que era relativo ao monumento aos combatentes da Revolução Constitucionalista de 1932. Esse monumento estava na Praça José Bonifácio, tinha sido removido para a praça em frente ao Cemitério da Saudade. Nosso trabalho era levar esse monumento na Praça José Bonifácio, de onde tinha sido tirado. Foi um trabalho muito difícil. São peças pesadas. Dr. João Correia vinha lá e recomendava que tomássemos cuidado para não danificar o monumento nesse trabalho de remoção. A estrutura para montar uma parte é de pedra, depois vem as bases em granito, são peças de 300, 500 quilos. A escultura é em bronze. Outro monumento que removemos foi o dedicado a Luiz de Queiroz, estava em frente a ESALQ, fora do campus, e foi levada para a Praça José Bonifácio. Fizemos a base, é um monumento alto, e colocamos no topo a escultura da figura de Luiz de Queiroz. É muito pesado, tivemos que usar guindaste para levantá-la. 

O senhor foi um dos responsáveis em colocar o busto do seresteiro Cobrinha em frente ao cemitério?

Sempre gostei muito de seresta, acompanhava os seresteiros até pouco tempo. Todo fim de semana estava com meus amigos seresteiros, cantava com eles. Pensei em ajeitar o terreno onde tinha o monumento aos combatentes de 1932 e colocar ali um monumento ao Cobrinha (Victorio Ângelo Cobra), vi muitas vezes ele cantar, ia com ele onde se apresentava, inclusive fui com ele à Sorocaba. Era uma pessoa muito boa, foi um dos homens que representou Piracicaba até fora do Estado de São Paulo. Sempre cantou muito bem. Lutei muito tempo, consegui com os amigos que ajudaram, e assim foi feito o monumento ao Cobrinha que permanece lá. A fundição do busto foi feita por um amigo, Euclides Libardi. O projeto é de Marco Antonio Cavallari. Colocamos o busto, fizemos uma festa de inauguração do mesmo, a parte inferior é uma estrutura em alvenaria, e o busto é em bronze.

Do alto da sua experiência como o senhor vê os acontecimentos atuais?

Gostaria que os investimentos feitos em futebol fossem canalizados para a saúde. Enquanto a saúde está em situação precária o futebol recebe grandes recursos.

A responsabilidade maior dessa inversão de valores é do povo ou do governo?

A maior parte é responsabilidade do povo. Outra parte é do governo, sua função é administrar os recursos. Em minha opinião a pessoa já começa a assumir uma responsabilidade quando entra em uma escola. Lá ela irá aprender a ler e a escrever. Com 14 anos se não quiser seguir os estudos vá aprender um ofício. Educação quem dá não é a escola, é o pai, a mãe, a família. No meu tempo as crianças brincavam com bola de meia, era o tempo do rec-rec, (uma espátula de ferro que era utilizada para tirar o mato que crescia nos vãos entre paralelepípedos das vias públicas).

O senhor conheceu Brasília desde quando foi construída?

Conheço Brasilia desde quando estava sendo construída, vi Juscelino Kubitschek e Oscar Niemeyer andando em lombo de burro, inspecionando as obras. Juscelino era um homem simples.

O senhor andou muito dentro da cidade de São Paulo?

Andei com meu caminhão, hoje mudou muito. Ia para a Rua Paes de Barros, Mooca, Mercadão, Rua Bresser, Rua Oriente, Rua Maria Marcolina, não havia esse transito intenso. Nós tínhamos em Piracicaba a Guarda Municipal, andavam a pé. Quando prendia alguém iam a pé para a cadeia. Naquele tempo alguém da família tinha que levar a comida para o preso, senão ninguém dava.

O senhor lembra-se dos cavalarianos?

Antes dos cavalarianos existia a Mula Preta. Era um furgão grande, negro, quando prendia alguém era colocado nesse furgão. A pessoa que andasse pelas ruas sem nenhuma ocupação ou emprego era detido por vadiagem. No Bairro Monte Alegre havia bailes, para ir ao baile era a jardineira que levava, seu proprietário chamava-se Pavão. Na volta as mulheres vinham caminhando, ninguém mexia com elas. Todo o mundo as respeitava. Prova disso é que a Fábrica Boyes tinha três turnos, uma turma entrava às cinco horas da manhã, saia às duas horas da tarde, outra entrava às duas horas da tarde e saia às dez horas da noite, outra entrava às dez horas da noite e saia às cinco horas da manhã.  Todo mundo ia a pé, da Paulista, do Piracicamirim, ninguém mexia, hoje dentro do ônibus estão matando. Naquele tempo quadrava-se o jardim, os negros faziam o trajeto quadrando a Rua Moraes Barros, Rua Governador Pedro de Toledo, voltando à Praça José Bonifácio, o banheiro utilizado pelo pessoal que quadrava o jardim era o da Brasserie, do Lider Bar, para passarmos e irmos ao banheiro falávamos: “ -Dá licença?”. Eles paravam, a pessoa passava pela fila deles. Existia um grande respeito.

O senhor freqüentava o cinema?

Eu ia lá no “puleiro” do Cinema São José. Assistia Tom Mix, Buck Jones, Tarzan. A freqüência no “puleiro” era predominantemente masculina. Guardo até hoje dois cofrinhos com moedas, que eu guardava para dar para minhas filhas, há pouco tempo abri os cofrinhos e vi as moedas: centavos, tostões, duzentos réis, trezentos réis, quinhentos réis, ninguém sabe o que é isso. Com um tostão, com duzentos réis, ia ao cinema, comprava balas do Passarella, assim nos divertíamos. Hoje tudo é mais fácil, basta apertar um botão. Meus filhos têm obra no Maranhão, de lá eles estão me vendo em casa através de câmeras.

O senhor nunca imaginou que um dia iria ver isso?

Nunca. Só acho que o país precisa melhorar sua produtividade. A educação é muito importante, tem que ficar claro que ela é dada em casa, professor não educa, ensina, dá conhecimentos. O pai que tem dois filhos verá que cada um deles pensa de forma própria. Como uma única pessoa pode tomar conta de uma centena de crianças? Considero um erro o país ter creches, acho errada a mulher não cuidar dos seus próprios filhos. Tive um funcionário, excelente, que um dia me comunicou que no dia seguinte iria deixar de ir ao trabalho para cuidar dos papéis do filho que nascera. Dei-lhe os parabéns, perguntei-lhe se era o seu primeiro filho. Ele disse-me que era o seu primeiro filho, mas que a sua mulher já tinha oito filhos. Perguntei-lhe como iria tratar dos oito filhos mais o que nascera ele disse-me: “-Levo na creche, a creche que trate!”. Pode se afirmar que isso é educação, exemplo de vida? Por isso nunca vai acertar esse país.

O senhor tem alguma religião?

Sou católico, apostólico, romano. Não desfaço das demais religiões. Vou à missa na Igreja Santa Catarina, quando posso, assisto muitas missas pela televisão, faço diariamente minhas orações ao acordar e ao me deitar. Agradeço a Deus, e peço pelos meus entes querido, para aqueles que necessitam de saúde.

O senhor acha necessário o homem ter uma religião?

A pessoa tem que acreditar em Deus. O resto da vida é uma ilusão. A primeira coisa que a pessoa deve pedir a Deus é a saúde, é a coisa mais importante que temos. O resto são ilusões que vamos vivendo.

O ser humano é um pouco infantil?

Exatamente. Hoje é, antigamente não. A tecnologia trouxe benefícios, mas na maior parte das vezes é mal utilizada, isso acontece com o computador, com a televisão.

O senhor gostava de pescar?

Gostava muito. No Bairro Ondinhas, meu sogro, o Pagotto, tinha uma propriedade, era o maior pesqueiro que existia no Rio Piracicaba. Hoje o pessoal vai pescar leva lingüiça, algum tipo de carne, cerveja. Nós íamos ao rancho na beira do rio e pegávamos a “mistura”, (acompanhamento da refeição), no rio. Levava café, um garrafão de pinga, limão, banha, era aquele quadradão de banha, panelão de ferro. Fritava lambarizinho no fogão a lenha, fazia uma polenta, pescava de barco. Uma vez veio um parente meu de Sorocaba, fomos pescar. Armei o tarrafão, passei a corda de espinhel, é uma corda com bastantes anzóis pequenos, pegava principalmente mandi, passei a rede de lance, que é de barranco a barranco, enchi o barco de peixe: dourado, piracanjuba, corumbatá. Isso tudo no Rio Piracicaba, esse rio é milagroso. Eu tinha uma caminhonete ano 1951, lotei de peixes, coloquei umas folhas de bananeira em cima, passei uma cordinha e fui para Sorocaba, dei todos os peixes para os meus parentes. Tudo isso peguei aqui. No Mato Grosso uma vez peguei um jaú, de oitenta e poucos quilos, só a cabeça pesava trinta quilos. De ilusão se vive o homem.



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