segunda-feira, outubro 14, 2013

MARIA HELENA da SILVEIRA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de outubro de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADA: MARIA HELENA da SILVEIRA

 


O livro “Uma História de Amor Eterno” é um tributo que Maria Helena Silveira fez em homenagem aos seus pais Manoel Sebastião da Silveira e Regina Beltrame. É um relato completo desde quando se conheceram até quando faleceram prestes a completarem um século de vida. A família dá seu testemunho de que a riqueza espiritual supera e muito, as dificuldades materiais. Manoel e Regina viveram 76 anos de feliz união.

Em que localidade você nasceu?

Nasci no bairro rural Peruca a 23 de janeiro de 1946. É um bairro situado na estrada que liga Piracicaba a Laranjal Paulista, passa por Formigueiro, bairro Vai e Vem, na Fazenda do Milhã, Fazenda Velha, Arraial de São Bento, Sítio Novo, até Laranjal Paulista. É conhecida como “Estrada por dentro”. É uma alternativa a estrada que vai por Tietê. Na época em que eu morava no sítio tinha o ônibus que chamávamos de jardineira, ligava Piracicaba a Laranjal Paulista.

Qual é o nome dos seus pais?

Meus pais são Manoel Sebastião da Silveira e Regina Beltrame. Tiveram 10 filhos: o primeiro filho da minha mãe morreu bebezinho, chamava-se Theotônio, depois vieram os filhos: Ana, Pedro, José, João Batista, Maria Helena, Sebastião Davi, Inês Aparecida, Antonio Carlos e Cacilda Isabel.

Seus pais eram proprietários do sítio onde trabalhavam?

Eles tinham um sítio que lhes pertencia, acabaram vendendo porque o sítio era pequeno, tinha que ficar plantando em terras terceirizadas. Os filhos foram crescendo e ele queria uma profissão para os filhos. Eu tinha 13 anos quando a minha família mudou-se para a cidade, já tinha cursado até o terceiro ano, minha professora era a Dona Lourdes, isso na Escola Mista do Bairro Peruca. No sítio não havia quarto ano.

Porque o bairro chamava-se Peruca?

Em decorrência de um senhor conhecido por Peruca, era dono de muita terra. Todos o chamavam de Seu Peruca, o bairro acabou sendo chamado de Peruca, ele tinha muitos meeiros. Havia uma colônia de casinhas dos meeiros dele. Eu ajudava minha mãe no serviço doméstico, meu pai tinha umas vacas leiteiras, lembro-me que ia prender os bezerros a tarde. Eu recolhia as vacas e os bezerros, ia a pé, porque não era muito longe. As vacas eram mansinhas, mansinhas. A primeira vaca que meu pai comprou quando mudamos nesse sítio, chamava-se Baia, ela tinha uma novilha chamada Prata. Depois ele adquiriu as vacas Nobreza e Rolinha. A essa altura a Prata já tinha criado, ele estava com quatro vacas de leite. Distribuía leite até para os vizinhos,  

Aos treze anos juntamente com sua família vieram morar em que bairro de Piracicaba?

Viemos morar na Rua Marquês de Monte Alegre, 1038, próximo ao Cesac. Isso foi em 1959.

Já tinha sido construída a Igreja São José?

Havia apenas o terreno, o alicerce estava sendo construído, eu ia brincar no monte de areia. Em volta havia poucas casas. A Rua Marques de Monte Alegre era cheia de casas, em frente a igreja, no sentido de quem vai mais para o bairro havia poucas casas. Era bem descampado. Descendo a Rua Ubatuba não havia casa. O Grupo Escolar Dr. João Conceição foi construído depois, era tudo um campinho. Havia muito terreno vazio.

Você continuou seus estudos?

Fui fazer o curso de costura, aprendi um pouco no SESI que funcionava na Sociedade Italiana, na Rua D. Pedro I, fui por pouco tempo. Minha mãe arrumou uma senhora que ensinava costurar, ficava próxima a Praça Takaki, na Rua Maria Nazareth, era a Dona Olívia, ela me ensinava a costurar a noite, minha mãe fazia-me companhia no trajeto. Ali terminei de aprender a costurar, minha mãe também costurava, ela me ajudava. Trabalhei toda a vida como costureira. Bem mais tarde voltei a estudar, Minha primeira máquina foi da marca Elgin, movida a força dos pés, com pedal, não tinha motor. Eu fazia calça para alfaiates, eles cortavam o tecido e davam para as costureiras costurarem. Cheguei a fazer sete calças em único dia. O tecido utilizado na época para calças era a calça de casimira. Depois começou a vir o tecido tergal. Costurava também sob medida, tanto roupas masculinas como femininas. Fiz vários vestidos de noiva. Cheguei a montar uma confecção com a minha irmã, mas ficamos um pouco de tempo só. Ela costura comigo até hoje. Atualmente trabalho mais com consertos, as pessoas compram muita roupa pronta e nem sempre são do agrado delas, sempre tem algum ajuste, alguma coisa para fazer. Faço mais isso hoje, mas ainda faço roupas.

A senhora é casada?

Não sou. A princípio achava que iria ser uma religiosa, cheguei a fazer algumas experiências em algumas congregações, participei de encontros vocacionais, mas eu sentia que em casa eles precisavam demais de mim. Depois eu achava que tinha um trabalho intenso na paróquia, achava que poderia fazer muita coisa sem ter ido a um convento.

Que tipo de trabalho a senhora fazia?

Trabalhei muito nessa paróquia. Trabalhei na catequese, fui catequista, coordenadora, tenho o trabalho realizado na comunidade, a paróquia é dividida em pequenas comunidades. Na comunidade eu fazia de tudo, recolhia o dízimo, fazia os encontros da reza semanal, faço até hoje. Atualmente o dizimo é levado diretamente para a igreja. No começo quando trabalhei na catequese, fiz um trabalho muito dedicado lá no “Risca-Faca”, como era conhecida a atual Vila Cristina.

Você conheceu o Frei Sigrist?

Conheci muito o Frei Sigrist, era outro São Francisco! Uma simplicidade total e uma cultura muito elevada. Um homem muito culto e que morava em uma favela. Não cheguei a trabalhar na favela com o Frei Sigrist mas o conheci porque na época ele dava aula para agentes da pastoral.

Como era a Vila Cistina na época?

O pároco da Igreja São José Monsenhor Luiz Gonzaga Giuliani quando chegou à paróquia, queria que as catequistas fossem de casa em casa buscar as crianças domingo de manhã para trazer à missa. Nós íamos no Risca-Faca de porta em porta, chamar as crianças, tirá-las da cama, para trazê-las a missa. Quantas vezes eu fiz isso? A pé! Depois tinha que levá-las de volta. A catequese, com essas crianças, fazíamos nas casas do bairro. Às vezes até embaixo de uma árvore.

Tinha algum atrativo para motivar essas crianças?

O Monsenhor fazia, quando chegava ao final do ano dava presentinhos na novena do Natal, Fazia muito sorteio dava para as crianças um tipo de um pequeno álbum, a cada encontro da catequese as crianças ganhavam um santinho, como se fosse um álbum de figurinhas, após preencher aquele pequeno álbum de santinhos, a criança ganhava um premio. No dia das Crianças dava doce. Ele cativava as crianças.

Qual é a importância da Igreja São José para o bairro?

Foi muito importante! Para mim principalmente que vim da área rural, foi na igreja que aprendi muita coisa. Devo muito ao monsenhor, através de cursos de formação de catequese, a formação de agente pastoral, ganhei muito com isso. Só depois é que fui fazer o MOBRAL, ai me despertou a perspectiva de estudar. Isso foi em 1969. Prestei exame de admissão, necessário naquela época, assim fui cursar o ginásio, isso em 1970. Nessa época já estava construído o prédio atual do Ginásio Dr. João Conceição, que tinha só o curso primário, no mesmo local o ginásio foi ocupado inicialmente pela E. E. Prof. Alcides Guidetti Zagatto, onde funcionou por alguns anos. Consegui estudar ali meus quatro anos. Conclui o ginásio no Zagatto, que já havia se mudado para o prédio atual. O curso colegial fiz um ano no Colégio Piracicabano, era escola particular. Parei de estudar por razões econômicas. Depois fui fazer supletivo. Fiz dois anos no Dom Bosco. Pensava em fazer uma faculdade, mas por empecilhos financeiros não foi possível.

A senhora acha que doou muito de si para a comunidade?

Doei! Tenho uma alegria imensa em ter doado a minha vida para o trabalho pastoral. Dediquei o melhor da minha vida para a comunidade. Tenho muita alegria em falar isso.
Minha mãe dizia: “- Porque fazer tanto! Não tem mais pessoas que possam também trabalhar? Só você que tem que fazer?”. Eu respondia-lhe: “Não é só eu, é que outras pessoas não fazem!” Eu estava sempre na coordenação, o trabalho é dobrado.
 
Financeiramente a senhora não teve nenhuma compensação, qual foi sua recompensa?

Recebi muita formação, o Monsenhor Luiz Gonzaga promovia cursos para nós. Fiz diversos cursos de formação, entre eles um de formação catequética, em Campinas, na casa de umas irmãs chamadas Lumen Christi em Campinas. Fiz um curso de várias etapas, fiz um curso de Teologia da Diocese foram várias etapas, quando chegou ao final, por motivos domésticos, não pude concluir o curso. Depois voltei a fazer a Teologia aqui no Seminário Seráfico São Fidelis. Na época lecionavam lá Frei Sigrist e Frei Augusto.

Como a senhora vê a realidade das pessoas menos favorecidas?

O pobre do Evangelho não é o pobre material, é o pobre de espírito. È pobre que não tem Deus, não tem conhecimento da fé. Para Deus a matéria não tem valor, ela é importante enquanto você permanece aqui. Ninguém irá levar nada dos seus bens materiais.

A senhora é uma idealista?

Sou, tenho um ideal. Pertenço a um grupo de leigos associados a Congregação dos Missionários Claretianos. Já faz 40 anos que pertenço a esse grupo. Conheci esse grupo de leigos nessa época em que eu queria ser religiosa, participei de encontros vocacionais, tive a oportunidade de conhecer esse grupo de leigos. Com o Concilio Vaticano II ele teve uma abertura muito grande. Foi reformulado. Esse grupo está espalhado, onde os claretianos tem casa eles têm os grupos de leigos, sou privilegiada, aqui em Piracicaba não existem claretianos, eu ia  a São Paulo, na Editora Ave Maria, participar de reuniões. Ficava na Rua Martim Francisco, no bairro Santa Cecília. Eles têm um seminário em Campinas, às vezes eu ia para Campinas.

A senhora morou na Rua Marques de Monte Alegre quantos anos?

Moramos lá por cerca de 19 anos. Alugamos uma casa na Rua Bernardino de Campos, próximo ao Colégio Dom Bosco. Com o dinheiro que o meu pai tinha ele queria comprar uma casa, só que esse dinheiro não dava para comprar uma casa, ele comprou esse terreno aqui. E construiu essa casa. Aqui o nome correto é Jardim São Miguel, estamos nessa casa já há 35 anos. Foi uma das primeiras casas do bairro, não tinha asfalto, era só buraco porque aqui é muita descida, a chuva abria aquelas valetas. No dia de chuva tinha que ir com um calçado até a Avenida Nove de Julho, e trocar o calçado, para ir á uma missa, ou algum lugar. Era muita lama, era horrível sair em dia de chuva, logo depois passou o asfalto.


Avenida Dr. Paulo de Moraes logo após ser construída, do lado direito ainda se vê os pés de café da Chacara Nazareth. As edificações são quase inexistentes.


A Avenida Dr. Paulo de Moraes já estava aberta?

Abriu naquela época, beirando a Avenida Dr. Paulo de Moraes na Chácara Nazareth, ainda existiam as vacas de leite, existia uma cerca onde elas ficavam. Quando construímos a nossa casa fotografamos a Avenida Dr. Paulo de Moraes, não havia nenhuma construção ainda. A nossa casa foi construída pelo meu pai, um irmão dele que trabalhava como pedreiro, residente em Quatá, cidade do Estado de São Paulo. Esse meu tio vinha e ficava a semana toda




O livro que a senhora escreveu  “Uma História de Amor Eterno”é ilustrado com muitas fotografias.

É sim, inclusive recuperei uma que o meu pai deu para a minha mãe quando começaram a namorar. Tem um versinho escrito por ele atrás da fotografia: “ Minha querida Regina Beltrame, queira aceitar esta fotografia, de lembrança do seu aniversário. Com pena pequei na pena, com pena para te escrever, com pena larguei da pena, com pena de não te ver” Ele escreve ainda: “Desse coração que por ti padece.”.

Qual era a profissão do seu pai?

Ele trabalhava no roça. Antes de vir morar na cidade foi contratado a 2 de agosto de 1948  pela prefeitura para trabalhar como conserveiro das estradas, ele deixou a roça, o sítio era pequeno, meus irmãos foram crescendo, mudamos para a cidade. Ele continuava ainda a trabalhar no sítio. Ia pela manhã e voltava à tarde pela jardineira.
Ele foi trabalhar na turma, iam de caminhão para abrir estradas com picareta. Ele permaneceu um ano nesse serviço, quando foi transferido para trabalhar como guarda de abrigo público, nos sanitários municipal. Depois o passaram para chefe, cargo em que se aposentou. Meu pai fazia muito serviços em casa. Fazia vassouras. Fabricava doces, ele tinha a experiência do tempo em que havia montado uma padaria no sítio, logo que se casou, foi onde aprendeu a fazer doce, pão. Em casa ele fazia doce de abóbora, cocadas, doce de mamão, de batata. Colocava os doces nos tabuleiros, para secar, nós íamos vender os doces que ele produzia. Muitas vezes entreguei doces feitos por ele. As crianças ajudavam-no muito, não tinham tempo para ficarem ociosas, sempre tinham um pequeno serviço em casa.

Como educadora, o que a senhora pensa a respeito de criança não poder trabalhar?

Em minha opinião deveria haver uma conciliação, não dispensar de uma vez o trabalho. Meu pai arrumou um serviço para o meu irmão caçula, Antonio Carlos, quando ele tinha sete anos, era para trabalhar em uma farmácia, entregava remédios. Ele ia à escola, depois da escola ia ajudar na farmácia. Meu pai dizia que ele tinha que aprender, a ter responsabilidade. Não sou partidária de um trabalho forçado, de um trabalho pesado para crianças. Meu pai fazendo pequenos serviços em casa nos ensinou a amarrar vassouras, cortar as pontas bem certinha. Ajudavamos a descascar as frutas para fazer os doces. E depois os entregava. O excesso de zelo com as crianças considero como uma desculpa para que a criança não trabalhe. Elas devem aprender a fazer as coisas desde cedo, quando crescer será mais difícil aprender a trabalhar. Se estudarmos a vida de pessoas ilustres, veremos que desde os cinco anos a pessoa já começa a despertar aquilo. Os meninos iam para o seminário com onze a doze anos. E não voltavam a ver os pais.

A senhora lê bastante?

Leio.

A senhora é uma pessoa que está de bem com a vida.

Tenho freqüentado um grupo de terapia, chama-se “Oficina de Emoções”, comecei a ir para motivar outras pessoas a irem. Agora estou indo, sinto que me faz muito bem.

O que é terapia?

É a gente se conhecer. Nós não nos conhecemos. Com essa terapia começamos a entrar em nosso interior. Os sentimentos emocionais têm que ser equilibrados. Temos que aprender a lidar com o emocional. Aos poucos cada um conhece a si mesmo, conseguindo trabalhar a nossa própria história. Vivemos aprendendo. Aprendemos a cada dia.

 

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