PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de agosto de 2014.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de agosto de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: MARIA ANGELA STURION
ENTREVISTADA: MARIA ANGELA STURION
A tradição de um povo é tão
importante que alguns países ainda sustentam reinados como símbolos de um
passado glorioso. Apesar de sermos um país jovem temos muito do que nos
orgulhar. Piracicaba cresceu lentamente, com organização e sempre inovando em
diversos setores. Culturais, artísticos e empresariais. Com a evolução
tecnológica surgiram novos hábitos. Um deles é o de como vestir-se. Com a
globalização praticamente a humanidade uniformizou-se. Até a pouco tempo
usava-se roupas conforme a faixa etária ou classe social. Os tratos dessas
roupas exigiam cuidados profissionais. Muitos ainda mantêm o habito de usarem esses
cuidados em suas roupas de uso pessoal e mesmo domésticos. Um imigrante
japonês, que para facilitar o contato com seus clientes adotou o nome de Mario
criou a primeira lavanderia profissional de Piracicaba. Isso remonta algumas
décadas. O tempo passou, os hábitos foram mudando, e a Lavanderia do Mario, ou
Lavanderia Mario, pertenceu há vários proprietários, sendo que a atual
proprietária Maria Angela Sturion está algumas dezenas de anos a frente da
empresa. O que desperta mais a curiosidade é que seu marido, Leandro Filier
Neto, com quem conviveu por mais de trinta anos, tinha dotes artísticos
refinados: pintou telas usando diversas técnicas, escreveu livros, gravou disco
e CD. Um artista na acepção da palavra. A lavanderia era sua forma de
subsistência.
Maria Angela Sturion nasceu a 24
de julho na atual cidade de Saltinho, que na época era distrito de Piracicaba,
filha de José Mario Sturion e Ema Arthur Sturion. Sua mãe era do lar e seu pai
funcionário público estadual, trabalhava no Departamento de Estradas de
Rodagem- DER. O casal teve cinco filhos: Maria Dinorah, José Dirceu, Maria
Angela, José Angélico e Maria Conceição.
A senhora morava com a sua
família em Saltinho?
Na época só havia duas ruas, a
Sete de Setembro e a que a que morávamos, a Rua Joaquim Mendes Pereira. Estudei
o primário lá, uma das professoras chamava-se Zilda, outra era a Professora
Maria Lucia. Na época não havia asfalto em Saltinho, quando chovia era um barro
só, e quando não chovia era só poeira! Na rua em que morávamos só havia casas
de um lado, em frente era uma plantação de eucaliptos. A estrada que liga
Piracicaba a Tietê, Cornélio Pires, passava ao lado de Saltinho, como é
atualmente.
Na época a população de Saltinho
estava mais dispersa pela área rural?
Era composta mais por sitiantes,
em Saltinho meus avô tiveram uma venda. O José Bernardino, casado com Dona
Dalva é meu primo. O pai dele é irmão do meu pai. Foi um membro da família Pompermayer que adquiriu a nossa
casa quando mudamos para Piracicaba. Era muito famoso o “fumo do Bairrinho”,
fumo de corda.
Em sua infancia qual era o lazer
predileto das crianças?
Brincar na rua! Brincar de “pega”. Tenho as marcas
que ficaram em minhas pernas, de cair, brincar! Uma das vezes enrosquei em uma
lata, fiz um corte profundo. Pulava
amarelinha, pulava corda. Não existia brinquedo de nenhum tipo, boneca nem
pensar! Ovo de Páscoa nosso era aquele ovo de galinha que a nossa mãe cozinhava
na água colorida com anelina. Lembro-me de que havia a Igreja Sagrado Coração
de Jesus. O Padre Brandão permaneceu muito tempo na paróquia, ele que ministrou
a minha primeira comunhão.
A senhora concluiu o primário em Saltinho?
Conclui, para continuar a estudar tinha que
frequentar a ecola em Piracicaba. Permaneci em Saltinho, ajudava nos afazeres
domésticos. Já existia energia elétrica. Geladeira era artigo de luxo, só as
famílias ricas é que possuiam. Lembro-me das famílias Cassano, Schiavinatto,
Vecchini da padaria.
A família da senhora permaneceu em Saltinho?
Nós mudamos para Piracicaba, viemos morar em uma casinha
na Avenida Dona Jane Conceição. Fui trabalhar no Supermercados Brasil, de
propriedade de Lélio Ferrari (Pioneiro no Estado de São Paulo no sistema de
auto-serviço). Eu trabalhava na loja da Rua Governador Pedro de Toledo, no
centro, entre a Rua Xv de Novembro e Rua Moraes Barros. Meu serviço era no
setor de frios. Fui em seguida trabalhar na Lobras (Lobras-Lojas Brasileiras foi rede de
lojas de departamentos e variedades. Encerrou as operações em 1999. Possuía
63 lojas espalhadas por vinte estados do Brasil). Era
uma loja enorme, situada na Rua Governador Pedro de Toledo entre a Rua Rangel
Pestana e D.Pedro II. O Seu Irandir (Didi) Cardinalli, um dos proprietários da loja Ao Cardinalli
Presentes através de suas funcionárias convidou-me e a uma colega para ir
trabalhar na Ao Cardinalli Presentes, situada na Rua Governador Pedro de Toledo
entre a Rua São José e Rua Prudente de Moraes. Lá trabalhei por 15 anos, nesse
período fiz o curso de Secretariado no Instituto Piracicabano, foram 3 anos a
noite.
Qual era a atividade da senhora em Ao Cardinalli
Presentes?
Trabalhava como vendedora, tinha presentes finos,
brinquedos. No caixa ficavam os pais do Didi, Seu Augusto e Dona Ida. Também
sua irmã Arlete trabalhava na loja.
Na mesma quadra instalou-se uma loja similar, a Casa
Portuguesa.
Antes de trabalhar na LOBRAS
trabalhei na Casa Portuguesa, Francisco Coa era o proprietário. Quando ocorreu
a queda do Edificio Luiz de Queiroz (COMURBA), a casa dele na Rua Prudente de
Moraes, foi atingida, matando sua esposa e um filho ou filha. Foi uma tragédia
que o abalou muito.
A primeira lavanderia de Piracicaba,
ao que consta, era propriedade de um japonês que adotou o nome de Mário.
Lavanderia do Mário sempre foi sinonimo de perfeição e rapidez. Como a senhora
tornou-se a proprietária dessa lavanderia?
Eu ainda trabalhava em Ao Cardinalli Presentes quando
conheci Leandro Filier Neto, natural de Santa Gertrudes, filho de Maria Beloto
Filier e Lourenço Filier. Na época ele trabalhava como representante de um
laboratório farmacêutico. Com um conhecido de Rio Claro ele teve a oportunidade
de adquirir a tradicional Lavanderia Mário, situada a Rua Moraes Barros, ao
lado da loja Ao Zequita (Ao Zequita posteriormente mudou-se para a esquina logo
abaixo, do lado oposto da rua.). A Lavanderia Mário funcionava do lado direito
da Rua Moraes Barros, no sentido centro-bairro, logo a seguir existia Ao
Zequita e ao lado a Funerária Libório. Quando o Leandro e seu sócio, o Daniel,
adquiriram a lavanderia ela já não pertencia mais ao proprietário que a tinha
fundado, o Mário, já era um brasileiro o seu dono. Ainda tinha japoneses que
trabalhavam lá, mas como funcionários. A cidade inteira levava suas roupas
finas para a Lavanderia Mario lavar. Na época usava-se muito o terno de linho.
Sai da loja Ao Cardinalli e fui cuidar do atendimento na Lavanderia Mario. O
Daniel deixou a sociedade e o Leandro assumiu a lavanderia. Isso foi por volta
de 1980.
Como era o local onde ficava a lavanderia?
Era uma casa antiga que foi adaptada para lavanderia. A
frente tinha aspecto comercial, com porta de aço, internamente tinha os cômodos
de uma residência. Além dos ferros a vapor para passar roupas tinha calandra
para passar peças maiores, como lençóis, por exemplo. As entregas eram feitas
com perua, outras através de meninos com bicicletas. A lavanderia atendia
também grandes empresas, lavava roupas de enfermarias.
Na Rua Moraes Barros quanto tempo permaneceu a
lavanderia?
Acredito que permaneceu mais uns seis anos. Depois mudou
para a Rua D.Pedro II quase esquina com a Rua Benjamin Constant, ali funcionou
por mais uns oito anos, era uma casa bem antiga de propriedade do Dr. Marcos
Toledo Pizza. Um dia vi uma placa de um imóvel que estava para ser alugado,
situado na Rua Benjamin Constant, 1445, onde permanecemos por mais de 30 anos.
O trabalho em lavanderia envolve muitas etapas?
Desde o registro da entrada, a lavagem em si, muitas
vezes retirar manchas de gorduras, tintas, passar a roupa, embalar, emissão de
nota fiscal, entrega. São várias operações realizadas até chegar ao cliente.
Atualmente a Lavanderia Mario está instalada na Rua
Benjamin Constant logo acima da Avenida Dona Jane Conceição. Desde quando ela
passou a existir neste lugar?
Na década de 70 meu pai adquiriu esta casa. Meus pais
faleceram, ficaram minhas irmãs e minha sobrinha. A lavanderia funciona aqui
cerca de três a quatro anos. Em 2006 o Leandro faleceu. Quando mudei para cá
tive que fazer uma boa reforma, principalmente no quintal, a minha mãe tinha
uma horta no quintal.
A clientela sempre acompanhou as mudanças da lavanderia?
Sempre! Tenho clientes que vem do condomínio Colinas de
Piracicaba!
Em que época do ano lava-se mais roupas? No calor ou no
frio?
Antigamente era no inverno, em período de festas. Cada
ferro de passar roupa pesa dois quilos e quinhentas gramas.
A senhora conseguiu conservar o nome da primeira
lavanderia de Piracicaba.
E tenho que conservar a qualidade do serviço! Não me
preocupo com a quantidade e sim com a qualidade.
Em alguma ocasião a senhora teve que lavar e passar o
traje de alguém que estava prestes a falecer?
Já aconteceu algumas vezes da pessoa trazer a roupa para
ser lavada com urgência para vestir o futuro falecido. Há uma preocupação de
algumas famílias em deixar tudo pronto quando percebem que o falecimento é
certo.
Quem é mais exigente, em termos de vestir, homem ou
mulher?
Tem homem que é muito exigente. Temos uma série de
acessórios para passar roupas, como por exemplo uma sapata que é colocada sob o
ferro de passar e não dar brilho na roupa passada. Há uma capa térmica que vai
sobre a tábua de passar. A roupa desliza sobre ela. Eu tenho cliente que exige
que a camisa seja passada sem vinco. O tempo gasto para passar sem vinco é
muito maior do que o normal. E tem que ter bastante habilidade. Tem clientes
que exigem que as calças sejam passadas sem vinco.
A senhora já passou vestido de noiva?
Muito! Dá trabalho! Tem que passar a parte de cima,
coloca-se no cabide e passa a parte de baixo. Hoje não se usa tanto vestido de
noiva com cauda, usam muitas saias. Até batina de padre eu lavo e passo, tem
uma aqui. (Ela exibe uma batina branca, impecável). Roupa de militar,
marinheiro, geralmente são roupas de festa de gala, casamentos. Já lavei e
passei tudo que se possa imaginar, fantasia de carnaval, roupa de mãe-de-santo.
A senhora participou de algum coral?
Eu e o Leandro participamos muito tempo do coral da
Cintia Pinotti. Meu marido escreveu três livros, um deles é “Santa Gertrudes a
história que eu conto”, gravou um disco em vinil na Discos Continental, B.M.G.
em São Paulo. Gravou um CD. Ele tocava gaita, o disco é instrumental. Tocava
saxofone. Pintou vários quadros. Ele tinha a veia artística. Ele apresentou-se
em diversas rádios, canais de televisão. O nome artístico dele era Larry
Fillier. Seus quadros participaram de exposições, ele pintava a óleo, aquarela,
lápis. Ele tinha paixão pelas artes, gostava muito de ler. Jogava muito bem
dama, participou de campeonatos. Uma das suas paixões era fazer mágicas para as
crianças da família. Tinha caixas de mágica. O Leandro respirava arte e
cultura, realizou-se mesmo não tendo seus trabalhos reconhecidos pelo grande
público.
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