PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado de 03 de junho de 2017
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado de 03 de junho de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo
da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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http://blognassif.blogspot.com/
Georgina Nassif nasceu em Santa
Bárbara D Oeste a 22 de janeiro de 1926,
filha de Nagib Nassif e Rosa CanaãNassif que tiveram 13 filhos, sendo
que 3 deles faleceram ainda muito novos. Rosa e Nagib tiveram os filhos Mary e
Linda nascidas no Líbano. Os demais nasceram no Brasil, são: Josefa (em alguns
documentos consta Josefina), José, Afife, Isabel, João, Georgina, Jorge e
Geraldo.
Os seus pais vieram do Líbano?
Ambos vieram do Líbano, Rosa era
a única filha do sexo feminino, tinha outros irmãos, sendo que dois deles
também vieram para o Brasil, ambos eram advogados: Mário Canaã e Jorge Canaã. Nagib
Nassif e Rosa Canaã Nassif casaram-se no Líbano. A autorização para o casamento
foi concedida por outro irmão, o mais velho de todos, que na falta dos pais,
pelas leis locais tinha esse poder. Rosa casou-se com 14 anos de idade, Nagib
tinha mais de 40 anos. Foram morar com os pais de Rosa em Beirute. Tiveram as
duas filhas, Mary e Linda, Rosa estava grávida pela terceira vez, quando Nagib
decidiu aventurar-se em terras brasileiras.
Em que local Nagib fixou residência no
Brasil?
Em Santa Bárbara D Oeste ao que
consta adquiriu uma propriedade urbana. Ele passou a ser o que quase todos os
imigrantes libaneses foram: mascate. Pelas informações que tenho, ele percorria
grandes distâncias. Chegou a Minas Gerais, Goiás, mascateando. Com isso ele
economizando, trouxe a esposa e as filhas para o Brasil. Montaram um armazém em
Santa Bárbara D Oeste. Nesse período
teve o dissabor de ter sido furtado em uma soma relevante por pessoa que
considerava amiga, a família mudou-se para o bairro rural de Caiuby, onde
estabeleceu um pequeno armazém. A família cada dia mais numerosa, os
rendimentos não atendiam plenamente as necessidades. É uma tradição de alguns
povos, que o filho primogênito assuma funções relevantes. José, o primogênito,
era funcionário do Cartório de Santa Bárbara D Oeste. Diante das circunstancias
emergenciais, seu parco salário não era suficiente para ajudar a prover a
prole, na época constituída em sua maioria por crianças.
GEORGINA COM UMA AMIGA NO TERRAÇO SUPRIOR DO SOBRADO AO FUNDO A VISTA DE PIRACICABA
MESMO TERRAÇO COM A FOTO DE ALGUNS DE SEUS SOBRINHOS
Qual foi a atitude de José?
Embora muito jovem, percebeu que
seu pai já não estava em suas melhores condições de saúde, decidiu pedir a
demissão no cartório e passou a negociar, fazer corretagem, de algodão. Para
economizar, ia a cavalo até as propriedades interessadas em vender o algodão,
depois com um caminhão muito precário, adquirido com muito esforço, ia buscar a
mercadoria. Apesar de estarmos nos referindo a década de 30, a região merecia o
cognome de Oeste Paulista, não só pela localização geográfica, mas também pela
semelhança com a vida difícil e violenta do Oeste Norte Americano,
principalmente no meio rural, onde povos dos mais diversos pontos do mundo se
aglomeraram: russos, norte-americanos (Os Confederados do Sul dos Estados
Unidos), italianos, libaneses, espanhóis, portugueses. Eram todos imigrantes
que traziam cicatrizes do país de origem.
Um povo sofrido e de muita garra. Havia homens famosos por sua valentia
e destemor, era muito comum andarem armados com armas brancas ou de fogo. Isso
trazia temor e respeito.
Você começou os seus estudos em qual
localidade?
Em Caiuby. Tive uma professora de
nome Adélia Granja e no ano seguinte a sua irmã Madalena Granja. Estudei lá até
o terceiro ano primário. No ano seguinte mudamos para Piracicaba, os negócios
prosperaram, passamos a residir a Rua do Rosário, 2547, no primeiro sobrado
após a linha da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Fui estudar no
Externato São José, situado a Rua D. Pedro II esquina com a Rua Alferes José
Caetano. Éramos três irmãos estudando lá: eu, Jorge e Geraldo. O João já estava
estudando na quinta série, salvo engano, estudava no Colégio Piracicabano.
Nesse ínterim papai faleceu isso foi na década de 40. Eu freqüentava a Igreja dos
Frades ou Sagrado Coração de Jesus, freqüentava o Lar Escola Maria Nossa Mãe
para fazer retiro espiritual.
Vocês continuaram a estudar no
Externato São José?
Em decorrência do falecimento de
papai, sendo que éramos três filhos estudando no mesmo local, não nos foi
concedido nenhum tipo de desconto. Isso fez com que ficássemos impossibilitados
de continuar os estudos naquele local, a escola foi irredutível. A nossa irmã
Linda trabalhava no Colégio Piracicabano, expôs o assunto, este nos acolheu com
muita boa vontade. Com isso concluí o curso primário e o ginásio no Colégio
Piracicabano. A Mary, nossa irmã casou-se em Santa Barbara D Oeste com José
Curiacos, que havia sido professor universitário no Líbano, no Brasil teve que
abraçar a profissão de comerciante. Lembro-me que era pequena e queria assistir
o casamento da Mary com o José, mas naquele tempo segundo nossos costumes,
crianças não participavam de cerimônias de adultos. Isso em tudo, criança não podia
ficar próxima a adultos.
Após concluir o ginásio no Colégio
Piracicabano qual foi a sua opção?
Fui fazer o Curso Normal, no Sud
Mennucci. Após me formar fui para Biguá, no litoral. sul paulista. Existia a
estação de trem da Estrada de Ferro Sorocabana, era uma viagem longa, quem me
acompanhou foi meu cunhado José Curiacos. Eu era mocinha, foi lá que ingressei
no magistério. Aluguei uma casa, minha sobrinha Helena Curiacos Nalin foi
comigo, e outra colega. Éramos três professoras com uma empregada que fazia o
trabalho doméstico. Biguá era uma vilinha, dava aulas para classes mistas,
permaneci lá por uns quatro ou cinco anos. Vinha para Piracicaba
aproximadamente uma vez por mês. De lá fui removida para São Paulo, na periferia,
lecionava em um grupo escolar, surgiu uma vaga no Instituto Pinheiros, ficava
na estrada Regis Bittencourt, lá dei aulas para o terceiro ano escolar,
permaneci uns três anos. De lá voltei ao grupo escolar que havia lecionado
anteriormente, em São Paulo. Lá completei 50 anos de formada professora.
Quantos ônibus você tomava para dar
aulas em São Paulo?
Tomava um ônibus apenas, era o
ônibus que ia para Itapecerica da Serra, até a escola em que lecionava levava
uma meia hora. A classe era composta por cerca de cinqüenta alunos. Eu morava
em Pinheiros a Rua Teodoro Sampaio, 1355, onde permaneci por uns 10 anos.
Quando me aposentei fui morar no Alto da Lapa, a Rua Eleutério Prado.
Em Piracicaba, ainda mocinha, você era
uma das senhoritas que quadrava o jardim?
Eu detestava, mas tinha amigas
que adoravam. Eu gostava de ficar parada. Olhando. Voltávamos do centro de
bonde. Na época eu morava no sobrado, havia um professor universitário,
falecido recentemente, que era apaixonado por mim.
Naquela época havia os famosos
cururus?
Nossa! Tinha, o meu irmão José
havia construído um barracão que usava como depósito de cereais, na entressafra,
o barracão ficava vazio, era utilizado para memoráveis cururus. Pessoas de alta
reputação na cidade não perdiam um. Estava na moda. Autoridades jurídicas,
policiais, pessoas gradas, assim como a população do bairro. Era praticamente o
salão social do bairro. Muitas festas de casamento aconteceram ali. Piracicaba
não tinha a oferta de locais sofisticados como hoje. Era tudo na base da camaradagem. Como mocinha
não era apaixonada por cururu, mas ia para prestigiar.
A sua irmã, Linda Nassif, foi diretora
do internato feminino do Colégio Piracicabano?
Foi na época eu era criança
ainda. Estamos nos referindo a aproximadamente oito décadas passadas. Eu
cheguei a conhecer a antiga piscina do Colégio Piracicabano, situada a Rua do
Rosário, onde termina a Rua D.Pedro II, há uma entrada para uma unidade da UNIP,
ao lado foi construído um estacionamento, ali começavam os degraus que levavam
os alunos até a piscina.
Como eram os carnavais de Piracicaba?
Eu não sabia nada a respeito,
fazia retiro espiritual e religioso no Lar Escola Maria Nossa Mãe.
E cinema você freqüentava?
Ia com a minha irmã Linda. Os
cinemas eram o São José, Broadway, Politeama. Lembro-me da Bomboniere do
Passarella. Lembro-me da fonte luminosa, do Comurba.
E parques de diversões?
Na esquina da Avenida Dona Jane
Conceição com a Rua do Rosário, havia um terreno baldio, onde se instalavam os
parques por um período de tempo. Hoje no local existe um conjunto de lojas. O
bairro da Paulista recebeu muitos circos, inclusive famosos.
Naquele tempo a água era retirada de
um poço?
Não havia água encanada no
bairro. A água era retirada com manivela, mais tarde que colocaram um motor, a
função do mesmo era encher uma caixa de água que ficava no alto da casa e
distribuía para a casa toda. A privada ficava em área externa, distante da casa
e principalmente do poço, era popularmente chamada de “casinha”.
O meio de transporte mais comum para
São Paulo era o trem?
Usei muitas vezes, havia vagões
mais confortáveis, eram os de primeira, os sem assento almofadado, com menos
conforto eram os de segunda. A diferença era o preço de cada um.
Após mudar-se para São Paulo, você
adaptou-se bem?
Adaptei-me sim. Embora tenha
levado uma rotina que incluía serviço, igreja e supermercado.
Você é uma pessoa que sempre foi muito
católica, foi Filha de Maria?
Fui sim, foi uma entidade que se destacou,
como uma das mais importantes associações religiosas femininas. As Filhas de
Maria poderiam transmitir as doutrinas católicas em seus lares, normas e
tradições católicas. Usava a fita vermelha, ainda a mantenho. Na realidade a
fita vermelha era do apostolado da oração. Naquele tempo para ingressar a
igreja usava-se véu, as jovens ou solteiras usavam véu branco, e as senhoras
casadas usavam véu preto. Cheguei a usar roupa branca e fita azul. Toda
primeira sexta-feira do mês eu não falto a missa.
Qual é o seu santo padroeiro?
Era Santo Antonio, agora é o
Espírito Santo e os Arcanjos.
Antigamente havia as famosas quermesses,
você as freqüentava?
Ia muito pouco, não gostava.
Tinha uma amiga que gostava muito, e também às vezes arrumava um namorado. Eu
ficava por perto, esperando.
Você era a famosa “vela”?
Exatamente! Para quem não sabe, “vela” era o nome
dado para a acompanhante de uma moça que está namorando. Eu era a “vela” sem
chama!
Tinha o serviço de alto falante, você recebia mensagens
através do correio-elegante?
Mandavam! Eu recebia, mas não respondia!
O locutor anunciava: “O rapaz de camisa branca e calça
azul, com blusa preta oferece para a moça de vestido branco, cabelos escuros,
com simpatia e admiração”. Era mais ou menos assim?
Era exatamente isso! Às vezes tinham alguns mais
criativos!
Tem algum cantor que você gostava?
Tinha! Orlando Silva, Vicente
Celestino, Nelson Gonçalves.
Na Rua do Rosário, a poucos metros da
esquina da Avenida Dr, Edgar Conceição, havia uma bomba de gasolina manual, da
TEXACO?
Era da nossa família! Muitas
vezes eu manuseava essa bomba. Às vezes o motorista que estava abastecendo
acabava ajudando bombear a gasolina, não era elétrica! Quando mamãe estava ao
lado, ninguém deixava que ela fizesse esse trabalho. Além do barracão que
servia para armazenar os produtos da safra, havia na esquina da Rua do Rosário
com a Avenida Dr. João Conceição um armazém, com uma porta que se comunicava
com a casa onde morávamos. Geralmente eram as mulheres da família que atendiam
o balcão. Ali eram feitas as vendas de varejo.
GEORGINA NO DIA DO CASAMENTO DA SU IRMÃ LINDA COM ANTONIO MARTINS AO FUNDO A BOMBA MANUAL DE GASOLINA DA TEXACO JUNTO AO MEIO FIO, NA RUA DO ROSÁRIO EM FRENTE AO NÚMERO 2555.
Naquele tempo a Paulista tinha poucas
casas?
O sobrado onde morávamos
estacava-se. Existiam outras construções, porém mais modestas. Já existia a
casa em frente de propriedade de Isidoro (Nenê) Lopes. Em torno da hoje Praça
Takaki existia muitas pessoas excelentes. A praça em si era apenas um terreno
vazio. A Padaria Takaki veio bem depois, anteriormente fazia muito sucesso o
Bar Serenata, de Miguel Fernandes. Era um ponto dos ônibus que iam para a zona
rural. O telefone mais próximo ficava a duas quadras de casa, era do
Bortoletto, que tinha um armazém onde hoje é uma agência do Bradesco, na
esquina da Rua do Rosário com a Avenida Dr. João Conceição. A Rua do Rosário
era chão de terra, ou muita poeira ou quando chovia, muito barro. Era mão
dupla, iam e voltavam pela mesma rua. Havia muitos caminhões de cana-de-açúcar
que levavam suas cargas até o Engenho Central, na Vila Rezende.
ALGUNS DOS SOBRINHOS DE GEORGINA. BONS TEMPOS....
Lembra-se de Jorge Canaã?
Lembro-me pouco, mais das cartas
que ele me mandava. Conservo algumas até hoje. Ele me deu um dicionário que
posteriormente dei ao meu irmão João. Jorge disse que aquele dicionário o havia
acompanhado desde suas primeiras letras. Jorge era poliglota, muito querido por
vultos do direito piracicabano: Noedy Krahenbuhl Costa e Jacob Diehl Neto. Jorge Canaã tinha um raciocínio
muito rápido, um dos seus passatempos preferidos era fazer torcadilhos
refinados. Por isso mesmo muito apreciados entre seus pares.
Você fala àrabe?
Muito pouco, entendo alguma coisa. Quem sabia mais
era a Mary e a Linda.
GEORGINA DE FÉRIAS NA PRAIA DE SANTOS
Quem era boa cozinheira da
gastronomia àrabe?
A Isabel era excelente.
Em seu Curso Normal você teve aulas
com os irmãos Dutra?
Tive com os dois! Archimedes e João., com o Jethro Vaz de Toledo que dava
aulas de português.
Como professora aposentada, como você vê o ensino?
Deteriorado! O nível abaixou muito! As mães, responsáveis, ouviam o que as
professoras diziam a respeito dos filhos delas, e também perguntavam.
A tecnologia em suas diversas versões, desde a televisão
até a internet ajuda?
A meu ver, absurdos como a recente onda da “Baleia Azul” só traz profundos
prejuizos. O uso indiscriminado dos recursos de tecnologia só serviu para
intervir negativamente na família. Existe uma grande diferença entre educação e
ensino. Os pais devem educar e o professor deve completar através do ensino.
Hoje os pais querem que o professor eduque e ensine, isso é completamente
errado, a educação tem que partir da casa da criança. Os pais são os exemplos
que os filhos seguem, em todos os sentidos.
UM DOS COLÉGIOS EM QUE GEORGINA LECIONOU EM SÃO PAULO
UM DOS COLÉGIOS EM QUE GEORGINA LECIONOU EM SÃO PAULO
Antigamente o profesor era uma figura respeitada?
Era! Primeiro eram os pais, depois os professores.
O que você achou em dar aulas por cinquenta anos?
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