domingo, junho 25, 2017

GEORGINA NASSIF


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado de 03 de junho de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/


http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: GEORGINA NASSIF


Georgina Nassif nasceu em Santa Bárbara D Oeste  a 22 de janeiro de 1926,  filha de Nagib Nassif e Rosa CanaãNassif que tiveram 13 filhos, sendo que 3 deles faleceram ainda muito novos. Rosa e Nagib tiveram os filhos Mary e Linda nascidas no Líbano. Os demais nasceram no Brasil, são: Josefa (em alguns documentos consta Josefina), José, Afife, Isabel, João, Georgina, Jorge e Geraldo.










Os seus pais vieram do Líbano?

Ambos vieram do Líbano, Rosa era a única filha do sexo feminino, tinha outros irmãos, sendo que dois deles também vieram para o Brasil, ambos eram advogados: Mário Canaã e Jorge Canaã. Nagib Nassif e Rosa Canaã Nassif casaram-se no Líbano. A autorização para o casamento foi concedida por outro irmão, o mais velho de todos, que na falta dos pais, pelas leis locais tinha esse poder. Rosa casou-se com 14 anos de idade, Nagib tinha mais de 40 anos. Foram morar com os pais de Rosa em Beirute. Tiveram as duas filhas, Mary e Linda, Rosa estava grávida pela terceira vez, quando Nagib decidiu aventurar-se em terras brasileiras.

Em que local Nagib fixou residência no Brasil?

Em Santa Bárbara D Oeste ao que consta adquiriu uma propriedade urbana. Ele passou a ser o que quase todos os imigrantes libaneses foram: mascate. Pelas informações que tenho, ele percorria grandes distâncias. Chegou a Minas Gerais, Goiás, mascateando. Com isso ele economizando, trouxe a esposa e as filhas para o Brasil. Montaram um armazém em Santa Bárbara  D Oeste. Nesse período teve o dissabor de ter sido furtado em uma soma relevante por pessoa que considerava amiga, a família mudou-se para o bairro rural de Caiuby, onde estabeleceu um pequeno armazém. A família cada dia mais numerosa, os rendimentos não atendiam plenamente as necessidades. É uma tradição de alguns povos, que o filho primogênito assuma funções relevantes. José, o primogênito, era funcionário do Cartório de Santa Bárbara D Oeste. Diante das circunstancias emergenciais, seu parco salário não era suficiente para ajudar a prover a prole, na época constituída em sua maioria por crianças.







                 GEORGINA COM UMA AMIGA NO TERRAÇO SUPRIOR DO SOBRADO AO FUNDO   A VISTA DE PIRACICABA  

MESMO TERRAÇO COM A FOTO DE ALGUNS DE SEUS SOBRINHOS

Qual foi a atitude de José?

Embora muito jovem, percebeu que seu pai já não estava em suas melhores condições de saúde, decidiu pedir a demissão no cartório e passou a negociar, fazer corretagem, de algodão. Para economizar, ia a cavalo até as propriedades interessadas em vender o algodão, depois com um caminhão muito precário, adquirido com muito esforço, ia buscar a mercadoria. Apesar de estarmos nos referindo a década de 30, a região merecia o cognome de Oeste Paulista, não só pela localização geográfica, mas também pela semelhança com a vida difícil e violenta do Oeste Norte Americano, principalmente no meio rural, onde povos dos mais diversos pontos do mundo se aglomeraram: russos, norte-americanos (Os Confederados do Sul dos Estados Unidos), italianos, libaneses, espanhóis, portugueses. Eram todos imigrantes que traziam cicatrizes do país de origem.  Um povo sofrido e de muita garra. Havia homens famosos por sua valentia e destemor, era muito comum andarem armados com armas brancas ou de fogo. Isso trazia temor e respeito.

Você começou os seus estudos em qual localidade?

Em Caiuby. Tive uma professora de nome Adélia Granja e no ano seguinte a sua irmã Madalena Granja. Estudei lá até o terceiro ano primário. No ano seguinte mudamos para Piracicaba, os negócios prosperaram, passamos a residir a Rua do Rosário, 2547, no primeiro sobrado após a linha da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Fui estudar no Externato São José, situado a Rua D. Pedro II esquina com a Rua Alferes José Caetano. Éramos três irmãos estudando lá: eu, Jorge e Geraldo. O João já estava estudando na quinta série, salvo engano, estudava no Colégio Piracicabano. Nesse ínterim papai faleceu isso foi na década de 40. Eu freqüentava a Igreja dos Frades ou Sagrado Coração de Jesus, freqüentava o Lar Escola Maria Nossa Mãe para fazer retiro espiritual.








Vocês continuaram a estudar no Externato São José?

Em decorrência do falecimento de papai, sendo que éramos três filhos estudando no mesmo local, não nos foi concedido nenhum tipo de desconto. Isso fez com que ficássemos impossibilitados de continuar os estudos naquele local, a escola foi irredutível. A nossa irmã Linda trabalhava no Colégio Piracicabano, expôs o assunto, este nos acolheu com muita boa vontade. Com isso concluí o curso primário e o ginásio no Colégio Piracicabano. A Mary, nossa irmã casou-se em Santa Barbara D Oeste com José Curiacos, que havia sido professor universitário no Líbano, no Brasil teve que abraçar a profissão de comerciante. Lembro-me que era pequena e queria assistir o casamento da Mary com o José, mas naquele tempo segundo nossos costumes, crianças não participavam de cerimônias de adultos. Isso em tudo, criança não podia ficar próxima a adultos.

Após concluir o ginásio no Colégio Piracicabano qual foi a sua opção?

Fui fazer o Curso Normal, no Sud Mennucci. Após me formar fui para Biguá, no litoral. sul paulista. Existia a estação de trem da Estrada de Ferro Sorocabana, era uma viagem longa, quem me acompanhou foi meu cunhado José Curiacos. Eu era mocinha, foi lá que ingressei no magistério. Aluguei uma casa, minha sobrinha Helena Curiacos Nalin foi comigo, e outra colega. Éramos três professoras com uma empregada que fazia o trabalho doméstico. Biguá era uma vilinha, dava aulas para classes mistas, permaneci lá por uns quatro ou cinco anos. Vinha para Piracicaba aproximadamente uma vez por mês. De lá fui removida para São Paulo, na periferia, lecionava em um grupo escolar, surgiu uma vaga no Instituto Pinheiros, ficava na estrada Regis Bittencourt, lá dei aulas para o terceiro ano escolar, permaneci uns três anos. De lá voltei ao grupo escolar que havia lecionado anteriormente, em São Paulo. Lá completei 50 anos de formada professora.

Quantos ônibus você tomava para dar aulas em São Paulo?

Tomava um ônibus apenas, era o ônibus que ia para Itapecerica da Serra, até a escola em que lecionava levava uma meia hora. A classe era composta por cerca de cinqüenta alunos. Eu morava em Pinheiros a Rua Teodoro Sampaio, 1355, onde permaneci por uns 10 anos. Quando me aposentei fui morar no Alto da Lapa, a Rua Eleutério Prado.

Em Piracicaba, ainda mocinha, você era uma das senhoritas que quadrava o jardim?

Eu detestava, mas tinha amigas que adoravam. Eu gostava de ficar parada. Olhando. Voltávamos do centro de bonde. Na época eu morava no sobrado, havia um professor universitário, falecido recentemente, que era apaixonado por mim.

Naquela época havia os famosos cururus?

Nossa! Tinha, o meu irmão José havia construído um barracão que usava como depósito de cereais, na entressafra, o barracão ficava vazio, era utilizado para memoráveis cururus. Pessoas de alta reputação na cidade não perdiam um. Estava na moda. Autoridades jurídicas, policiais, pessoas gradas, assim como a população do bairro. Era praticamente o salão social do bairro. Muitas festas de casamento aconteceram ali. Piracicaba não tinha a oferta de locais sofisticados como hoje.  Era tudo na base da camaradagem. Como mocinha não era apaixonada por cururu, mas ia para prestigiar.

A sua irmã, Linda Nassif, foi diretora do internato feminino do Colégio Piracicabano?

Foi na época eu era criança ainda. Estamos nos referindo a aproximadamente oito décadas passadas. Eu cheguei a conhecer a antiga piscina do Colégio Piracicabano, situada a Rua do Rosário, onde termina a Rua D.Pedro II, há uma entrada para uma unidade da UNIP, ao lado foi construído um estacionamento, ali começavam os degraus que levavam os alunos até a piscina.

Como eram os carnavais de Piracicaba?

Eu não sabia nada a respeito, fazia retiro espiritual e religioso no Lar Escola Maria Nossa Mãe.

E cinema você freqüentava?

Ia com a minha irmã Linda. Os cinemas eram o São José, Broadway, Politeama. Lembro-me da Bomboniere do Passarella. Lembro-me da fonte luminosa, do Comurba.

E parques de diversões?

Na esquina da Avenida Dona Jane Conceição com a Rua do Rosário, havia um terreno baldio, onde se instalavam os parques por um período de tempo. Hoje no local existe um conjunto de lojas. O bairro da Paulista recebeu muitos circos, inclusive famosos.

Naquele tempo a água era retirada de um poço?

Não havia água encanada no bairro. A água era retirada com manivela, mais tarde que colocaram um motor, a função do mesmo era encher uma caixa de água que ficava no alto da casa e distribuía para a casa toda. A privada ficava em área externa, distante da casa e principalmente do poço, era popularmente chamada de “casinha”.

O meio de transporte mais comum para São Paulo era o trem?

Usei muitas vezes, havia vagões mais confortáveis, eram os de primeira, os sem assento almofadado, com menos conforto eram os de segunda. A diferença era o preço de cada um.

Após mudar-se para São Paulo, você adaptou-se bem?

Adaptei-me sim. Embora tenha levado uma rotina que incluía serviço, igreja e supermercado.

Você é uma pessoa que sempre foi muito católica, foi Filha de Maria?

Fui sim, foi uma entidade que se destacou, como uma das mais importantes associações religiosas femininas. As Filhas de Maria poderiam transmitir as doutrinas católicas em seus lares, normas e tradições católicas. Usava a fita vermelha, ainda a mantenho. Na realidade a fita vermelha era do apostolado da oração. Naquele tempo para ingressar a igreja usava-se véu, as jovens ou solteiras usavam véu branco, e as senhoras casadas usavam véu preto. Cheguei a usar roupa branca e fita azul. Toda primeira sexta-feira do mês eu não falto a missa.


Qual é o seu santo padroeiro?

Era Santo Antonio, agora é o Espírito Santo e os Arcanjos.

Antigamente havia as famosas quermesses, você as freqüentava?

Ia muito pouco, não gostava. Tinha uma amiga que gostava muito, e também às vezes arrumava um namorado. Eu ficava por perto, esperando.

Você era a famosa “vela”?

Exatamente! Para quem não sabe, “vela” era o nome dado para a acompanhante de uma moça que está namorando. Eu era a “vela” sem chama!

Tinha o serviço de alto falante, você recebia mensagens através do correio-elegante?

Mandavam! Eu recebia, mas não respondia!

O locutor anunciava: “O rapaz de camisa branca e calça azul, com blusa preta oferece para a moça de vestido branco, cabelos escuros, com simpatia e admiração”. Era mais ou menos assim?

Era exatamente isso! Às vezes tinham alguns mais criativos!

Tem algum cantor que você gostava?

Tinha! Orlando Silva, Vicente Celestino, Nelson Gonçalves.




Na Rua do Rosário, a poucos metros da esquina da Avenida Dr, Edgar Conceição, havia uma bomba de gasolina manual, da TEXACO?

Era da nossa família! Muitas vezes eu manuseava essa bomba. Às vezes o motorista que estava abastecendo acabava ajudando bombear a gasolina, não era elétrica! Quando mamãe estava ao lado, ninguém deixava que ela fizesse esse trabalho. Além do barracão que servia para armazenar os produtos da safra, havia na esquina da Rua do Rosário com a Avenida Dr. João Conceição um armazém, com uma porta que se comunicava com a casa onde morávamos. Geralmente eram as mulheres da família que atendiam o balcão. Ali eram feitas as vendas de varejo.
     GEORGINA NO DIA DO CASAMENTO DA SU IRMÃ LINDA COM ANTONIO MARTINS AO FUNDO A BOMBA MANUAL DE GASOLINA DA TEXACO JUNTO AO MEIO FIO, NA RUA DO ROSÁRIO EM FRENTE AO NÚMERO 2555.




Naquele tempo a Paulista tinha poucas casas?

O sobrado onde morávamos estacava-se. Existiam outras construções, porém mais modestas. Já existia a casa em frente de propriedade de Isidoro (Nenê) Lopes. Em torno da hoje Praça Takaki existia muitas pessoas excelentes. A praça em si era apenas um terreno vazio. A Padaria Takaki veio bem depois, anteriormente fazia muito sucesso o Bar Serenata, de Miguel Fernandes. Era um ponto dos ônibus que iam para a zona rural. O telefone mais próximo ficava a duas quadras de casa, era do Bortoletto, que tinha um armazém onde hoje é uma agência do Bradesco, na esquina da Rua do Rosário com a Avenida Dr. João Conceição. A Rua do Rosário era chão de terra, ou muita poeira ou quando chovia, muito barro. Era mão dupla, iam e voltavam pela mesma rua. Havia muitos caminhões de cana-de-açúcar que levavam suas cargas até o Engenho Central, na Vila Rezende.

                                                                                     


     ALGUNS DOS SOBRINHOS DE GEORGINA. BONS TEMPOS....


Lembra-se de Jorge Canaã?

Lembro-me pouco, mais das cartas que ele me mandava. Conservo algumas até hoje. Ele me deu um dicionário que posteriormente dei ao meu irmão João. Jorge disse que aquele dicionário o havia acompanhado desde suas primeiras letras. Jorge era poliglota, muito querido por vultos do direito piracicabano: Noedy Krahenbuhl Costa e Jacob Diehl Neto. Jorge Canaã tinha um raciocínio muito rápido, um dos seus passatempos preferidos era fazer torcadilhos refinados. Por isso mesmo muito apreciados entre seus pares.

Você fala àrabe?

Muito pouco, entendo alguma coisa. Quem sabia mais era a Mary e a Linda.

          GEORGINA DE FÉRIAS NA PRAIA DE SANTOS

Quem era boa cozinheira da gastronomia àrabe?

A Isabel era excelente.

Em seu Curso Normal você teve aulas com os irmãos Dutra?

Tive com os dois! Archimedes e João., com o Jethro Vaz de Toledo que dava aulas de português.




Como professora aposentada, como você vê o ensino?

Deteriorado! O nível abaixou muito! As mães, responsáveis, ouviam o que as professoras diziam a respeito dos filhos delas, e também perguntavam.

A tecnologia em suas diversas versões, desde a televisão até a internet ajuda?

A meu ver, absurdos como a recente onda da “Baleia Azul” só traz profundos prejuizos. O uso indiscriminado dos recursos de tecnologia só serviu para intervir negativamente na família. Existe uma grande diferença entre educação e ensino. Os pais devem educar e o professor deve completar através do ensino. Hoje os pais querem que o professor eduque e ensine, isso é completamente errado, a educação tem que partir da casa da criança. Os pais são os exemplos que os filhos seguem, em todos os sentidos.
                     UM DOS COLÉGIOS EM QUE GEORGINA LECIONOU EM SÃO PAULO

Antigamente o profesor era uma figura respeitada?

Era! Primeiro eram os pais, depois os professores.

O que você achou em dar aulas por cinquenta anos?

Tenho saudade até hoje!
            GEORGINA SENDO HEMENAGEADA POR SEUS ALUNOS


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