PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de janeiro de 2019.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADOS:MANUEL EDUDUARDO DE ALBERNAZ E CHIHAYA NISHIOKA DE ALBERNAZ
O casal Manuel Eduardo de Albernaz e Chihaya Nishioka de Albernaz por mais de duas
décadas moram no Canadá. No período de férias, geralmente ao final de cada ano, eles
viajam até o Brasil, onde residem parentes e amigos. Fazem nesta edição, um breve
relato da experiência em morar em um país onde o clima frio predomina. É o segundo
maior país do mundo em área total, país bilíngue e multicultural, tendo o inglês e
o francês como línguas oficiais. O censo canadense de 2016 registrou uma população
total de pouco mais de 35 milhões de habitantes.
Manuel Eduardo de Albernaz nasceu a primeiro de abril, em Capão Bonito, filho de
João Marcondes e Elsa Stipp, a sua mãe é de Piracicaba e seu pai de Capão Bonito, tem
uma irmã: Nilza. Manuel e Chihaya são pais de um filho: Eduardo.
Qual era atividade do pai do senhor?
Na época ele era proprietário de um açougue, minha mãe é professora. Iniciei meus
estudos em Piracicaba, no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, depois fui estudar no
Colégio Jorge Coury, fiz o curso técnico na Escola Industrial, na Unimep fiz o curso
Técnico em Transmissão e Distribuição de Energia. Sou da primeira turma, inclusive
quando começamos o curso não era reconhecido pelo MEC. Foi reconhecido na metade
do primeiro ano. Fiz a faculdade de Engenharia Elétrica-Eletrônica em São José dos
Campos, na Universidade do Vale do Paraíba.
Inicialmente o senhor trabalhou em qual empresa?
Trabalhei em Piracicaba, na Telepira, depois fui trabalhar com transformadores na
Superkavea S/A, um dos donos era Humberto Capellari, depois fui para a Dedini na
área de projetos. Desliguei-me da Dedini, fui para São José dos Campos, trabalhar na
EMBRAER. Foi na época do fundador da EMBRAER, o engenheiro Coronel Oziris
Silva. Eu trabalhava na parte de projetos, ele fazia a inspeção em todos os setores, então
o conheci.
Como o senhor vê a fusão da Boeing com a EMBRAER?
Como estou um pouco desligado da área aqui no Brasil, não acompanhei muito. Mas
vejo isso como uma oportunidade para a EMBRAER entrar em um mercado em que ela
ainda não está. As duas empresas se complementarão. A Boeing não tem aeronaves do
porte dos que são feitos pela EMBRAER, e em contrapartida a EMBRAER entrará em
um mercado que a Boeing trabalha. Na minha opinião vai ser um casamento de sucesso.
As aeronaves da EMBRAER são seguras, confortáveis, gosto muito dos aviões da
EMBRAER, no Canadá usamos muito em voos pequenos. As companhias americanas
utilizam bastante os aviões da EMBRAER.
Quanto tempo o senhor permaneceu na EMBRAER?
Foi de 1982 a 1987, cinco anos. Saí da EMBRAER e fui para a ABC que era uma
empresa que estava fazendo equipamentos para a EMBRAER, junto com a Itália.
Fomos morar na Itália, em Legnano, cidade próxima a Milão. A empresa ficava em
Nerviano. Na Itália permaneci por um ano. Fomos para aprender a fazer os
equipamentos e depois montar a fábrica aqui no Brasil. Éramos um grupo de
engenheiros e técnicos que fomos para lá, eu era responsável por 5 ou 6 equipamentos
na época. Voltamos, montamos a fábrica, colocamos os equipamentos em produção,
entregamos, fizemos manutenção, garantia dos equipamentos. Fui convidado para voltar
para a EMBRAER, onde permanecer até ser convidado pela Bombardier que é um
grupo de empresas do Canadá, sediada em Montreal, Quebec.
Na Bombardier o senhor trabalha em que setor?
Trabalho na área de projetos. Hoje já não me encontro mais na Bombardier. Quando fui
para lá fui para trabalhar na Divisão Militar da Bombardier. Fazia a manutenção de
aeronaves militares. Em 2003 a Bombardier decidiu separar as divisões militar e
comercial. Foi ai que uma empresa americana comprou a parte militar. É onde estou
hoje, a empresa é americana, mas ela tem braços no Canadá.
Após 21 anos morando no Canadá, como o senhor o define?
Uma rápida definição: é frio! Só que tudo funciona, é um país justo.
O povo canadense, como é o seu temperamento?
São receptivos, acredito que seja a mesma reação que existe no Brasil com relação a
imigrantes, só que isso é uma postura que não pode ser generalizada, dizer: “-O país é
assim!”, cada região tem uma postura própria. Eles não tem a postura mais descontraída
do brasileiro, nesse aspecto são como americanos ou europeus. Na Itália o
comportamento é semelhante ao do Brasil, são muito espontâneos. O brasileiro tem um
contato físico maior, lá o contato físico resume-se em um aperto de mão.
No Brasil, marcamos as 7 horas para chegar as 7:30, se você chegar as 7 está fora do
horário. Lá não! Há toda uma formalidade. O convite de aniversário vem com o horário de início
e do fim da festa. Tudo é feito rigorosamente dentro daquele horário. Um aniversário de
criança é feito para criança, o adulto não comparece. Leva a criança até a porta e vai
buscar depois. O adulto não fica tomando cervejinha! É aniversário de criança! No
convite está explicito que hora começa e qual hora termina. Os pais não levam antes e
nem vão buscar após o horário estabelecido.
Chihaya Nishioka de Albernaz a senhora é natural de Piracicaba?
Não, eu nasci no Japão, são meus pais Issamo Nishioka Myuki Nishioca que tiveram
quatro filhos. Vim para o Brasil com oito anos, fiquei seis meses em Santópolis do
Aguapeí, região de Tupã, vindo depois morar em Piracicaba onde permaneci de 1958
até 1983. O meu pai como imigrante recente, onde tinha trabalho ia, com isso moramos
em vários lugares. Estudei o primário em diversas escolas da área rural. Moramos no
Bairro dos Marains, Itaperu, Nova Suíça, Bairro do Rolador. Meu pai plantava legumes
e nos últimos dois ou três anos plantávamos pêssego.
O pêssego cultivado deu bons resultados?
As pessoas que comeram o pêssego que plantávamos, quando as encontro dizem que
nunca comeram um pêssego tão gostoso como o que cultivamos.
A senhora prosseguiu seus estudos?
Continuei morando na roça, fiz o curso de madureza (depois chamado supletivo) do
ginásio, fiz no Curso Ativo, situado no andar superior do prédio onde ficava a Lojas
Arapuã, na Rua Governador Pedro de Toledo. O colegial estudei no Instituto
Piracicabano, ainda trabalhando na roça, eu ia do Piracicabano até o Bairro do Rolador,
a pé, a noite. Do Piracicamirim até o nosso sítio tinha a distância de 2.800 metros. Isso
foi medido pela Telesp na época. As vezes para vir, o meu pai me trazia até o ponto de
ônibus na rotatória do Piracicamirim. Vínhamos de carroça, não tínhamos carro. Eu
trabalhava o dia inteiro na roça e perdia a hora da aula. Trabalhei na roça por 20 anos!
Na enxada mesmo! Quando morávamos no Bairro Nova Suiça, vinhamos para
Piracicaba com duas carroças, meu pai em uma e eu em outra, isso as duas horas da
manhã, descíamos a Rua Governador Pedro de Toledo até o mercadão. Eu era uma das
únicas mulheres presentes de madrugada no mercado. Tive e estou tendo uma vida rica.
Vejo a criançada de hoje, com 15, 17 anos, passam o dia dormindo! Não sei se é a
educação, no Japão fui até o terceiro ano na escola, e nas férias, quem não precisava
ajudar os pais as sete horas da manhã estava na escola, fazendo ginástica. Todos os dias!
Meu pai quis instalar um telefone porque ele gostava de contato com gente.
Minha amiga Branca Cecilia Vicentim telefonou-me e disse-me “Chihaya, vamos
estudar em Tatuí?”. Meu pai e a minha mãe ouviram a nossa conversa, perguntaram:
“Você quer ir?” Respondi-lhes que gostaria. Fiz a Faculdade de Filosofia na área de
Educação Artística, Estudei com a Mércia Angeleli, íamos de ônibus.
Chihaya e Manuel vocês se conheceram em Piracicaba?
Foi quando estávamos estudando inglês na Escola Fisk. Na época a Chihaya trabalhava
na CICOBRA, depois trabalhou na Dedini. Logo depois eu, Manuel, passei a trabalhar
na Dedini. Tínhamos amigos em comum, saiamos todos juntos. Íamos ao Restaurante
Flamboyant. Cine Polyteama. Bailes do Clube Coronel Barbosa, onde a elite
piracicabana frequentava. Uma curiosidade, diz a Senhora Chihaya: “Fiz a última
viagem do bonde da agronomia até o centro. Ali encerrou-se o serviço de bonde em
Piracicaba”. Ela diz: “Adoro Piracicaba.”
Manuel, a qualidade de vida no Canadá é superior a do Brasil?
O Canadá oferece uma série de vantagens com relação ao Brasil: segurança é uma delas.
Fomos obrigados a ir a uma instituição bancária aqui no Brasil, um assunto
relativamente simples, consumiu um tempo enorme. Uma burocracia que não existe lá.
Pode-se dizer que no Canadá tudo funciona de forma sincronizada. Chihaya diz:
“Sempre digo que gostaria de ter a vida que tenho no Canadá, aqui no Brasil!”.
O Canadá não é um pais de densidade populacional muito grande?
Não, não é. É um país muito extenso com população pequena.
Comenta-se muito aqui no Brasil sobre os shoppings subterrâneos existentes no
Canadá. São verdadeiras cidades. Não no Canadá todo. Nós moramos em Halifax, na província
da Nova Escócia, lá não existe isso. Predomina o idioma inglês, mas o francês também
é utilizado. Antes moramos em Quebec, uma das dez províncias do Canadá, em
Montreal que é a maior cidade d a província, existe uma cidade subterrânea. Tem
prédios que tem acesso a essa parte de baixo, a pessoa não sai na rua, já desce do
elevador na cidade subterrânea. Tem supermercado, farmácia, escola, tudo que você
precisar. Só não tem veículos.
Vocês praticam algum esporte?
No inverno praticamos patinação, mas em superfície totalmente horizontal, não é o
esqui que desce montanhas! O curling é um dos principais esportes praticados no
Canadá. Apelidado de xadrez no gelo é praticado desde o século XVI. É um jogo
formado por duas equipes, com quatro jogadores em cada equipe. O objetivo é empurrar
blocos de granito sobre uma pista de gelo e colocá-los o mais próximo possível de uma
marca predeterminada. Esse esporte já joguei, é gostoso, sendo engenheiro, vejo que
aquilo nada mais é do que a aplicação da física. Há uma técnica muito refinada para
direcionar o bloco, há uma pessoa com uma vassourinha na frente, a função é aquecer o
gelo, formar uma película de água e deslizar mais rápido.
Há um hábito de acharmos que o Brasil está extremamente defasado com relação a
muitos países. O senhor concorda?
Não diria isso. Pegamos o exemplo da EMBRAER. Porque a Boeing veio atrás da
EMBRAER? Os trens de pouso de aviões fabricados pela EMBRAER não são só
utilizados pela EMBRAER. São utilizados lá fora também. O Brasil tem tecnologia.
Tem gente muito boa trabalhando. O Brasil não fica atrás de países lá fora não! Talvez
falte interesse do governo, de incentivos, tudo isso custa. Tem que haver treinamento, A
EMBRAER treina seus funcionários muito bem. A quantidade de engenheiros com
Master, com Doutorado, é muito grande. Notícias do Brasil lá fora são raras. Falam do
carnaval como uma festa folclórica, nunca vi ser tratado de forma pejorativa. As vezes
passam notícias sobre tiroteio em favelas, mas são notícias de cunho informativo. Aqui
no Brasil, a pessoa que está passando a notícia ela explora todos os detalhes, muitas
vezes dá sua opinião pessoal. O objetivo é chamar a atenção para o fato e ganhar
audiência com o mesmo. Lá quando dão a notícia limitam-se a dizer o que aconteceu. É
uma notícia objetiva. Informação.
O senhor estranhou muito a televisão do Brasil, nesses dias em que está aqui?
Não assisto televisão. Não consigo. Sinto muito dizer, mas a nossa televisão no Brasil é
de um nível de programas abaixo da crítica. Não vejo sentido o apresentador, repórter,
fazer o carnaval que faz.
Infelizmente a cultura de grande parcela da população, admite esse tipo de postura.
Exato! Mesmo porque, até mesmo no Canadá, pela minha falta de tempo recebo
informações pela internet, praticamente não assisto televisão.
A senhora também não assiste a televisão canadense?
Assisto muito pouco. Não tenho tempo. Fiz trabalho voluntário para um organismo que
ajudava os imigrantes.
Como foi a relação que vocês tiveram dom os dois principais idiomas do Canadá?
Quando fomos para lá, fomos na região francesa, morávamos no norte de Montreal.
Tem inclusive pessoas que não falam inglês. E não admitem falar em inglês. A Chihaya
aprendeu francês primeiro, eu já sabia o inglês, minha entrevista aqui no Brasil, antes de
ser contratado foi em inglês, depois foi por telefone por duas vezes. O processo foi
longo e cansativo. Meu inglês foi aprimorado com a vivência no Canadá. O meu
trabalho apesar de ser em empresa francesa era todo em inglês, a documentação é
inglesa. Tive que aprender o francês também, pelo uso com as pessoas do trabalho,
algumas não falavam inglês. Escreviam, mas não falavam. E também fora da empresa,
tudo que se fazia era em francês.
A assistência médica no Canadá é boa?
É boa, sem dúvida nenhuma. Tem dois sistemas: do governo e tem um adicional que é
pela empresa. O sistema do governo é muito bom. O sistema de emergência funciona
com excelência. Se o atendimento não for por motivos graves, há uma pequena espera
para ser atendido.
Como é a alimentação?
Chihaya responde: “Eu diria que é um pouco pobre se comparada à que temos no
Brasil”. Lá não se planta nada por causa do frio, ou é cultivado em estufa, ou é
importado. É decepcionante, as frutas não tem sabor. São colhidas verdes, para dar
tempo de chegarem lá.
Como é o transporte ferroviário?
O transporte de trem não é muito utilizado, como na Europa por exemplo. O trem de
Halifax a Montreal leva 22 horas de viagem, de avião leva 1:30 horas! De carro são 12
horas.
O senhor é de ascendência espanhola, e a Espanha tem tradição em ter bons vinhos.
Os do Canadá são tão bons?
O Canadá tem bons vinhos, ficam atrás dos espanhóis, italianos. O que existe são
empresas pequenas que fazem vinho. Assim como a grande maioria das cervejas são
artesanais. E são boas. Onde nós moramos, hoje é uma tendência irlandesa, uma cerveja
forte.
A alimentação tem a batata como base?
Comem bastante batata. Há um grande problema lá: a picanha não existe! O boi existe,
mas a picanha não. O corte da carne não contempla a picanha. Agora estão surgindo
alguns brasileiros que estão introduzindo a picanha no mercado.
O churrasco é de hambúrguer ainda?
É de hambúrguer e feito na churrasqueira a gás ou elétrica!
Há restaurantes com comida típica brasileira?
Na região aonde estamos não tem nenhum, existe em Montreal, Toronto provavelmente
deve ter mais restaurantes brasileiros. Toronto é mais multicultural do que outros
lugares.
Há em uma cidade do Canadá uma torre com um restaurante que faz um giro de 360
graus?
Em Toronto tem o Canada’s National Tower. Restaurante Giratório 360.
Nos dias de neve o senhor dirige com correntes nos pneus?
A corrente não é permitida. Tem que trocar os pneus, existem os pneus de neve e os de
verão. Onde estamos hoje é permitido pneus com pinos de aço. Em Quebec não é
permitido isso, simplesmente o tipo da borracha dos pneus é que faz a diferença.
A mão de obra é cara?
É caríssima, temos que ser um faz-de-tudo. Só para dar o orçamento cobram 50 dólares.
A facilidade é que existem empresas que vendem todo o material e dão todas as
instruções. Não mexo na parte elétrica da casa porque a legislação exige que só faz isso
quem tem um registro do sindicato. Se alguém que não tiver esse registro mexer, e
ocorrer alguma coisa o seguro não paga. Posso trocar uma lâmpada, mas não posso
instalar, puxar um fio. Se tiver um incêndio, que foi causado por aquele pedaço, o
seguro não paga e vou ter problemas com a polícia.
Existem favelas?
Tem. Mas vamos dizer que são favelas de alto nível. Existe muita
casa móvel, a pessoa aluga o terreno, traz a casa e põe ali. Outra opção é a pessoa
comprar um trailer usado, põe no terreno e mora lá.
Qual é a velocidade máxima permitida no Canadá?
No máximo 110 quilômetros por hora. No Canadá é adotado o sistema em quilômetros,
não em milhas.
Qual é a diferença de horário do Brasil para o Canadá?
Depende da região do Canadá. Onde nós estamos a diferença é de uma hora no horário
normal. Horário de verão e horário de inverno distancia. Tem época em que ficamos
com duas horas de diferença e outras em que ficamos igual. Lá também tem horário de
verão. Lá justifica o horário de verão, nove horas da noite tem sol ainda!
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