sexta-feira, dezembro 28, 2018

PIRCICABA AGORA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 29 de dezembro de 2018.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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ENTREVISTADO: JOSÉ BARBOSA DA SILVA NETO
                      (NETO BARBOSA)


Ele vem conquistando espaço, está cada dia mais conhecido do público piracicabano e regional e lógico de todos que o seguem pela internet mundo afora. Aos que imaginam que a mídia é feita de glamour, pode ter a certeza de que é feita com muita luta e suor. Barbosa Neto têm a receita dos vencedores: trabalho, profissionalismo e simplicidade. Extremamente atento a tudo que acontece durante a apresentação do seu programa, atende a todos com o mesma atenção, com naturalidade. Produz o programa “Piracicaba Agora”, um programa interativo, o público participa, uma versão repaginada dos antigos programas de auditório que o rádio por muitos anos consagrou, com notícias locais, regionais, entrevistas, dicas de profissionais com renome. Os meios de comunicação via celular, computador, transportam as participações do telespectador.

José Barbosa da Silva Neto, Barbosa Neto, nasceu a 18 de abril de 1974, no tradicional bairro da Penha, em São Paulo. É filho de Getúlio Barbosa da Silva, funcionário do Estado, e Teresa Assunção da Silva, que tiveram três filhos: Fábio, Tânia e José.

Qual foi a primeira escola que você frequentou?

A primeira foi a Escola Estadual Oswaldo Aranha, a minha primeira professora foi Dona Masako. Muito rígida, mas também muito atenciosa. Na quinta série tive a Professora Sueli, lecionava geografia, interessante que ela me incentivava muito a ser embaixador! Dizia: “Você tem que trabalhar em embaixada, ser embaixador!”.

Quando ela dizia isso qual era o seu sentimento?

De conquista! De tentar conquistar! De reconhecimento! Eu não entendia muito bem o que era, sempre fui muito questionador e ela me estimulava muito. Geografia é uma matéria muito interessante, dependendo do educador ele sabe desenvolver isso, a professora Maria me fez amar matemática.

Como era o bairro?

A Penha é um bairro da Zona Leste de São Paulo, era muito tranquilo. Estamos falando de uns 30 anos atrás. O Metrô Penha tinha acabado de chegar, era a última estação na época, depois de alguns anos foi até o Corinthians, Itaquera.

Para nós paulistas, o metrô foi algo impactante, qual foi a sua reação ao embarcar pela primeira vez?

A primeira vez em que entrei no metrô eu estava indo com meus pais ao Mappin, na loja da Rua São Bento. Naquela época ainda não estavam concluídas as obras da Estação Penha, o metrô ia até o Brás, onde o meu pai deixou o carro. Isso no tempo em que era muito usual as compras por crediário. Era 23:40 lembro-me do meu pai, minha mãe e eu correndo pela Rua São Bento para pegar a última viagem do metrô. Eu tinha de 6 a 7 anos nessa época. Eu estava carregando um caminhão tanque enorme que o meu pai havia comprado para mim. Nós corríamos até o metrô com sacolas. Entramos na Estação São Bento, o funcionário fechou a porta de acesso à estação. Foi a primeira vez em que andei de metrô. Foi emocionante!

Para as pessoas atualmente pode parecer um fato corriqueiro!

As relações, informações, atualmente estão muito rápidas. Para um garoto morador da periferia de São Paulo, aos 7 para 8 anos, andar pela primeira vez de metrô tudo era encantamento! Minha mãe também não tinha muita intimidade com o metrô, escada rolante, meu em função do seu trabalho as vezes pegava o metrô. Tudo aquilo era novidade! Estava com a decoração de Natal por ser época de Natal. O metrô sempre foi muito organizado, muito limpo. Era um outro mundo!

O ginásio você fez na EE Oswaldo Aranha?

Fiz no Colégio Estadual da Penha (Instituto de Educação Estadual Nossa Senhora da Penha, refrão do Hino do "Estadual da Penha": "Instituto de Educação, meu vergel de amor e saber, onde o meu coração aprende a cantar, a sorrir, a viver"....). Estudei no João XXIII, colégio particular, na Penha também. Aí fui estudar na Escola Estadual Esther Frankel Sampaio. Ali passei para o período da noite e fui trabalhar durante o dia.

Que idade você tinha?

De 16 para 17 anos, foi o meu primeiro emprego. Fui ser vendedor em uma loja de roupas na Rua Penha de França. Me desenvolvi rápido, os proprietários gostaram, fui ser gerente da loja do Shopping Penha, recém-inaugurado.

Você deve ter aprendido rapidamente a identificar o cliente à primeira vista?

Você identifica pela leitura corporal, identificar o cliente, o que ele quer comprar, tudo isso desenvolvi de forma intuitiva. Boa parte da minha formação vem dessa intuição. Me deslumbrar com a profissão e ir a frente. Tenho uma ligação e formação muito forte com o teatro.

Você ao olhar uma pessoa já consegue fazer uma leitura com um alto percentual de acerto?

(Risos). Não com tanta precisão! O teatro me ajudou a fazer uma leitura ao estado emocional dessa pessoa. Na loja trabalhei dos 17 até os meus 28 anos. Há um diferença de cliente de loja com a porta para a rua e loja de shopping. Na loja de rua a pessoa sente-se mais solta, a qualquer momento ela entra, ela não está passando na rua para comprar, no impulso ela entra. Quem vai ao shopping vai com a intenção de comprar. É um público mais diversificado. Em São Paulo trabalhei no centro, na Rua Líbero Badaró. Na época surgiu a Garbo, quem trabalhava na Garbo tinha status. Havia uma loja que trazia todas as novidades de Nova Iorque, ficava na Líbero Badaró.

Você conheceu o Policial Militar Luizinho que ficava na Rua Xavier de Toledo esquina com ao Viaduto do Chá?

Conheci! Ele tinha métodos educacionais de trânsito próprios, tanto para motoristas como para pedestres. Agia com muito bom humor, ganhava os aplausos das dezenas de pessoas que estavam ali esperando para atravessar.


                                                              GUARDA LUIZINHO


 Lembro-me de um vendedor que ficava na Rua Direita, vendendo calça Lee e calça Lewis, dizia: “Calça Lee, calça Lewis! Vai?”. Ele tinha uma potência de voz, que no fim da Rua Direita escutava, a rua inteira ouvia. Tinha os famosos vendedores de bilhete de loteria. As infrações eram cometidas sem a violência atual.
                                                          A ORIGEM DO JEANS


Trabalhei na Quilles, na Import-Sport, esta era uma loja que trabalhava com produtos para esportes radicais, mergulho, paraquedismo, ficava no Shopping Eldorado, foi a primeira loja a ter em seu interior uma parede de escalada. Toda quarta-feira essa parede era aberta para o público com dois instrutores. Em São Paulo não tinha nada nesse aspecto, foi a primeira que surgiu, eram três donos, jovens, fui convidado para ser gerente porque um dos donos comprou comigo na Quilles. Ele gostou muito do meu atendimento, disse-me: “Estou abrindo uma loja, quero que você venha ser meu gerente”. A novela “Guerra dos Sexos” com Fernanda Montenegro e Paulo Autran foi gravada no Shopping Eldorado, quando fui trabalhar lá lembrei-me da novela. Permaneci lá até 1995.

Como surgiu a sua decisão de mudar para Piracicaba?

Em 1997 mudei para Piracicaba. Os meus pais tinham mudado para Piracicaba, fui trabalhar em uma loja no Shopping Piracicaba, a Criart. Depois disso comecei a trabalhar com produção cultural.

Como surgiu essa mudança de foco?

Foi por conta da Unimep! A Unimep fazia parte do núcleo de cultura, isso por volta de 1999, 2000, a Unimep tinha um projeto interessante que era voltado para toda a sociedade. Passei a fazer parte dos grupos de teatro da Unimep. Inclusive do Grupo Andaime, do qual faço parte até hoje. Com essa aproximação do Núcleo de Cultura surgiram outras possibilidades, como por exemplo, fazer o projeto “Raízes” da Belgo-Arcelor, toda produção que vinha de Minas Gerais para cá, eu era o produtor local. Contratado por uma empresa de produção cultural de Minas, eu fazia toda a logística de produção para receber os artistas aqui na cidade de Piracicaba. Fiz isso por um bom período. Comecei a dar aulas de teatro em projetos sociais, Aqui trabalhei no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case), eu dava aula de teatro na periferia de Piracicaba. Trabalhamos com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)

Na periferia tem grandes artistas?

Os grandes artistas estão na periferia! Permaneço nessa área, e hoje sou professor do Grupo de Teatro Macunaíma, o grupo tem uma filial em Campinas há 10 anos, dou aula nessa filial de Campinas.

Com quantos anos uma pessoa pode participar de teatro?

Para iniciar a Escola Macunaíma oferece cursos a partir de seis a sete anos, conheço projetos de amigos que eles dão aulas de teatro com exercícios mais lúdicos, para crianças de três a quatro anos. Idade limite para adultos não existe.

O teatro é muito interessante no aspecto de desenvoltura em público?

Há um curso de teatro para não-atores. Destinado para empresários, médicos, palestrantes, você faz todo o curso regular de teatro, mas o objetivo não é o palco, é uma forma de você desenvolver-se. É um curso de custo bem acessível. As pessoas interessadas podem entrar em contato comigo ou com a própria escola. É só procurar por Escola Macunaíma Campinas. A Escola Macunaíma é a escola de teatro mais antiga do Brasil. Já está com 44 anos. Tenho alunos que são: juízes de direito, promotores, advogados, professoras, médicos, médicas, em Campinas e em São Paulo. Muitas vezes a pessoa já se sente realizada no âmbito profissional, mas tem algo que ficou para conquistar. Não é nem para uma formação, mas para o resgate de um sonho, de uma vontade que ficou estacionada.

Como essas pessoas reagem em palco?

É muito interessante! É tão deslumbrado com o fazer, são ótimos alunos, ótimos artistas, a proposta de se fazer e aprender, e jogar, a arte consegue te dar uma caminho fora de uma possível formalidade que tem que acontecer. A arte te dá a possibilidade para ir a um lugar que você não domina tanto. É algo que você não sabe o que vai dar, você não tem a certeza, qual vai ser o resultado. O teatro é aquilo, aquele momento. O público está ali. Só vai entender o que é ali. Não é uma obra que você vai pintar. Usar técnica para pintar. Não é algo que você irá compor e ouvir duas ou três vezes para tentar afinar mais um pouco. O teatro vai ser ensaio, mas a apresentação é única.

Pelo potencial artístico que existe em Piracicaba, não é baixo o número de apresentações teatrais?

É baixo! Isso envolve muitas coisas, desde políticas públicas direcionadas, são duas coisas: projetos, dos quais fiz parte também, e é muito bom. Você vai aos bairros da cidade, abre para os jovens a prática, mas você não tem uma continuidade. Das aulas que eu dei aqui na cidade, foram poucos que seguiram a careira de artista. Ou que praticam até hoje. O plantar a semente em Piracicaba é muito bom. O que está faltando é continuidade. Criar mecanismos para dar sustentação aos grupos. Temos o Sesi, Sesc, Teatro Municipal Losso Netto, são espaços físicos fantásticos, temos muitos grupos na periferia, como por exemplo a Casa do Hip Hop onde as pessoas praticam, o que está faltando é engrenar. É vontade pública. Avalio que seja muita coisa para se olhar e acaba passando desapercebida a semente que pode germinar. Sabemos que a primeira coisa que é cortada diante de uma crise financeira é o que supostamente seja não tão importante. Nós sabemos que quanto mais arte você dá, mais formação vamos ter. Infelizmente o número de apresentações diminuiu, o número de projetos para agregar pessoas da comunidade diminuiu, E assim vai. Esperamos que seja apenas uma fase. Fiz um trabalho com o Circo do Tubinho, o Zéca é o proprietário do circo, fizemos um trabalho em Piracicaba e agora fizemos no Teatro Municipal de São Paulo. Foram duas apresentações no Teatro Municipal de São Paulo, “Noite de Gala do Circo no Teatro”. Estávamos no “Floreia”, é um espaço de fomento a arte aqui em Piracicaba, criado por artistas que foram meus alunos, pedimos uma pizza, o entregador ao saber que era o pessoal que apresentou-se no teatro, disse: “Fui todos os dias assistir”. A arte popular tem o dom de encantar. O erudito é algo importantíssimo mas não vamos conseguir saltar o precipício que existe, tem que ser criada a ponte. A ponte é a arte popular, o Tubinho, esse rapaz que não perdeu uma apresentação. Temos projetos no extremo, aqueles que “salvam” os adolescentes de um caminho irregular, só que depois não tem uma continuidade. Hoje se um rapaz de 25, 27 anos quiser voltar a fazer teatro ele não terá um suporte financeiro. A meu ver tem que se viabilizar algo permanente, institucional. Aulas de matemática, física é tão importante quanto aulas de arte, música, dança.

Alguns radicalismos protagonizados em público, usando de forma errônea o nome da arte foram um desserviço?

Tudo que você oprime acaba explodindo, na explosão gera um tumulto. São possibilidades, você tem possibilidades de escolha. Vamos falar da ponte novamente, ela tem que ser feita pelo poder público, a ponte da cultura quem tem que fazer é o governo. É o Estado que tem que fazer isso. Viabilizar profissionais, remunerados, que possam ir, dar continuidade. Dessa continuidade surgir ou não a possibilidade da pessoa ser transformada pela arte. Eu acredito nisso! Como é feito na Alemanha, onde morei quase seis anos. Lá o governo entende que a arte é tão importante como as demais matérias que são ensinadas. Vai dar para a pessoa ter um entendimento maior sobre as coisas.

Você fala alemão?

O suficiente para me virar, quem fala é a minha esposa Maria do Carmo Trevisan. Quando mudei de São Paulo para Piracicaba, nos conhecemos e casamos. Ela é de São Pedro.

Porque empresários procuram curso de teatro?

Eles querem uma visão maior da realidade, executivos de multinacionais fecham uma sala para um curso de teatro para não atores. A multinacional sabe que além do conhecimento profissional tem a necessidade vital do conhecimento humano. Conhecimento das relações Só assim haverá progresso. Se não houver a humanização toda essa tecnologia será perdida. O vale está muito grande, se houvesse uma relação com a arte como aconteceu na Alemanha, na Inglaterra, não teríamos um vale tão grande, hoje temos extremos como provocações dizendo que aquilo é arte, criando repulsa de muitos pela arte, em uma generalização anormal, ao mesmo tempo em que você irá reconhecer que o cururu é uma arte nossa. E valorizar o cururu. Por mais que tentarmos fazer investimentos privados, o governo tem que criar essa possibilidade. É a história do ovo ou a galinha. O governo que não tem essa consciência ou a gente que não teve a consciência de seguir o governo? Continuamos sem consciência de que o governo não quer trabalhar isso. A provocação talvez venha com as conversas.

Não depende do povo dizer o que deseja?

Isso seria o ápice. Eu, como povo diria: “Quero cultura para todos!”. O problema é unir forças e ter entendimento para cobrar isso. Vi uma vez um cartaz da igreja católica com a pessoa só com a cabeça fora da lama, ela está tão atolada que não tem força para pedir ajuda. Encaro a arte dessa maneira, as vezes a pessoa está tão distante dessa arte que ela não consegue nem entender o que ela tem que pedir. A cultura popular é fortíssima. Você vê o que são as tradições culturais da cidade de Piracicaba. Temos um trabalho maravilhoso feito pelo jornalista Cecílio Elias Netto. Temos que continuar o que o Cecílio está provocando. Olhar o que é nosso. Olhar o humilde, o caipira, os valores.  Essa cultura é a principal, dessa cultura é que se vai para o erudito.

Quando você iniciou o seu trabalho com televisão?

Por conta do teatro na TV eu comecei criando um programa, com mais dois amigos, e o proprietário Jonas Murioca disse-nos, “-Gostei das suas ideias, se você obter patrocínio, negociamos”. Fui atrás, nisso o povo começou a ligar para a TV para saber o que era, o Jonas nos ligou, e disse; “Isso nunca aconteceu, das pessoas ligarem aqui para saber quem é você”. Ele me contratou, primeiro como apresentador, depois como diretor artístico da TV, após dois anos, surgiu a oportunidade de apresentar o programa. Houve uma lacuna, o Jonas Murioca disse: “Quero que você assuma”. Em 2009 começamos a apresentar o programa “Piracicaba Agora”


                                                   PIRACICABA AGORA

A que horas começa o programa “Piracicaba Agora”

Ao vivo com duas horas de duração, é apresentado todos os dias às 18 horas nos canais: 26.1 digital, 21 NET e 19 Vivo fibra ótica e no Facebook. O programa é sobre tudo que acontece em Piracicaba e região, desde notícias policiais, pedido de ajuda, reclamações, a questão comunitária é muito forte, tem buraco na rua que está dando problema, estou sem luz em frente de casa. O programa tem uns quadros que o povo gosta de participar, como por exemplo: “Que lugar é esse?” um telespectador tira foto de algum lugar da cidade, manda-nos, colocamos no ar e pedimos ao público para descobrir qual é o lugar.


                                                            PIRACICABA AGORA


Valorizamos muito a cidade. Todos os dias tem um convidado que é entrevistado. Reprisamos o programa nesse mesmo horário:18:00 horas aos sábados e domingos. E todos os dias temos reprise as 23:00 horas. Estamos 4 horas diárias na TV. A televisão funciona 24 horas. Temos uma produtora, eu, minha esposa e a Ana. Fazemos programas para empresas, alugamos espaço para produções, temos toda infraestrutura com equipamentos. Fazemos gravações externas institucionais de empresas da região. As vezes filmo aqui, recebo comentários da Itália: “Que cidade bonita!”. A internet veio para somar. O programa “Piracicaba Agora” é da cidade, para a cidade e com a cidade. As pessoas partilham conosco até fotos da alimentação que ela está fazendo no momento, foto do pôr do sol do quintal da casa dela. Foto do seu quintal com as roupas dependuradas. A família jantando. Isso tudo está indo para o mundo. É uma relação muito pessoal, direta.






Há um ditado que diz que a pessoa torna-se intima da família quando frequenta a cozinha da casa.

Verdade! Para chegar a entrar na cozinha tem que ter um tempo de amizade!

Você quer mandar alguma mensagem?

Acho que as pessoas deveriam fazer pela paixão e se apaixonarem por aquilo que elas fazem.

 

 

domingo, setembro 09, 2018

JOÃO LÚCIO DE AZEVEDO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de setembro de 2018
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO:  JOÃO LÚCIO DE AZEVEDO

 

O Prof. Dr. João Lúcio de Azevedo nasceu a 31 de julho de 1937 em São Paulo, no bairro Jardim Paulista, na esquina da Avenida Nove de Julho com a Rua Estados Unidos, onde o seu pai tinha uma casa. São seus pais Manoel Victor de Azevedo e Ema Crivelentte de Azevedo. Tiveram seis filhos: Leda, Elmo, Valter, Manoel Victor, Luiz Carlos e João Lúcio.
É um endereço nobre!
Era o começo! A rua não era nem asfaltada! Essa casa existe até hoje, no local funciona um estabelecimento bancário. O local era um dos empreendimentos imobiliários da Companhia City. Com 4 a 5 anos mudei entre a Rua Conselheiro Zacarias e a Rua Honduras, no Jardim Paulista também, bem pertinho. Passava o bonde Jardim Paulista, subia a Rua Pamplona e eu ia até a Avenida Paulista.
Era bonde aberto ou fechado?
O que subia a Pamplona era aberto, lá em cima pegava o bonde “camarão”, vermelhinho, fechado. Eu ia até o Colégio São Luiz, na Avenida Paulista, onde estudei. Lá eu fiz o ensino médio e o preparo para o vestibular.
Dava para ir a pé da casa do senhor até o Colégio São Luiz?
Dava! Subia a Rua Pamplona, virava na Avenida Paulista, passava onde depois passou a ser o MASP, lá existia um belvedere (local de observação), ao que consta até hoje tem uns resquícios desse belvedere. A Avenida Paulista já era calçada. Existiam muitos casarões, mansões. A casa do Conde Matarazzo, quando eu ia de bonde para o Colégio São Luiz pegava-o lá em frente a mansão do Matarazzo. Era um bonde com o letreiro escrito “Angélica”, referência ao percurso pela Avenida Angélica.
O senhor chegou a entrar na Mansão Matarazzo?
Cheguei a entrar no vizinho, meu colega de Colégio São Luiz morava ao lado da Mansão Matarazzo. Dava para ver a propriedade do Matarazzo, era um monstro de casa! Era um patrimônio histórico! Tinha um muro baixinho onde eu sentava e ficava esperando o bonde, dali dava para ver a enormidade, a beleza da casa revestida em mármore de Carrara. Já tínhamos o Parque Trianon, uma sombra tropical no coração da Avenida Paulista, onde passava o bonde nos dois sentidos, em direção à Avenida Angélica e ao Paraíso, ali havia uma loja Sears, onde é um Shopping hoje. Na Brigadeiro Luiz Antônio Havia a Igreja Nossa |Senhora da Conceição. São Paulo era uma outra cidade. A década de 40 é um momento marcado por uma profunda mudança na cidade de São Paulo. Conforme dados do IBGE, sua população, em 1947, era duas vezes maior que a existente em 1937, ou seja, a população da cidade pulou de 1,3 milhão (1937) para 2,2 milhões 1947 em apenas 10 anos. Frequentei a loja Mappin na Praça Ramos de Azevedo.
Alguns colegas do Colégio São Luiz ainda reúnem-se?
De tempos em tempos fazemos uma reuniãozinha. Formei-me em 1957 no Colégio São Luiz.
O pai do senhor teve uma participação marcante na sociedade?
Meu pai foi jornalista, radialista na Rádio Excelsior, ele sempre foi muito católico, fazia um programa chamado “Hora do Pensamento Social Cristão”, trabalhava como jornalista no Correio Paulistano, depois tornou-se advogado do Banco do Brasil, na Avenida São João, bem no centro de São Paulo. Foi deputado por oito anos, foi Constituinte de 1946 a quarta assembleia reunida no país para elaboração do seu estatuto político fundamental, ele era do PDC Partido Democrata Cristão.
Na época a capital federal era no Rio de Janeiro.
Tinha que ir para o Rio de Janeiro. Eu fiquei uns tempos morando no Rio. Meu pai ia de trem. O Cruzeiro do Sul foi uma das composições que circularam entre o Rio e São Paulo. O percurso era: Estação Roosevelt (São Paulo) - Estação Dom Pedro II (Rio de Janeiro) - O Trem Azul ou Cruzeiro do Sul, como era oficialmente batizado, representava o que de mais moderno e confortável havia de disponível para a viagem entre as duas mais importantes cidades do País. Saia a noite de São Paulo e chegava de manhãzinha no Rio.
Ele viajava em cabine fechada?
Viajava em cabine, as vezes eu ia junto. Meu pai não gostava de ficar no Rio. Embora tivesse muitos amigos e parentes, então ele ficava na casa de parentes e depois aos fins de semana ele voltava. 
Ele não tinha residência funcional?
Naquele tempo não havia isso não!
Ele atuou politicamente quando o presidente da república era quem?
Ele pegou cinco anos do governo de Eurico Gaspar Dutra. Depois veio o Getúlio Vargas. Quando Getúlio faleceu meu pai era deputado. O segundo mandato do meu pai foi como deputado estadual, depois ele abandonou completamente a política. Em 1947. o local da sede do Poder Legislativo paulista era o antigo Palácio das Indústrias, na região central da capital paulista.
Em 1954 o senhor já era moço, foi o Quarto Centenário de São Paulo, o senhor chegou a ver a “Chuva de Prata”?
Cheguei a ver! No Trianon! Me lembro perfeitamente, foi lindo! Acho que ainda devo ter umas estrelinhas daquela época! Foi em janeiro de 1954,  quando o Parque Ibirapuera foi inaugurado. Era festa todo o dia. Bandas marciais, nacionais e americanas (fuzileiros navais). Música era tocada por todos os lados do parque. As marquises, lotadas de gente. Mário Zan tocado nos quatro cantos da cidade com seu "São Paulo Quatrocentão", que acabou se tornando o hino oficial do aniversário da cidade. Aviões da FAB lançavam ao ar pequenos triângulos de papel alumínio, que eram intensamente iluminados pelos poderosos holofotes do exército, localizados em pontos estratégicos. Era uma verdadeira chuva de prata. Em 1954, a Brigadeiro Luiz Antônio ainda era área residencial e muito,  elegante.
O senhor praticava esportes quando jovem?
Eu ia muito no Club Paulistano, aprendi a nadar lá!
Como a profissão de engenheiro agrônomo o atraiu?
Eu tinha um professor de biologia que era um alemão de nome Albrecht Tabor, ele dava aulas no Colégio Visconde de Porto Seguro e no Colégio São Luiz. Ele lecionava genética, era uma aula muito boa, eu sempre gostei de genética. Ele dizia: “Se vocês querem fazer genética, vão fazer em Piracicaba! Lá tem o professor Friedrich Gustav Brieger ele que sabe sobre genética! Prática de genética só lá em Piracicaba! Um curso bom, agronomia, uma escola fabulosa, situada no interior, melhor do que São Paulo para viver e tem o melhor professor de genética!”
O senhor conheceu o professor Brieger?
Trabalhei com o Brieger! Com a Maria Ruth Buzzato Alleoni. O Professor Brieger dava aulas práticas, enquanto os demais davam aulas teóricas.  Em 1957 vim para Piracicaba cursar a Esalq. Me formei em 1960.
O senhor veio a primeira vez para Piracicaba com qual veículo?
Vim com o carro do meu irmão, um Citroën, levava cinco a seis horas de viagem, de Campinas para cá era chão de terra, a rodovia com muitas curvas.
Piracicaba na época tinha uma população bem menor.
A área urbana da cidade estimo pouco mais de 50.000 habitantes. O diretor da Esalq era Hugo de Almeida Leme. Do Colégio São Luís três prestamos exames para entrar na Esalq: Paulo Penteado Meirelles, Guido Chierichetti e eu. Nós três fomos aprovados.
Como chamava-se a república em que o senhor passou a morar?
Era a Rancho Fundo ficava na Rua São João. Quando eu mudei era chamada ONU. Tinha descendestes de polonês, alemão, italiano, um venezuelano. O Centro Acadêmico era na Rua Prudente de Moraes entre a Rua Alferes José Caetano e a Praça José Bonifácio. Embaixo ficava “O Diário”, no prédio construído por Terêncio Galezzi. Não tínhamos muito o que fazer em termos de lazer, a noite ia para o CALQ –Centro Acadêmico Luiz de Queiroz.
A Esalq  era ensino em tempo integral?
Tempo integral! O professor mais famoso na época era Orlando Carneiro, ele vinha da Escola Politécnica de São Paulo pra dar aulas. Era bravíssimo! Tive aula com o professor Salgadinho, conheci Jairo Ribeiro de Mattos.
O bonde para a agronomia tinha um segundo vagão rebocado?
Quando era meio dia e meia, uma hora da tarde, ia começar o curso aqui, vinha o bonde com o carro reboque. Naquele tempo ninguém tinha carro, nem os professores. Quando passava um carro sabia que era do Professor Malavolta, do Professor Pimentel.
Naquela época já tinha toda essa infraestrutura que existe hoje?
Melhorou muito! Dava para dar aula das oito às onze horas, depois começava a uma hora da tarde e ia até quatro ou cinco horas da tarde. A noite não tinha nada. Mais tarde colocaram um curso noturno também.
Vocês almoçavam na escola?
Eu almoçava na república. O bonde nos períodos que antecediam ou terminavam as aulas iam ou vinham lotados.
O senhor praticava algum esporte?
Eu nadava no Clube de Campo de Piracicaba, tenho algumas medalhas.
O senhor tem filhos?
Casei-me com Maria Alice.Tenho dois filhos: João Lúcio Filho e Sílvia. Meu irmão Valter é padre em Manaus.
Aqui na Esalq o senhor fez o curso regular, chegou a ser monitor?
Fui! O Professor Brieger que inventou na época. Eu era aluno mais do professor Gurgel. O Brieger não falava muito bem o português, o Professor José Theófilo do Amaral  Gurgel traduzia. O Brieger tinha “pavio curto”! Salim Simão foi meu professor. O Brieger criou um Instituto de Genética, ele era muito ligado a Fundação Rockefeller que define sua missão como sendo a de promover, no exterior, o estímulo à saúde pública, o ensino, a pesquisa e a filantropia. Com isso o Brieger trouxe muitos recursos para a Esalq. Juscelino Kubitschek de Oliveira era o Presidente da República, incentivou muito a área da genética. O Brieger tinha dificuldade em entender a burocracia brasileira.
Logo que o senhor iniciou seu trabalho com genética quantas pessoas trabalhavam na área?
Aqui em Piracicaba umas quinze pessoas. Para a época era muita gente.
Após formar-se, ser monitor, quais foram os cargos seguintes que o senhor exerceu?
Fui professor assistente, doutorado, livre docência e titular. Portanto hoje sou Professor Doutor Titular da Cadeira de Genética. E aposentado! Quando terminei o doutorado o Professor Brieger disse-me: “Na próxima vez vai para a Inglaterra, não vai para os Estados Unidos, eles massificam muito, quando retornar não é um indivíduo, é uma massa, lá irá fazer parte de um grupo, excelente, fantástico. Você será usado como uma mão de obra qualificada. Vai para a Inglaterra que lá são indivíduos, você não trabalha em grupo ainda.Irá aprender mais. Irá voltar, não aprenda sobre as coisas que tem lá, aprenda para saber o que é genética, e venha fazer aqui alguma coisa que interesse para o Brasil. Você irá trabalhar com uma genética que não existe no Brasil, a genética de microrganismos.”
O senhor ficou em qual universidade na Inglaterra?
Fiquei na Universidade de Sheffield, no norte da Inglaterra. Muito boa na parte de engenharia, na parte de biologia é pequenininha. Me especializei em microbiologia. O Brieger que me disse: “Você vai fazer genética humana, a geração leva 20 anos, genética estuda transmissão de características de pai para filho, genética de milho leva um ano, de inseto irá levar um mês, de microrganismos a bactéria irá levar 20 minutos.”. “Isso não existe no Brasil”, ele me disse. A microbiologia estuda também a transmissão de micro características de fungo para fungo. Bactéria para bactéria. Alga para alga. Tem muito fungo que é importante porque causa doenças. Em plantas, em animais, tem muita bactéria que causa doença humana: Escherichia coli, doenças sexualmente transmissíveis. Naquela época o Brieger dizia: “Tem médico que não sabe direito porque está receitando antibiótico!”. Ele dava porque está matando a bactéria, mas não sabia porquê. O Brieger trouxe o inglês Joseph Alan Roper, esse inglês ficou uns dois meses no Brasil. Ele orientou umas quatro ou cinco pessoas. O Roper me escolheu e a uma moça chamada Nelly Neder. Fiquei três anos e meio na Inglaterra. Depois voltei para fazer um pós-doutorado em Nottingham e depois em Manchester. Ai já foi coisa de um ano, seis meses. Fui ver os Beatles na Inglaterra, quando eles não eram nem famosos ainda. Não consegui entrar no show, mas vi eles chegando! Eu morava em Sheffield que fica a uns 50 quilômetros de Liverpool. Eles foram dar um show em Sheffield no Cine Abey Dale. Fui com uns amigos, chegamos lá, estava aquela molecada de 16,17 anos, não conseguiam entrar no cinema, tudo cheio, naquele tempo eu tinha um pouco de barba, e não era comum ter barba! Foi uma época em que o mundo estava mudando, em plena guerra do Vietnam, a minissaia surgindo.  Depois fui para a Califórnia, e em Salt Lake City a capital e a cidade mais populosa do estado norte-americano do Utah. Lá conheci as instalações dos mórmons. É uma cidade tão limpa que parece que escovam a cidade o dia todo!
Piracicaba era conservadora?
Sempre foi! Eu era sócio do Clube Coronel Barbosa, frequentava os bailes.
Era a elite da elite!
Era, não era. Frequentava também o Clube Cristóvão Colombo. Os veteranos do meu tempo iam assistir ópera onde é o Teatro São José. Vieram cantores de óperas famosos para se apresentarem no Teatro São José.
O senhor ficou em mais outro país?
Fiquei uns dois meses no Japão. A Sociedade Japonesa de Progresso da Ciência que me convidou. Teve um tempo que fiquei como Diretor da Esalq, de 1991 a 1995. O Professor Akihiko Ando insistiu no convite para ir ao Japão.
O senhor chegou a morar na tradicional casa do Diretor da Esalq?
Eu desisti de morar naquela casa! Quem morou lá anterior a minha gestão foi Humberto de Campos. Antigamente era a Congregação da Esalq que escolhia os diretores, a minha foi a primeira eleição por votação de professores, estudantes, funcionários. 
Sendo o agronegócio um ponto forte do Brasil, qual é o papel da Esalq?
A profissão de engenheiro agrônomo é diversificada. Você pode encontrar agrônomo que é grande economista. Tem biólogo, eu sou mais biólogo do que agrônomo. Tive muito contato com os médicos Luiz Faria Pinheiro, Plinio Alves de Moraes este último foi direto da FOP Faculdade de Odontologia de Piracicaba.  Eles se interessavam muito por microbiologia, queriam saber como funcionavam as coisas.
O senhor lecionou fora de Piracicaba?
Passei quatro anos em Brasília como professor da universidade.
Quantos livros o senhor tem publicado?
Tenho uns vinte.
O senhor tem condecorações?
Tenho duas comendas, uma foi entregue pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e outra recebi, embora estivesse na Inglaterra, foi entregue pelo Presidente Lula. Tenho uma passagem muito curiosa. Quando Luiz de Queiroz mudou-se para São Paulo, foi residir perto da Avenida Paulista. Meu pai também morava lá perto. Meu pai tinha seis filhos, e o Luiz de Queiroz não tinha filho. O Luiz de Queiroz faleceu moço, A Dona Ermelinda, esposa de Luiz de Queiroz, guardou o enxoval para criança, só que a criança não nasceu, meu pai estava com seis filhos, tempos difíceis, Dona Ermelinda nos conhecia, ela tinha ficado viúva, ofereceu o enxoval de criança. Eu usei o enxoval que seria para o filho de Luiz de Queiroz!

RONDERSON BATISTA SANTOS (MINEIRO ENCANADOR


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 25 de agosto de 2018
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: RONDERSON BATISTA SANTOS
                         (MINEIRO ENCANADOR)

 

Ronderson Batista Santos também conhecido como “Mineiro Encanador”, é um dos muitos casos em que a pessoa incorpora como seu nome popular o local da sua origem e da sua profissão. Nascido a 4 de agosto de 1975 na cidade de Novo Cruzeiro Estado de Minas Gerais, filho de José Geraldo Batista da Paixão e Zilda Chagas, que tiveram dez filhos: Hercules, Paulo, Ronderson, Neusa, Glaucia, Gleiciane, Moisés, Edson, Rosane, Erica.

Com que idade o senhor começou a trabalhar?    

O meu primeiro registro na carteira de trabalho foi com 15 anos de idade. Antes eu já trabalhava na roça com o meu pai, plantava milho, feijão, cana-de-açúcar, arroz, café, meu pai tirava leite das suas vacas e das vacas dos fazendeiros. Ele prestava serviços para os fazendeiros, roçava manga.

Você chegou a tirar leite?  
Já com uns 10 anos tirava leite, tomava chifrada, a vaca pisava no meu pé, amarrava as patas traseiras para ela não machucar. Tinha que ajudar na roça. Fazia rapadura. Cachaça.
O senhor sabe fazer cachaça? 

Tínhamos que cortar a cana, levar para o alambique, moer, deixar fermentar. Depois colocar para ferver, daí tinha a “cachaça cabecinha” e a “cachaça água fraca”. A “cabecinha” é a primeira, a boa, alguns produtores misturavam um pouco da “água fraca” na “cabecinha” só que o conhecedor de cachaça percebe logo. Nós mantínhamos as duas separadas. Cada uma com seu preço. Meu avô, João Batista, fazia açúcar batido também.

Seus estudos primários foram no sítio?      

No sítio estudei até o terceiro ano primário, minha primeira professora era Dona Sinhá! Tinha que andar em torno de duas horas para chegar na escola, a pé, não havia estradas, as vezes quando não tinha chinelo o meu pai, fazia com couro e pneu. Outras vezes usava Alpargatas, conhecida também como “enxuga-poça”, era feita de tecido jeans, e solado de sisal. Fabricávamos tijolo, amassando o barro com os pés. Com o tempo foi colocado um burro que movia um mecanismo que amassava o barro. As casas eram feitas de “enxumento”: madeira em pé e batia o barro. Para as diferentes técnicas utiliza-se uma massa básica constituída de terra com 60 a 70% de areia, 30 a 40% de argila e água em quantidade suficiente. Alguns aditivos podem ser agregados de acordo com as necessidades ou com a técnica escolhida. Os principais aditivos são: Esterco de vaca ou cavalo que são estabilizantes químicos da massa. A pintura da casa era feita de “tabatinga”, um barro branco, tirava no mato, na lavra, derretia na água e pintava a casa. Ficava branquinha. As madeiras eram colocadas inicialmente em pé, as varas no sentido horizontal eram amarradas com cipó formando quadradinhos de 10 x 10 centímetros aproximadamente, em alguns lugares fazem de 5 x 5 centímetros. E batia-se o barro. O barro duro para ali.
Precisa ficar alguém do outro lado para evitar que caia o barro?
Não precisa não! O bolo de barro vai parando! Depois você vai batendo.
A casa era coberta como?
Com telha feitas à mão mesmo, “nas coxas”, tomavam o formato das coxas de quem as fazia, moldando o barro. Tinha água de poço e água da serra que vinha até a mina da água. Isso existe até hoje, a água sai da rocha e vem para o quintal. Hoje lá tem energia elétrica. 
Até que idade foi a sua permanência nesse sítio?
Até uns 14 anos, mudamos para Novo Cruzeiro. Meu pai permaneceu na roça e nós fomos para a cidade com a minha mãe. Não tínhamos nada, nem um fogão para cozinhar, foi muito difícil o início na cidade. Minha mãe arrumou emprego na padaria, os pães que sobravam o padeiro dava para ela. Era o nosso almoço e jantar. Depois eu consegui um emprego na feira: vender por medida (a granel) feijão, arroz. Dormíamos todos em um quarto só e em uma cama só. Os colchões no chão, na terra. A casa era alugada. Começamos a ganhar fogão, geladeira, cristaleira, usados. O primeiro emprego que consegui na cidade foi em uma marcenaria, para lixar móveis. Ganhava meio salário mínimo, sem registro. O dono da marcenaria, Seu Dedé, foi visitar a minha casa, viu que eu não tinha cama, me deu um beliche: um dormia embaixo outro em cima. Um outro irmão foi trabalhar em outra marcenaria e ganhou mais um beliche. Meu pai arrumou emprego em uma fazenda chamada Fazenda Sul América que contratava mais de 1500 homens só de Novo Cruzeiro em toda temporada de colheita de café. Antigamente o pai podia assinar uma autorização para o filho menor de idade poder trabalhar. Assim meu pai, meu irmão e eu fomos trabalhar na Fazenda Sul América. Eu tinha 16 anos, meu irmão 15 anos. A nossa vida mudou. Passamos a ganhar dinheiro, os três. Ficávamos alojados de segunda-feira até sexta-feira. Minha mãe tinha a doença de Chagas, ela faleceu quando eu tinha 17 anos. Nessa época, em período de safra meu pai vinha trabalhar em Piracicaba e mandava o dinheiro que ganhava para Minas.
Como seu pai veio para Piracicaba?
O meu irmão Paulo, o mais velho, veio para Piracicaba, trabalhava na Coopersucar, quando minha mãe faleceu não deu tempo dele ir vê-la, logo depois ele foi nos visitar. Eu nesse período estava muito revoltado, não tínhamos nem condições para sepultar a minha mãe como ela merecia. Um farmacêutico que doou a urna funerária para sepultá-la. Eu não queria mais permanecer naquele lugar. Quando meu irmão voltou à Piracicaba eu vim com ele. Fiquei morando no Bairro da Paulista na casa de uma tia minha, Tia Alzira. Fiquei uns tempos na casa da Tia Maria na Rua Fernando de Souza Costa. O meu primo, já falecido, trabalhava na empresa Mirafer Produtos Siderúrgicos Ltda. Fui trabalhar ganhando 450 URV (Unidade Real de Valor) quando da implementação do Plano Real. Eu mandava um pouquinho para o meu pai e ficava com um pouquinho aqui. Meu irmão e eu alugamos uma casinha em uma vila de casas na Rua Ipiranga. Trouxemos o meu pai para cá, veio todo mundo! Meu pai arrumou emprego na Prefeitura Municipal para montar palco. Meu irmão tinha comprado um terreno, antigamente a Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba – EMDHAP financiava, não dava a casa. Ela financiava o terreno para fazer a moradia, meu irmão tinha feito esse financiamento. Fica no Bairro Mário Dedini. Meu irmão dividiu o terreno ao meio e deu a metade dos fundos para o meu pai. Meu pai passou a pegar todos os ferros que eram descartados nas construções, tinha uma senhora do Bairro do Godinho que tinha umas casas antigas, já sem condições de uso, ele ganhou os tijolos, madeira, telha. Assim com sobras de construções e material usado descartado ele construiu uma casa de oito cômodos, sendo quatro quartos.
Tudo com material já utilizado anteriormente?   
Tudo com material usado!    
Ao seu ver o brasileiro desperdiça muito material?
Joga muita coisa fora! Muita coisa! Meu pai fez uma casa carregando coisas da rua! Ele só comprou o cimento e arrumou o pedreiro! As janelas foram todas doadas. Morando com o meu pai trabalhei na Tofer Engenharia Comércio Indústria, trabalhei em uma empresa tercei          rizada da Belgo Mineira, Camargo Correa, em Piracicaba, na Boyes, foi na Boyes que conheci a minha esposa Lenilda Ladislau dos Santos. Começamos a namorar em 1998. Tem uma passagem interessante, ela residia sozinha, em um pequeno quarto, na Vila Rezende, um belo dia, ela estava trabalhando e cheguei na casa dela. Abri a porta, tinha ido ao Mercado Municipal, enchi uma cestas de frutas variadas e escolhidas, fiquei esperando-a, fingindo que estava dormindo. Até hoje estamos casados, faz 20 anos! Casamos dia 26 de setembro de 1998. Temos dois filhos: Liliane e Robson.
Quando o senhor começou a trabalhar como encanador?           
Na verdade desde que eu cheguei aqui em Piracicaba eu já fazia “bico”. A caixinha que eu usava com as ferramentas estava guardada até pouco tempo. Eu trabalhava na empresa durante o dia e aos finais de semana fazia os “bicos”. Aprendi fazendo, não gostava de ficar parado. A noite por dois anos fui garçom do “Banana Chopp” ficava na Avenida Independência, próximo a Santa Casa o proprietário era o Seu Dorival. Eu trabalhava até a meia noite, as seis horas da manhã já estava trabalhando na empresa onde eu era empregado. Nos finais de semana quando não estava trabalhando na empresa ia ajudar a servir o almoço. Graças a Deus sempre lutei, de dia e de noite. Tem cliente que liga a meia-noite, coloco o carro na estada e vou atender o cliente.
Hoje qual é a sua especialidade profissional?
Na parte hidráulica. Há uma constante inovação, é necessário estar sempre atento para as mudanças, estudo o produto, reparos, qualidades, a internet é uma ferramenta muito útil para a constante atualização técnica. Fiz curso no SENAI, Desenho Mecânico 1,2,3. Fiz curso de eletricista, hidráulica, encanador, informática. Trabalho muito na parte hidráulica.
E obra civil, construção, o senhor trabalha também?
Já fui empreiteiro de obras, tinha sete a oito funcionários. Percebi que deveria trabalhar de outra forma, atualmente a minha esposa cuida da loja São José Reparos, situada a Rua Brasílio Machado, 2658, WhatsApp 9 9639 7966, voltada à parte hidráulica e elétrica, e eu presto serviços. Com isso consigo dar mais atenção aos meus clientes. É o que importa, o cliente satisfeito. Meus filhos ajudam a administrar. Todos nós estamos sempre em harmonia, e sempre aconselhamos um ao outro. Há um grande respeito mútuo, entre o casal e os filhos. Muitas vezes acato o conselho de um deles, que me fazem ver onde tenho que corrigir. Essa união nos fortalece.
A sua decisão em montar a loja e prestar serviços foi um bom caminho?
Está dando para pagar as contas, criar os filhos.
E o seu envolvimento com a política?
Por três vezes já fui candidato a vereador, a primeira vez fui candidato pelo PSB, junto com o Gustavo Hermann. Tive 109 votos. A segunda vez saí pelo PRB, fiquei primeiro suplente do vereador Paulo Henrique Paranhos Ribeiro, tive 461 votos, na terceira vez fiz 287 votos.
O que o atrai para a política?
Eu penso que um político não é um artista ou ator, ele é um funcionário eleito para prestar serviços para a comunidade. Infelizmente existe em nosso país, políticos que usam maquiagem para tirar fotografias em festas de aniversário! Eu consigo ser um vereador e um encanador simultaneamente. Um vereador tem direito a ter pessoas para trabalhar em seu gabinete, posso atende-lo em sua casa, trocar uma torneira, cobrar pelo serviço prestado, e você reivindicar alguma coisa para a sua rua, tenho como ligar no meu gabinete e fazer a minha assessoria entrar em contato com o poder público e atender as suas necessidades públicas também.
A seu ver como está o nosso povo em termos de informação política?
O povo está andando para onde o vento sopra. O povo não pensa!
A televisão influencia muito?
A televisão mente muito! Manipula demais! Hoje vemos campanha eleitoral onde alguns tem bastante tempo de exposição, outros não tem. Para mim isso está errado! O tempo deveria ser dividido de forma igual para todos. Tenho projetos para Piracicaba, estão no endereço eletrônico do Google como Propostas de Ronderson Mineiro 10010
https://issuu.com/rondersonmineiro10010/docs/propostas_de_ronderson_mineiro_10010. Penso que se caso um dia eu tiver o mérito e o povo me der a chance de ser um vereador, criar a proibiçao de dormir e morar na rua. O poder público teria que oferecer abrigo à esses moradores de rua.
Isso é um problema social sério, nem sempre o morador de rua submete-se a regras mínimas estabelecidas para a convivência em albergues.
Não quero maltratar os moradores de rua, mas tirá-los dessa situação miserável, oferecendo qualificação, emprego, dignidade. Eles merecem todo carinho, respeito e nosso zelo. Hoje tem morador de rua conversando com outro colega pelo celular! Tem que haver um trabalho conjunto com a população. Infelizmente há entidades que usam a caridade (distribuindo alimentos, roupas) como peça de propaganda. O morador de rua , a meu ver, deveria ter um lugar para ir, tomar um banho, sem que sejam impostas muitas regras. Se da maneira que estamos fazendo não está dando resultado, vamos criar outra forma de fazer. A Câmara é uma Casa de Leis. Para atender certas situaçõeshá o Serviço Social do Municipio. Já usei a tribuna da Câmara de Vereadores de Piracicaba umas três ou quatro vezes.
Você já teve algum envolvimento com alguma entidade?
Fundei a Associação dos Desempregados. Recebíamos por dia de 100 a 150 pessoas. O objetivo era captar vagas para pessoas desempregadas. Encaminhar as pessoas gratuitamente. Se a pessoa arrumasse um emprego e sentisse gratidão podia doar um pacote de folhas sulfite, para fazermos curriculos. Cada um daria aquilo que desejasse. Se algum empresário quisesse doar uma cesta básica para uma família que estivesse passando por necessidade extrema, nós não recolheríamos a cesta, jamais. Indicaríamos a família que estava passando fome alguém da empresa iria levar, poderíamos até acompanhar.
Tem gente passando fome em Piracicaba?
Vemos muitas pessoas irem buscar cestas básicas nas igrejas. Acredito que tenha pessoas que passam fome em nossa cidade. Tem os que passam fome e não pedem socorro. Se eu estiver passando fome eu grito: tenho dois filhos, quero trabalho!
E as pessoas que pedem dinheiro nos semáforos, qual seria a sua proposta?
Colocaria dois veículos, com sinalização do tipo Giroflex, escrito “Combate a miséria” com duas pessoas boas de diálogo, nada de repressão, ofender, bater. Parava no sinaleiro e abordava o pedinte: “Nós combatemos esse serviço seu de pedir dinheiro em sinaleiro”. Se a pessoa dissesse: “Ah! Mas eu estou desempregado!”. Receberia como resposta: “Vamos lutar para arrumar-lhe um emprego, nem que seja para varrer rua”. O sinaleiro iria esvaziar de pedintes.
Como é o mercado da mão de obra de encanador?
A minha empresa é a “Mineiro Encanador”, as vezes eu saio meia noite, uma hora da manhã, para atender cliente. Atendo prédio, apartamento, presto serviços para bastante empresas, desentupidora, tenho a Roto-Rooter para desentupir. Eu trabalho com reparos da válvula Hydra. Uma grande dificuldade que temos é de trabalhar em local com parquímetro. Não foi previsto um local onde possamos descarregar material, escada.
Vocês fazem serviços fora de Piracicaba?
Faço serviço em Rio das Pedras, Saltinho, já fui fazer até em Jaú. Infelizmente, tem acontecido de bons profissionais sofrerem a falta de serviço, porque muitos estão desempenhando uma atividade que antes não faziam. As vezes nem estão preparados para atender um serviço. As pequenas empresas não tem acesso a muitos órgãos públicos, mesmo tendo condições de preço mais favoráveis. Grandes empresas de fora da cidade levam vantagem em decorrência das exigências burocráticas.

PEDRILHA DE GOES BAGGI (AMIGAS DA ONÇA)


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 de agosto de 2018
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: PEDRILHA DE GOES BAGGI 
                           (AMIGAS DA ONÇA)
 
A psicóloga clínica e hospitalar Pedrilha de Goes Baggi nasceu em Piracicaba, no Bairro da Paulista, a Rua Santos, próximo à Praça Takaki. Casada com Antonio Baggi Junior tem dois filhos: Renata e Ronaldo. Pedrilha é filha de Alcindo Goes comerciante e Aparecida Goes costureira que tiveram três filhos: Mário, Maria Helena e Pedrilha.
O pai da senhora sempre trabalhou como comerciante?
Inicialmente ele trabalhou na Usina Monte Alegre, até que ele saiu e comprou uma freguesia de pão, um carrinho de tração animal e um cavalo, com o passar do tempo ele adquiriu uma Kombi.
Esse carrinho era aquele com dobradiça, erguia-se a tampa, e lá estavam os pães?
Exatamente!
A que horas ele costumava sair para trabalhar?
Saia a uma hora da manhã. Ia carregar os pães, a sua freguesia era muito grande. À tarde ele saia de novo com outros produtos: pães doces, sonhos, roscas doces. Na época ele trabalhava com a Padaria São José, situada à Avenida Madre Maria Teodora. Hoje o local é ocupado por uma farmácia. Mais tarde ele montou uma filial da padaria São José, na Rua Coronel Barbosa, esquina com a Coronel Fernando Febeliano da Costa. Ali funcionava como um ponto de venda, os pães vinham prontos da fabricação na padaria.
A senhora chegou a trabalhar nessa filial?
Trabalhava no balcão atendendo, as vezes faltava pão eu ia entregar com ele. Nessa época eu tinha uns 11 anos.
A senhora chegou a fazer entrega nas casas dos fregueses?
Fiz! Geralmente o leiteiro entregava o litro de leite e nós entregávamos o pão tipo “bengala”, lembro-me de um dos lugares em que entregávamos era a “Coréia” (Na década de 50 nas imediações da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, também conhecida como Igreja da Paulicéia, era uma área onde havia com mais frequência atritos entre os moradores, o delegado titular Dr. Geraldo Lopes Vieira atendia frequentemente as desavenças, o que o levou a comparar a briga entre vizinhos a Guerra da Coréia. O apelido caiu no gosto do povo). Nessa época meu pai já tinha uma Kombi, alguns vinham pegar o pão, outros tínhamos que deixar na porta. O que para a época era um pouco ousado, as mulheres vinham buscar o pão de camisola, levantavam da cama e vinham do jeito que estavam.
No período em que entregavam pão com o carrinho qual era o nome do cavalo?
Tinha o Lobo, uma égua branca chamada Pomba e uma égua preta chamada Pretinha. Eu ia com o meu pai cortar grama, onde hoje é o Castelinho (Construído por João Chaddad).
Ali o meu pai cortava capim gordura. Meu pai lotava o carrinho e vínhamos para casa. Eu ia passear.
Nessa época ali não havia asfalto?
Era tudo chão de terra, não me lembro de ter a Avenida Dr. Paulo de Moraes. Existia a Avenida Nove de Julho, ia até um pedaço, depois ela acabava. Lembro-me também que um senhor levava com carrinho cana-de-açúcar picada para dar ao cavalo. Atrás de casa havia um terreno onde ficava o cavalo.
A tarde seu pai saia novamente para visitar a freguesia?
Iam também pães doces, sonhos. Tinha clientes que marcavam na caderneta, e acertavam ao final de um mês, e muitos compravam a vista. Em 1986 meu pai adoeceu, permaneci com o meu irmão na filial da padaria. No início de 1987 nós arrendamos. Eu sai de lá e arrumei trabalho na Unimep. Onde trabalhei por 17 anos no Colégio Piracicabano, de 1987 até 2004, a Ozaide Trimer era a minha chefe.
O curso primário onde foi realizado pela senhora?
Foi na Escola Estadual Professora Olivia Bianco, o ginásio estudei na Escola Estadual Dr. Jorge Coury e depois fiz na Escola Estadual Sud Mennucci onde conclui o ensino médio.
O que a levou a estudar psicologia?
Lembro-me de quando era menina eu pegava uma revista a primeira coisa que eu ia ler era a seção do Eduardo Mascarenhas, psicanalista, e me intrigava como ele conseguia saber o que estava ocorrendo com a pessoa. Como eu trabalhava na área administrativa, me aconselharam a fazer o curso de administração. Cursei por algum tempo o curso de administração, mas percebi que não era o que eu buscava. Eu tinha uma amiga que cursava psicologia e conforme ela contava a respeito do seu curso meu interesse aumentava. Decidi fazer psicologia. Em 1998 me formei em psicologia. Eu casei dia 2 de junho de 1979, na Igreja dos Frades. Já estamos casados há 39 anos.
A senhora dedica-se especificamente a alguma área em especial ou só em seu consultório?   
Em 2004 quando saí do Colégio Piracicabano, fui trabalhar no setor de hemodiálise da Santa Casa, fiquei por dois anos e meio trabalhando como psicóloga do setor. Depois fui trabalhar no Cecan (Centro do Câncer da Santa Casa de Piracicaba). A minha postura como psicóloga ficou voltada mais para a área hospitalar. Tenho o meu consultório particular onde faço psicologia clínica.
A seu ver, qual é o paciente que reage de forma a não aceitar com reação mais acentuada a sua situação: o do Cecan ou da hemodiálise?
O câncer vem com um peso e um estigma muito grande, quando o paciente de câncer tem o diagnóstico positivo na hora vem o sentimento de morte próxima. A pessoa que tem o diagnóstico de deficiência renal crônica, a minha impressão era de ela não tinha esse estigma, só que o processo em si é mais difícil, ele tem que fazer 4 horas de hemodiálise, três vezes por semana, isso dava a impressão de que eles não tinham uma vida própria. O paciente com câncer faz uma quimioterapia a cada 21, 28 dias. Ele pode comer tudo que desejar. O paciente de hemodiálise tem muitas restrições. Da mesma forma, o paciente com câncer pode passear, o que faz hemodiálise tem que saber se o lugar aonde vai, quantos dias irá ficar, se tem um local em que ele possa fazer a hemodiálise. Essas limitações tornam seus deslocamentos mais restritos.
Como o paciente a recebe? Com alegria?
Nem sempre! Tem que haver o desejo do paciente ir ao psicólogo, falar da sua angustia. Estou no Cecan todos os dias. Tem o pessoal que vai fazer a quimioterapia, vai passar pela consulta médica, as vezes o próprio médico encaminha, ou a enfermagem, as vezes ele vai por vontade própria, muitas vezes vou até a quimioterapia, pode acontecer da pessoa ter preconceito com relação ao psicólogo, as vezes dão uma abertura. Há também os que rejeitam claramente a presença de qualquer profissional da psicologia. É uma atitude defensiva. De forma suave e gradativamente procuro quebrar essa postura. Com a convivência, ou por ordem médica, coloco-me a disposição do paciente.
Um choque emocional muito grande, uma decepção, enfim um fato social de grandeza relevante pode ocasionar um ataque cardíaco. O câncer pode ocorrer do comportamento, de fatores emocionais?
Pelo que já estudei, artigos científicos, o fato de levar uma vida mais suave não irá garantir que deixará de contrair a doença. A dificuldade em prevenir a doença é não saber porque ela surge. Como psicóloga eu procuro saber se a pessoa passou por algum trauma, o médico irá usar seu olhar clínico, a nutricionista irá ver por outro viés.
O “stress’ pode desenvolver o câncer?
Não há comprovação científica. Alguns dizem que sim. Tem gente que tem muito “stress” e não desenvolve nada! Outros não estão estressados e tem! A psicologia é o estudo do comportamento, a psicodinâmica da pessoa.
A incidência de câncer é mais acentuada em quais classes sociais?
A doença não escolhe classe, idade, beleza, poder aquisitivo. O que acontece é que a classe menos favorecida não faz exames preventivos, com isso quando percebem a doença já está em um estágio avançado. Um fator também é que os mais abastados ao menor sinal buscam os recursos mais avançados. Isso as vezes adia a doença. Tudo depende da complexidade do caso.
O álcool e o tabaco podem agir como gatilho para a doença?
O que se diz é que a probabilidade de desenvolver câncer é maior. É uma probabilidade. Você irá escutar “Fulano fuma há 50 anos e não tem nada”. A chance de você ter câncer com o uso do tabaco é maior do que não fumar. Isso não isenta os não fumantes! Atualmente há muitos conflitos de relacionamento, não só entre casal, mas com relação ao mundo em que vivemos. O psicólogo tem como função escutar e pontuar onde o indivíduo está tendo um comportamento repetitivo. Muitas vezes a pessoa só muda a personagem, o comportamento é o mesmo.
A senhora faz um trabalho muito interessante: “As Amigas da Onça”.
O grupo surgiu em 2012, eu queria fazer um grupo terapêutico, mas que não fosse tradicional. Meu desejo é que elas se expressassem a vontade. Sem formalismos. De certa forma queria que fizessem uma troca de experiências sobre o tratamento pelo qual estavam passando. Usei o artesanato como mediador, isso no Cecan. Convidei a Daniela Prates, ela é artesã.
Que tipo de artesanato era?
Artesanato com feltro, que não usassem máquinas.
Qual foi o grau de satisfação das que realizavam as peças?
Foi uma realização! Sobretudo o encontro de pessoas que estavam passando pela mesma situação. A identificação: eu também estou passando por isso, eu também estou careca, eu também faço quimioterapia. Foram conversando entre si e houve essa troca. Eu estava presente, quando o assunto era inconveniente, mudávamos de assunto. Mas eu fazia o artesanato junto, conversávamos, fazendo essa integração o grupo foi crescendo, formando um vínculo, no início foram seis pessoas, com o tempo foi aumentando, cada mês fazíamos um tipo de artesanato. Sempre com esse objetivo, que elas se conhecessem, mesmo porque umas faziam quimioterapia em um dia, outra em outro dia. Quis unir essas mulheres para que elas soubessem que não estavam sozinhas. Cada uma deveria saber que não era a única a passar por isso.
Quando descobrem que estão com câncer não perguntam: Por que eu?
Isso! Eu digo, não se deve perguntar: Por que eu? Quando a pessoa ganha na loteria sozinha, ela não pergunta para Deus: Por que eu? Ela começa a se achar culpada, que aquilo é um castigo. E não tem nada disso.
Ai entra um pouco do resquício da formação religiosa culpa-castigo, como se Deus não fosse amor e sim um Ser que pune sem misericórdia.
O paciente pode pensar que é uma punição por algo. O grupo foi crescendo, vinham muitas, faziam artesanatos, conversavam muito. O nome “Amigas da Onça” surgiu de uma brincadeira de final de ano o amigo secreto. Como nem todas as pessoas se conheciam muito bem, decidimos brincar com as pessoas sorteadas. Fizemos com presentes mesmo. Foi uma tarde divertidíssima, alguém sugeriu que tínhamos que colocar um nome no grupo, como estávamos vivenciando surgiu o nome “Amigas da Onça” por conta da situação do momento. E a coisa foi pegando, agregamos alegorias relativas a onça. (Todas industrializadas, nada natural, do animal só o nome). Lenços, presilhas, tudo que tenha a ver com a onça.
Vocês fizeram uma apresentação no Lar dos Velhinhos que encantou e emocionou os presentes.
Apresentamos uma música, onde houve a participação dos presentes, estávamos com o apoio de algumas pessoas, inclusive voluntárias, para a coreografia.
Na realidade é uma divulgação do trabalho de vocês, caso uma empresa ou entidade solicitar vocês podem fazer uma apresentação?
Nós damos ênfase ao “Outubro Rosa”, o objetivo é que as pessoas conheçam o seu corpo, façam um autoexame. Mostrar que as pessoas que estão ali já fizeram o tratamento de câncer de mama ou qualquer outro tipo de câncer, estão ali, vivendo, alegres, brincando, cheias de vida. Vamos diminuir o estigma do câncer. Temos o face “Amigas da Onça”  https://www.facebook.com/Amigas-da-On%C3%A7a-197442354013109/
Quem vai ao Cecan já está sensibilizada?
A pessoa quando vai ao Cecan já está com diagnóstico de câncer. Ela já fez uma biopsia confirmando. Ela chega fragilizada. É apresentada à ela os recursos tecnológicos e humanos que dispomos. Eu apresento o grupo para quem quiser participar.
Tem pessoas que ficam remoendo e tornam sua própria vida mais difícil?
São aquelas pessoas que arrastam correntes. É necessário haver uma aceitação.
Ocorre de uma pessoa que já teve câncer, foi tratada, curou-se e ao comentar com alguém escutar “Ai, coitada!”
Isso é muito ruim! As pessoas não querem que sintam pena dela.
Há também aquelas pessoas que ao ter a doença, mesmo curada, são incapazes de pegar um copo de água, pede que alguém o faça?
São pessoas que se colocam o tempo todo como vítima, com certeza ela já se colocava, com o câncer isso acentuou-se.
Quais são as diferenças entre o psiquiatra e o psicólogo?
Para atuar como psiquiatra deve-se cursar seis anos de Medicina e mais dois ou três de residência em Psiquiatria. Já para atuar como psicólogo, deve-se fazer uma graduação de cinco anos em Psicologia e, em seguida, especializar-se na área e na abordagem escolhida.  O psiquiatra faz o diagnóstico e recomenda a medicação. O psicólogo vai ouvir e pontuar para que o paciente tenha consciência daquilo que ele está fazendo. Ele irá promover um autoconhecimento. O paciente que irá mudar. A forma como ele lidar vai ser a resposta.
Colocando dessa forma, que o desejo da pessoa é soberano e a Constituição Federal assim afirma, ninguém pode ser obrigado a agir contra si mesmo, como psicóloga qual é a sua visão com relação a Cracolândia?
Em minha opinião a pessoa deve ser convencida a tomar um banho, se recompor, a sair daquele quadro maior, e depois ver se ela quer ser tratada. Ou seja no ambiente em que ela está não tem capacidade própria para discernir. Ela tem que ter condições de sobriedade para que possa decidir o que de fato deseja. Se a pessoa não quiser, ninguém muda. Isso acontece com todo vício: jogo, álcool, tabaco, substâncias químicas.
A senhora nesses 14 anos como psicóloga deve ter visto e ouvido de tudo, e cada um tem seu problema?
Todo mundo tem o seu problema, o que muda é a forma de lidar com o problema. Tem os que levam de forma mais branda e passam bem e as pessoas em que tudo é negativo, ela é vítima.
Quem acha que o copo está meio vazio tem mais possibilidade de ter algum problema de saúde do que a pessoa que acha que o copo está meio cheio?
Sim. É a forma como ela vai lidar com a situação, o olhar negativo, aquilo não vai dar certo.
O autoconhecimento desde os tempos remotos é uma busca do ser humano. Cada um tem um universo dentro de si?
O autoconhecimento é fundamental. Ele ajuda em todos os aspectos. Como lidar com determinada situação, como lidar com uma doença. Em termos psicológicos é o que a gente proporciona. O psicólogo vai fazendo com que a pessoa se conheça, saiba como ela é. Conheça seus defeitos e qualidades. O objetivo do psicólogo é aquilo que esteja inconsciente fique consciente.
Qual é o poder do subconsciente sobre o consciente?
È muito grande. Quanto mais consciência tivermos vamos lidar melhor com todas as situações. O seu comportamento será do seu conhecimento. Uma palavra dita ao acaso pode trazer grandes consequências. A palavra tem muito poder. Acho importante que as pessoas vivam o dia de hoje. Não dar tanta importância para coisas pequenas.
Muitas pessoas permanecem ligadas ao passado?
Tem, isso faz mal, mas faz muito mais mal a ansiedade, o que vai fazer no futuro. O passado já foi. Existe pessoas que lamentam-se de fatos ocorridos na infância, adolescência, ou mesmo há décadas, só que no fundo elas esperam ter um ganho secundário com essas lamentações. Acha que com isso as pessoas terão pena dela. “Ah! Coitado, ele sofreu!” Todo mundo sofre! As pessoas ao atingir a idade madura, aposentam-se e podem ter uma vida ativa ou uma vida rotineira, uma mesmice sem graça. Depende exclusivamente da escolha da pessoa.
 

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