domingo, fevereiro 05, 2017

DIRCE CASSANHA GONÇALVES PINTO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de janeiro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADA:  DIRCE CASSANHA GONÇALVES PINTO
Dirce Cassanha Gonçalves Pinto nasceu a 8 de agosto de 1930, a Rua William Speers no bairro da Lapa, em São Paulo, filha de Raul Cassanha e Josefina Carrera Cassanha que tiveram quatro filhos: João , Geraldo, Laís e Dirce. Raul Cassanha era funcionário do escritório da estrada de ferro SPR - The São Paulo Railway Company Ltd. que fazia a ligação entre Santos e Jundiaí, utilizava o sistema “locobreque” O "locobreque" tinha a função de frear a composição na descida da serra, que simultaneamente puxava outra que subia. O cabo entre as duas máquinas passava por uma grande roda volante, chamada de "máquina-fixa" que ficava em cada um dos cinco patamares.
A senhora lembra-se da descida da serra?
Andei tanto naquele trem, com o meu pai, com a nossa família. Saíamos de São Paulo e íamos até Santos, lembro-me das rodas dentadas e cordas de aço, que tracionavam o trem. A  minha meninice foi muito boa, joguei barra-bool, um joga a bola para outro, com uma risca onde não pode ser ultrapassada. Barra-manteiga é a jogada em que a bola bate e não pode atingir o jogador ou ele ficará de lado. Acusado era outra bricadeira onde a agilidade era colocada em prática. São brincadeiras inocentes e da minha época de menina.Eram brincadeiras em que meninas e meninos participavam. Hoje desde pequena a criança quer tablet, celular. Eu cheguei a jogar bolinha de vidro, rodar pião. Fui meio moleequinha. Fui sócia do Clube de Regatas Tiete, andava com meu futuro marido e uma amiga, de catraia pele Rio Tietê, dentro de São Paulo. Tinha algumas pessoas que até nadavam no Rio Tietê.
A mãe da senhora tinha alguma outra atividade além de cuidar do lar?
Ela foi professora de bordados, fazia crivo, filet, antigamente usava-se muito cortinas de crivo, filet. Ela tinha uns bastidores enormes de pé, no chão. Aprendi a fazer muitos tipos de bordados, mas esses com bastidores eu não quiz aprender.
A senhora estudou em qual escola?
Estudei na Academia Comercial São Paulo. Morávamos na Lapa, meu pai acredito que foi promovido, fomos morar em Campos Eliseos, quando ele ficou Chefe do Movimento, mudamos para o Bairro da Luz, isso porque ele tinha um horário diversificado.
A família foi morar em que rua?
Fomos residir a Rua São Lázaro, uma travessa da Rua São Caetano, hoje tradicional pelas lojas especializadas em vestidos de noivas.Naquela época era um bairro uito tranquilo, muito bom, tinhamos uma boa casa, depois fui estudar o curso primário no Grupo Professor Pedro Voss. Após eu terminar o curso primário, meu pai mudou-se para a Vila Clementino, a Rua Botucatu, bem em frente a Escola Paulista de Medicina. Fui estudar em uma escola na Vila Mariana, era o Colégio Campos Salles, minha irmã e eu pegávamos o bonde, as vezes o bonde aberto, outras vezes o bonde fechado, que por sua cor vermelha era conhecido popularmente como “camarão”. Naquela época não se pensava em um curso superior como engenharia, advocacia. Geralmente as opções para a mulher era ser professora ou secretária. Fiz tres anos de secretariado. Eu gostava muito da Vila Mariana, as vezes ia a pé até a Vila Mariana.
Após formar-se como secretária a senhora foi trabalhar em qual empresa?
Fui trabalhar na empresa Itaú Transportes Aéreos. Eu trabalhava na Rua Asdrubal do Nscimento. Era uma empresa aérea que só transportava carga. Tinha que usar saia azul marinho e blusa branca, tinha algumas mulheres que usavam gravata, eu nunca usei.
Qual foi o próxima empresa em que a senhora foi trabalhar?
Fui para o frigorífico Anglo (do Grupo Vestey) de capital britânico. O escritório ficava no décimo e décimo primeiro andar de um edifício situado a Rua Anchieta, logo após a Praça da Sé, primeira travessa da Rua XV de Novembro. Eu trabalhava no Departamento de Vendas, havia uma secretária que tinha fluência em inglês, tínhamos três chefes, ingleses. Eles produziam enlatados, apresuntados, charques, derivados de carne vindos de Barretos, Pelotas. Trabalhava da 8:30 às 11:30 e das 13:30 às 17:30 . No Anglo as roupas eram a vontade, cada um vestia-se como gostava.
Tinha restaurante no local?
Não tínhamos, nós íamos almoçar em casa, ninguém comia na cidade. Eu senti em sair de lá, mas saí porque tinha casado. Os primeiros móveis que comprei quando casei foi no Mappin, na Praça Ramos de Azevedo esquina com a Rua Xavier de Toledo. Os produtos comercializados pelo Mappin eram muito bons, eu gostava muito. Eu ia muito ao Restaurante Itamarati, que existe desde 1940, fica na Rua José Bonifácio.
Como secretária a senhora fazia o serviço de rotina?
As vezes chegava um telegrama, conforme o lugar eu tinha que datilografar em 8 vias, 12 vias para entregar à todos os chefes. No caso de doze vias usavam-se onze carbonos! A máquina que eu utilizava era uma da marca Olivetti. Eu gostava do meu trabalho.
A senhora era boa datilógrafa?
Acho que era! Eles gostavam. Tinha feito o curso de datilografia em uma escola particular.
Quanto tempo a senhora permaneceu na empresa Anglo?
Acho que fiquei uns três anos. Comecei a trabalhar em uma empresa pequena, de lá fui para a Itaú, onde permaneci por um ano, sai e fui trabalhar no Anglo. Saí para casar, aos 23 anos.
Como a senhora conheceu seu futuro marido?
Eu tinha um primo que fazia ginástica na Associação de Cultura Física, ficava na Rua Augusta, quase esquina com a Rua Santo Antonio. Decidi também fazer. Eu tinha uma tia que também gostava de fazer ginástica. Antigamente era muito praticada a chamada Ginástica Sueca. Em competições nos encontrávamos grupos de moças e rapazes, vinham grupos do Rio de Janeiro. Não era a ginástica como é feita hoje, eu fazia todos os aparelhos da época: paralelas, trave, solo,cavalo, ginástica olímpica. Naquela época era uma atleta. Eu pesava 42 quilos. Foi lá que conheci o meu marido Henrique Gonçalves Pinto, ele tinha cinco anos a mais do que eu. Era contador-auditor. Tivemos três filhos: Roberto, Marta e Fábio. Permanecemos casados por quarenta e seis anos e meio, a 3 de agosto de 1999 ele faleceu.
Em qual igreja vocês casaram-se?
Casamos na Igreja da Consolação, no dia 16 de abril de 1953. Sempre tivemos um ótimo relacionamento, se um dos dois ia sair, saiamos juntos. Não havia essa história de se você não vai então eu vou sozinho. Íamos muito a bailes da Associação Cultura Física. Depois mudamos para Bebedouro.
O que os levou a mudar para Bebedouro?
Um amigo do meu marido tinha uma fazenda, eles foram criar frangos. Galinhas poedeiras e frangos de corte. Na época meu marido já estava cansado de ficar em São Paulo. Após um ano adquirimos uma propriedade rural, ele fez uma granja, e uma particularidade curiosa, pouco conhecida, o que mais vendia e dava mais lucro era o esterco das galinhas. Naquela época Bebedouro era muito forte na cultura de café, e o esterco era utilizado como adubo para o pé de café. Depois Bebedouro dedicou-se a cultura de laranja. Permanecemos em Bebedouro por uns quatro anos, eu sempre gostei de morar no interior em chácara, sítio, fazenda. Eu tinha dois cavalos, um era o Gaucho, um cavalo castanho escuro. Outro cavalo era meio marrom. Em função da família, com o objetivo de ficarmos mais próximos, viemos morar no Jardim da Glória, no Cambuci. Cerca de um ano depois, fomos para perto de Miracatu, nas proximidades de Registro. Praticamente a cultura praticada é de banana. Tudo que tinha que se fazer havia a necessidade de deslocar-se até Registro pela BR-116. Meu marido tinha bananal e ele quis colocar gado de leite. Na época do frio, a banana tem seu preço mais alto, só que tem pouca banana, ela demora para engordar. Quando a banana está bonita, o valor dela é muito baixo. Eu me desiludi completamente com a agricultura. Quando tínhamos a granja em Bebedouro meu marido plantou algodão. Deu um algodão maravilhoso. Quando chegou o atravessador, disse: “-Tem muito algodão por ai, dou tanto pelo algodão do senhor!”. Se o agricultor segurar o algodão perde peso, quem ganha é o atravessador. Quando morávamos em Miracatu não havia energia elétrica, meu marido adquiriu um rádio de pilha, um dia ouvimos Alziro Zarur transmitindo suas mensagens. Fomos a São Paulo e visitamos a Legião da Boa Vontade, a LBV. Conhecemos, conversamos, gostamos.
A senhora permaneceu por muito tempo em Miracatu?
Logo que as crianças passaram a freqüentar a escola mudamos para Peruíbe. Meu marido ia para o sítio e eu ficava em Peruíbe. O colegial eles tinham que estudar em Itanhaém. Uma perua da prefeitura levava e trazia. Em Peruíbe morávamos em um prédio bem na beira da praia. Um lugar bonito, gostoso. Gosto de Peruíbe até hoje. Nesse meio tempo, meu filho tinha se formado e trabalhava na Caterpillar em São Paulo. Quando a Caterpillar mudou-se para Piracicaba, meu filho veio para trabalhar na empresa. Foi quando eu conheci Piracicaba. Morávamos em Peruíbe, meu marido adoeceu, as consultas médicas eram feitas em Santos. Por insistência do meu filho que estava em Piracicaba, viemos para cá. Fomos atendidos por um médico de Piracicaba que constatou a gravidade da doença do meu marido e tomou as devidas providências. Com isso ele viveu mais uns cinco anos e pouco.
A senhora acompanha noticiários, vê televisão?
Acompanho, só deixo de acompanhar quando o tema passa a envolver violência, noticias que transmitem pessimismo, levanto, vou tomar uma água. De uma forma geral, se posso fazer determinada coisa eu faço. Tenho opinião própria formada.
Continua com a prática de esportes?
Faço ginástica aqui na quadra, a chinesa, e faço de alongamento com outra professora.
Algum hobby?
Gosto de ler.
A seu ver, as mudanças ocorridas no decorrer dos anos tornaram a vida melhor?
No aspecto de evolução tecnológica melhorou. Em contrapartida as relações humanas pioraram.
Atualmente a senhora reside sozinha há momentos em que a solidão se faz presente?
De uma forma geral não me sinto só, sinto sim que aos sábados a tarde há uma quietude, natural do próprio dia. Nessas horas recorro ao computador, onde tenho meu facebook, e-mail, faço minhas pesquisas no Google, e para me distrair também as vezes utilizo algum jogo como paciência e caça palavras.
Qual é a sugestão que a senhora dá para a pessoa ter a longevidade com  plena saúde física e raciocínio rápido que a senhora possui?


A meu ver a pessoa deve procurar ter atividade, para não ficar pensando de forma negativa. Uma das coisas importantes em nossa vida é não guardar ressentimentos Não limitar-se a ver televisão exclusivamente, buscar uma atividade manual, enfrentar novos desafios como por exemplo  aprender novos comandos de computador, o computador não cria dependência, é a cabeça da pessoa que determina o quanto ela deve permanecer em frente ao equipamento. Se a pessoa tiver condições de sair, deve passear. Mesmo que seja uma voltinha, conversa com alguém, jamais se isolar. Tenho cinco netas, um neto e uma bisneta de três anos.  Tenho três filhos maravilhosos, com famílias maravilhosas, mas julgo ser importante ter a minha vida própria, ter autonomia. Sinto permanentemente o carinho que meus filhos têm por mim e eles sabem o quanto amo a minha família. Há uma grande diferença entre vida própria e abandono. 

WALDIR ANTONIO JURGENSEN

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de dezembro de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO:  WALDIR ANTONIO  JURGENSEN

Waldir Antonio Jurgensen nasceu a 26 de junho de 1953 na cidade de Americana, é filho de Waldemar Bernardo Jurgensen e Nair Roque Jurgensen que tiveram ainda os filhos Wagner e Waldemar. Seu pai foi industrial do ramo têxtil, da então Indústria Irmãos Jurgensen, atualmente tem a denominação de Indústria Têxtil Irmãos Jurgensen Ltda. Foi fundada em 1946. Seu pai tinha 21 anos, ele tinha um irmão mais velho Enzo Jurgensen. Foi a época em que a cidade de Americana recebeu todo apoio para que qualquer pessoa tivesse a chance de ser um pequeno empresário. Essas empresas começavam em fundos de quintais. Essa situação deve-se muito a colonização italiana e alemã que teve a cidade de Americana.

Qual é a origem do sobrenome Jurgensen?
Meu avô nasceu no Bairro dos Pires, em Limeira, o bisavô tinha vindo da Alemanha ou da Dinamarca, até hoje não sei. Fui diversas vezes no Bairro dos Pires, na entrada há um cemitério, um dia percorri todos os túmulos e contei 22 túmulos com o sobrenome Jurgensen. As datas giravam em torno de 1870, 1880. Imagino que vieram para a região antes da chegada dos italianos. (Eram alemães, contratados como parceiros na Fazenda Ibicaba, ainda em 1846 que pertencia ao senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Eles tocavam as roças bem antes da legião de italianos que tomou os cafezais paulistas nas décadas seguintes). É interessante observar que as primeiras levas de imigrantes alemães foram enviadas para o bairro rural de Parelheiros, em São Paulo, conforme descreve um jornalista que pesquisou o assunto. A segunda leva de imigrantes alemães parou em Vinhedo ou Valinhos. E a terceira no Bairro dos Pires.  Esses imigrantes tinham um bom domínio do cultivo, conseguiam produzir de forma satisfatória aos patrões. Uma característica muito particular, é que sabiam cuidar dos animais. Ninguém entendia melhor de cavalo e de cães do que os alemães. A minha avó materna era de Mantova, italiana, dizia que eles vinham para “Fazer a América”, não tinham noção de localização geográfica, os que aportaram na América do Norte, a noticia de que era um continente alastrou, só que muitos vieram para a América do Sul, pelo que imagino, não sabiam nem onde ficariam. Eram decisões políticas, o governo decidia. Os proprietários de terra tinham a propriedade de áreas inimagináveis. Nós a chamávamos de “Vó Eurides”, depois de muito tempo descobri que seu nome em italiano deveria ser Euridice. Seu marido, meu avô materno chamava-se Joaquim,de origem portuguesa. Também era agricultor, plantava café na região de Jaú. Veio a crise do café em 1929, alguém soube que haveria empregos nas tecelagens, primeiro veio o irmão mais velho da minha mãe, depois outro irmão, veio a minha mãe e meu avô após vender o sítio em Mineiros do Tietê.  Minha mãe era operaria, não concluiu o quarto ano primário. No tempo deles, quem residisse em Americana e quisesse ter um diploma tinha que estudar em Campinas. Tinha a enorme facilidade de pegar o trem da Companhia Paulista em Americana e em quarenta minutos chegar em Campinas. Muitos americanenses estudaram no Colégio São Luiz de Campinas. Formavam-se contadores, homens iam serem contadores. As mulheres iam ser professoras. Meu tio Enzo não quis estudar, meu pai foi. Minha tia Julia estudou no Colégio São José em Limeira. Como meu pai estudou,ele foi trabalhar na Nardini
Os norte-americanos, imigrantes, foram também importantes no desenvolvimento de Americana?
Sem dúvida, os sulistas norte-americanos vieram refugiados para cá, imigraram por questão política. Tinham tradição no cultivo do algodão e haviam perdido uma guerra interna, há uma curiosidade, eles ocuparam Americana, Santa Bárbara D`Oeste, Capivari, basicamente esse núcleo. Sob a minha ótica toda a região tem influência deles. Estamos falando por volta de 1870. Eles trouxeram a semente do algodão e ferramentas agrícolas como, por exemplo, o arado. Em 1860, a Guerra da Secessão nos Estados Unidos, paralisou em parte a exportação da fibra deste país à Europa. Este fato desencadeou um novo impulso algodoeiro no Brasil, que durou pouco mais de 10 anos. No Brasil se cultivava o algodão arbóreo, de ciclo perene. No século XIX, foi introduzido o algodão herbáceo, de ciclo anual e fibra curta. Imigrantes norte-americanos que se estabeleceram em Santa Bárbara, orientaram os agricultores brasileiros que não tinham experiência com a nova planta. Com isso ajudaram muito Americana, a primeira indústria metalúrgica em Americana, foi a Indústrias Nardini, fundada em 1908, fazia implementos agrícolas, quem falava em máquinas operatrizes? A fábrica da Nardini era atrás da Igreja Matriz de Santo Antonio, ocupava um quarteirão todo, os arados produzidos como não cabiam na fábrica, muitas vezes ficavam na calçada. Disso eu me lembro. Teve uma época em que eles passaram a fabricar teares, a vocação de Americana passou a ser a de ter muitas indústrias têxteis. Havia outras fábricas de teares como a Teares Andrighetti, a Rebelo a Alva. Eram excelentes máquinas na época. A Nardini passou a fazer teares, só que eles não evoluíram, o maquinário ficou obsoleto. Eles já estavam na área de máquinas operatrizes, torno, fresa, estavam começando a abrirem as escolas SENAI no Brasil e a indústria automobilística. Eles forneciam muito.
Você conheceu alguém da família Nardini?
Conheci o Sr. Afredo Nardini, que foi da segunda geração dos Nardini, até onde sei o fundador foi o Sr. Fortunato Nardini que teve vários filhos, o mais velho era Bruno Nardini, conforme a tradição italiana, o filho mais velho tinha que ser um padre, e foi o Monsenhor Bruno. Quem conduzia a empresa era o Seu Alfredo e o Seu Fortunato, irmão dele. O seu Alfredo viajava o Brasil inteiro vendendo as máquinas.
Americana já tinha a linha de trem?
Tinha, era da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, era uma linha eletrificada, um espetáculo. O Trem Azul que era o trem de luxo fazia toda a região de Araraquara, Alta Paulista, tinha outro ramal que ia até Jales, esse trem tinha vagão restaurante, dormitório, era o que a Europa tem hoje. Ele saia da Estação da Luz, passava em Jundiaí, Campinas onde tinha uma derivação para a Mogiana, depois seguia até a primeira parada grande que era em Rio Claro, onde passava por uma inspeção completa, nos compressores, material rodante, olhavam tudo. Lembro-me que de Itirapina saia um ramal que ia até Barretos, e outro que seguia em frente e passava por Brotas, Torrinha, Dois Córregos, Jaú, Bauru e ia embora. O Trem Azul era o chamado trem de luxo, os funcionários uniformizados, com gravata, quepe, muito formal. Assentos almofadados, Os passageiros também viajavam com roupas sociais, os homens usavam terno. Havia o carro de passageiros de primeira classe e de segunda classe, ambos almofadados, os carros de segunda classe tinham os bancos em um material semelhante ao plástico, mais simples. Os de primeira classe eram de tecido apropriado, lembrava muito banco de avião. Alguns horários, em algumas composições, havia o carro Pullman. Era uma composição de passageiros, com cinco a seis carros de segunda classe, três de primeira classe e um carro Pullman, nesse carro havia uma pequena mesa, em torno dela sentavam quatro pessoas, as cadeiras giravam, havia o vagão restaurante e algumas composições tinham o carro dormitório também. O restaurante não era com glamour, mas era feito com cuidados especiais. Havia o Trem de Aço, que era um trem marrom, feito com chapas pintadas de marrom. Havia os trens com vagões de madeira. Eram trens mais simples. Todos os carros possuiam lustres. Não havia banco rasgado, vidro quebrado. As peças eram todas em bronze.
O ensino primário você estudou em qual escola?
Estudei na escola mais tradicional de Americana: Grupo Escolar Dr. Heitor Penteado, onde atualmente funciona a Biblioteca Púbica Municipal. É onde faço trabalho voluntário mais de uma vez por semana estou lá. Subo as escadas e penso: aqui estudei o terceiro ano, aqui o primeiro. Onde fiz o Jardim de Infância não existe mais porque derrubaram. Ao lado existe até hoje a Igreja Matriz de Santo Antonio. Fui descobrir que o Apfelstrudel (folhado de maçã) era feito de maçã quando eu já tinha uns 15 anos. Isso porque naquele tempo onde morávamos não existia maçã. A minha avó fazia strudel de banana!
Você lembra-se da FIDAM ?
Lembro-me da 1ª. FIDAM. Em uma área total que estimo ser de uns 10.000 metros quadrados, no centro dessa área a igreja em formato de cruz estava em construção, ao lado existiam dois terrenos vazios, usado como canteiro de obras. Alguém teve a idéia de organizar a 1ª. FIDAM – Feira Industrial de Americana. Ela começou no salão sob a igreja, com espaços delimitados por divisórias de Duratex, e cada empresa ia lá e colocava o seu nome, as peças de tecidos dependuradas, nessa época já tínhamos a indústria, só que da primeira FIDAM não participamos.
Como foi o ingresso da família na produção têxtil?
No período pós-guerra existia uma empresa de origem norte americana, Tecelagem de Fitas Dr. Hans Schwartz, até hoje existe o prédio em Carioba. Meu tio Enzo começou trabalhando lá. Através do tio do meu tio Enzo ele passou a trabalhar em um quartinho, era muito comum na época, colocava-se dois teares e tinha-se uma tecelagem! Tio Enzo e papai tomaram gosto pela coisa, a fábrica começou em 1946, a primeira folha, do primeiro livro de empregados da Indústria Irmãos Jurgensen tem o Dr.Jessir Bianco foi o primeiro contra-mestre, em uma analogia a construção civil é o mestre de obras.
Que tipo de tecido era produzido nessa indústria?
O mais simples possível! Muito forro, muito algodãozinho que ia ganhar estampinha, desse algodãozinho fazia camisa, vestido, toalha. Um tear mecânico da época conseguia fabricar no máximo 800 metros por mês. Antigamente não se vendia um caminhão de tecido, vendia-se uma peça. Vender cortes era uma coisa habitual. Cresci com a minha mãe guardando em casa, pontinhas de peças, quando precisava de uma camisa levava na costureira e fazia com aquele corte. Ou então fazia em casa, a maioria sabia costurar em casa. Tecelagem, confecção e malharia são coisas distintas. Americana não tinha vocação para malharia, as confecções em grande parte concentravam-se no Bairro Bom Retiro, em São Paulo. A Rua 25 de Março em São Paulo era em sua maioria lojas de tecidos.
O seu pai estudava a noite em Campinas?
Ele estudava contabilidade a noite, em Campinas, voltava no trem que acho que chegava a meia noite em Americana, ele não tinha como abrir a fábrica de manhã. Quem abria a fábrica era o Dr. Jessir. Quando meu pai concluiu os três anos de Escola São Luiz, o Dr. Jessir prestou vestibular na primeira turma da PUC para Direito. Em 1952 Dr. Jessir e Diógenes Gobbo, juntos com o Mantovani, fundaram o jornal “O Liberal”. É até hoje o jornal mais importante da cidade. De contramestre o Dr. Jessire passou a ser o advogado da empresa. Os acertos de demissão de empregado eram acertados no escritório. Tinha que haver um motivo muito forte pêra o funcionário sair da empresa. Era uma relação muito equilibrada entre a empresa e o funcionário. Americana prosperou muito, todo mundo ganhou dinheiro. Ruas asfaltadas com toda infra-estrutura. Para instalar uma empresa, entrava na prefeitura com um papel e saia com a empresa autorizada a funcionar. Meu pai começou a construir um prédio, onde hoje funciona uma delegacia de policia, na região central, na Rua Dr. Candido Cruz, eu morava com a minha avó, meu pai não tinha casa para morar. Ele construiu o prédio da fábrica para poder por os teares. Meu pai construiu a cozinha, o quartinho, do lado do escritório, no meio da fábrica, para você sair do escritório e ir para a sala de panos passava pelo meio da casa. Vendedores, clientes que vinham de fora, almoçavam em casa. Não sei como a minha mãe fazia ela tinha que se virar. Minha mãe era operária. Ela começou a trabalhar na tecelagem, foi a sorte do meu pai. Ela aprendeu a ser urditriz, que fazia os rolos de urdume, A máquina que realiza esse processo chama-se urdideira. Urdume são os fios no comprimento do tecido. Um grande carretel, até hoje chamados de rolos. Com diversos comprimentos: 500, 600, 1000 metros. A trama é feita com os fios da largura, que é feita com a lançadeira.
Você tem em sua casa muitas peças feitas com tecidos  fabricadas pela sua empresa, qual é a sensação de estar utilizando algo feito por você desde o inicio?
Eu sou também Técnico Têxtil formado pelo SENAI juntamente com a minha esposa Valdeci Borsato Jurgensen, o pai dela trabalhou na empresa Dierberger no setor de frutas do Mercado Municipal de São Paulo. O meu sogro veio para Limeira com a função de construir um viveiro de mudas para o Dierberger, a Fazenda Moinho Azul era de propriedade de um senhor chamado Fisher, cliente do Dierberger, um dia ele convidou o meu sogro para tomar conta da sua fazenda. A distância da fazenda até Americana era de 12 quilômetros, estudamos Valdeci e eu, na mesma escola, Instituto de Educação Presidente Kennedy, a Valdeci formou-se e passou a trabalhar na própria escola como professora. O meu sogro permaneceu na fazenda, mas não por muito tempo. Veio uma pessoa chamada Dr. Waldemar Clemente com sua esposa Lita Clemente. O Waldemar juntou com a Lita e constituíram a Walita. O Dr. Waldemar era filho de um fazendeiro de Monte Mor, ele estudou engenharia no Mackenzie em São Paulo e especialização na Alemanha, onde conheceu Dona Lita, casaram-se e vieram para o Brasil. Na época todo industrial tinha que ter uma fazenda, ele adquiriu a fazenda do Fischer, uma área de 540 alqueires as margens da Rodovia Anhanguera.  A Walita começou na Vila Mariana, em São Paulo, conheci pessoas que trabalharam lá. O Dr. Waldemar criou dentro da Walita uma divisão fabricando alternadores de carros, a Wapsa. O crescimento da Wapsa incomodou a Bosch, que adquiriu a Wapsa.
Voltando para a tecelagem Indústria Irmãos Jurgensen, qual foi a próxima etapa?
Meu pai foi àquela pessoa que gostava de aproveitar todos os cursos que surgiam, logo depois que ele formou-se em Campinas, em Americana surgiu a primeira escola para formar professores, a Escola Normal. Quem veio para dirigir a escola foi a  Professora Aparecida Paioli. Era uma senhora solteira, advogada, que sabia dirigir uma escola como ninguém. Ele formou-se na primeira turma, como professor, lecionou por um período como professor do Estado.
Como era a fábrica?
Ainda criança eu andava pela fábrica toda, mexia na espuladeira, fazia os tubetes de trama, espula é o tubete com fio.
Quantos cones cabem em um tear?
Depende do tamanho da gaiola da urdideira. Gaiola é uma armação de ferro com pinos, tinha uma metalúrgica,a Denadai, que construía, faziam de tudo, vários equipamentos de teares, tudo era feito em Americana. O cliente encomendava: “- Preciso de uma gaiola com 800 fusos”. Fusos são os pinos onde são colocados os cones com a linha para ser tecida.
Os motores funcionavam com energia elétrica?
A transmissão era feita por um sistema de correias, a energia elétrica tinha a vontade em Americana, já havia a Usina do Salto Grande. Foi um período em que tudo favoreceu, os tecidos eram despachados pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. A primeira transportadora rodoviária “Americana” começou com um caminhãozinho.
A AVA já existia?
A AVA- Auto Viação Americana era um modelo de transporte urbano. A linha mais longa dela era Campinas, Santa Bárbara D`Oeste, Piracicaba. Era uma epopéia sair de Campinas e vir até Piracicaba. A AVA foi incorporada pela Viação Piracicabana. Estudei na Escola de Engenharia de Piracicaba, onde me formei, vinha pela AVA, descia em frente a ESALQ, ali conseguia uma carona até a Escola de Engenharia. Isso no tempo da “Estrada Velha”, vinha por Tupy, Caiuby, a SP-304 não estava pronta ainda. De Americana à Piracicaba era uma hora de viagem.
Em que ano você entrou para a Escola de Engenharia de Piracicaba?
Fiz ginásio e colégio do Estado em Americana, depois um ano de cursinho no Anglo Latino em São Paulo, situado a Rua Tamandaré. Fui para São Paulo com 17 anos, pelo fato de ter jogado basquete pelo Rio Branco e praticado natação para o mesmo, já tinha a carteira de identidade..

Waldir você foi fazer o curso preparatório no Anglo Latino, em São Paulo, para ingressar na Escola de Engenharia.
Fui fazer a matrícula no cursinho, situado a Rua Tamandaré, com meu tio Enzo e minha mãe, fomos de Kombi, ele ia fazer uma entrega em São Paulo. O terceiro ano do Curso Científico fiz no Colégio Metodista de São Paulo, na Liberdade, a entrada era pela Rua Fagundes. O meu pai tinha uma tia, Corina Durante, que morava na Rua Barão de Iguape, juntamente com uma filha e um filho, o Roberto, com quem passei a dividir o quarto. Posso afirmar que a tia Corina foi a minha mãe por um ano. Ia a pé para o cursinho, as aulas começam às sete horas da manhã, quando fechavam o portão, eu andava um pouquinho mais de meia hora até chegar. As aulas do cursinho terminavam, a uma hora da tarde chegava em casa e passava a tarde estudando. Os exames simulados eram domingo pela manhã, só restava o domingo a tarde para descansar. Vinha à Piracicaba uma ou duas vezes ao mês. Isso era no tempo do MAPOFEI - foi um vestibular criado em 1969 para a área de Exatas nas universidades Instituto Mauá de Tecnologia (MA), Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (PO) e Faculdade de Engenharia Industrial (FEI). Ao fazer o vestibular tinha que colocar a ordem da escola que você queria. Entrei em Barretos, onde morei por dois anos, fiz o Tiro de Guerra lá, morava em república. O Tiro de Guerra ficava ao lado da faculdade. Às cinco horas da manhã estava no Tiro de Guerra, recebia as instruções, voltava para casa, trocava a farda e ia para a faculdade. Estava no segundo ano da faculdade, insatisfeito, pela distância, eram 300 quilômetros, eu desconhecia a existência de uma faculdade de engenharia em Piracicaba, encontrei um amigo, o Marton, que disse estar estudando na Escola de Engenharia de Piracicaba. Um dos professores que dava aula em Barretos, também lecionava em Piracicaba, o professor de Calculo I, Justino Castilho.  Fui falar com o secretário da escola, Luiz Romanelli. O Professor Justino morava em Limeira, meu pai conseguiu entrar em contato com ele. O Professor Justino de uma atenção muito grande. Coincidiu de no próximo sábado haver uma prova de seleção para alunos que desejavam a transferência. A prova foi aplicada pelo Professor Sady Previtalli, em um sábado a tarde, no período de férias escolares. Deu uma questão só, teve gente que pegou, olhou, devolveu. Fiquei lá, acredito que fui o último a entregar. No dia marcado, fui até a secretaria o Luiz Romanelli mandou trazer uma relação de documentos. Fui buscar a documentação em Barretos. A primeira aula de estatística que fui assistir na Escola de Engenharia de Piracicaba já era prova, o tramite dos documentos me impediram de ingressar antes. Tinha perdido três semanas de aulas. Em 1977 me formei em engenharia civil.
Você teve aula com o professor João Chaddad?
Tive. Na época ele estava construindo o Edifício Orsini. Ele construiu 18 edifícios em Piracicaba. Vivi três anos para a escola, não fiz outra coisa a não ser estudar.
Depois de formado você foi trabalhar em qual empresa?
Fiz algumas prospecções e acabei indo para o Rio de Janeiro. Em uma das maiores construtoras do país recebi a proposta para ir trabalhar em Tucurui, no Pará. Na época era uma localização inóspita. Sei que mandei muitos currículos, montei meu escritório, fazia pequenos projetos, acompanhava obras. Tinha outros dois sócios. Um deles prestou concurso e entrou em uma autarquia. Outro sócio decidiu ir acompanhar a empresa que a família tinha em outro ramo. A essa altura, meu tio Enzo já tinha se aposentado, meu pai ainda não. Foi quando fui convidado por ele para ir trabalhar na fábrica de tecidos. Quando percebi já estava envolvido no processo. Meu tio Enzo e meu pai fizeram um acerto financeiro, e a fábrica passou a ser propriedade do meu pai. Foi um período bom, final dos anos 70, começo dos anos 80, Americana estava muito bem. A nossa situação era difícil, isso porque não éramos pequenos, em contrapartida havia as grandes indústrias, a melhor época para a tecelagem em Americana foi em 1985, época em que o Sarney era o Presidente da República. Ele criou uma coisa na economia, que até hoje ninguém sabe o que aconteceu, a prefeitura de Americana tinha dinheiro sobrando, contratou a empresa Camargo Correia para fazer um canal no centro da cidade, foi construída a Rodoviária, o Teatro Municipal. Lembro-me que o Mario, nosso contador, no inicio do ano seguinte disse: “Waldir ! Esse foi o ano em que vocês mais pagaram imposto!”. Todo mundo ganhava dinheiro, você via o empregado contente, o contramestre nosso, que era a pessoa que tocava a fábrica, compramos uma casa em frente a fábrica e demos para ele morar, para não ter nem a preocupação de vir para a fábrica.
Vocês tinham clientes no Brasil todo?
Tínhamos. Quando alguém ia começar uma tecelagem, fazia o pano mais simples que existia que era o forro. Os famosos “forros de manga”, feitos com fio de acetato, a pessoa enfia o braço ele desliza; O meu pai passou a fazer forros para alfaiataria, os vestidos eram forrados, tudo era forrado. Em todas as indústrias sobravam restos de fios, eram juntados e vendidos como sucata, meu pai descobriu que se criasse uma linha inferior de forro com os restos dos fios, dava para vender forros para funerárias, não tinha quem quisesse fazer isso, meu pai com restos de fio ia fazendo, as funerárias do Brasil inteiro compravam. Uma, duas, pecinhas, mandávamos. Da Du Pont nós só comprávamos um tipo de fio chamado nylon cordura. Era um fio grosso, da chamada linha industrial, essa foi a linha mais evoluída que nós tivemos em termos de tecnologia. Tecido industrial vai na lona de pneus, lona de correia, tênis, mochilas. Vendemos muito para a MAGGION PNEUS e CORREIAS. A CINASA usava também para impermeabilização de viga-calha, tínhamos que cortar tudo em rolos estreitinhos para mandar para eles. A Correias Universal de Várzea Paulista comprou muito conosco. Houve um período em que fornecemos muito para Franca, para sapatos de lona. O grosso dessa linha industrial era para Curitiba e Rio Grande do Sul. Você não imagina a quantidade de fábrica de malas que havia em Curitiba. Americana era sinônimo de prosperidade, não pelos metros que eram feitos, mas sim pelo quanto de estoque existia, Isso em todos os segmentos, havia uma marcenaria pequena, mas o estoque de madeira que ela possuía era imenso.
Vocês só tinham a tecelagem?
Basicamente sim, tínhamos algumas máquinas para fazer preparação com fios, não tínhamos a parte de tingimento e estamparia. O nosso sonho era ter uma tinturaria. As vezes colocávamos um tecido em uma tinturaria ficava dois meses para ser tingido. Imagine o estoque que você tinha que ter. Era antieconômico. Não existe teoria de economia que explique ficar com um giro desse parado. Além disso, a anilina utilizada, conforme a qualidade influencia na qualidade do tecido, quando ele chega da tinturaria é praticamente impossível saber qual a qualidade da anilina utilizada, só com o uso é que o consumidor ficará sabendo. As ramas eram todas iguais, a água, fixadores, muitas vezes pagava-se por um serviço que não havia certeza da qualidade. Decidimos montar uma tinturaria, Fiz o projeto, com todas as especificações técnicas. A prefeitura não aprovou. Americana não tinha mais condições de oferecer água para novas indústrias. Quando aconteceu esse fato fui até a Associação das Indústrias, por um período de tempo ela tinha cotas de água destinadas à industria, na época não adquirimos nenhuma, não pensávamos ainda em colocar a tinturaria. As cotas tinham acabado apenas o prefeito poderia liberar. Fomos falar com o prefeito, um médico, Dr. Waldemar Tebaldi, tinha aversão a empresários, ele que expandiu a parte iurbana de Americana, até ele entrar não se construia em terreno com cinco metros de frente, Dr. Tebaldi liberou a construção em terrenos de cinco metros de frente. Acabou todo urbanismo da cidade. A partir do memomento que ele liberou os terrenos as ruas passaram a ter 12 metros e não mais 14 metros, esses bairros não tem qualidade de vida. O morador faz a garagem, as guias são todas rebaixadas, se você chegar de carro vai parar aonde? Se tiver um evento, um aniversário como é que faz?Vai parar aonde? Há bairros inteiros assim. Fui contra isso. Diseram-me que na Europa tem. Só que a realidade é outra. Americana não precisava disso. Imagine a rede de água para atender aquela quantidade de casas? O sonho dele era fazer um hospital. De fato existe um hospital que leva o nome dele, só que hoje vejo que é uma das razões que afundou Americana, não tem orçamento que consegue bancar um hospital. O diretor clinico do hospital era o Dr. Helio, que foi prefeito de Campinas. O sonho do Dr. Tebaldi era fazer um hospital para atender gratuitamente. Infelizmente perderam o controle, o hospital passou a atender pacientes de cidades vizinhas, e Americana arcando com os custos. Na minha visão hospital tem que estar sob a responsabilidade do Estado ou da União.
E vocês como resolveram o problema da água?
Adquirimos um terreno no municipio vizinho de Nova Odessa, ao lado da represa, com água a vontade. A tinturaria foi para lá. A Toyobo de Americana fazia o melhor fio de algodão do mundo. Era a perfeição. Não sobrava, era muito dificil conseguir uma cota para comprar deles, exportavam tudo. A Toyobo começou com a fiação, depois no Alto de São Domingos montou uma tecelagem grande, alta produção. Ao lado da tecelagem montaram uma confecção a Grand Smash, o resto de algodão, o que sobrava eles montaram uma fábrica de meias, faziam nylon, como nós fazíamos, faziam malharia, tudo que era da área espoprtiva.
Existe ainda a Toyobo?
Infelizmente fiquei sabendo que a empresa está fechando, foi no dia em o nosso presidente estava no Japão convidando as empresas japonesas a investirem no Brasil. A fibra acabou, a Polienka multinacional holandesa acabou, faliu.
Voce ainda mantém a empresa?
Não, fui sócio com os meus irmãos por 16 a 17 anos, de 1978 até o dia do Plano Real, em 1994. Nesse dia comecei a minha empresa, parei  agora em 2011. Esperei o ultimo empregado conseguir um emprego.
Como a música entrou em sua vida?
Meu pai na sua juventude tocou na primeira orquestra que teve em Americana. O Colégio Piracicabano tinha um orfeão o regente chamava-se Germano Benencase. Italiano, nascido a Vietri-sul Mare a 9 de abril de 1897, morava em Americana e era sogro do meu tio Enzo. Lembro-me até hoje quando Villa Lobos esteve no Colégio Piracicabano. O maestro Benencase era compositor, professor de violino, regente auto didata. Fez músicas conhecidas, editadas. Não tinha ainda  a Escola de Música  Piracicaba. O Maestro Benencase dava aulas também no Educandário Divino Salvador de Americana. Era um professor de música que ensinava solfejo, canto e instrumento. Meu pai tinha aulas de violino com ele. O filho dele era violinista e regente, montou uma orquestra em Americana, meu pai tocou nessa orquestra. Que eu sei foi a primeira orquestra de Americana: “Orquestra de Cordas de Americana” tenho as partituras guardadas até hoje.
Você perguntou como eu entrei na música
O violino ficava em cima do guarda-roupa em casa, eu nem me atrevia a chegar perto dele porque tocar violino era coisa de gênio. O maestro italiano, o músico italiano, só ele tinha o conhecimento, não podia se falar em frente a ele. Música era Verdi ! No máximo um Villa Lobos! O clima era esse. Eu estudava piano, nunca toquei nada para ele. Não me atrevia a chegar lá e tocar.
Quem dava aulas de piano para você?
As professoras da cidade, entre elas Elisete de Camargo Neves. Comecei a tocar com cinco a seis anos, entrei no Jardim da Infancia não sabia escrever o nome mas já tinha o caderninho de música. Era moda: toda casa tinha um piano!  Mulheres praticamente só tocavam piano. Não eram vistas com bons olhos as que tocavam violão. Violino não era um instrumento, era um troféu! Eu fiz uns 4 ou 5 anos de piano, eu sabia ler do meu jeito: clave de sol; clave de fá; tirava a música mas demorava. O Jardim da Infancia era uma coisa em que contava-se uma historia para o aluno desenvolver, não ia direto na fórmula, na lousa. As aulas de piano eram assim. A Elisete puxava a partitura e mandava tocar essa frase. A segunda vez eu não olhava a partitura isso é aprender a tocar de ouvido. É valido? Sim!O compositor parte dai para escrever. Resultado: anos 60, você ligava unm rádio, ouvia Jovem Guarda.
E Bossa Nova?
Lembro-me de que as primeiras coisas que ouvi de Bossa Nova questionei-me: “-Espere um pouco. Essa música é diferente!”. Lembro-me da primeira vez que ouvi “Garota de Ipanema”. Eu era garoto, sentava ao piano e tocava.  Ouvia-se muito rádio. Em Americana só tinha uma: Rádio Clube de Americana,AM, o gerente era Geraldo Pianhanelli, a rádio era dos irmãos Duarte. Saiu um disco dos Beatles, alguém tinha, nós não tinhamos dinheiro para comprar, eu estava em uma calçada de um barzinho, conversando, quando chegou de São Paulo o Castro dizendo: “-Gente, olha o que eu comprei!”. Era um disco de vinil, compacto, não me lembro se era uma ou duas musicas de cada lado do disco do Sgt. Pepper's. Beatles. não tocava na rádio, demorava para chegar. Iamos a casa de algum colega para escutar. Fazíamos a festinha americana, cada um levava um prato com alguma coisa, colocavamos a música tocando e nos reuniamos, garotos e garotas. Toda casa tinha piano, nas festas de aniversário, sobrava para mim a tarefa de tocar. Foi inaugurada a piscina, a quadra de futebol de salão, a quadra de basquete, a quadra de hoquei,  do Clube Rio Branco, na decada de 60, e tinha o Salão de Baile que todos os sábados tinha soirée, com 14 anos podia ir. O Clube Rio Branco fez o maior sucesso, pegou uma diretoria espetacular. Com o ginásio do Rio Branco , larguei o piano, minha mãe não gostou quando troquei o piano pelo esporte. Passava o dia inteiro no Rio Branco. O Ginásio Estadual Presidente Kennedy ficava ao lado do Clube Rio Branco, a tarde quando terminava as aulas ia pegar uma piscina. Naquela época quem estudava no Kennedy usava paletó e gravata, trocava de roupa, punha o “calção” saia da piscina, colocava o uniforme de novo e ia embora. Foram anos assim. A parte de esportes do Rio Branco desenvolveu-se muito,  Americana teve um time de Hoquei de Patins que era excelente, vinha a Portuguesa de Desportes jogar em Americana.
O hoquei é um esporte de elite?
O equipamento era caro. É um esporte violento porém bonito de se ver.
Como você tornou-se um violinista?
Um dia eu estava na fábrica, apareceu uma pessoa o Sr.Agostinho Campaner Paparotti, eu o conhecia, ele tinha uma marcenaria, queria falar com o meu pai. Eu ouvi de longe os dois conversarem, o Agostinho dizendo ao meu pai “- Porque você não volta?” Passaram-se uns dias, tocou o telefone novamente, a fábrica tinha só um telefone, o número era 1871, ficava na minha mesa, não tinha ramal. Era o Seu Agostinho procurando pelo meu pai. Meu pai não gostava de dirigir, ele disse-me: “- Você precisa me levar na marcenaria do Agostinho”. Quando cheguei encontrei um local com um grande número de peças de violino, arco de violino, violoncelo,tinha até uma harpa. O homem era um luthier! Do outro lado havia uma banca com um senhor italiano, já idoso, trabalhando, escavando as madeiras. O Seu Agostinho era um músico amador, que nunca tinha abandonado a profissão. Era um músico amador que depois passou a ser profissional integrante da Orquestra Sinfonica de Americana, tocava junto com o musico de renome internacional, Paulo Celso Guimarães de Souza. Eu freqüentava os concertos, gostava muito de ir também para os concertos da Orquestra Sinfônica de Campinas.
O seu pai teve uma atuação marcante junto a comunidade em Americana?
Ele trabalhou por mais de 30 anos para a Igreja Santo Antonio, era da comissão das festas do mês de junho, a Igreja Católica fundou uma orquestra em uma creche em Americana, a “Creche Irmã Doracina Saraiva”.
Como era o Seu Agostinho?
Era muito hospitaleiro, tinha tempo para tudo, dizia: “- Venha aí na hora em que você quiser!”. Lembro-me que voltei um dia, ele tinha umas ferramentas que eu nunca tinha visto na vida, goivas, entalhamento de madeira, consertava uma harpa, aqueles chaveamentos, aquilo encanta. Um sábado fui até lá, Seu Agostinho disse-me que estava cansado de convidar o meu pai para voltar a tocar, perguntou-me se eu não tocava nenhum instrumento, disse-lhe que tocava piano. Ele disse-me: “Vem ai! Eu te ensino alguma coisa de violino!” Resultado: comecei a fazer aulas com ele, do zero! O tempinho que sobrava aos sábados, lá pelas três horas da tarde eu ia para lá. Um sábado o Agostinho disse-me: “-Waldir! Eu preciso ir para Salto tocar! Vai ter um concerto! Você quer ir comigo?” Ele não falou com todas as letras, mas era para que eu fosse dirigindo o automóvel. Teve um domingo que ele me disse: “- Waldir, eu preciso ir para São Paulo, preciso fazer aula com Altea Alimonda”. Uma noite Seu Agostinho disse-me: “ Esta começando uma orquestra em Piracicaba, você não quer me levar?”. Viemos, foi na casa do Seu Waldir Belluco, estava presente Justo Moretti Filho. Foi ele quem nos orientou em um episódio em que a carteira do CREA veio incompleta, Ele era professor da ESALQ e Conselheiro do CREA. Ele me convidou para participar da orquestra. Lembro-me da primeira vez em que pisei em um palco, no Teatro Dr.. Losso Netto. Eu pisei no palco tremendo. Tudo é experiência na vida.  Seu Justo Moretti me incentivou a ter aulas com o Seu Waldir Belluco. Fiz aulas com ele por seis ou sete anos, tivemos um regente que um dia disse: “-O Lar dos Velhinhos vai fazer 95 anos, vou levar o coral para lá e preciso levar a orquestra também”. Domingo de manhã, quando entrei, vi aquela igreja, o lago, pensei: “-Mas que lugar!” Piracicaba tem um lugar desses!”. Depois de um mês meu sogro estava morando no Lar dos Velhinhos  de Piracicaba. Ele saiu bem mal de Americana, a Irmã Hilda que cuidava dele, ela não é uma Irmã, é uma Santa. Ele sarou, tivemos que comprar roupas novas, ele engordou, nada mais servia. Passou a ter qualidade de vida, andava para todos os lugares. Cheguei um dia no Lar, perguntei pelo meu sogro: “ Cadê Seu Alcides?”.Responderam-me que ele tinha saído. Retruquei: “ –Mas não está autorizada a saída dele sozinho!” . A pessoa  disse-me: “ Ele saiu com o Dr. Jairo Ribeiro de Mattos!” então presidente do Lar dos Velhinhos.  Dali a pouco apareceram os dois, Dr. Jairo descobriu que ele tinha trabalhado a vida toda na Fazenda Dierberger, ficaram grandes amigos.



JOVELINA GOIA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 24 dezembro de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/


ENTREVISTADO: JOVELINA GOIA
Ao relatarmos sobre Jovelina Goia, estamos trazendo a tona parte da história recente de Piracicaba. Um dos pontos que desperta lembranças é a saga de “Ao Cardinali” há períodos em que as narrativas se entrelaçam. “A trajetória empresarial de “Ao Cardinali” iniciou-se em 1 de janeiro de 1936, quando o casal Augusto e Ida Cardinali estabeleceram-se na Avenida Conceição,19, antiga Avenida Rui Barbosa,129, na Vila Rezende. O casal permaneceu com essa atividade até o ano de 1949, quando no dia 9 de julho, estabeleceu-se na mesma Avenida Conceição,13, com a denominada “Casa Imaculada Conceição”, no ramo de comércio de louças e presentes. No ano de 1951, no mês de novembro , abriu a filial da Rua Governador Pedro de Toledo,784, permanecendo até o ano de 1995, transferindo-se em seguida para a Rua Governador Pedro de Toledo, 826 contando sempre com a colaboração do seu filho Irandir (Didi) na direção da empresa, da filha Arlet e também do neto Irandir Junior. No ano de 1969, dia 20 de abril, um incêndio devorou todo o estabelecimento, passando a atuar na mesma Rua Governador Pedro de Toledo, esquina com a Rua São José, imóvel pertencente a família Luciano Guidotti, até o mês de dezembro do mesmo ano, retornando ao prédio da Rua Governador Pedro de Toledo,784 , totalmente remodelado. “Ao Cardinali” tornou-se celebre por estar voltada para artigos para presentes, cristais, porcelanas, artigos em inox, peças para decoração e utilidades domésticas, sempre com o lema de bem-servir e transparência nas operações comerciais, contando com uma equipe de colaboradores, atentando sempre para o bom atendimento. Pertence a família de Irandir, sua esposa Eudacil e a filha Iraneuda. Essa nota foi distribuída, mencionando o ano de 1991”.
Jovelina Goia nasceu a 7 de novembro de 1946 no bairro rural de Santana, em Piracicaba, filha de Oscar Goia e Otilia Cristofoletti Goia que tiveram nove filhos: Jovelina, Ana Maria,Olivia Carmem, Roque Caetano,Luiz André, Aparecida de Fátima, Deucida, Luzia e Dorival. Seu pai foi agricultor, cultivava arroz, melancia, feijão, ervilha até que nos últimos anos cultivou cana-de-açúcar. 
Naquela época desde pequenos já ajudavam o papai e a mamãe?
A partir dos sete anos, ia para a escola, voltava e já ia ajudar o pai e a mãe. Tinha uma avó que era da família Vitti e outra das minhas avós era Cristofoletti, ambas descendentes de tiroleses. Eu freqüentava o Grupo Escolar Dr. Samuel de Castro Neves.
Essa escola tinha também alunos do bairro vizinho de Santa Olímpia?
Eu acredito que sim, havia certa disputa entre os dois bairros, desde aquela época. Acredito que com o passar do tempo essas disputas, que eram até saudáveis, foram diminuindo.
Em Santana a senhora estudou até que série?
Até a terceira série. Eu era muito magrinha, meu pai tirou-me da escola por precaução levava uma hora a cavalo para chegar até a escola. Quando chegava à minha casa tomava um lanche, não me alimentava bem. Depois fiz o quarto ano noturno, em Santana, meu pai fez comigo para que eu fosse. O sítio era do Seu Antonio Gadotti que tinha um açougue na Vila Rezende, na Rua Primeiro de Agosto.
A senhora ia a cavalo sozinha?
Íamos eu e minha irmã.
Como chamava o cavalo?
Era uma éguinha, a “Pampa”, pintadinha de branco e marrom. Era mansinha, tenho muita saudade dela. Enquanto estávamos na escola ela ficava na casa de um padeiro que era vizinho do grupo escolar.
O seu pai estudou o quarto ano primário com a senhora?
Estudou comigo! Ele já tinha estudado anteriormente, mas foi comigo só para que eu fizesse o quarto ano noturno. Lembro-me que a professora que lecionava no quarto ano noturno era Dona Isabel Vitti. Havia também a professora Raquel, que era professora substituta. Eu a adorava. Outra professora era a Dona Dirce. Nessa época tínhamos mudado para próximo da escola, cerca de 50 metros de distância.
Naquela época ao completar o quarto ano primário já se encerravam os estudos e ia trabalhar?
Exatamente! Fui trabalhar com o papai na roça. Nessa época trabalhávamos com arroz, feijão, melancia, milho. Plantávamos, cuidávamos e colhíamos. Meu pai passava com o arado, ia abrindo a cova e nós íamos atrás plantando. Com o pezinho íamos cobrindo as sementes com terra. Nós morávamos no meio de uma invernada, os bois eram para serem abatidos. As vacas tinham crias, mas eram muito bravas. Se não estou enganada, minha mãe adquiria leite de cabra de alguma vizinha. Ou comprava leite de vaca, mas de outra pessoa. Nessa época já éramos cinco filhos.
E os pratos italianos, como eram?
Havia muita fartura, macarronada, polenta, nunca faltou nada. Não havia o luxo que existe atualmente. Tínhamos carne de porco, de frango, fazíamos lingüiça, fritava a carne do porco e deixava dentro da lata de gordura. Era assim que se armazenava, não havia geladeira. Depois à medida que comíamos, tirávamos e colocávamos para fritar na panela. Era uma comida saudável. Não se falava em colesterol e demais índices indicadores de gordura. Trabalhava-se muito.
Vocês vinham muitas vezes para a cidade?
Vínhamos poucas vezes. Papai vinha, fazia as compras e levava para casa. Comprava-se o essencial: sal, açúcar pegava na usina, coisas que não tinha mesmo em casa. Praticamente tínhamos tudo lá. Verduras, alface, cenoura, tínhamos uma horta.
O seu pai vinha para a cidade de charrete?
Ele vinha de charrete até o “caiapiá”, (acredita-se que tenha essa denominação derivada de “calepiá” por sua vez derivada de eucaliptal ).era aonde carregava-se cana de açúcar nos vagões de trem do Engenho Central.  Na estrada que liga Piracicaba a Charqueda, ali ele vinha, deixava a charrete e o cavalo na casa de um tio, que era da família Zambon. Ele pegava o ônibus da Trevisan e vinha para Piracicaba. Propriedade de Egisto Trevisan (A Viação Trevisan, em plena atividade desde 1954, foi fundada pelos irmãos Egisto Trevisan, Lazaro Trevisan e Antonio Trevisan). Em Santana conheci um moço e acabei casando-me com ele e vim morar em Piracicaba. A partir daí eu ia até a casa dos meus pais só para passear, eles tinham mudado para a Vila Santa Luzia, conhecida também como Tabela do Recreio.
A senhora passou a trabalhar em Piracicaba?
Comecei a trabalhar quando faltavam quinze dias para inaugurar o Hotel Beira Rio. Eram cinco andares.  Entrei como camareira, arrumava os quartos do segundo andar, era um hotel luxuoso para a época. Lá eu também tomava as minhas refeições, eu morava pertinho, na Vila Rezende. Permaneci no Hotel Beira Rio por dois anos e oito meses. O serviço em hotel exige muito do funcionário, embora obedeça a uma escala, trabalha-se aos sábados, domingos. O proprietário era Seu Antonio José Martins, o “Toninho Beira Rio”.  Ele veio de Curitiba. O seu filho tem o Antonio`s Hotel.
A senhora saiu e foi trabalhar aonde?
Fui trabalhar na casa de Dona Amélia Guidotti, esposa de Luciano Guidotti, na época já havia falecido. Trabalhei oito anos com ela. Eu conheci o Prefeito Luciano Guidotti, porque tinha minhas amigas que trabalhavam lá há muitos anos, eu ia visitá-las e conseqüentemente as vezes o via. A casa situava-se na Avenida Independência esquina com a Avenida Saldanha Marinho. Ali morava Dona Amélia, a sua filha Lucia Cristina ao lado, o Seu Wilson Guidotti, pai do Balu Guidotti, do outro lado.
Como era a Dona Amélia?
Maravilhosa! Eu sempre dizia para ela que a tinha como minha segunda mãe. Aprendi muito com ela. Entrei como arrumadeira, tinha cozinheira e uma babá que era para os netinhos dela. Nessa época ela já morava no Edifício Tapajós.
 Dona Amélia comentava alguma particularidade do Comendador Luciano Guidotti ?
Ela falava que ele deitava na cadeira de balanço e dormia. Ela dizia: “- Nossa Luciano!  Você mal encostou e já está dormindo!” Ele respondia: “-É a consciência tranqüila!”
Por que a senhora deixou de trabalhar para Dona Amélia?
Eu queria t5rabalhar no comércio. Eu estava doida pelo comercio. Queria entrar na Drogasil. Existia a Farmasil e a Drogasil. Era três farmácias da rede na Rua Governador Pedro de Toledo. Dona Amélia dizia: “–Você vem amanhã almoçar comigo!”. Na hora do meu almoço na Drogasil eu ia ao Edifício Tapajós, que ficava a uns quatro ou cinco quarteirões. E gradativamente fui espaçando esses almoços. Eu a adorava. Aprendi muita coisa com ela, ela às vezes perguntava se eu ia demorar muito na cozinha, e convidava-me para sentar junto a ela para assistir televisão. Foi e época em que a filha dela mudou-se para o apartamento debaixo.
Em qual dos estabelecimentos da Farmasil a senhora foi trabalhar?
Fui trabalhar como caixa na Farmasil denominada Nova Piracicaba, situada entre a Rua XV de Novembro e a Rua Rangel Pestana. Era ao lado da Lojas Riachuelo.
Como era trabalhar no caixa?
Eu transpirava de baixo em cima! Ficava nervosa quando via fila no caixa. Meu gerente, Seu Antonio, dizia: “- Você vai prestar toda a sua atenção no primeiro cliente que estiver a sua frente! Cobra volta o troco direitinho. Depois vem o outro! Não veja a fila!” Isso no tempo daquela abençoada máquina registradora que tocava campainha quando cobrava. Fazia um barulhinho característico e abria a gaveta. Eu queria ter um salário melhor, passei a ser perfumista. Cuidava dos perfumes e atendia os clientes que desejassem perfume.
O que é necessário para ser uma perfumista?
Não sei! Entrei de olhos fechados!
Como identificar o perfume ideal para cada pessoa?
Normalmente a pessoa já estava determinada a adquirir o produto que ela desejava. Uma das características é que eu trabalhava maquiada. Usava-se um sapato com um salto médio, usava calça cumprida e um casaquinho, comprido e com manga até abaixo do cotovelo, tinha gola, No pescoço usava um lencinho. Não havia ar condicionado, apenas ventilador. A loja “Ao Cardinali” tinha convenio com a Drogasil eu via o que as funcionárias de “Ao Cardinali”gastavam na Drogasil, logo conclui que o salário deveria ser muito bom. A Arlet Cardinali, irmã do Irandir (Didi) Cardinali, convidou-me para trabalhar em “Ao Cardinali”. Nessa época o gerente da Drogasil era o seu Elcio. Após uns dois meses fui trabalhar em “Ao Cardinali”. Nessa época ainda estavam em “Ao Cardinali” o Seu Augusto Cardinali e Ida Siviero Cardinali, pais do Didi , da Arlet, Augusto Cardinali Junior, esses três filhos ficavam na loja, os demais filhos tinham atividades fora da loja.
Por muitos anos “Ao Cardinali”  dominou o mercado de presentes finos em Piracicaba.
Foi criada uma tradição, o fato de dar um presente com a etiqueta “Ao Cardinali” já estava chique. Fiz muitas amizades quando trabalhei lá. As famílias Dedini, Ometto, todo pessoal da alta sociedade piracicabana comprava em “Ao Cardinali”. É interessante observar que as pessoas de menos recursos também compravam lá, havia facilidades para realizarem o pagamento. Havia o crediário com cinco a seis pessoas trabalhando  nesse setor. Vendia-se muito para empresas, todos os restaurantes adquiriam produtos com eles: copos, pratos, taças. O Restaurante Mirante adquiria tudo que necessitava em “Ao Cardinali”. Aceitávamos encomendas. Se dois pratos do aparelho de jantar quebrassem, nós providenciávamos a reposição. Havia uma grande confiança por parte do cliente em nossas orientações. Caso a pessoa precisasse dar um presente a alguém, seja aniversário, casamento, ou outra ocasião especial, éramos instruídas como agir. Direcionávamos o presente e o cliente para o mesmo sentido. Conforme a situação e a posição social do cliente e do presenteado, e as possibilidades de comprar. Era feita uma rápida análise e tínhamos de pronto a solução. Recebíamos treinamento para agir corretamente em cada situação. O importante era que o cliente saísse plenamente satisfeito. Tínhamos aulas de etiqueta, de que lado coloca-se o garfo e a faca, conforme a bebida a ser servida correspondia uma taça. Até a abordagem ao cliente. Cada produto novo que chegava tinha instruções a respeito do produto, se chegasse um carrinho de bebe tínhamos que aprender tudo sobre como abrir, fechar, desmontar.
A venda de faqueiros na época era muito grande?
Saia bastante havia com 130 peças e outro com 101 peças. Acredito que foi “Ao Cardinali” que lançou em Piracicaba a hoje tão comum “Lista de Presentes”. Que são os presentes que os noivos gostariam de ganhar. Isso facilita muito.
Alguns anos antes eram comuns, presentear galheteiros.
Davam muito, era um dos presentes mais acessíveis financeiramente. Tínhamos também o sistema de troca de presentes, se por acaso o casal ganhasse três panelas de pressão, podia dar uma para a mãe, outra para a sogra e uma para o casal. Mas e quando ganhava cinco panelas de pressão? Trocava por aquilo que ela não tinha ganhado. As panelas Nigro, Panex, Rochedo, eram bem conceituadas. Dos faqueiros o Hercules era o de maior valor.
Tinha brinquedos?
Na época de brinquedos era muito bom, fazíamos a felicidade de muitas crianças.
A relação de “Ao Cardinali” com a loja “A Porta Larga” como era?
“A Porta Larga” era uma loja muito bem conceituada, com excelentes produtos, só que o segmento em que eles atuavam era mais da área têxtil.
Ainda com relação a treinamento, se houvesse pessoas interessadas em fazer fondue, marcávamos um local, convidávamos os interessados, vinha um senhor de São Paulo, trazendo todo o material, íamos duas ou três vendedoras, a gerente, o professor e os convidados.  Cada vez que fazíamos iam 20 a 30 pessoas. Pessoas de restaurante também participavam. O Vado do Restaurante Mirante estava sempre em “Ao Cardinali”.Quando eu entrei já trabalhavam lá 30 funcionárias. Nos finais de ano contratavam mais funcionários. O Seu Didi trabalhava mais na área de compras, seu irmão cuidava das finanças, sua irmã cuidava de nós. Havia três homens só para fazerem as entregas, trazerem mercadorias do depósito. Tudo que havia de novidade tinha em “Ao Cardinali”.
A vitrine de “Ao Cardinali” marcou uma época, era muito atraente, principalmente a noite quando as pessoas saiam a passeio.
Todas as semanas fazíamos uma vitrine diferente. A gerente dava as instruções e umas três ou quatro funcionárias ajudavam. No Natal não trabalhávamos com venda de árvore de Natal, porém montávamos uma para dar o clima natalino. No período do Natal não tínhamos tempo de almoçar, jantar, era uma loucura!
A loja “Ao Cardinali”, com uma clientela muito boa, excelentes fornecedores, decidiu abrir uma filial logo que o Shopping Piracicaba foi inaugurado, como isso foi visto pelos funcionários?
Na realidade o Didi Cardinali abriu a loja para dar oportunidade de crescimento e expansão, por razões que merecem um estudo a parte, o empreendimento permaneceu aberto por alguns anos. Ele próprio esteve a frente da loja, lá eu trabalhei de 1990 a setembro de 1997. Lá havia a Mesbla e a Sears.
Com toda a sua vivência em comércio, como a senhora vê a postura e o atendimento que são dados atualmente aos clientes em determinados estabelecimentos?
Na minha época havia uma comissão que o vendedor recebia pelas vendas realizadas. Dizem que houve diversas mudanças, isso refletiu negativamente no atendimento, no tratamento que é dispensado ao cliente. Trabalhar no “Ao Cardinali” era um privilégio, era uma escola, os demais comerciantes queriam empregar todos que trabalharam no “Ao Cardinali”. Um conhecido lojista, bem sucedido, sempre esteve atento as possíveis e raras funcionárias que saiam de “Ao Cardinali”. Ele celebrizou essa convicção de que todas nós éramos excelentes funcionárias. Entre os fatos marcantes e característicos, aconteceu de uma criança entrar com febre e sair feliz, ele queria intensamente determinado brinquedo. A mãe não podia adquirir a vista, nem em duas parcelas, mas consegui fazer com que pagasse em cinco vezes pelo crediário. A criança transformou-se na hora. Saiu radiante de felicidade. Outra coisa que deixou saudade eram as festas de confraternização que fazíamos entre nós, na própria loja. Fechávamos a loja e comemorávamos nossos sucessos, nossas vitórias, lutas, desafios vencidos.




segunda-feira, janeiro 16, 2017

JOSÉ AREF SABBAG ESTEVES

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de dezembro de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: JOSÉ AREF SABBAG ESTEVES


José Aref Sabbag Esteves nasceu a 13 se setembro de 1953 na cidade de Jaú. Recebeu o título de cidadão piracicabano concedido pela Câmara Municipal de Piracicaba. José Aref é filho de Ayres Esteves Farto e Ivone Aref  Sabbag Esteves que tiveram ainda os filhos: Mário, Maria Helena, Walter e Carlos Alberto.
José Aref Sabbag Esteves é Diretor Jurídico na APASPI – Associação de Pais e Amigos de Surdos de Piracicaba; Membro Titular do Conselho Acadêmico do Clube dos Escritores de Piracicaba- Cadeira 26 – área de Ciências- A partir de 2006; Membro Efetivo do Conselho Consultivo do Sindicato dos Contabilistas de Piracicaba e Região, desde 2005; Voluntário- Contabilidade e Assessoria Tributária na Associação de Pais e Amigos dos Alunos da Escola Passo a Passo; Voluntário – Contabilidade e Assessoria Tributária no Esporte Clube XV de Novembro; Sócio Patrimonial do Esporte Clube XV de Novembro de Piracicaba, desde 1987; Moção 019/02 de Aplauso, como um dos idealizadores do VIII Arrastão Ecológico no Rio Piracicaba; Moção 080/03 de Aplauso de Contabilista de Piracicaba em comemoração ao Dia do Contabilista; Cidadão Piracicabano conferido pela Câmara Municipal de Piracicaba, Decreto Legislativo 14 de 03/10/2005, projeto apresentado pelo Capitão Gomes; Contabilista Emérito do ano de 2006, eleito pelo Sindicato dos Contabilistas de Piracicaba e Região aos 25 de abril de 2006. Exerceu os cargos de: Diretor Tesoureiro da OAB/SP 8ª Subesecção Piracicaba 1998/2002; Coordenador da Escola Superior de Advocacia – ESA- Piracicaba 1999/2000; Primeiro Secretário do Rotary Club de Piracicaba ano 1998/1999; Coordenador da Comissão de Serviços Internos do Rotary Club de Piracicaba 1999/2000 e Serviços à Comunidade de 2005/2006; Presidente do Rotary Club de Piracicaba, Período2001/2002; Presidente das Empresas de Serviços Contábeis de Piracicaba e Região por duas gestões 1991/1994 e 1994/1997, e 2005; Membro Efetivo da Primeira Câmara do Conselho de Contribuintes do Município de Piracicaba; Membro do Conselho Consultivo da Associação das Empresas de Serviços Contábeis de Piracicaba e Região 1998/2001; Membro do Conselho Consultivo do Sindicato dos Contabilistas de Piracicaba e Região 1999/2001; Presidente do Sindicato dos Contabilistas de Piracicaba e Região 2002/2005; Conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo 1996/2005 exercendo o cargo de Coordenador da Câmara de Registro; Vice-Presidente de Registro do Conselho Regional de Contabilidade Mandato 2006/2009; Coordenador da Comissão de Administração do Clube do Rotary Club de Piracicaba 2006/2007; Governador Assistente Distrital da Área 8 do Distrito 4310, do Rotary Club Internacional




                                                                             


Você fez seus primeiros estudos em qual escola?
Estudei em várias escolas, mas o local em que permaneci maior tempo estudando foi no Colégio Piracicabano. Em Jaú estudei em escolas infantis, primário. Uma parte do primário eu estudei em Maringá, no Instituto Filadélfia, eram adventistas. Permaneci lá até os 12 anos quando vim com a minha família para Piracicaba.
Qual era a atividade profissional do seu pai?
Nos últimos anos meus pais tinham loja. Antes ele teve uma fábrica de perfumes: Perfumaria Ivone, que é o nome da minha mãe. Isso na época em que não existia a forte industrialização dos cosméticos. Isso faz bastante tempo, muitos não irão se lembrar quando se fabricava laquê, brilhantina, óleo de babosa, pó de arroz, óleo de ovo, esmaltes, antigamente muitos desses produtos eram utilizados para passar no cabelo.
Eram produzidos em que local?
Em casa mesmo, era uma empresa de economia familiar, funcionava na Rua Ipiranga esquina com a Avenida Armando Salles em um sobrado. Ali meus pais fabricavam o que conseguiam produzir. Papai saia fazer entregas as segundas feiras, o que tinha sido vendido na semana anterior. Na terça, quarta e quinta ele saia para vender. Não tinha carro, não tinha nada, ia de ônibus. Vendia para lojas, pequenos bazares, ia até Araçatuba, Itapetininga, Botucatu, para todas as lojas da região ele ia para fazer vendas. Às sexta feiras, voltava, fazia a relação da matéria prima que tinha que adquirir, minha mãe ia para São Paulo no sábado, fazer as compras desse material. Adquiria geralmente na Rua 25 de Março, ou nas proximidades da Praça João Mendes, onde havia uma rua com muitas lojas que revendiam frascos, todo tipo de artigo para fabricantes de perfumes. Ali havia essências, vidros, todo o material necessário para produzir o que o cliente necessitava.
Quando seu pai entrou para esse segmento de negócio, ele tinha alguma formação na área?
Não tinha! Era motivado pela curiosidade. Ele tinha um cunhado que fabricava esses perfumes em Belo Horizonte. Em uma das ocasiões em que ele foi para lá, conheceu, seu cunhado Hélio montou a estrutura para que meu pai começasse a trabalhar nesse setor. O negócio foi progredindo. A vida do meu pai foi muito sacrificada, ele fazia tudo isso a pé, às vezes de ônibus. Mas ele se saia bem. Lembro-me até hoje, ele fazia as caixas dos cosméticos, ele adquiria papelões na fábrica de papel, em Piracicaba, trazia nas costas essas folhas de papelões, grandes e fabricava as caixinhas para colocar os produtos: perfumes, esmaltes, laquês.
E os rótulos?
Isso ele adquiria em São Paulo, escolhia uma linha de rótulos e adquiria sempre aquela linha. Com o mostruário montado, saia vendendo. Sábados à tarde e domingos eram produzidos os produtos que haviam sido vendidos. Os esmaltes vinham prontos, a granel, eram colocados nos vidrinhos. O laquê era muito utilizado na época, as mulheres usavam o cabelo armado. Papai fabricava o laquê, montou a fórmula, vendia muito.
Quanto tempo ele ficou nessa labuta?
Foram uns 20 a 30 anos.
Com isso o nome ficou muito forte?
Não se divulgava muito o nome na época. Era um produto conhecido, as vendas eram feitas em armazéns da nossa cidade ou de outras cidades, o estabelecimento já sabia o que queria, o que comprar dele. Ele formou uma clientela cativa, principalmente em bairros. Todos da família ajudavam, nesse ínterim eu trabalhava na loja Kraid Magazine de propriedade de Nagib Kraid e Miguel Kraid. Era boy, faxineiro, fazia entregas de roupas. A noite estudava no Colégio Industrial, tive como professor Danilo Sancinetti.
Havia a famosa Banda Marcial do Colégio Industrial.
Toquei muito tempo na Banda Marcial, visitei com ela muitas cidades. Era um espetáculo muito bonito. Impecável. Uniformes fantásticos. Era uma banda famosa, conhecida em nível nacional. Era uma banda muito bem montada, com instrumentos fantásticos. Eu tocava corneta, surdo ou bumbo. Ia revezando. O bumbo era cansativo. Na época eu estudava desenho técnico, que não cheguei a concluir. Meu tio Issa Elias Orani me levou para fazer contabilidade, era a profissão do momento. Fui estudar o Curso de Técnico em Contabilidade da Escola Técnica de Comércio Cristóvão Colombo (Escola do Zanin), situada ao lado do Cinema Politeama, bem próximo existia a Bomboniere do Passarela. Saindo do Kraide Magazine fui trabalhar com o meu pai e conclui o Curso de Contabilidade no Colégio Piracicabano, isso foi por volta de 1975 a 1976. O Colégio Piracicabano já estava na Rua Boa Morte, em seu novo prédio. Fui estudar Ciências Econômicas, após uns três semestres descobri que não era o que eu queria. Nessa época eu já tinha completado 18 anos, aprendi a dirigir, prestei serviço militar no Tiro de Guerra, com o Sargento Azeredo e depois o nosso vereador Capitão Gomes, que na época foi meu capitão.  Nessa época eu precisava ajudar os meus pais. Consegui adquirir um carro, passei a fazer as vendas com ele. Era um Volkswagen 1962, azul, 6 volts, ia apara São Paulo para fazer compras, minha mãe ia junto, ia pela antiga estrada de Tupi, a Anhanguera não era duplicada, levava horas para chegar a São Paulo. Em cima do Volkswagen colocava um bagageiro, vinha lotado, era uma aventura. Na época em que começou a industrialização dos perfumes, cosméticos para cabelos, meus pais continuaram com a perfumaria, mas já montaram um comércio de bijuterias foi a era da bijuteria popular, adquiríamos as bijuterias em São Paulo e vendíamos no atacado, junto com a perfumaria. Colares, óculos, eram vendidos muitas dúzias. Nessa época começamos a pensar um pouco maior, sempre que comprávamos determinada quantidade, adquiríamos um pouco a mais. Íamos guardando, até montar um estoque para abrir uma loja. Minha mãe conseguiu alugar um prédio na Rua D.Pedro I, entre a Rua José Pinto de Almeida e Avenida Armando Salles. Ali trabalhando sério e pesado montamos o Bazar Ivone. Viemos abrir esse bazar na Rua Governador Pedro de Toledo, entre a Rua D.Pedro e Rua Ipiranga, próximo ao Mercado Municipal. Ficamos por muitos anos ali. Minha mãe veio a falecer, desativamos a loja. Meu irmão assumiu o local, meu pai já estava aposentado.
Você tinha concluído o Curso de Contabilidade?
Tinha terminado o curso, só que não exercia a profissão. Como meus pais estavam tendo sucesso com a loja, fui trabalhar como contador. Meu primeiro emprego como contabilista foi na empresa Irmãos Schiavinatto em Saltinho. Faziam martelos para calcário e tinham uma pequena transportadora. Eu conhecia o Luiz Nazareno Schiavinatto, era meu amigo. No principio eu tive algumas dificuldades naturais a um profissional em inicio de carreira, fui estudando, aprendendo, com isso fiquei por vários anos trabalhando para eles. A 2 de julho de 1982 casei-me com Maria de Fátima Carvalho Esteves, passamos a residir em Saltinho.
Como você e a sua futura esposa se conheceram?
Aqui no centro, na Sociedade Italo-Brasileira, havia as tradicionais brincadeiras dançantes, muito populares entre os jovens da época. Foi lá que nos conhecemos. Ali conheci seus irmãos, a família toda. Casamos e tivemos duas filhas: Michelle e Millene.
Quando você montou seu escritório?
Foi quando sai do escritório da empresa Schiavinatto e em uma sala, na Rua Governador, continuei a fazer a contabilidade da empresa Schiavinatto, fazia a contabilidade de um armazém de Saltinho, um consultório dentário, dali, após muito tempo, montamos um escritório na Rua Benjamin Constant, no lado oposto onde estamos hoje. Trabalhava na parte do fundo, em uma garagem grande e morava na lateral. Ficamos muitos anos ali. Com o correr do tempo, surgiu a oportunidade de mudarmos para o lado oposto da rua, onde passamos a morar em um sobrado e manter o escritório na parte térrea. Hoje tenho cerca de 30 a 35 anos de contabilidade e advocacia. A advocacia veio agregando valores a necessidades dos clientes. Quem me convenceu a fazer advocacia foi Luiz Nazareno Schiavinatto. Lembro-me que eu estava na Praça José Bonifácio, encontrei-me com ele que me disse: “- Aref eu estou me formando em direito, você tem que ver que magnífico!” Fui para casa, fiquei pensando, tinha que fazer alguma coisa, não podia parar de estudar. Decidi fazer e fiz o curso de direito. Conheci Francisco Irineu Cassella, fizemos uma parceria, aprendi com ele na prática o que aprendia na teoria na faculdade. Com o passar do tempo ele precisava crescer, passou a atender em Rio das Pedras e o meu escritório de advocacia já estava caminhando junto com a contabilidade.
No Direito qual é a sua área de atuação?
Na área contábil e na área empresarial. Contencioso bancário, tributário e administrativo. Criamos uma logomarca: Delta Org Assessoria. Utilizamos para denominar as três áreas em que atuamos: imobiliária, contabilidade e advocacia.
Você é Delegado Regional representando o Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo?
Ainda sou. É um posto avançado executando e representando o Conselho para os profissionais de Contabilidade de Piracicaba. Isso permite que ele tenha aqui um atendimento necessário sem ter que se deslocar-se até São Paulo. Seja Registro, atualização, solução cadastral. É uma espécie de sucursal que dá suporte e representa o Conselho em Piracicaba. A eleição para o Delegado do Conselho em uma localidade é bem rigorosa, a oportunidade é aberta à todos os escritórios da cidade, esse escritório é fiscalizado integralmente em todas as suas ações, a cidade indica entre os interessados aquele que pode ser seu Delegado junto ao Conselho. É uma atividade voluntária.
Você tem uma forte atuação junto a APASPI?
A APASPI – Associação de Pais e Amigos de Surdos de Piracicaba é uma atividade que a Fátima, minha esposa, é apaixonada, que vibra, chora, se doa, e eu estou junto com ela. Desde o saudoso Julio Sierra, a Fátima deve estar há mais de 25 anos dedicando-se como voluntária na APASPI. A APASPI dá suporte social, profissional, para crianças e adolescentes até 17 a 18 anos deficientes auditivos. Orientamos a viverem socialmente, a conversarem pela língua de LIBRAS, a conviverem com os pais. Infelizmente alguns pais, acabam instintivamente discriminando o filho deficiente. É realizado um trabalho junto a família do deficiente juntamente com as pedagogas, assistente social.
Quem arca com as despesas decorrentes de toda essa estrutura?
É a população. O município e o Estado destinam uma verba, mas é bem menor do que a necessária. O município e o Estado exigem que tenhamos fonoaudióloga, merendeira, faxineira, pedagoga, existe normas, essas entidades têm que funcionarem dentro das normas legais, tanto em estrutura, como higiene, qualidade. Somos cercados e recebemos a imposição de uma legislação séria, mas não remuneram adequadamente por falta de recursos. Quem assume a função do Estado somos nós. O Estado exige, mas não dá a remuneração suficiente para realizar as exigências. Com isso temos que fazer ações juntos a comunidade, como vendas de pizzas, rifas, bazar, pedindo, passando o chapéu, enfim tudo que for possível, até mesmo colocarmos recursos dos próprios diretores. Só não desanimamos porque vemos os resultados e o prazer das crianças que atendemos.
Como é possível entrar em contato com a APASPI?
Quem quiser colaborar de alguma forma, é só entrar em contato através do telefone 34349947, Rua Dr. Alvim, 1464, Bairro São Dimas. Contatos com Saulo ou Denise. Existem muitas formas de contribuir, ser associado, adotar os custos relativos a uma criança. Pode contribuir com qualquer valor. Todas as crianças que atendemos são carentes, em função disso aceitamos doações de roupas, alimentos. Pessoas de posses buscam entidades especializadas, particulares. Há até casos em que a própria família omite a deficiência.
Você recebeu esta semana a Medalha Joaquim Monteiro de Carvalho, concedida pelo Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo, uma das mais raras e elevadas honrarias concedidas a um profissional. É motivo de jubilo para você e para Piracicaba.

Para mim foi uma surpresa! Não imaginava que alguém do Conselho Regional estivesse vendo e avaliando o trabalho que nós fizemos em mais de 20 anos como Conselheiro. No Estado de São Paulo temos 150.000 profissionais de contabilidade. Neste ano foram concedidas duas medalhas, tive a honra de ser um dos ganhadores. Joaquim Monteiro de Carvalho foi um dos fundadores do Conselho de Contabilidade, um profissional emérito, dedicado. Essa medalha é dada por relevantes serviços prestados à classe contábil. Recebi essa medalha no Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo em uma sessão plenária com mais de 300 pessoas, líderes das mais variadas áreas contábeis e de todo o Estado de São Paulo. 

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