sábado, julho 24, 2010

DIRCEU OLÍVIO POMPERMAYER

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF

Jornalista e Radialista

joaonassif@gmail.com

Sábado 24 de julho de 2010

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana

As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/

http://www.tribunatp.com.br/



ENTREVISTADO: DIRCEU OLÍVIO POMPERMAYER

Dirceu Olívio Pompermayer nasceu em 5 de abril de 1925, na Fazenda Pompermayer situada no bairro rural Campestre. É filho de Frederico Pompermayer e Angelina Sândalo Pompermayer, seus irmãos são: Nair, Angenor Antonio, Henriqueta, Nelson, Nivaldo. Trabalhou com a plantação e preparo de fumo de corda, incorporou e realizou o loteamento de diversas áreas de terras urbanizadas, uma delas deu origem a Rua Chavantes, em Piracicaba. Tornou-se sócio de uma pequena loja de tecidos, que veio a ser uma das grandes fornecedoras de artigos comercializados pelos chamados “frangueiros”, comerciantes de miudezas que percorriam as zonas rurais. Seu estabelecimento tornou-se um dos mais representativos do seu setor em Piracicaba e região. Suas lembranças trazem de volta o tempo de menino, quando acompanhava o pai na vinda do sítio para a cidade, em sua juventude vinha a cavalo até propriedade da família situada na Avenida Dr. Paulo de Moraes, onde deixava sua montaria, preparava-se com os trajes de passeio e rumava com alguns amigos para o centro de Piracicaba, onde a juventude costumava quadrar o jardim.

Qual era a área cultivada pelo seu pai na Fazenda Pompermayer?

Eram 63 alqueires, inicialmente com pés de café, depois passou para o plantio diversificado. Por doze anos e meio fabriquei fumo de corda. Dos sete anos até os dez anos, embora meu pai tivesse colonos, eu tinha que tratar de animais. Eu arrancava mandioca, para cozinhar e dar aos porcos, cortar cana de açúcar para doze parelhas de burro. O trabalho que eu fazia com essa idade eu acho que são poucos os moços de hoje que conseguiriam fazer. Com o tempo meu pai deu um pedaço de terra para mim e para meu irmão mais novo plantarmos as nossas coisinhas, e assim foi até quando completei dezoito anos. Foi quando vim para a cidade e fui trabalhar na oficina do Rui Consentino. Foi no tempo da Segunda Guerra.

 

Foi no período em que se usava gasogênio?

O ônibus que ia de Piracicaba ao Anhembi era do Renato Angeli, e o que ia á Botucatu era do Romeu Rolandi. À tarde eles chegavam de viagem com os ônibus, tinha que retirar o carvão que estava quase todo queimado, isso nos dois tambores de cada veiculo. Eu tinha que limpar e encher de carvão novamente. Era colocada uma estopa na abertura inferior, às sete horas da manhã quando iria funcionar o ônibus era colocada uma estopa embebida em querosene, e colocava-se fogo. O Romeu Rolandi dizia que para subir a serra de Botucatu ele tinha que passar o motor para funcionar a gasolina, com o gasogênio não subia. Não me acostumei com aquele serviço, voltei ao trabalho com a terra. Fiquei com o meu pai, passei a trabalhar com meu tio, Antenor Bragatto, casado com uma irmã do meu pai. Plantávamos nosso pedaço de fumo, fazíamos a nossa “fumadinha”, ele gostava de negociar, comprava e vendia fumo. Dois irmãos da minha mãe, Tio Luiz e Tio Zezinho tinham uma propriedade boa, de sessenta e poucos alqueires, tinham derrubado dois capões de mato e capoeira e estavam querendo plantar fumo. Fui trabalhar lá, um primo, Alfredo Sândalo me ensinou a fazer o canteiro para as mudas, fiz duas fumadas bonitas e boas.

Como é o processamento do fumo?

Conforme a folha ia amadurecendo embaixo eu ia tirando, hoje se colhe todas as folhas, eu só apanhava a folha que estavam amarelando, as folhas colhidas iam para o rancho coberto, era tirado o talo grosso e colocada em um estaleiro feito de bambu onde as folhas ficavam dependuradas, esse processo era feito no mês de junho, julho, agosto já é um mês com tempo seco. Quando a folha estava no ponto, maciazinha fazia-se a corda. Era uma corda comprida com mais de 10 metros de comprimento, ficava alguém com um cambito. Após enrolar três cordas elas eram novamente enroladas entre si, em torno de um pau, onde era então feito o rolo. Após esse processo o rolo era levado para a cambota, que tinha uma catraca. Puxava-se bem apertado e dava-se uma volta, fazia-se isso até concluir o rolo. O fumo ia melando, ficava marrom, soltava uma mela preta, ai é que tinha a ciência de não deixar o fumo azedar, não tinha como deixar o serviço para outro dia, perdia-se a qualidade.

 

O que era feito com o caldo que saia do fumo?

Às vezes alguém ia buscar para usar para tratar animais com bernes. Normalmente eu jogava fora.

Entre cortar a folha e ter o produto pronto quanto tempo levava?

Fazia-se o canteiro no fim de fevereiro, tirava do canteiro em março e plantava na roça, uns 50 dias depois ele já estava com 22 a 23 folhas, apanhava-se, conforme ia amadurecendo ia apanhando, colocava na carroça, levava ao rancho onde a meninada, moças, mulheres “destalavam”. Era um serviço bonito, eu gostava a única coisa da qual tenho saudades do tempo em que era moço é do quartinho de fumo. Lá você tem os rolos de fumo separados por suas qualidades. O fumo “bachero” é feito com as folhas de baixo da planta, é um fumo mais fraco, de qualidade inferior. O fumo extra é o que não tem uma corda quebrada, é amarelo. Naquele tempo se pegasse uma lasquinha daquele fumo bom, amarelinho, e mascasse, sentiria até a sua doçura.

O senhor fumava?

Eu fazia o meu cigarrinho. Costumava fazer um rolinho de fumo para mim, outros para os meus tios. Escolhia as folhas no estaleiro, mesmo as folhas iguais na roça, no estaleiro umas ficavam diferentes das outras, se tiver uma folha verde na corda o fumo fica amargo, fazendo com folhas selecionadas o fumo durante o ano todo tem a mesma qualidade. O comprador só de pegar o canivete e bater no rolo sabe a qualidade dp fumo.

Quanto pesa um rolo de fumo?

Eu fazia de 17, 18 quilos, o rolo pronto, curado. Ao vender quebravam-se ao meio, os compradores não queriam rolo muito grande era mais difícil de vender. Eu tinha um vendedor em Sorocaba, era um aposentado da Sorocabana, chamava-se Alfredo Marques. Após vender ele mandava-me uma carta com o pedido, essa carta era entregue em um barracão que meu pai e meu avô tinham na Avenida Dr. Paulo de Moraes, bem em frente ao barracão de cargas e descargas da então Companhia Paulista de Estradas de Ferro, ao lado da casa onde morava Dr. Jacob Dhiel Neto, vizinho ao Giovanni Ferrazzo, mais conhecido como Joane Vassoureiro, que por sinal comprava toda vassoura que nós plantávamos.

O senhor lembra-se quando o Joane construiu o Posto Cantagalo?

Lembro-me, ficava na esquina da Rua do Rosário com a Avenida Dr. Paulo de Moraes, na época era um terreno baldio, o quarteirão todo era vazio, só havia uma casa na esquina. Hoje existe no local um posto de gasolina da Petrobras. Heitor Pompermayer, Jorge Angeli, Carlos Bortoletto, Fahjala foram meus colegas, éramos todos moços. O tiro de guerra ficava em um quarteirão onde mais tarde foi construída a Escola Industrial, nós saiamos a pé da Paulista e íamos até lá, uns oito a dez rapazes, entre eles Aristides Costa, Guilherme Cella. O comando era do sargento Ayres, nós usávamos fuzil para treinamento de tiro, tinha a prática adquirida no sitio, de atirar em caça voando, acertava três tiros “na mosca” quando o alvo era fixo. O Vanor Pachane morava na Chácara Nazareth, trabalhava na fabrica de barcos do Adamoli. Nós fazíamos aulas praticas de tiro junto ao Rio Piracicaba, no trecho em que passa pela Escola Agrícola. O sargento sabendo que o Vanor Pachani era bom carpinteiro disse-lhe para arrumar um companheiro e ficarmos em uma trincheira de onde colocávamos os alvos para o exercício de tiros. Descíamos os alvos e colávamos uma rodinha de papel onde havia sido acertado o tiro. Ali embaixo o sargento anotava a pontuação dos tiros. Tinha fuzil bom e ruim, eu conhecia os que eram bons, o Vanor sempre me chamava para ajudá-lo. Vim para a cidade na casa de duas tias minhas, irmãs do meu pai, Tia Emilia e Tia Elvira, seus maridos eram da família Furlan. Emílio Furlan namorava minha irmã, Henriqueta, trabalhei com ele na lenhadora da sua família, com um caminhão Ford 1948, F-8, um caminhão valente. Puxávamos lenha, Emílio, eu e um funcionário chamado Antonio Caetano. Chegávamos a carregar vinte metros cúbicos de lenha, eucalipto, cortados ali na região de Rio das Pedras. O Emilio ficava em cima do caminhão, eu e o Antonio jogávamos a lenha, às vezes precisava manobrar o caminhão, como eu estava embaixo, passei a executar essa tarefa, isso com 22 anos.

 

Onde hoje está o Shopping Paulistar foi alguma pedreira?

Não me lembro de ter havido alguma pedreira no local. Ali foi por muitos anos a caieira de Felício Tozzi, ele tirava pedra de cal, já era um buraco que com a extração aprofundou-se mais. Eu ia com uma Kombi ano 1960 buscar cal para a construção de uma casa que fiz.

O senhor vinha do sítio á cidade como?

Vinha a cavalo, deixava-o no imóvel da Avenida Dr. Paulo de Moraes, havia muita poeira pela estrada, por isso já deixava um terno pronto ali no barracão existente. Tomava um banho, punha a roupa limpa e saia para passear junto com os colegas.

Quando foi seu casamento?

Em 1951 casei-me com Luiza Beisman na Igreja dos Frades, o celebrante foi Frei Felício. Filha de Elvira Estela Beisman e Antonio Beisman. Conheci a Luiza quadrando jardim.

O senhor permaneceu no sítio cultivando a lavoura de fumo por quanto tempo?

Após regressar da minha experiência na oficina mecânica, permaneci por seis anos na plantação de fumo. Com o dinheiro que economizei adquiri um alqueire de terra do meu tio Orlando Furlan. Fica onde hoje é a Paulicéia, no local em que existe a Rua Chavantes, Rua Nossa Senhora Aparecida, até a atual Avenida 31 de Março, era tudo ocupado por eucalipto. Loteei três alqueires ali. Comprei o primeiro alqueire nessa região, meu tio Antenor, com quem trabalhava na lavoura de fumo, comprou outro alqueire. Adquiri mais uma área de terras com eucalipto plantado, já no terceiro ou quarto corte. Vendi 153 lotes de terrenos, isso em 1948. Pedro Bragion e Pedro (Peu) Clemente lotearam uma extensa área nas imediações.

Quando o senhor iniciou sua atividade na Casa Dom Bosco?

Em 1951 entrei como sócio do Rubens Broglio, que sempre foi muito meu amigo, ele já tinha a loja, ficava na esquina da D.Pedro II com a Rua Governador Pedro de Toledo, o prédio era de propriedade de Dona Thaaji. Éramos sócios em partes iguais. Já se chamava Casa Dom Bosco, nome que permanece até hoje. No inicio comercializávamos tecidos e retalhos, com o tempo passamos a comercializar maquinas de costura, vendemos muitas máquinas Vigorelli, Leonam, meu irmão Nelson ficou um mês na fabrica Leonam, para adquirir conhecimentos técnicos sobre as maquinas produzidas por ela. As máquinas vinham desmontadas, nós as montávamos aqui. As moças que casavam iam adquirir maquinas conosco. Quem vendia máquinas em Piracicaba éramos nós e o Cardoso. Entrei na loja em 1951 e sai em 1983. Expandimos, adquirimos imóveis vizinho, chegamos a ter mais de quarenta funcionários. Trabalhávamos com armarinhos em geral, linhas, agulhas, Melhoral, Sonrisal, brim aço, pano de roça, tecido xadrez, Casimira Aurora, Brim Ave Maria, Cretone Lapa artigo da Simão Rossi, cada peça tinha em média 25 metros de comprimento por 2 metros e 20 centímetros de largura, muito utilizado para fazer lençóis, linho irlandês, acetinado. Cheguei a fornecer para mais de trinta frangueiros, eles iam para o sitio de carrinho, vendiam produtos que traziam do sitio no mercado e se abasteciam conosco, alguns dos nomes que me lembro agora são o de Durvalino Brancalion, Benedito (Dito) Franzol, Francisco Franzol, Arlindo Petian de Rio das Pedras, Miguel Lopes, tinha três irmãos do Bairro do Peruca, de Rio das Pedras, Capivari, Saltinho, Charqueada, fornecia para a região inteira, éramos nós, os Irmãos Muniz situados na Rua do Rosário, a Casas Pernambucanas.

O senhor vendia a credito?

Nos últimos anos tínhamos crediário próprio, mas antes anotávamos as compras de alguns clientes em um caderno.

Na esquina da Rua Governador Pedro de Toledo com a Rua D.Pedro II, onde hoje há uma farmácia funcionava o que anteriormente?
Ali era o Hotel dos Viajantes, era um prédio comprido, com uns janelões. Quando era menino vinha com meu avô até o hotel o proprietário era Sr. Mario, depois ele vendeu aqui e colocou um hotel em frente à Estação da Luz, em São Paulo, cheguei a almoçar lá quando viajei com meu avô.
O senhor gosta de futebol?

No sítio eu jogava de half esquerdo, se a bola passasse o jogador não passava. Na quarta feira eu já tinha o ingresso no bolso para assistir as partidas do XV de Novembro realizadas no Estádio Roberto Gomes Pedrosa, mais conhecido como “Panela de Pressão”. Eu era sócio do XV. Tinha cada jogo bonito com De Sordi, Gatão Rabeca.

Na Paulista havia diversas canchas de boche?

Fui por muito tempo jogador de boche. Tinha o boche do João Canale, do Costa, tinha um no primeiro quarteirão da Rua da Boa Morte, próximo a Estação da Paulista. , José (Juquinha) Dionísio que trabalhava com o Vitório Fornazier, e foi meu companheiro de boche, ele o Lovadini da Companhia Paulista, o Alcides Fornazier com o Pachani, o Helio Saipp com o João Franceto, o Tio Zé Novello jogava também. Naquele tempo as boplas eram de madeira, algumas bolas não eram da mesma madeira, dava diferença de até 150 gramas no seu peso. Cada bola de madeira de boche pesava 1,250 quilos. Algumas de madeira com cerne branco chegavam a pesar 1,100quilos. As bolas se diferenciavam uma da outra porque uma era lisa e outra riscada. Nos jogos de campeonato tinha que abrir uma caixa de bolas novas para jogar. O Biche-Biche foi uma lenda do boche em Piracicaba. Eu não o conheci, ele já tinha morrido quando comecei a jogar boche.

O senhor participou do Cesac?


Participei junto com João Sabino, Antonio Scanavacca, Ciro Mendes Silveira e outros. O Neco Cardoso e a sua equipe eram os pedreiros responsáveis pela construção da Igreja São José. Para cobrir a igreja foram utilizadas telhas francesas, eu, Antonio Scanavacca, Juquinha, participamos dessas ocasiões, era amarrada uma telha em uma corda, e quem quisesse colaborar dava uma oferta em dinheiro, sendo a telha levantada em seu nome.



quinta-feira, julho 22, 2010

"O boato é um ente invisível e impalpável, que fala como um homem, está em toda a parte e em nenhuma, que ninguém vê donde surge, nem onde se esconde, que traz consigo a célebre lanterna dos contos arábicos, a favor da qual se avantaja em poder e prestígio, a tudo o que é prestigioso e poderoso."
Machado de Assis

8 x 85 ...

Frase do Senador Cristovão Buarque
"NO FUTEBOL, O BRASIL FICOU ENTRE OS 8 MELHORES DO MUNDO E TODOS ESTÃO TRISTES.
NA EDUCAÇÃO É O 85º E NINGUÉM RECLAMA..."
by Jayme

terça-feira, julho 20, 2010

PIRACICABA

                                          Foto by J.U.Nassif

sábado, julho 17, 2010

Irineu Laudelino Lopes

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS

JOÃO UMBERTO NASSIF

Jornalista e Radialista

joaonassif@gmail.com

Sábado, 17 de julho de 2010

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana

As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/

http://www.tribunatp.com.br/


ENTREVISTADO: Irineu Laudelino Lopes
Irineu Laudelino Lopes é o comerciante mais antigo do mercado municipal de Piracicaba, está a 64 anos na ativa. Formado pela lendária “Escola do Zanin”, quando jovem atravessava o Rio Piracicaba a nado, sócio do Clube de Regatas, remava sua catraia até onde hoje existe a “Ponte do Morato” e voltava rio acima, remando. Foi atleta campeão e presidente do Jaraguá Futebol Club. O Mercado de Piracicaba teve como construtor o engenheiro Miguel Asmussen, que entregou a obra pronta em 28 de fevereiro de 1887. A inauguração e o inicio do funcionamento aconteceram no dia 5 de julho de 1888. Esse intervalo entre a construção e o início efetivo das atividades, foi em decorrência da necessidade de preparar o entorno do prédio e, sobretudo pela confecção do regulamento de uso do Mercado, tanto pelos permissionários, pelos fornecedores como pelo publico consumidor. Tratava-se de uma nova maneira de comercializar, diferente da praticada até aquela data. Uma mudança significativa de hábitos e costumes, lembrando que no dia 13 de maio de 1888 foi sancionada a Lei Áurea, abolindo a escravidão da raça negra. A comissão formada por Prudente de Moraes e Paulo Pinto foi responsável pela elaboração do Projeto de Regulamento do Mercado de Piracicaba, sendo o mesmo apresentado em sessão de 15 de maio de 1887 junto a Assembléia Legislativa Provincial. Entre as peculiaridades, o artigo 18 diz que é proibido dentro dos limites do Mercado: “1-) O ajuntamento de pessoas ociosas que não estejam comprando nem vendendo e que possam perturbar o expediente de quem compra ou vende; 2-) Fazer algazarra e praticar atos ou proferir palavras imorais; 3-) Os ébrios, turbulentos e vadios; 4-) Sujar e danificar qualquer parte do edifício, escrever suas paredes, pintar,borrar,etc. 5-)Fazer fogo dentro do edifício e quatro metros em redor do mesmo, 5-) Amarrar animais nas grades ou nas árvores plantadas para decoração dos pátios do Mercado”, conforme consta nas atas existentes na Câmara Municipal. Com o passar do tempo essas regras sofreram mudanças, ou não teríamos os quitutes fritos na hora e um delicioso cafezinho, muito procurados no Mercado Municipal de Piracicaba. Por ali desfilaram piracicabanos de diversas gerações, criando vínculos e alianças. Atualmente o comerciante mais antigo do Mercado Municipal é Irineu Laudelino Lopes, há 64 anos trabalha em sua banca no Box número 19, que já pertencia a seu pai. Filho de Miguel Lopes e Antonia Moretti nasceu no bairro rural Pau Queimado, Piracicaba, no dia 28 de maio de 1931, casado com Aparecida Costa Lopes, filha de Francisco Luis Costa e Otilia Gazziolli Costa. É neto de Isidoro Lopes e Matilde Alcarde Lopes, seus tios Isidoro Lopes e Antonio Lopes foram comerciantes muito conhecidos.

A família do senhor mudou-se do Pau Queimado para a cidade?

Mudamos para a Avenida Dona Jane Conceição, depois mudamos para a Rua Sud Mennucci. Fiz o primário no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, Da. Zica foi a minha primeira professora, tive aulas também com Da. Mimi, Dona Otília, o diretor era o Salustiano, depois veio o Aparício. Nessa época além das minhas irmãs Inês, Maria e Celina, eu era o único neto homem, meu avô passava na minha casa e me levava para o sítio, passear. Íamos de trole, pescava lambari, a noite ia com o meu tio Antonio até um ribeirão que existia no sítio, para tirar o peixe cascudo na toca. Aprendi a nadar no Ribeirão do Enxofre, tinha quatro “poços” para nadar lá. Estudei o ginásio no Instituto Piracicabano. Fiz o Curso Técnico em Contabilidade na Escola de Comércio Cristovão Colombo, do Pedro Zanin, ficava em cima do Cinema Politeama, de vez em quando passavam uns filmes de faroeste, nós escutávamos o tiroteio, íamos assistir ao filme. O melhor recreio de escola quem possuía era a nossa, ao sairmos da sala de aula estava com todo o jardim da praça central a nossa frente. Sou formado na turma de 1959. O meu pai e o meu tio Antonio tinham comprado o box no mercado em 1946, eu fui trabalhar com eles, fazia entrega de compras com uma carrocinha manual, com rodas de madeira e aro de ferro. Os fregueses iam, compravam e eu entregava. Infelizmente quase todos já faleceram Lembro-me de entregar na casa de Antonio Kok Leme, gerente da Casas Pernambucanas, do Antonio Sallun, da Dona Eutália, e outros fregueses. A compra era feita mensalmente, com isso eu tinha que fazer força para levar o carrinho, as ruas centrais eram calçadas em paralelepípedo, mas ainda existiam muitas ruas sem calçamento nenhum. Os vendedores de verdura traziam do sítio seus produtos em carrinho de tração animal, alguns vendedores de frutas como laranjas colocavam seus caminhões no pátio em frente ao mercado, esses veículos permaneciam meses no mesmo local, com outra condução abasteciam esses caminhões, eles não queriam perder o ponto. Após algum tempo meu pai e meu tio dividiram o Box entre si, ficando cada um com 25 metros quadrados de área de venda. Um pouco mais de tempo meu tio vendeu para Domingos Rafael, meu pai acabou adquirindo. O prefeito Luciano Guidotti em seu primeiro mandato reformou o mercado, com essas mudanças o nosso Box perdeu quase metade da área original.

Antes de adquirir o comércio no mercado qual era a atividade do seu pai?

Meu pai era frangueiro, sai muitas vezes com ele, na segunda feira ia para o Campestre, na terça feira ia para o Pau Queimado, na quarta ia á Dois Córregos, na quinta permanecia em casa para realizar as compras da encomendas feitas pela clientela, sexta feira ia para os Marins e no sábado para o Chicó. Com chuva ou com sol ele saia de manhã cedo. Meu pai era um homem muito calmo, nunca vi nenhuma pessoa igual. Ele tinha um burro branco chamado “Sereno”, o burro era mais calmo do que ele! Meu pai nunca usou um reio. Se tivesse uma touceira de capim ao lado da estrada, o burro ia lá e comia, meu pai esperava o burro comer para prosseguir a viagem.

O prédio do mercado mudou muito?

Olhando de frente para o mercado parte do lado esquerdo do prédio existente hoje, era descoberta, ali tinha a Arca de Noé, propriedade de Osni Massouh, o Galzerani, ficavam em barracas na área descoberta, inicialmente os produtos eram expostos sobre um pano estendido no chão, depois fizeram umas mesas de madeira. O mercado era cercado por um muro de um metro e pouco encima da qual vinha uma grade, as mercadorias ficavam a vista de quem estava do lado de fora, ninguém roubava. O cuidado maior era colocar os produtos mais sensíveis a chuva embaixo das bancas. Na esquina onde hoje há um prédio com uma farmácia na esquina, localizava-se o Hotel dos Viajantes.

Como era Da. Jane Conceição?

Era uma senhora muito fina, seu marido Dr. Jorge Pacheco Chaves era de estatura baixa. Eu era criança, nós escutávamos o cavalo que vinha batendo o sininho dependurado no pescoço, nós íamos correndo para abrir a porteira para eles passarem, sempre ganhávamos um dinheirinho. A porteira ficava nas imediações da Igreja São José, onde hoje é a Avenida Conselheiro Costa Pinto.

O senhor vendia fumo de corda?

Vendi sim, naquele tempo o fumo Bairrinho era muito famoso, era um fumo fraco, existia um fumo forte que vinha de Socorro, Bragança Paulista. Com o canivete fazia um pequeno corte e pela massa do fumo classificava suas qualidades. O fumo do Bairrinho, quando o miolo estava bem amarelinho ele era um fumo bem fraquinho, muito bom. Alguns clientes levavam por quilo, outros levavam um rolo de fumo inteiro. Um produto muito gostoso era a lingüiça de porco envolta em banha e embaladas em latas da marca Oderich. A lata de salada de frutas era uma delicia. O figo ramy, vinha em uma delicia.

Qual é o horário de funcionamento do mercado?

Para o público sempre a partir das seis horas da manhã, para os verdureiros abria às quatro horas da manhã. Fecha às cinco e meia da tarde. Se o comerciante necessitar ele pode permanecer no local fora desses horários.

Quantos Box existem hoje no mercado?

São uns setenta permissionários.

Hoje o senhor trabalha com uma linha de produtos diferenciada, como se deu essa especialização?

Inicialmente era um típico armazém de secos e molhados, atualmente trabalho com mais de 100 itens como trigo para quibe, farelo de trigo, farelo de aveia, gergelim, levedo de cerveja, linhaça, flocos de aveia, guaraná em pó. Um amigo, já falecido, o Osvaldo Bracalion sugeriu que eu deveria trabalhar com alguns desses produtos, achei a sugestão interessante e a adotei. Desenvolvi novos fornecedores.

A febre de consumo da “Ração Humana” ainda está firme?

Caiu um pouco. Algo parecido ocorreu com a aveia. A TV Globo em sua programação divulgou as qualidades da aveia, isso em uma sexta feira. Por coincidência eu tinha feito um pedido de aveia que chegou sexta feira a tarde. No sábado pela manhã começou a haver uma procura enorme por aveia. O meu estoque de aveia que deveria ser por um período maior em quatro dias terminou. Fiz mais um pedido, que rapidamente foi entregue. Em seguida começou a faltar aveia no mercado, eu consegui cobrir a demanda. Não me esqueço de uma senhora que me perguntou: “-O senhor tem aveia?”, respondi que tinha, ela então me disse que queria cinco quilos de aveia. Curioso, perguntei-lhe para o que seria toda aquela quantia toda, ela respondeu que seria para seu consumo, afirmando: Imaginei e disse-lhe que ela deveria ter uma família muito grande, ao que ela afirmou: “-É só para mim! Deu na televisão que é boa para isso, para aquilo.”. Sugeri que levasse apenas um quilo, o que já era bastante aveia para uma única pessoa.

A que horas o senhor dirige-se ao mercado para trabalhar?

Às cinco e meia da manhã. Fecho às cinco e meia da tarde. Aos sábados fecho à uma hora da tarde, e domingo ao meio dia. Quando meus pais eram vivos, as vezes eu tirava umas férias.

Onde o senhor conheceu a sua esposa?

Foi no meu caminho para o trabalho, meu pai saia de casa mais cedo e eu saia um pouco mais tarde, umas seis horas da manhã. Conheci a Aparecida quando ela voltava da compra que ia fazer em um açougue situado na Rua Governador, quase na esquina da Rua Riachuelo onde trabalhavam o Caneva e o Zambello.

O senhor jogou futebol na várzea?

Joguei como lateral direito e zagueiro central do Jaraguá Futebol Club, a camisa era vermelha, preta e branca. O primeiro campo ficava na esquina da Rua do Rosário com Avenida Dona Jane Conceição, onde depois foi a Angemar, hoje funciona um conjunto de lojas. O terreno ia até a Rua Campinas. Nessa época o Romeu Gomes de Oliveira, da Rodomeu, montou um açougue na Avenida Dona Jane Conceição, próximo ao campo de futebol. O Chico Pachani fez sozinho outro campo de futebol, na quadra logo abaixo. Quando o Jaraguá Futebol Club saiu desse primeiro campo foi para o local posteriormente ocupado pela Alvarco, onde hoje existe uma escola técnica.

Por muitos anos quem foi o presidente do Jaraguá Futebol Club?

Foi Abel Pereira, seu filho Jaime Pereira estava sempre presente.

Qual era o maior rival do Jaraguá?

Era o MAF, conhecido como Leão da Paulista. O nome MAF é formado pelas iniciais de Manoel Ambrósio Filho, empresário de São Paulo, proprietário da indústria de máquinas de costura Leonan, que fundou o time. Conheci muito o Olinto alfaiate, que foi presidente do MAF. Jogávamos contra os times existentes na época: Vera Cruz, Nacional, Unidos Club. Comecei a jogar em 1948 e parei em 1962, 1963.

Em que igreja foi o seu casamento?

Foi na Igreja dos Frades, no dia 22 de outubro de 1961, o celebrante foi Frei Liberato de Gries.

Dona Aparecida a senhora trabalhou muito tempo com costura fina?

Costurei por quase cinqüenta anos, a minha primeira maquina de costura comprei em 1955 na loja de propriedade do Cassano, que ficava em frente ao Mercado, onde hoje há uma agencia da Caixa Econômica Federal. Comecei a costurar com dezessete anos, parei há uns três anos. Fazia roupa de noivas, para festas de formaturas. Aos dezenove anos fiz o primeiro vestido de noiva para uma prima de Indaiatuba.

A senhora trabalhou ainda bem jovem com uma costureira famosa em Piracicaba?

Era uma costureira requisitada pelas senhoras da alta sociedade de Piracicaba, chamava-se Generosa Osoris Angeli, lá eu bordei muito para vestidos de noivas. Quando passei a exercer a profissão por conta própria mandava os bordados para serem feitos por outras pessoas. Naquele tempo usavam-se mais brocados, rendas. Meu pai Francisco Luiz Costa era cursilhista, ministro da eucaristia, ele trabalhou muitos anos como metalúrgico na Morlet, que ficava em um galpão onde hoje funciona a Calhas Pizzinatto, na Rua da Glória. Foi um tempo em que o fornecimento de água era sofria muitas interrupções, íamos buscar água na “Bica do Morlet”.















sábado, julho 10, 2010

Clélia Del Tedesco Saipp

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 10 de julho de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

http://www.tribunatp.com.br/

http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: Clélia Del Tedesco Saipp
 A rápida evolução tecnológica em que vivemos afeta diretamente nossos hábitos e costumes. Nas décadas de 50, 60, era comum um menino sair pelas calçadas, quando existissem, rodando com a mão um pneu velho, ou ainda um aro de metal ou borracha era conduzido por um longo arame, ou ferro fino de construção, em forma de “U” tendo às vezes até um cabo de madeira, era o famoso “arquinho” e se mostrava indispensável para que mais rapidamente a criança pudesse ir fazer os mandados da mãe Um cabo de vassoura transformava-se em um cavalinho de pau. Com caixinhas de fósforos vazias e uma linha de costura fazia-se o telefone. O papagaio que depois passou a se chamar pipa é uma brincadeira que necessita condições climáticas de ventos constantes, próprias do mês de agosto. O bodoque que passou a se chamar estilingue era feito com uma forquilha de madeira, as melhores eram de pé-de-goiaba, um par de tiras de câmara de ar de bicicleta, de 25 centímetros de comprimento e um centímetro de largura e um pedaço de couro que unia as duas tiras de borracha. Era usado para atirar pedras com muita força. O jogo da bolinha de gude aparecia num determinado período do ano e depois de alguns meses cessava a brincadeira. Havia a perna de pau, o pião de madeira. O carrinho de rolimã ou carrinho de rolamentos era feito artesanalmente usando madeira e rolamentos.
Carrinho  de rolimã

Fazer uma bola de pano era uma arte. As meninas tinham poucas variações de brinquedos, em geral brincavam de bonecas que podiam ser feitas de pano recheadas com retalhos, peteca feita de palha de milho, brincavam de fazer guisadinhos, com comidas feitas em latinhas de goiabada, marmelada, massa de tomate e sardinha, havia as cirandas ou brincadeiras de roda. Em 1961, quando o então presidente recém-empossado Jânio Quadros proibiu o lança-perfume, foram produzidas bisnagas em plástico no mesmo formato das proibidas, bastava colocar água e apertar, foi uma febre no país inteiro. Muita criança de famílias mais abastadas perdeu o sono até ganhar o pequeno projetor movido à manivela, cujos filmes eram feitos de papel-manteiga desenhados com duas imagens e duas opções de movimento. Chamava-se Cine Barlan. Carrinhos feitos de folha de lata eram importados e caros. Os brinquedos de lata prensada foram fabricados até a década de 60. Inicialmente chamada como matéria plástica, na década de 60 o brinquedo plástico tomou grande impulso. Piracicaba tinha alguns templos de consumo infantil, entre outros, a Loja da Lua, Ao Cardinali Presentes, Casa Portuguesa, Casa dos Presentes. Clélia Del Tedesco Saipp e Alcides Saipp são nomes extremamente populares no Bairro da Paulista. Foram padrinhos de muitos casamentos e batizados de clientes que se tornaram amigos, afilhados e compadres.



Da. Clélia, a senhora nasceu em que dia?

Nasci em 9 de julho de 1932, meu marido as vezes brincava dizendo que pelo fato de ter nascido nessa data eu era uma “revolucionária”. Sou natural de Mococa, fiz o primário e o curso normal em Monte Santo de Minas, meus pais José Del Tedesco e Elza Di Conti Del Tedesco tinham um depósito de queijos, compravam em Minas e traziam para Mococa. De lá mudamos para Londrina, após uns dois anos mudamos para Bela Vista do Paraíso, também no Paraná, de onde viemos para Piracicaba.
                                                      A jovem Clélia
Onde a família estabeleceu residência em Piracicaba?

Tínhamos um armazém na Rua Benjamin Constant, 2333. O Alcides tinha um bar bem em frente, onde hoje há um posto de gasolina, na esquina da Avenida João Conceição com Rua Benjamin Constant. O Alcides Saipp, meu marido, nasceu em Rio Claro, no dia 23 de dezembro de 1923, seus pais eram Lucia Saipp e Antonio Saipp. Na época a Avenida João Conceição era de terra, quase em frente a nossa casa havia uma fabrica de barcos de madeira.

A família da senhora mudou-se para a Rua do Rosário esquina com a Avenida Dr. João Conceição?

O meu pai construiu a casa existente até hoje, há inclusive um salão comercial anexo a casa. Havia poucas casas nas imediações, lembro-me dos vizinhos, Jorge Razera, Pedro Razera, João Sabino Barbosa, sua esposa Dona Vitalina, Isidoro Lopes, Rosa Canaan Nassif, muito amiga da minha mãe e com cuja filha Georgina, eu ia quadrar o jardim no centro. Descíamos a pé pela Rua Alferes José Caetano visitava a sua irmã Josefa e íamos até a praça, assistíamos a um filme no Cinema São José, no Broadway, quadrávamos o jardim e voltávamos para casa. Tudo a pé. Quando havia um filme muito concorrido o bonde ia lotado. Ao lado da nossa casa há uma rua particular que dá acesso a um conjunto de casas, ainda era fechada com cerca de arame quando aconteceu um fato que guardo na lembrança até hoje. Ainda era tudo terra, um dia vi um carro fúnebre entrando pela rua particular, comentei o fato com a minha mãe, ele disse-me que a Dona Teresa estava grávida e havia falecido. Era muito cedo, estava frio, resolvi levar um café fresco, ao chegar à casa o corpo estava na sala sendo velado na sala, os filhos dela, conforme iam acordando iam pedindo: “-Mãe! Quero leite!’ ou “-Mãe me dá o café!”. Ela tinha passado mal a noite, faleceu de madrugada, era costume naquela época velar os mortos em suas próprias casas. Nunca me esqueci desse episódio.

As ruas do bairro já eram pavimentadas?

A Rua do Rosário era mão dupla, terra vermelha, o movimento dos caminhões que subiam e desciam por ela, levantavam uma poeira triste. Minha mãe cultivava uma horta no quintal da sua casa.
Alcides Saipp

 

Quando a senhora casou-se?

Casamos em 24 de maio 1953, o Alcides trabalhava como serralheiro com seus irmãos Hélio e José. Uma loja de utilidades domésticas e presentes que existia na Rua Governador, próxima a Avenida Dr. Paulo de Moraes havia sido fechada. Foi quando eu disse ao Alcides que podíamos tentar estabelecer uma loja nesse ramo, já que não havia nas proximidades uma loja que substituísse a que havia sido mudada para o Largo São Benedito. O Alcides passou a procurar um local para abrir a loja, foi quando meus pais ofereceram o salão anexo a casa deles, que estava vazio. Assim começamos ali o nosso estabelecimento comercial. Por volta de 1962 construímos o prédio onde até hoje funciona a nossa loja. Foi o segundo sobrado construído no Bairro da Paulista. A Casa Portuguesa, que ficava no centro, era umas das grandes lojas do ramo, muito conhecida, que infelizmente encerrou suas atividades em conseqüência da queda do Edifício Luiz de Queiroz, o Comurba, quando vários membros da família do proprietário, o Seu Francisco, foram fatalmente atingidos. A loja Ao Cardinali, outra grande expressão do comércio piracicabano, sofreu um incêndio.

A clientela da sua loja é muito fiel?

Às vezes vou até lá, só para me distrair, de vez em quando chega e pergunta se a loja ainda pertence a nossa família. A pessoa então relata que vinha quando era criança ainda, vinha para comprar brinquedo, e que agora está comprando brinquedo para seus filhos.

Seu Alcides tinha algum hobby?

Ele gostava muito de assistir uma partida de futebol do XV de Novembro, ia também até um campo de bocha muito famoso que existia na Avenida Edgar Conceição, entre a Rua da Palma e a Rua Campinas.

A senhora tem quantos filhos?

São três filhos, Wilney, Marilney, Adilney. Sendo que o Adilney embora também tenha feito curso superior decidiu dar continuidade ao comércio que nós fundamos. O sobrenome Saipp é de origem alemã.

A loja tinha muitos clientes que moravam na zona rural?

Tinha muitos, quando havia casamento eles vinham de caminhão, os noivos vinham na cabine e os padrinhos e demais convidados na carroceria do caminhão, que vinha bem cheia. Iam até a Igreja dos Frades, onde a cerimônia era celebrada, na volta paravam em frente à loja, desciam e compravam os presentes para os noivos. Os convidados pediam: “-Pare na Casa dos Presentes para comprar presente para a noiva!”. Era aquele alvoroço! Embrulhar os presentes que era o detalhe, nós comprávamos folhas de papel pardo e papel de seda, como o papel de seda era muito caro, era colocada apenas a metade da folha, ou seja, o presente era embrulhando com o papel pardo, ficando apenas uma dobrinha de papel de seda. Na época fazia muito sucesso o licoreiro, que era composto por uma garrafinha, uma bandejinha e seis cálices pequenos. Um convidado da festa vinha e comprava, depois vinha outro, mais outro, com isso a noiva ganhava muitos licoreiros, eles achavam bonito, compravam o que gostavam, para dar aos noivos. Embrulhávamos os presentes e eles seguiam para a festa, convidados e presentes iam embora, no caminhão. Os padrinhos davam jogo de panelas em alumínio, pratos, jogo de jantar, ou um faqueirinho. Era comum que os padrinhos pagassem as bebidas.

A senhora e Seu Alcides foram padrinhos de muitos casamentos?

Fomos sim, de muitos casamentos e de alguns de batizados. Na Semana Santa e no mês de agosto não havia casamentos. Havia certa superstição com relação ao mês de agosto, diziam “agosto mês do desgosto”, com isso não se casava nesse mês. Era comum a venda de manteigueiras, a manteiga vinha embalada em papel ou caixinha de papelão. Bem mais tarde surgiram as travessas da marca Pyrex, vendia-se muito esses produtos. Hoje já vem em embalagem própria para consumo e armazenamento. Nós vendíamos bacias enormes, próprias para banho, não havia água encanada no bairro. Nós tínhamos um poço, com uma bomba, a água era armazenada em um reservatório e de lá distribuída para a casa. Poucos tinham esse recurso, a maioria tomava banho de bacia. O maior sacrifício quando vendíamos uma bacia dessas, era embrulhar. O cliente tinha vergonha de sair com ela sem embrulhar. Usávamos jornais para embrulhar as bacias. Mesmo outras mercadorias eram embrulhadas em jornais, não havia sacolas plásticas. As pessoas traziam de casa sua própria sacola. Uma panela de alumínio, meia dúzia de pratos, era tudo embrulhado em jornal. Os brinquedos eram levados em sua própria caixa, não havia nada de sacola não.

O que as crianças gostavam de ganhar?

Gostavam de ganhar bolas, carrinhos, bonecas. Chegamos a vender bonecas e cavalinhos de papelão.

Cine Barlan, projetor de imagens movido a manivela

A senhora viajava de trem?

Nós íamos á São Paulo de trem para fazer compras na Rua 25 de Março. Levantávamos de madrugada, embarcávamos no trem logo cedo, o Alcides ia com uma mala e eu ia com outra. Levávamos um lanche de casa, não se consumia em restaurantes, água mineral não era comum consumir-se, se estivesse com sede pedia um copo de água no local onde estávamos fazendo compras. Abria-se a torneira e tomava um copo de água. Era isso que existia. Fazíamos as compras, no final da tarde íamos a pé até a Estação da Luz, tomávamos o trem de volta á Piracicaba e aqui chegávamos ás 10 horas da noite. Da estação até a nossa casa também vínhamos a pé, com as malas. Foi assim que começamos, a vida era dura naquela época. Até hoje, algumas vezes quando meu filho vai fazer compras em São Paulo eu o acompanho, ando bastante a pé percorrendo diversos fornecedores. Qualquer lugar para onde você for para conhecer tem que ir a pé, isso se aplica até em viagens turísticas.

A senhora acha que hoje a população se alimenta melhor?

Há sem dúvida uma maior quantidade de alimentos disponíveis, porém a qualidade é inferior á de algumas décadas. Muito pior. Naquela época obtinha-se o necessário com muito sacrifício, mas era tudo natural. Na horta que a minha mãe plantava, em seu quintal, não se usava adubo ou veneno. Plantava-se tomate, milho, criava-se galinha, porcos. A criação de porcos em fundo de quintal deixou de ser permitida, até então quase todo mundo criava um porquinho, que era tratado com restos de comida e milho, não havia ração e a enorme quantidade de produtos químicos utilizados para a sua fabricação. Atualmente as frutas têm um visual mais bonito, porém são menos saudáveis.

O comerciante tem sua parcela de psicólogo?

Eu via e ouvia muita coisa. Opinião diferente entre algumas noras e sogras era muito comum existir. A sogra vinha e falava a respeito de um objeto, suas utilidades e propriedades. A nora em outra ocasião vinha com outra opinião a respeito. Eu escutava apenas, eles tinham que viverem a própria vida e eu a minha. Quem está no comércio não pode tomar partido em opiniões diferentes dentro de uma família. O Alcides gostava muito de conversar com os vizinhos, ele não ficava muito na loja, era mais eu que permanecia. Quando chegava a noite, nós dois sentávamos e ele então comentava: “-Soube que fulano está doente!” ou “Fiquei sabendo que cicrano mudou para tal lugar!”. Hoje sinto falta dessas nossas conversas. Dia 15 de setembro fará 10 anos que ele faleceu.

Como foi ter que abrir a loja no meio da noite para atender ao pedido de um pai?

Naquela época meia-noite já era tarde, tocou a campainha de casa, Alcides saiu no terraço de casa, era o guarda noturno dizendo que estava com um pai, cujo filho estava com febre, durante o dia ele tinha passado com a mãe e visto um carrinho de folha de lata, era um jipinho. Meu marido abriu a loja para eles entrarem, foi quando o homem disse que estava sem dinheiro. O Alcides deu-lhe o carrinho para que pagasse quando pudesse. Não faz muito tempo veio à criança da época, hoje um senhor, dizendo que seu pai sempre lhe contava a história do carrinho.







Postagem em destaque

  Curitiba é a capital do Paraná, um dos três Estados que compõem a Região Sul do Brasil. Sua fundação oficial data de 29 de março de 1693, ...