PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 7 de maio de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
Ele nadou no Rio Piracicaba, desceu pelas águas do rio desde a conhecida popularmente como Ponte do Mirante até onde mais tarde veio a ser o Bela Vista Nauti Clube, cerca de 10 quilômetros de extensão. Fazia o trajeto da volta também. Viu muita boiada passar pela Rua Luiz de Queiroz e Rua Tiradentes. Tornou-se um talentoso técnico de som e imagem, criou um sistema revolucionário de registro de sessões em Câmaras Municipais, implantadas em 89 cidades do Brasil. Luizão é um modelo do piracicabano típico em sua essência: criativo, humilde, sincero e sempre com muita boa vontade em ajudar o próximo, em qualquer circunstância. Nascido em Piracicaba em 10 de novembro de 1954, Luiz Antonio de Siqueira é filho de Benedito Luiz de Siqueira e Elza Therezinha Soave de Siqueira, ele eletricista e ela dona de casa. O casal teve os filhos: João, Luiz, Benedito, Adriana, Sérgio.
Em que bairro de Piracicaba você nasceu?
Nasci na Rua Prudente de Moraes, 314, centro de Piracicaba. Na época a boiada era conduzida pelas ruas da cidade, entre elas pela Rua Tiradentes, ou Rua Luiz de Queiroz. Eu tinha de sete a oito anos, uma parte da Rua Luiz de Queiroz era de chão de terra, outra parte já tinha sido calçada com paralelepípedo. Onde hoje é o jardim na Rua Luiz de Queiroz havia um campo de futebol, a imensa figueira que domina boa parte da praça era uma planta muito jovem. Nesse terreno por diversas vezes foram encontrados fragmentos de utensílios indígenas, resquícios deixados pelos antigos ocupantes do local. Logo abaixo a Rua do Porto era toda de terra, habitada por pessoas que viviam da pesca. Não havia o requinte que existe hoje, era um local bem simples. Meu pai e seus amigos ficavam na Rua do Porto conversando, sentados junto ao chão.
Seu avô era um celebre pescador?
Meu avô Augusto Gomes da Silva era conhecido como “Gusto Poita”. Os barcos usavam uma poita (ancora) de ferro para estacionar, ele gira em torno do seu eixo sem sair do lugar. Ele era o único pescador que usava grandes varas de metro, ficava dentro da água, com a água batendo pelo pescoço, e permanecia com o seu corpo imóvel, sem sair do local. Ao pescar o peixe ele tirava-o do anzol colocando em um saco de pano imerso na água, ao sair do rio os peixes ainda estavam vivos. Meu avô tinha uma grande habilidade nos pés, de tal forma que praticamente travava os pés sobre o leito do rio, eu ainda menino muitas vezes ficava nas águas do Rio Piracicaba agarrado ao meu avô, que não se movia do lugar.
Era comum criança nadar no Rio Piracicaba?
Nós éramos jovens e nadávamos no Rio Piracicaba, lembro-me dos companheiros, entre eles o Foca, o Dito Polenta. Nadando íamos até o Bela Vista Nauti Clube, nunca medimos a distância, mas eu imagino que seja superior a 12 quilômetros. Fazíamos isso brincando! Descíamos pelo meio das águas do rio e subíamos pelas pontas, nas pontas não existe correnteza.
Não havia medo do famoso “Poção”?
O Poço é uma lenda! O que existe de fato é o rodopio das águas que bate nas pedras. Quando diziam que as pessoas morriam naquele local, geralmente tratava-se de pessoas que não tinham conhecimento do rio. No rio ao nadar você dá duas ou três braçadas para subir uma. Quando nos cansávamos, soltávamos o corpo e íamos á beira do rio, onde permanecíamos por algum tempo. Descansávamos e depois continuávamos subindo o rio. Com o Foca nadei dos 14 anos até quando foram encerradas as atividades do Clube de Regatas de Piracicaba.
E as famosas catraias?
Esse era o nosso hobby favorito, até hoje sonho em um dia poder adquirir uma catraia! Era a paixão da minha vida. Trata-se de um barco tipo bolha, com dois remos, pedaleira fixa, o banco onde o remador senta-se também é fixo. Era fabricado no próprio Clube Regatas com madeira marítima. Tínhamos barcos para 12 remadores, 15 remadores. Colocávamos o que na intimidade chamávamos de “anão”, uma pessoa de estatura pequena que ficava na ponta do barco dando a rota de direção que deveríamos remar, uma vez que remávamos dando as costas para frente do barco. Essa é a posição para tracionar os remos de forma correta. O nosso rio não tinha pedra, tinha peixe! O nosso problema era não bater em peixe grande! Ou até mesmo um cardume! Por ser um barco de velocidade, trabalhando sob muita pressão ele tem uma guia muito grande embaixo, no casco, movimentava também a guia de cima, que chamamos de leme, tinha que conhecer o funcionamento do barco. O rio era calmo, cheio de peixe. Muitas vezes minha mãe decidia fazer um cuscuz de peixe, eu tinha uma camiseta velha, apanhava-a, descia até a Rua do Porto, em frente à Fábrica Boyes havia o escoamento da água utilizada na indústria. A água passava por uma comporta, atravessava sob o leito da rua, movimentava o mecanismo da fábrica, sem jogar óleo ou algum tipo de poluente no rio, dizia-se “- Suba a comporta mais dois graus!” e aumentava-se a velocidade das máquinas. Essa água dava a volta dentro da fábrica toda e saia em uma espécie de funil encostado onde hoje existe a ponte pênsil. Naquele local ficavam peixes do tipo “guaru”, resíduos inócuos, como pó de pano saiam ali, isso atraia pequenos peixinhos. Com a camiseta em forma de coador apanhava uma grande quantidade deles e trazia-os vivos. Em casa minha mãe preparava e adicionava ao cuscuz! Comemos por muitos anos peixes do Rio Piracicaba.
Os peixes eram abundante no Rio Piracicaba?
Muitos pescadores jogavam uma rede para pescar, pegavam grande quantidade de peixes, geralmente não eram vendidas, as pessoas ficavam no barranco com bacias, os pescadores davam os peixes. O hobby era pescar: corumbataí, pintado. O cascudo tem um tipo de um fio nas suas costas, que deve ser tirado para eliminar o gosto de terra que irá permanecer se isso não for feito. Preparávamos e comíamos peixes na barranca do Rio Piracicaba, sem problemas ou abusos contra a natureza. Era um paraíso!
Isso foi antes de ser desviada água para o Sistema Cantareira?
Exatamente. Fui nascido e criado a dois quarteirões da Rua do Porto, freqüentava o Clube de Regatas onde meu pai era sócio há muito tempo, eu tinha ao meu dispor a piscina do Regatas e o Rio Piracicaba.
Havia enchentes do Rio Piracicaba?
Tenho lembrança de muito pouca enchente. Na verdade a avenida invadiu o Rio Piracicaba! A avenida era bem mais estreita, o Rio Piracicaba sempre esteve lá! Há muitos anos o vereador Juan Sebastianes já advertia que esse rio dali a algum tempo estaria morto, porque a base do rio é a mata ciliar e ninguém estava prestando a atenção nisso. A mata protege, alimenta o ciclo de vida aquático, qualquer pessoa leiga no assunto sabe que controlar a vazão do rio a bel prazer irá trazer prejuízos enormes a vida do rio. Essa conscientização deve existir desde o simples ato de um cidadão lavar um automóvel em via pública!
Você já atravessou o Rio Piracicaba andando sobre as pedras?
Já! E posso dizer que fiz isso chorando de tristeza! Imagine que eu ia até a ponte Irmãos Rebouças, mais conhecida como Ponte do Mirante, com uma bóia feita de câmara de trator, sentava nessa bóia e descia, pelas cataratas do Mirante, a altura da água não permitia que a bóia batesse nas pedras, a força da água impulsionava a bóia, não tinha como bater nas pedras. Se você fizer uma coisa dessas hoje irá morrer cortado pelas pedras! O volume de água é muito menor. Em casa em um dos quartos havia três camas onde eu e meus irmãos Beninho e João dormíamos. Não ouvíamos ruídos de carros, ás cinco horas da manhã acordávamos com o ruído das garrafinhas de leite batendo entre si, era o leiteiro chegando e deixando á porta da casa o litro de leite da família, muitas vezes deixando até mesmo o troco em dinheiro se o valor deixado fosse maior, isso quando não era retirado um pequeno vale de papel já pré-adquirido. Quando o Rio Piracicaba estava o que chamávamos de “bravo” ouvíamos o seu barulho a noite inteira, isso na Rua Prudente de Moraes, 314, a três quadras do rio! Era a coisa mais gostosa dormir com aquele ruído. O rio que nós conhecemos em tempos de enchentes é o rio que existia antigamente. O calor era abrandado pelo ar fresco que vinha do Rio Piracicaba. Ás vezes de madrugada tinha que se cobrir! Hoje a poucos metros do mesmo local, o trafego de veículos é tão intenso que apenas no período da 1 á 5 horas da madrugada temos um pouco do silêncio existente há algumas décadas.
No Mirante há um canal de água que vai até o local onde funcionava o Engenho Central, você chegou a nadar nesse canal?
Ninguém podia nadar ali, a água passa com muita velocidade, ficava muito próximo dos equipamentos do Engenho Central, funcionava como um funil para onde a água escorria. Um pedaço de pau de uma cerca que por acaso entrasse naquele canal poderia ficar preso em suas margens, sob a água, formando uma armadilha terrível. Havia uma fiscalização intensa naquele canal, existia um senhor que fiscalizava e cultivava algumas plantas no local. Nós entravamos pelo Mirante, antes do chamado Véu da Noiva há um bico por onde sai água com pressão, descíamos por ali, chamávamos aquela pequena corredeira de água de “Xixi do Noivo”. Havia umas pedras, descíamos por detrás delas com muito cuidado, era comum usarmos chinelos do tipo “alpargatas”, com sola de corda, para não machucar o pé, como por exemplo, ao pisar em algum peixe, como o mandi. Uma ferrada de mandi é muito dolorida.
Na Rua do Porto havia muitas olarias, vocês caminhavam por lá?
Não passávamos por ali. Tínhamos o limite do rio, conhecíamos os lugares perigosos do rio. Andávamos pela Rua do Porto até um determinado limite, não caminhávamos na direção dessas olarias que ficavam mais distantes. Meu pai determinava até que local podíamos ir, e ninguém mais se interessava pelo que tinha além. A nossa visão concentrava-se na Rua Prudente de Morais, Rio Piracicaba e Clube Regatas. Não tínhamos curiosidade de caminhar pelas margens, queríamos nadar no rio. O barranco do rio era todo formado por ranchos de pescadores. Onde hoje existe o bairro Nova Piracicaba era formada por área cultivada, pasto ou mato.
Como era um rancho típico de beira de rio?
Era um local onde as pessoas iam pescar, geralmente mantinham um bote no local, tinham seu fogão de lenha, uma casa muito rústica, poço de água, pescavam, preparavam o peixe, tomavam uma pinguinha, batiam papo com os amigos, davam-se boas risadas, os assuntos eram apenas coisas boas, depois ia cada um para a sua casa. Cada rancho tinha um dono, o que eu freqüentava era de propriedade do Seu Carlito. Ele morava na Rua Prudente de Moraes, 312, trabalhava no conserto de radiadores de automóveis. O hobby dele era o rancho, com seu Fordinho 1929 me levava com seus filhos, íamos até o rancho com esse carrinho, descíamos pela Rua Vergueiro, seguíamos pela Estrada do Bongue, passando ao lado das pedreiras existentes ali. Lembro-me bem do “Morro Tira Saia”, isso porque o Fordinho não tinha força para subir ao chegar lá, descíamos, ajudávamos a empurrar o pequeno veículo, assim que atingia o alto do morro subíamos e continuávamos o passeio, isso acontecia principalmente se tivesse havido chuva.
Como era a relação das crianças com os adultos?
Os adultos eram muito reservados, a conversa de pescador era entre eles, se meu pai estivesse em uma roda de adultos conversando nós não nos aproximávamos. Era assunto de adulto, assim como existia assunto só entre as mulheres.
Você pulava do famoso trampolim existente ao lado do Clube Regatas?
Saltei inúmeras vezes! Era um trampolim com duas pranchas, alto, tinha que saber pular, porque o rio não era tão fundo, quando caia na água tinha que saber virar o corpo para deslizar na água. O pessoal dizia que onde era chamado de “Poço” o rio tinha seis metros de profundidade, a profundidade do rio mais adiante gira em torno de três a quatro metros. Sob as suas águas não se enxerga nada. Nadávamos com a cabeça fora da água, olhando para frente.
Luiz, você exerceu diversas atividades profissionais, mas uma área sempre o atraiu?
Sou apaixonado por som e imagem. Trabalhei com Xilmar Ulisses em seu programa “Gosto não se discute” na Rádio Educadora, meu tio Sérgio José era técnico da Rádio Educadora, foi lá que aprendi a trabalhar com equipamento de som. Mais tarde fui convidado pelo Xilmar Ulisses e pelo Jamil Neto para trabalhar na parte técnica da Rádio FM Municipal, na época funcionava junto ao Semae, em frente ao Cemitério da Saudade. Às seis horas da manhã eu abria a rádio, tocava o Hino Nacional, o bispo Dom Eduardo Koaik fazia a oração e eu permanecia trabalhando na parte técnica até a uma hora da tarde. De lá eu saia e ia trabalhar no Focus Studio, do Fredinho Kraide, situado no ultimo andar do prédio Planalsucar na Rua Treze de Maio esquina com a Rua Santo Antonio. Eu trabalhava na parte técnica, fazia edição e filmagem, época da chamada “edição seca”. Usávamos equipamentos próprios de televisão, o Fred era um profissional muito exigente, trabalhava com uma máquina fotográfica Hasselblad, era um dos melhores estúdios da região. Fazíamos todos os trabalhos com som e imagem, na época já produziamos “book” em estúdio, a lendária modelo “Lu Borelli” foi uma das fotografadas pelo Focus Studio.
Na sua trajetória profissional surgiu o seu trabalho na Câmara Municipal, com a sua criação da Ata Eletrônica, implantada em muitas cidades do Brasil?
Fui convidado pelo vereador Bonassi para trabalhar com a implantação do sistema de imagem na Câmara Municipal, até então as atas era todas manuscritas. Com dois aparelhos de televisão Philco Hitachi desenvolvi o projeto, criei a TV Câmara e a Ata Eletrônica, criei o Arquivo Vivo da Câmara Municipal, Não existia nada disso. Uma ata normal era escrita em setenta folhas, ela passou a ser resumida em horários e datas e referências curtas. Isso revolucionou o registro dos trabalhos na Câmara Municipal. Outras câmaras foram conhecendo e se interessando.
Você instalou esse sistema pioneiro de Piracicaba em quantas localidades?
Instalei até hoje em 89 câmaras municipais do Brasil todo. Esta na WWW.ataeletronica.com.br as referencias com relação a esse trabalho. Em todas as câmaras desenvolvi o projeto, implantei, dei treinamento e autonomia para que essas instituições prosseguissem com seus próprios recursos.
Com isso você viajou muito pelo país?
Cheguei a viajar de 3 a 4 mil quilômetros por semana. Para se ter uma idéia, implantei a Ata Eletrônica até em Manaus!