PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de junho de 2014.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de junho de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: JOÃO JOSÉ SOARES
SINDICATO DOS
TRABALHADORES EM TRANSPORTE URBANO DE PIRACICABA E REGIÃO
O senhor é natural de qual cidade?
Sou meridianense, nascia 25 de
setembro de 1951 em Meridiano, um município do
Estado de São Paulo fundado
em 1960 e pertence à Microrregião de Fernandópolis.Sou filho de Deocleciano José
Soares e Felicidade da Costa Soares. Eles trabalhavam na agricultura. Tiveram
os filhos: Maria, Manoel e eu João José.
Até que idade o senhor permaneceu em
Merediano?
Até meus 16 a 17 anos. Lá estudei
até o quarto ano primário, mais tarde complementei meus estudos, já em São
Paulo.
Em Meriadiano o senhor já
trabalhava?
Trabalhava na roça com algodão,
arroz, todo tipo de cultura que fosse plantada tinha que trabalhar. Comecei a
trabalhar aos sete anos.
Quem decidiu mudar para São Paulo?
Foram os meus pais, fomos morar na
Vila Guarany, mais tarde conseguimos adquirir um terreno em São Mateus onde
construimos uma casa. A mudança nossa foi feita com um caminhão, um Chevrolet
Brasil. Nós tinhamos um primo que trabalhava como empreiteiro nas Indústrias JB Duarte S/A, que produzia
óleos vegetais para fins industriais e alimentícios. Esse meu primo contratava
o pessoal que descarregava os caminhões que chegavam carregados de amendoim, soja,
girassol, grãos, para fabricar óleo entre eles os de marca “VIDA”, “ÓLEO MARIA”, “GILDA”, “CERES”, e “JB”. Fui
trabalhar com o meu primo isso foi em 24 de julho de 1968. Em 1970 ou 1971
acabei sendo admitido pela JB Duarte.
O
senhor continuou fazendo o mesmo trabalho?
Aí
peguei um serviço mais leve, encaixotar as latas de óleo nas caixas. Na época
éramos cerca de 300 funcionários. Nesse tempo levávamos as marmitas de casa. Eu
era o último que almoçava.
Por quê?
Isso foi no período em que eu trabalhava limpando os
tanques dos caminhões. Internamente a cada metro e pouco havia compartimentos,
para que o óleo não entornasse o caminhão, com um rodinho eu entrava nos
tanques, tirava a borra de óleo que sobrava, era uma pasta que sobrava da
moagem do amendoim da soja, utilizada para fazer sabão, havia outros subprodutos
como o óleo, a prensagem dos grãos era feita na unidade de Santo Anastácio, o
macacão que eu usava ficava todo sujo, eu almoçava por último por causa do
cheiro que exalava em função do trabalho que exercia. Dependendo do dia eu
limpava três a quatro caminhões no dia. Um caminhão de 30.000 quilos deve ter 6
repartições. Existe um buraco de uma repartição para outra, como eu era
magrinho passava por elas. Era um serviço gostoso, melhor do que trabalhar na
roça.
Quanto tempo foi a
sua permanência na JB Duarte?
Foi por volta de um ano e meio, em 1972 fui trabalhar
como cobrador de ônibus, a Vila Ema Transportes Coletivos Ltda.
Qual foi a sensação que o senhor teve no primeiro dia de
trabalho como cobrador de ônibus?
Foi a pior possível. Aquele mundo de gente em pé, nem
sempre tinha o troco certinho para voltar, isso no tempo em que o cobrador dava
dois puxões na cordinha de sinal para fechar a porta traseira. Naquela época
não existia a carteirinha de idoso, todo mundo pagava a sua passagem. No ponto
final fazia a leitura dos números da catraca, entregava a féria ( dinheiro das
passagens recebidas) na última viagem. Em cada ponto final fazia uma leitura,
se fossem quatro viagens seriam quatro leituras.
Quanto tempo durava uma viagem de ônibus na linha que o
senhor fazia em São Paulo?
Cheguei a ficar três horas em uma única viagem. Da Vila
Ema ao Parque D.Pedro.
Pessoas muito obesas às vezes não passavam pela catraca?
Isso sempre existiu, assim como gestantes, cadeirantes,
são pessoas que pagam a passagem, mas não passam pela catraca, que é girada
pelo cobrador para registrar a passagem.
Após oito meses tirei a carteira de motorista. Saí da empresa e por oito
anos trabalhei como motorista de caminhão. O primeiro caminhão que fui dirigir
foi um Mercedes-Benz, modelo 1519. Trabalhei com Scania, com o Mercedes 1520,
Alfa-Romeu. Atualmente a tecnologia evoluiu muito, o próprio computador trava o
veículo se ele não estiver em condições de sair rodando. Antigamente o painel
mostrava óleo e água, isso quando acendia.
O uso do freio do caminhão exige muita técnica por parte
do motorista?
Todo transporte, inclusive o urbano, tem o freio motor, é
um sistema de freio que ajuda a reter o veículo. Se eu pegar uma serra, e
descer o tempo todo pisando no freio, a lona de freio sofre um desgaste
anormal, o ar que aciona o freio se estiver carregando direitinho não tem nada
a ver. Imagine 40.000 toneladas descendo a Serra de Petrópolis, que considero
uma das mais acentuadas do país, o motorista tem que ser muito hábil, descer em
baixinha velocidade, o freio motor e o freio a ar é conjugado, portanto a
velocidade tem quer muito lenta na descida. Vemos caminhões de alto custo sendo
conduzidos por motoristas que apesar da elevada responsabilidade que assumem,
recebem uma remuneração totalmente inadequada. Muitos acidentes que ocorrem
hoje poderiam ser evitados se não submetessem os motoristas a uma carga horária
de trabalho acima da capacidade suportável.
Mas recentemente foi decretada uma lei que regulamenta o
tempo de trabalho e o tempo de descanso a cada jornada do motorista.
Infelizmente é uma lei ainda impraticável por falta de
infra-estrutura nas estradas. Se um motorista para em um acostamento para
descansar ele está sujeito a acidentes. Se você for de Piracicaba à Brasília,
quantos pontos de parada você encontrará para jantar e descansar? Não existem
em números suficientes! Outro fator é que os motoristas ganham por
produtividade, quando deveriam ter um salário fixo digno, que não os submetessem
a correr e oferecer riscos nas estradas. Um caminhoneiro ganha R$ 1.460,00
reais na carteira, você acha que ele pode parar de rodar às 18 horas para
seguir viagem no dia seguinte? Ele tem que seguir para ganhar comissão sobre a
produtividade. Existe de fato uma fiscalização que abrange a todos? A lei foi
feita para o caminhão não rodar, mas não pensaram enquanto o motorista irá
ganhar.
O sindicato do qual o senhor é presidente, o SINTTRANSP,
abrange só o transporte de pessoas?
Só transporte urbano, de passageiros.
Qual é a carga horária média de um motorista que dirige
ônibus urbano?
Alguns dirigem cerca de 8, 9 a 10 horas diariamente. Só
que existe um problema sério, existe ônibus que passam nas casas dos
motoristas, transportando-os para a garagem a fim de que possa iniciar o
trabalho, cada um dirigindo o seu ônibus. O primeiro motorista que toma o
ônibus que o conduzirá até a garagem, tem que levantar às duas horas e quarenta
minutos da manhã. Esse ônibus que os apanha é chamado pelos motoristas
como “negreiro”, um tema pejorativo que abomino e usado há muitos anos. Tem
oito motoristas que moram em Artemis. Às três horas da manhã passa o carro
(ônibus) que os apanha lá. Em seguida o carro vai até a Balbo, no Sonia, no
Parque Orlanda, no IAA, ele chega na garagem as quatro horas e dez minutos da
manhã. Com isso o primeiro motorista que entrou nesse ônibus, foi transportado
por uma hora e vinte minutos ou uma hora e meia. A noite se dá o mesmo
processo, ou seja, em média para ir trabalhar ele andou quase três horas como
passageiro de ônibus dirigindo-se ao seu trabalho. A carga horária do motorista
entre sair e voltar para casa é de no mínimo doze horas por dia. Infelizmente
não é todo mundo que tem um carro, uma moto, e vai deixar parado seu veículo
onde?
O senhor considera que o
motorista de ônibus urbano sofre restrições?
Considero que ele acaba sendo
discriminado, se for a uma festa de aniversário, ou a uma reunião familiar, se
for dormir a meia noite às três horas da manhã tem que estar pronto para ir
trabalhar. Ele não tem muito lazer junto a família. Na Copa do Mundo muitos
funcionários param, alguns até horas antes de iniciar o jogo. O motorista não
pode parar. Isso acontece também no natal, ano novo. Só aqueles cuja folga
coincida com esses eventos é que podem usufruir junto a família.
O senhor é o primeiro presidente
do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Urbano de Piracicaba e Região?
De transportes urbanos sou.
Anteriormente era ligado ao Sindicato dos Condutores Rodoviários de Piracicaba.
O senhor veio para Piracicaba em
que ano?
Eu vim para Piracicaba no dia 29
de outubro de 1988. Tinha uns conhecidos aqui, vim, gostei da cidade e aqui
fiquei. Sou casado em segundas núpcias com Valdenia Muniz Soares. Sou pai de
cinco filhos, sendo dois do segundo casamento e três do primeiro.
Chegando a Piracicaba em que bairro
o senhor foi morar?
Morei na Balbo, no inicio demorei
um ano para conseguir emprego como motorista. Nesse período fiz um pouco de
tudo, trabalhei como servente de pedreiro, em demolição de casas antigas, no
dia 16 de outubro de 1989 fui trabalhar como motorista na Auto Ônibus
Paulicéia. Fiz muitas linhas, a linha do Bairro Verde eu adorava fazer.
Em São Paulo o senhor trabalhou
em várias empresas de ônibus?
Trabalhei também na CMTC Companhia
Municipal de Transportes Coletivos. Em São Paulo dirigi inclusive onibus
elétrico, fazia a linha de São Mateus até a Praça João Mendes. Quando chovia,
as vezes ao passar pela chave que existe na fiação aérea, o contato
desengatava, com um varão, debaixo de chuva tinha que encaixar o contato na
rede aérea. Geralmente o cobrador não tinha como deixar a roleta, o motorista é
quem tinha que fazer aquele serviço. Eu não gostava muito de dirigir onibus
elétrico.
O onibus elétrico é mais
rápido do que o onibus a diesel?
Aquilo
é um vagão de metrô. Pisou vai embora! O sistema de freio deles é inimaginável.
Para instantaneamente. Tem o freio elétrico e o freio mecânico.
O senhor fez algum curso
especial para dirigir onibus elétrico?
Tem
que ter um treinamento específico. Para mim a CMTC foi uma das maiores e
melhores empresas que existiu no Estado de São Paulo. Permaneci na CMTC de 1981
a 1988. Era uma empresa com cerca de 25.000 funcionários.
O senhor conheceu Jânio Quadros?
Todo prefeito era presidente da
CMTC. Jânio foi o melhor presidente dessa empresa. Ele sempre negociava com o
sindicato, dizia que não queria o sindicato na sua porta. Fazia visitas de
surpresa na CMTC. Foi muito bom. Lembro-me também do Mário Covas.
Quando o senhor passou a ser
motorista de ônibus em Piracicaba, estranhou muito?
Os modelos de ônibus eu já
conhecia de São Paulo. O que me chamou a atenção era o tempo para almoçar: de
sete a dez minutos. O órgão municipal responsável pelo trânsito na época não
dimensionou junto ao trabalhador a forma de idealizar o horário. Quando eu já
estava como presidente do sindicato, conseguimos em comum acordo com os
empresários e junto aos órgãos responsáveis, estabelecer um horário de refeição
para o motorista.
Quando foi criado o Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Urbano de
Piracicaba e Região?
O inicio foi como Associação dos Motoristas de Transportes
Urbanos em 17 de agosto de 1998. Após um longo período de negociações, em 2004
a documentação foi oficializada, A Carta Sindical data de 12 de julho de 2007.
Porque houve essa separação do
Sindicado dos Condutores Rodoviários de Piracicaba?
Na realidade eu comecei a
associação no dia 21 de setembro de 1996. Quando eu trabalhei na CMTC tinha um
cobrador que trabalhava comigo e era diretor do sindicato. Eu via sua luta. Ao
pensar em montar a Associação, recebi o apoio de vários companheiros de outras
localidades. O Sr. Laerte Valvassori no meu entender foi um dos maiores
sindicalistas patronais. Houve um desentendimento sobre o pagamento de horas
extras. Nós prosseguimos trabalhando normalmente por sete horas e vinte minutos
diariamente. Não deixamos a população sem transporte até as sete horas e meia
da noite. Dali em diante não havia mais ônibus circulando pela cidade. Isso
durou uma semana.
Quantos motoristas integram o
sindicato?
O transporte de Piracicaba
atualmente tem de 650 a 700 trabalhadores. Abrange Piracicaba, Rio das Pedras,
Charqueada, Águas de São Pedro e São Pedro.
O senhor tem algum salário pago
pelo sindicato?
Não. Sou funcionário registrado
na Empresa Beira Rio. Somos dezesseis diretores. Afastados, que se dedicam ao
sindicato são cinco. Somos filiados a CUT. Quando iniciei o sindicato os
associados não tinham tíquete de refeição, a cesta básica era bem fraquinha.
Temos dois cabeleireiros, dentistas, convênio médico com a Amhpla, Santa Casa Saúde, inclusive para os
motoristas aposentados que representam de 10 a 15 por cento dos trabalhadores
no transporte.
Com que idade o motorista se aposenta?
Em muitas cidades só pode ser contratatados motoristas com no máximo 45
anos de idade. Nós temos em Piracicaba motoristas com 65,66, anos, tinha um que
aos 72 anos trabalhava ainda. E era muito competente, mais até do que alguns
bem mais jovens. Piracicaba é a unica cidade que não impoem limite de idade
para trabalhar.
O motorista de onibus sofre a tensão natural do trânsito e a presão interna
dos passageiros.
Eu gostaria muito de ter a oportunidade de ter um reporter acompanhando um
dia de um motorista de onibus, desde o momento em que ele sai da casa dele até
quando retorna. Tenho sérias dúvidas se o reporter consiguirá completar o dia
ao lado do motorista. A tensão é muito grande.
Em Piracicaba os onibus tem cobradores?
Não tem cobradores. É feita a venda a bordo. Antigamente não havia esse
sistema, uma pessoa residente em outra cidade ao chegar a Piracicaba não tinha
como se locomover a não ser que fosse até o terminal adquirir cartão de
transporte. Dinheiro não era aceito para pagar a passagem no próprio onibus.
Isso gerou muito conflito entre motoristas e passageiros. Em 2007 criei a
sugestão do cartão, o motorista passou a vender o cartão no onibus. A passagem
de onibus em Piracicaba custa R$ 2,95.
Quantos carros (onibus) correm por dia em Piracicaba?
São 218 carros em 103 linhas. Atigamente havia várias empreseas, com a
ultima licitação existe apenas uma empresa responsável por todas elas. Os
veículos estarão em uma única garagem, em Santa Terezinha. Tudo indica que
deverá ficar melhor a forma de dialogar, inclusive acertar horários de linhas.
O Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Urbano de Piracicaba e Região
recentemente realizou algumas conquistas inéditas aos seus associados?
É importante salientar que o nosso sindicato de Piracicaba foi o único que
sobresaiu em conquistas realizadas, ultrapassando seus congeneres. Realizamos
uma grande campanha, resultando no maior reajuste da categoria, 10% sobre o
salário. Reajuste de 13,30% no vale refeição, reajuste de 18,5% na cesta
básica, reajuste de 23,5 % no Plano de Lucros e Resultados. O vale refeição
será fornecido inclusive quando o trabalhador estiver em férias.