domingo, setembro 09, 2018

PEDRO MOTOITIRO KAWAI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 14 de julho de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO:  PEDRO MOTOITIRO KAWAI
Pedro Motoitiro Kawai nasceu em Piracicaba a 5 de março de 1971. Filho de Naoki Kawai (Pedro Fuji) e Inês Terezinha Furlani Kawai que tiveram ainda os  filhos: Cássia Kishino Kawai e David.Naoki Kawai sendo que este mora no Canadá. Pedro iniciou seus estudos no pré-primário do Colégio Dom Bosco, fez o curso primário no Grupo Escolar Dr. João Conceição onde a sua primeira professora foi Dona Abla. Estudou o ensino médio no Colégio  Estadual Dr. Jorge Coury, concluído fui para o Japão. Cursou Administração de Empresas.
O que o levou a morar no Japão?
Em 1992 tudo começou com o convite do pai do meu amigo André Nishimura que residia a uma quadra da Igreja Nossa Senhora dos Prazeres. Após termos estudado juntos no Grupo Escolar Dr. João Conceição, por um período de tempo fomos para escolas diferentes e nos reencontramos no Tiro de Guerra de Piracicaba. O meu sargento era o Celso. O sargento dele era o Rizatto. Logo após terminar o Tiro de Guerra o André foi para o Japão. O seu irmão mais novo, o Fábio também foi. De tanto o pai dele insistir acabei aceitando o convite.
Você falava japonês?
Nada! Cheguei sem saber falar nem “Bom dia!”. Na época tinha o professor de basebol muito atuante, o Sr. Chiriki Yoshii incentivou-me a estudar japonês aqui no Brasil, antes de ir para o Japão. Lá estudei japonês, para nós brasileiros é um idioma muito diferente. Eu também queria conhecer as minhas raízes. Quem acendeu essa luz foi o Sr. Chiriki. Por mais que eu freqüentasse a colônia japonesa em Piracicaba, desde criança, não é a mesma coisa. Os costumes japoneses aqui são muito abrasileirados. Já no Japão comecei a pesquisar, saber onde era a terra onde meus avôs nasceram meu tio Paulo tinha mais relacionamento com nossos parentes japoneses. Interessante que após  minha ida ao Japão muitos familiares também foram, minha irmã, duas primas, dois primos, meus tios Paulo, Kenji.
Você foi trabalhar em que setor?
Chegando lá fui trabalhar em uma fábrica de carros, a Subaru. A fábrica chama-se Fuji Juco. Trabalhei durante seis anos nessa fábrica. Fui para lá com 21 anos e solteiro. Lá conheci a minha esposa, Graciane Moreira Kawai.nascida em Bauru, a mãe dela é descendente de japoneses. Eu trabalha na montagem dos carros IMPREZA, ela também trabalhava na Subaru em Fuji Juco. Só que na montagem de motores, câmbios, em um galpão vizinho. Os brasileiros reuniam-se muito. Após alguns anos ela estava esperando nossa filha Luana Ayumi Moreira Kawai, e ela manifestou a vontade de dar a luz aqui no Brasil.
Aqui você passou a trabalhar em que área?
Fomos morar em Bauru. Fui trabalhar com copiadoras Xerox. Vendia máquinas, suprimentos, percorria toda a região de Bauru, São Manoel, Jau. Meu pai pedindo para voltar para Piracicaba. Ele tem uma vidraçaria na Paulista há 43 anos. Em meados de 2003 voltei para Piracicaba. Fui trabalhar com o meu pai na vidraçaria, que é o lugar onde comecei a trabalhar desde os 10 anos.
É um serviço perigoso para criança?
Extremamente! Na época meu pai era presidente da Casa do Bom Menino, e lá tinha oficinas de aprendizado: serralheiro, marceneiro, eletricista. Recentemente teve a comemoração de 50 anos da Casa do Bom Menino, fizeram uma exposição de fotos antigas, algumas fotos dessas oficinas, imagine um menino de 12, 14 anos trabalhando com uma serra circular, sem luvas, sem óculos. Na época era um procedimento considerado normal. Muitos amigos são hoje excelentes profissionais, graças ao aprendizado que receberam. A meu ver o perigo não está na profissão e sim em deixar a exploração acontecer. Na vidraçaria do meu pai eu não tinha tanto contato com vidro aos 10, 12 anos. Meu serviço era varrer a vidraçaria, atender ao telefone, quando mexia com vidro estava sempre monitorado. Na época havia quatro funcionários, sempre estavam por perto, nunca eu estava sozinho. Para cortar o vidro passava o diamante e tinha que bater na mesa para separar, isso eu já fazia. Infelizmente inúmeros casos, de exploração infantil, aconteceram no Brasil. Meu pai ensinou-me uma profissão.
Nossas legislações ou não existem ou quando são elaboradas são extremamente radicais?
Exatamente! Nós sabemos que temos que dar estudos, educação, saúde para a criança. Será que todos conseguem? Há aquele garoto com DNA que não quer saber de estudar! Nesse caso nem estuda e nem trabalha.
Os jogos eletrônicos hipnotizam crianças, jovens e até mesmo adultos.
Mas isso pode tornar-se uma profissão! Vejo de outra maneira, são novos tempos. Será uma profissão para alguns, para outros não. O mercado atualmente é muito dinâmico. Algumas das nossas leis têm que ser revistas. Estou com 47 anos, há 16 anos, quando voltei ao Brasil não havia essa enormidade de celulares, ainda compravam-se linhas convencionais, alugava-se. Quando iríamos imaginar que iríamos conversar com vídeo em qualquer canto do mundo, como se faz hoje? Há 20 anos internamente o Japão dava os primeiro passos nessa direção. A Copa está acontecendo na Rússia é como ali na esquina de casa! O mundo ficou pequeno, a dinâmica mudou!
Você chegou a brincar rodando pneu de automóvel pelas ruas?
Quando eu era criança era uma brincadeira normal, assim como o “arquinho”, uma pequena roda de borracha direcionada por uma haste de ferro.
Imagino que se um garoto hoje rodar pneu, arquinho, como brincávamos irá ser encaminhado ao psicólogo!
Exatamente! Eu era um “zero à esquerda” com esse arquinho! A meu ver temos que modernizar a legislação. Para a nossa realidade. Hoje não posso mais imaginar que o Estado tem que defender com unhas e dentes. Seria o papel do Estado, só que ele não tem condições! A família terceiriza a educação dos seus filhos através dos professores. Estamos com leis avançadíssimas, próprias de uma Dinamarca, para uma realidade completamente diferente, para um país continental, uma desigualdade social gigantesca. Temos o exemplo da lei de Diretrizes Para a Educação Básica, fizeram um escopo, para o Brasil inteiro se não houver a regionalização, que é o que está acontecendo, cada região ter o seu critério local, não irá funcionar. Um presidiário atualmente custa R$ 28.000,00 por ano e um aluno R$ 2.000,00 por ano. O único caminho para melhorar uma nação é a educação! Veja os países orientais: o Japão foi destruído por duas guerras, ressurgiu das cinzas através da educação. Um país que compra tudo: petróleo, comida, bebida, vem tudo de fora. Coréia é a mesma coisa. China é a mesma coisa. Quando eu trabalhava no Japão, a China mandava trabalhadores para o Japão, o governo chinês subsidiava uma parte do pagamento deles, o salário de um brasileiro pagava quatro chineses. Eles ficavam um ano na Subaru, voltavam para a China para aplicar o que tinham aprendido no Japão. Isso não era só na fábrica de carro. Aonde você andava tinha chinês: fábrica de computador, eles estavam em todos os lugares.
A relação Japão e China era meio antagônica?
Acho que não. O Japão aprendeu que não adianta ficar em conflito. O povo japonês é muito pacato, conciliador.
Ao regressar ao Brasil você trouxe experiências culturais vividas no Japão?
Esse renascer da cultura japonesa que se deu comigo, fez com passasse a participar ativamente das atividades do Clube Nipo Brasileiro (Clube Cultural e Recreativo Nipo Brasileiro de Piracicaba CCRNP), em um dos eventos o Deputado Mendes Thame disse: “Precisamos ter um candidato da colônia japonesa”. Disse-lhe “Imagine Thame! Nem pensar!”. Ele ficou 2003 martelando, martelando, até que aceitei. Em 2004 saí candidato, pelo PSB, fiz 543 votos. Meu pai pegou no meu pé: “Dos 543 votos que você teve, 250 são meus, estão achando que sou eu o candidato!”. Não fui eleito, na nossa chapa foi eleito o saudoso Chico D`Água. Uma das bandeiras dessa campanha era a revitalização da Estação da Paulista. Ela estava totalmente abandonada ha mais de 20 anos, tornando-se um local inapropriado para ser freqüentado. Combinei com Barjas Negri, se você for eleito vamos restaurar aquele espaço. Após a eleição dele, muitos projetos, a Estação da Paulista é o que é hoje: Três centros culturais, uma pista de caminhada,  ‎playground, é um cartão postal da cidade. Assim que ele começou a reforma ele me chamou para ser um dos diretores de lá. No começo de 2006 foi inaugurado o primeiro espaço que é a “Estação Idoso José Nassif”, acompanhei a construção da pista de caminhada, restauro do Pacheco, restauro do Maria Dirce, que é o Pólo Musical, em 2008 sai candidato de novo. Pulei de 543 para 1200 votos. Também não fui eleito. Já estava no PSDB. Graças a Deus em 2012 fui eleito com 2243 votos.
Quando você entrou na Câmara Municipal, no primeiro dia, após ter sido eleito, qual foi a sua sensação?
Teve a diplomação no Tetro Municipal, depois foi a posse, a eleição da mesa no Salão Nobre, foi tudo tranqüilo. A primeira vez que sentei naquela cadeira de vereador, na segunda fileira, terceira cadeira da direita para a esquerda, onde hoje está o Johnson, quando eu sentei-me ali, veio um arrepio, virei para a platéia, estava lotada, 23 vereadores tomando posse, família de todos, até então estávamos olhando o telão, de costas para o publico, quando virei a primeira pessoa que vi foi a minha filha, na porta com a minha esposa. Pensei: “Nossa e agora? Agora sou um homem público!”. Cheguei onde pensava em chegar. A responsabilidade é muito grande. Por dois motivos: a primeira grande responsabilidade é o nome que eu carrego, muito forte, meu pai com a questão do Bom Menino, a APAC Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, o envolvimento social do meu pai é impressionante, sua honestidade. E minha  mãe com sua fé e  participação religiosa. O segundo motivo muito forte é o fato de ser o primeiro descendente de japoneses a ser eleito como vereador em Piracicaba. Isso tudo me ocorreu quando sentei naquela cadeira pela primeira vez. “Que peso!” pensei. Confesso que até hoje é muito pesado.
Diz a lenda, que em algumas casas de leis, há composições entre os representantes para aprovações de projetos. Isso ocorre? 
Nesses dois mandatos que exerço, a grande virtude dessa Casa, foi que não precisei em nenhum momento articular para ter algum benefício, ou alguém veio articular comigo para que não fosse em benefício da comunidade. Recebi propostas indecentes de fora para dentro. De pessoas que conhecem minha articulação política.
Você e a vereadora Márcia Pacheco foram destaques em um momento histórico que a Câmara viveu recentemente.
Sou muito autêntico. A Márcia Pacheco e eu fomos a favor da revogação do Título de Cidadão Piracicabano dado ao ex-presidente Lula. (O ex-presidente tomou conhecimento das discussões que ocorreram, na Câmara de Vereadores, a respeito do Título de Cidadão Piracicabano que foi outorgado a ele em 2013 e não entregue.). Há umas tramitações para tirar o título dado a José Serra, eu acho que tirar título não é o caminho, se foi aprovado pela Casa é um demérito. Porque vou quebrar uma coisa que a Casa aprovou? Quando foi proposto o título para o Lula fui contra, não me convenceu de que ele merecia o título. O que tem que ser muito claro é que o Título de Cidadão Piracicabano tem que ser dado para a pessoa que de fato mereça. Às vezes o vereador até erra em conceder um título.
O vereador deve ser informado sobre pequenos problemas que incomodam a população?
Eu preciso desse tipo de informação, o vereador precisa disso, não é trabalho do vereador tapar buraco, cuidar do corte de árvore, semáforo, mas é serviço público, cabe ao vereador contatar o secretário do respectivo setor. Por exemplo: “O meu tio está internado na UPA da Vila Cristina e precisa de uma vaga no hospital X”, ai não é papel do vereador. Quem tem que fazer isso é o médico. O que o vereador faz é acompanhar. Ligar para a central de vagas, saber se está sendo bem atendido na UPA. O nosso papel é cobrar o bom atendimento do serviço público.
Como você vê o Rio Piracicaba antes do mirante?
É uma visão maravilhosa! È a região da Avenida Renato Wagner. Sempre passava pela Avenida Renato Wagner, quando trabalhava com meu pai na instalação de vidros, toda vez que trabalhávamos na Vila Rezende, Santa Rosa, voltamos pela Renato Wagner ou pela Rua do Porto. Sempre margeando o Rio Piracicaba, sou apaixonado pelo nosso rio. Eu não imaginava a visão do Rio Piracicaba que a Avenida Renato Wagner tinha. Maravilhosa! Com os recentes melhoramentos paisagísticos ali realizados ficou digno das grandes e belas cidades do mundo. Piracicaba é linda e está sendo bem administrada, nos últimos 20 anos ela foi bem administrada sim. Três mandatos do Barjas e um mandato do Gabriel são quatro mandatos de economistas. Que entendem de recursos. Piracicaba é o pólo da região. Quem não tem atendimento em Americana, Santa Bárbara D`Óeste, Saltinho, Rio das Pedras, Rafard, vem para cá. Indiretamente Piracicaba atende a 56 municípios.
Piracicaba pode ser considerada Região Metropolitana?
Já comporta. Não sei como está na Assembléia, mas está sendo transformada de Aglomerado Urbano em Região Metropolitana. De 2014 pra cá foram mais de 30.000 pessoas que saíram do plano privado de saúde e vieram para o público. Provavelmente esse mesmo número deve ocorrer na educação. Esses números são de Piracicaba, não estamos considerando a região. Piracicaba tem aproximadamente de 400 a 450 mil habitantes, isso representa que quase 10% da população estão migrando para o atendimento público. Piracicaba é muito bem administrada, consegue pagar seus salários em dia, paga seus fornecedores em dia, consegue investir um pouco, tem um trabalho de articulação política dos vereadores e do prefeito com os deputados que tiveram votos aqui na última eleição, para vir recursos. Tanto é que só agora no final do primeiro semestre nós aprovamos projetos por volta de 25 milhões, sendo 90% da Saúde Pública.  
O que faz um vereador?
Oficialmente o vereador faz leis e fiscaliza o Executivo. Esses são os dois principais papéis do vereador.
Essa fiscalização do Executivo é feita de que forma?
Atua no dia a dia, acompanhando obras, execução, orçamentos. O Prefeito para realizar alguma coisa tem que atender a três leis orçamentárias: Lei Orçamentária Anual; Diretrizes Orçamentárias e Plano Plurianual. Se o Prefeito propõe na Lei Plurianual construir uma creche por ano, tem que cumprir. O grande problema do poder público? É que ele trabalha com perspectiva de orçamento. O Executivo trabalha com perspectiva de orçamento: “Eu acho que vou ter R$ 1.600.000,00 em 2018.”. Se acontecer algum fator inesperado a arrecadação prevista cai para R$ 1.200.000,00. E daí onde irá ser cortado o orçamento? Daí entra na Lei Anual, tem que mudar as leis.
Há diferença de tratamento por parte da União com relação a pequenas cidades e cidades maiores?
O bom de cidade pequena, se pode ser chamado de bom, é que consegue um recurso maior do Governo Federal do fundo de participações de municípios. Brasília arrecada 60% de todos os recursos. Cidades que teoricamente se sustentam recebem menos recursos do que cidades menores.
Quanto ao voto distrital é uma boa medida?
Acho interessante quando se trata de nível estadual e federal. Sem citar nomes, temos um candidato que veio à Piracicaba, teve 6.000 votos e nunca mais voltou. E não trouxe um centavo para Piracicaba. Na realidade foram dois deputados federais. Fizemos projetos, emendas, o prefeito mandou os projetos, não veio nenhum centavo. Piracicaba e região têm que votar em candidato daqui, ele irá defender Piracicaba e cidades vizinhas. Acho que deve haver troca, toda troca tem seus prós e contras. Não adianta trocar sem qualidade. Tem que filtrar, ver o que é bom e o que é ruim. Hoje o Brasil passa por um momento em que necessita separar o joio do trigo. Muitos desacertos que estamos assistindo é por causa do comodismo e dos acordos que se faz durante anos. A mais importante reforma que tem que ser feita é a política. Temos deputados eleitos com um milhão de votos e outro eleito com quinhentos votos.
Há muitos dinossauros ocupando cargos políticos?
Há e muitos. Eles já amarraram muitas pessoas. O Brasil precisa ter urgentemente uma revisão dos cargos comissionados. Não pode se pagar uma fortuna para alguém que não tem nenhum conhecimento para ocupar o cargo.
Falta educação política, sem partidarismo, na própria escola?
Falta! O espírito de cidadania. Conhecer seus direitos e também seus deveres. Uma coisa básica, veja o público,  existe a lei de que quando é tocado o hino nacional, todos que possam devem levantarem. Quantas vezes vimos isso acontecer nos jogos da Copa na execução do Hino Brasileiro? Quando eu tive Educação Moral e Cívica, e veja, não estou falando de educação partidária, aprendíamos conceitos de cidadania. Hoje temos de forma velada em algumas universidades uma educação partidária, seja A ou B. O Brasil não pode ser levado ao radicalismo, ele tem que ter uma educação neutra. Tem que saber que existem a esquerda, a direita e centro. Você escolhe lá na frente.
Como estão nossos jovens?
Pergunte a um jovem se ele sabe por que é feriado nacional? Isso serve para qualquer data. Temos que começar a trabalhar a ética, o comprometimento desde a infância, assim como os escoteiros trabalham. Tem que estar enraizado, acabar com o “jeitinho” brasileiro. Extinguir a “Lei de Gerson”.
Há uma afirmação filosófica de que “O corrupto não se conserta, ele aprimora seus métodos”
Infelizmente é verdade.
Hoje você participa de alguma entidade?
Sou Diretor Social do Clube Nipo Brasileiro, Diretor Social do Lions Cruzeiro do Sul.
O seu pai trabalhou muito para a comunidade.
Eu cresci vendo isso, portanto acho natural a participação nas mais diversas comunidades. Uma das imagens marcantes da minha infância, meu pai trabalhou na fundação da APAC- Associação de Proteção e Assistência ao Condenado uma imagem corriqueira era ele entrando na então cadeia existente na Rua São José, tinha uma porta de aço, com um visor aberto, eu via aqueles braços, com as mãos para fora das grades, cumprimentando meu pai. Ele ia lá no fundo do corredor e lia o Evangelho para os detentos.
Temos que mudar o sistema carcerário do Brasil, verdadeiras masmorras medievais.
Urgente! O ser humano tem que trabalhar produzir, sentir-se útil. Por exemplo, há carência de restauradores. Eles têm enormes condições de concentração! Restaurar uma obra. Hoje o grande problema enfrentado pelo sistema carcerário é o aumento da população feminina, aumentou em 60%.  População masculina aumentou 25%. Se é a população feminina que está aumentando é focado nela que temos que iniciar o trabalho.
E os sistemas preventivos como câmeras em locais estratégicos?
A exemplo de Limeira, onde denominam de “Muralha Inteligente”, Piracicaba instalou câmaras em locais previamente estudados. São câmeras de última geração, chamadas de Câmeras Inteligentes.
Está ocorrendo que uma série de serviços inerentes a União e ao Estado estão sendo passados ao município?
A União arrecada verbas, distribui ao governo estadual e aos municípios. Só que serviços que antes eram prestados pelo governo estadual ou pelo governo federal foram repassados ao município, com o importante e essencial detalhe, sem a verba correspondente. O município que se vire! Muito se discute sobre a vaga integral. A obrigação para as crianças a partir de quatro anos não é a vaga integral, é dar a vaga. A mãe precisa trabalhar. Só que não conseguimos dar 6.000 vagas em período integral. Nascem 6.000 crianças por ano, daqui a quatro anos vou ter que ter vagas para aquela criança nascida há quatro anos e mais 18.000 crianças nascidas nos três anos seguintes. É humanamente impossível o Estado atender tudo sozinho. O fato de trabalhar com Previsão de Orçamento já é um fator variável. Há previsão, mas não a certeza de que haverá verba.
Qual é a saída?
Acatando o pensamento de um sábio e ponderado amigo, o que temos a fazer no Brasil é potencializar o que temos de melhor. O que está errado nós já sabemos. Está a vista. Tirar da frente o que está ruim e potencializar o bom. Fortalecer o bom. O mundo inteiro tem problemas, não ocorre só no Brasil. Porém também temos políticos bons, médicos bons, bons professores, chegou a hora do limão fazermos a limonada. Precisamos potencializar o bem! Temos que fortalecer a gratidão!
Você participa de carnaval?
Já participei muito. Eu era da Caxangá como diretor de harmonia e diretor de barracão. Comecei a participar do carnaval de Piracicaba quando o Massao era diretor , construía carro alegórico, tem uma passagem que nunca vou esquecer, o enredo da Escola Caxangá falava das lendas brasileiras, e falava do boto, construímos um carro alegórico em forma de boto. O Massao é perfeccionista, nós já estávamos no finalmente, colocando os espelhinhos, era sábado, as seis horas da tarde, nós íamos desfilar no domingo, ele chegou e disse: “Esse carro não vai para a rua!”. Pegou um martelo e quebrou o boto inteiro. Disse: “Ou vocês refazem esse boto ou agora não vai mesmo!”. De bravo pegamos e refizemos, começamos as nove horas da noite do sábado quando foi sete horas do dia seguinte estava pronto. Ele disse: Agora está com cara de boto!” Teve muita gente boa que passou pela Caxanga: Breda Paulistinha, Luiz Previatti. Na bateria tinha Beto Aversa, Gilson ABC, Carlão ABC foi figurinista por muitos anos. O Gilson toca muito, conhece muito de música.   

MARIA APARECIDA CORREIA DE SOUZA (CIDA DO CARTÓRIO)


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de julho de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.teleresponde.com.br/
 
 

ENTREVISTADA: MARIA APARECIDA CORREIA DE SOUZA
                                                   (CIDA DO CARTÓRIO)
Maria Aparecida Correia de Souza, nasceu na cidade de Marília, a 16 de setembro de 1947. É filha de Joaquim Correia de Souza e Izaura Pereira de Souza. Seu pai era viúvo com quatro filhos Maria (Mariquita), José, Mercedes e Marina. Sua mãe era viúva com três filhos: Áurea, Eduardo e Jandira, eles casaram-se em segundas núpcias tendo dessa segunda união quatro filhos: as gêmeas Noêmia e Madalena, Maria Aparecida e Neide, reunindo assim onze filhos do primeiro e segundo casamento de ambos. Seu pai era pedreiro em Marília, foi lá que ele faleceu. Sua mãe ficou viúva com todas as crianças, na época Aparecida tinha quatro anos. Os filhos do seu pai com sua primeira esposa casaram, foram morar em São Paulo, Paraná, todos que estão vivos mantem contato até hoje.
A sua mãe ficou viúva pela segunda vez, com onze filhos, qual foi a primeira providência dela?
Quando meu pai faleceu minha mãe veio para Piracicaba com os quatro filhos do segundo casamento e dois do segundo casamento, um ficou em Marília. Os filhos mais velhos já tinham casado ou mudado para São Paulo.
Sua mãe decidiu vir para Piracicaba por alguma razão especial?
Minha avó Georgina já morava aqui com minha tia Hilda, irmã do meu pai. Naquela época tinham a fábrica de Doces Andrelina. Aqui tinha condições da minha mãe trabalhar, vender doces, para sustentar os quatro filhos. Ela vendia doces também da Padaria Vosso Pão, a proprietária era Dona Augusta, essa padaria ficava onde hoje é o Edificio Canadá, construído por Virgilio Lopes Fagundes. Existia na Rua Governador Pedro de Toledo , entre a Rua São José e Moraes Barros a Padaria Inca. A PANSA foi outra padaria que marcou história na cidade.
Quais eram os doces mais conhecidos?
Eram doces caseiros, marmelada, goiabada, nós ficávamos limpando as goiabas, éramos todos pequenininhos. Minha mãe saia vender doces pelas ruas de Piracicaba. O curso primário eu estudei no então Grupo Escolar Dr. Prudente de Moraes. Depois segui meus estudos já na juventude. Freqüentei a Escola Modelo, tempo do Alcides. Hoje o ensino está com o acesso muito fácil do que antes.
Vocês moravam em que local?
Morávamos entre a Rua São João e a Rua Santa Cruz. Era um corredor de uma rua para outra. Ela assim nos sustentou, vendendo doce. Além da venda d doce ela passou a lavar roupas para outras famílias. Fomos crescendo. Aos sete anos eu já trabalhava de babá, fui ajudar a uma doméstica que trabalhava na casa da Profa. Dra. Marly Therezinha Germano Perecin, seu marido Noedy Perecin. Eu olhava a criança, a Conceição, filha da empregada da Dra. Marly. Em determinado horário eu saia, ia até a casa da Dona Lazinha que ficava na Rua São João, ia pegar e entregar marmitas para funcionários que trabalhavam ali por perto.  Passei a trabalhar como doméstica nas casas de família. Dos sete aos dezessete anos eu trabalhava como empregada doméstica. O ultimo emprego em que trabalhei como doméstica foi na casa do João Ferraz de Arruda do 3º Cartório de Notas, isso no tempo em que não existia enceradeira, o piso de madeira era limpo com palha de aço, encerado e dado brilho com escovão (uma escova grande assentada em um pesado suporte de ferro fundido que era movido pelos movimentos  dos braços de quem estava trabalhando). Eu trabalhava também na copa. A Dulce, cunhada da minha irmã, trabalhava como cozinheira. Na época o Cartório do 3º Ofício ficava na Praça José Bonifácio, próximo a Rádio Difusora. A casa em que eu trabalhava ficava na parte posterior do cartório. Nessa época já morávamos na Rua Voluntários de Piracicaba, 1405, casa 5, na Vila Mercedes, no fundo de onde morava aquela família de portugueses, Milanes, que tinha banca no Mercado Municipal. Ali se casaram minhas irmãs, a Jandira casou-se com José Maria, são pais do Dr. José Silvestre da Silva. Em casa ficaram minha irmã mais nova do que eu, a Neide, uma irmã que veio morar conosco com suas duas filhas pequenas: Fátima e Soninha, minha mãe e eu.
Você casou-se?
Casei-me com Dalvi Rodrigues Ele trabalhou muito tempo na UNIMEp. Minha irmã Neide casou-se com o irmão dele. Tivemos uma filha Rossana. Namoramos por três anos e meio, casamos e permanecemos casados por três anos e meio.
Como você foi trabalhar no Cartório?
Eu trabalhava como empregada doméstica na casa anexa ao Cartório do 3º Ofício, minha mãe vendia doces. Um dia estava indo para casa, um senhor perguntou-me se era filha da Inês. Disse-lhe que não. Naquele tempo não podia nem conversar com homem; Disse-lhe que a minha mãe chamava-se Izaura. Ele disse-me: “É que conheço a sua mãe, compro doce dela, ela pediu para que se pudesse arrumasse um serviço para você, você já tem datilografia)” (Na equivalia a alguém que atualmente sabe utilizar programas básicos de computador).   Ele prosseguiu: “Tenho uma amigo, Tácito Morato Kräenbühl (Oficial Maior do Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de Piracicaba). Eu disse-lhe: “-Converse com a minha mãe”. Falei com a minha mãe, ela confirmou que tinha conversado com esse senhor,  O Seu Vinicius trabalhava no Cartório, ligou no meu trabalho, ele disse-me que dia primeiro de abril eu deveria ir até o 1º Cartório, isso faz 53 anos, foi em 1964.
Era um período de mudanças sociais no mundo todo?
Aquela época era uma época de muito  preconceito, inclusive muito forte com relação a cor da pele. E o fato de ser afro-descendente a pessoa era física e verbalmente discriminada. Antes de casar passeávamos no centro de Piracicaba. Os negros tinham espaço segregado: Rua Morais Barros, Rua Governador Pedro de Toledo e Rua São José, a calçada que passava pela Praça José Bonifácio em frente os restaurantes Alvorada, Brasserie, Banco do Brasil. A Praça em si era exclusiva para brancos. Quando comecei a trabalhar no Cartório, só duas mulheres negras tinham postos normalmente ocupados por brancas e até mesmo o ambiente predominante era masculino. A Genoveva era a outra mulher negra que trabalhava no Banco do Brasil. Mesmo o bonde sendo barato, para nós era difícil pagar. O bonde que ia para a agronomia passava pela Rua José Pinto de Almeida.
Era chão de terra ainda?  
Era terra! Essa Rua Regente Feijó quando chovia o pessoal chamava de “Rua Escorrega, lá vai um!”.Era  só barro! Na Rua Voluntários de Piracicaba, na Rua Bom Jesus, depois é que veio o calçamento em paralelepípedo.
Você chegou a ver os enterros subindo a Rua Moraes Barros, o caixão sendo carregado pela Rua Moraes Barros, íngreme, por homens de terno preto sob um sol causticante?
Lógico! Eu acompanhei o enterro da minha mãe. Iam segurando o caixão na mão. Não tinha carro. Bem depois disso montavam barracas de melancia, abacaxi, éramos menininhas, não víamos as épocas desses eventos para fazer roupas, só se fazia roupas para finados, Festas do Divino.  Como trabalhávamos de empregada, no Natal ganhavamos muita roupa de patroa. Comida quando tinha muita a patroa nos dava para levar para casa. Hoje muitos que passaram por isso pelo nível de conforto que possuem são milionários. Conto para minha filha, minhas netas, que a minha mãe nos criou vendendo doce pelas ruas.
Lembra-se do COMURBA?
Nessa época em que caiu o COMURBA eu trabalhava de doméstica na casa situada na Rua São João esquina com a Rua Cristiano Cleopath de propriedade de Luiz Ferreira Grosso. O pai dele, Manoel Ferreira Grosso. faleceu sob a queda do COMURBA. Ele era engenheiro, o carro do bombeiro passou com o corpo.
Paramos no período em que você foi admitida no Cartório de Registro de Imóveis e Anexos ( Protestos, Títulos e Documentos, Pessoa Jurídica) do Tácito Morato Kräenbühl.
Depois separou tudo. Fomos fazer a entrevista: Eu, Antonia Tabai Alves e Rita Quadro, vimos o Milton Ramos escrevendo a máquina ficamos encantadas. No final do dia ele disse para voltarmos no dia seguinte para trabalhar, nós três voltamos, a Rita saiu, eu e a Antonia ficamos, a Antonia aposentou-se faz pouco tempo, resolveu parar. Ela ficou no Kräenbühl até o final. Depois o Tácito faleceu ela ficou com a Maria Luiza.
O Cartório é hereditário?
Antigamente era.
Você trabalhou em outro cartório?
Fui ao Cartório do Primeiro Oficio, na Rua XV de Novembro para ver se precisava de serviço fora do horário, eu trabalhava no Kräenbühl e precisava trabalhar mais para sustentar a minha filha. Comecei  fazendo fichário, saia do Kräenbühl, depois comecei a trabalhar também em “O Diário” de propriedade de Cecílio Elias Netto, na Rua São José, ficava a noite para pegar os pequenos anúncios. Ia e voltava a pé até a minha casa no Bairro Verde. Em “O Diário” fiquei uns dois ou três anos. Tinha três empregos. Até que fui trabalhar no Cartório do Primeiro Oficio O Seu Olavo Leitão que era o Tabelião se aposentou, ficou o Ben-Hur Galvão do Amaral ele passou a Tabelião e tinha o Galdino Antonio Grisotto que era o Oficial Maior. Atualmente Cartório não é mais hereditário, desde que entrei para trabalhar em Cartório havia a previsão de que o Cartório passasse a ser do governo, teve o concurso, o Tabelião que nós temos hoje, Oficial Cartorário: Júlio César Bezerra Rizzi veio de Ibitinga, por concurso. Tabelião substituto; Paulo José Cardoso. Substituto: Émerson Akira Gaban. Eu fazia escrituras, mini compras, depois que me aposentei passei a atender mais o público em balcão. Como tenho bastante conhecimento é mais vantajoso para o patrão ter alguém assim na frente. Cartório é um serviço de muita responsabilidade.
Você deve ter presenciado muitas situações curiosas ou diferentes.
Antigamente havia sim, principalmente quando algum herdeiro discordava da partilha e se negava a assinar, antigamente era terrível, ali no Cartório da Rua Boa Morte, às vezes saia cadeirada, um dos herdeiros achava que estava demorando muito saia para beber, quando voltava já arrumava encrenca, agora melhorou muito. Herdeiros nunca vistos pela família apareciam. São fatos que acabam sendo conhecidos das pessoas presentes. Temos que agir dentro da máxima ética. Hoje temos uma boa equipe de funcionários. O Nome Oficial é: 1º Tabelião de Notas de Piracicaba, popularmente conhecido como 1º Cartório de Notas. Data de Instalação do Cartório: dia16 de agosto de 1822.
Todo atendimento ao público traz grandes satisfações e amizades, mas às vezes vem alguém de mau humor, como você lida com isso?
Hoje já aprendi! A minha vida é levantar às seis horas da manhã. Faço o café. Faço o almoço, minha filha é psicóloga com diversos cursos na área, trabalha em uma escola pública no Bairro Bosque do Lenheiro. Trabalha com as crianças, tem uma boa relação com elas e com os pais. Ela presta serviço no Grupo São Francisco que adquiriu carteiras das operadoras Amhpla e HFC. Trabalha como psicóloga para contratar funcionários. Por nove anos ela trabalhou na Polibrasil. Só que como tem duas filhas, a noite ela precisa estar com as crianças. Meu genro é engenheiro na Delphi que é uma empresa de autopeças norte-americana e uma das maiores do setor no mundo, contando com cerca de 169.500 empregados. E dá aulas também. Saio do cartório ao meio dia, passo em casa engulo a comida, pego as crianças e levo na Vila Rezende. Às 13:00 horas estou no Cartório! À noite assisto uma novelinha suave, com as crianças, minha filha dá um reforço nos estudos delas. Com isso tudo encaro as situações sem me estressar! Atendo as pessoas da melhor forma possível.
Como você vê a educação que é dada as crianças atualmente?
A meu ver a criançada é muito folgada hoje! Antigamente não era assim. Hoje o celular é uma febre.
Você é uma pessoa muito conhecida em Piracicaba?
Mais do que tostão!
Você nunca teve a tentação de entrar para a política?
Já falaram muito para que eu entrasse, mas nunca quis.
Qual seu hobby?
Gosto de periodicamente viajar, amanhã mesmo vou com uma amiga assistir a um show de Tiago Abravanel, em São Paulo. Geralmente durmo a meia noite, às seis horas estou em pé!
Você se considera uma pessoa abençoada por Deus?
Eu digo que tenho Deus 24 horas por dia na minha vida! Às vezes algo parece que vai dar problema eu confio em Deus. “Sou do tipo que não deixa o almoço para a janta” sou muito sincera. “Deixei de ser branca para ser franca”.
O testamento é público?
Antes era qualquer pessoa tinha acesso, hoje não. O testamento só é entregue se a pessoa tiver falecido e o advogado apresentar a certidão de óbito. Quando era aberto antes do falecimento da pessoa trazia muitos inconvenientes, inclusive risco de vida para o doador.
Hoje o seu cargo qual é?
Sou escrevente. Comecei a trabalhar com 17 anos,aposentei-me pelo IPESP após completar 30 anos de serviço. O Ben-Hur quis que eu permanecesse no Cartório, recolhi mais 16 anos e aposentei-me pelo INSS.
Cartório é uma prestação de serviço que nunca irá terminar?
Acredito que não irá acabar, pois se trata de uma garantia ao cidadão. Além das constantes mudanças de leis, que visam atender as necessidades do público. A internet facilitou muito o acesso rápido às alterações. Seguir as alterações legais é o que dá validade a um documento.
Você gosta de música?
Gosto! Já fui ao Rio de Janeiro assistir aos desfiles das Escolas de Samba. Tenho vontade de ir novamente! Aqui em Piracicaba eu saí desfilando na Escola de Samba “Qual é o Pó?” Eu nem cheguei bem a sair quando vi tinham arrumado um carro alegórico, eu acompanhava na rua! Minha mãe era viva, sentávamos na guia da rua para assistir os desfiles na Avenida Armando Salles de Oliveira. Eu gostava de carnaval, ia no Clube Treze de Maio, depois que casei não fui mais.
Você conheceu o auditório que existia na Rádio Difusora com shows ao vivo?
Quando eu tinha uns 10 resolvi ir cantar na Rádio Difusora. Aos domingos ia cantar e ganhava um pacote de pó de café Morro Grande! Lembro-me do trem da Estrada de Ferro Sorocabana, do córrego do Itapeva, o trem passava ali na Avenida Armando Salles. De tarde com a minha mãe íamos pegar cambuquira para fazer sopa, éramos muito pobres. Minha mãe lavava roupa para um açougueiro, ele dava aqueles ossos, vinha com carne, fazia aquela sopa! Coisas que dá saudade! Sopa de fubá com cambuquira!
A corrupção existe pela oportunidade ou pelo caráter da pessoa?
Pelo caráter!
Você gosta de futebol?
Gosto! Sou corintiana! Não sou fanática, sento em uma roda de amigos e vamos vibrar! Estamos assistindo a Copa do Mundo! A gente quer que o Brasil ganhe, o Neymar estava movimentando-se menos do que a gente esperava em alguns jogos. Fica uma torcida!

Vítor Pires Vencovsky


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 23 de junho de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
 

ENTREVISTADO: Vítor Pires Vencovsky
 Vítor Pires Vencovsky nasceu na Santa Casa de Misericórdia, em Piracicaba a 19 de junho de 1965. Filho do Professor Roland Vencovsky, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo e Maria Olavia Pires Vencovsky, professora que trabalhou nos anos anteriores a sua aposentadoria nas escolas “José de Mello Moraes” e “Escola Estadual Sud Mennucci’. Tiveram cinco filhos: Claudia, Vitor, Norberto,Cecília e Ronaldo.
Você fez seus primeiros estudos em qual escola?
Comecei no Dom Bosco no jardim de infância, pré-primário, depois fui passando por várias outras escolas, estudei no Grupo Escolar Moraes Barros, APAF-Escola Estadual Dr. Antonio Pinto de Almeida Ferraz, depois fui para os Estados Unidos, meu pai foi estudar lá, estudei um ano lá, eu tinha nove anos. É o lugar mais ao norte do centro da América, um dos lugares mais frios daquele país.
Como foi a sua adaptação lá?
Criança com nove anos adapta-se fácil em tudo. Claro que um caipira chegando a um lugar grande sente a diferença, Saint Paul é a capital do estado. Não é a maior cidade, a maior é Minnesota, uma cidade ao lado. Morávamos em uma casa. Só tenho lembranças boas de lá. Principalmente da escola, é muto diferente, há um desenvolvimento humano  mais completo do que aqui. Essa é a minha opinião, hoje, analisando a educação no mundo. Focam em muita arte, esporte, música, laboratórios, além da sala de aula como a nossa, existem essas atividades. Isso em escola pública, a Edgerton Public School. O aluno permanecia na escola até as três horas da tarde. Em 1974 eles já praticavam isso. 
E a alimentação?
Não havia a preocupação que existe hoje, se a comida iria engordar. O que lembro-me muito é do leite, nos Estados Unidos o leite é outra coisa. Não é o que temos aqui.  Os Estados Unidos estavam saindo do Vietnã, me lembro, não sei porque, que eu desenhava muito tanque de guerra, se eu fizer hoje um desenho de tanque de guerrá será aquele tanque da época do Vietnã, acho que foi influência da televisão.
Você fez amizades lá?
Não posso afirmar que fiz amizades, 9 anos é uma criança, atualmente se viajarmos para outro país quando retornamos, mantém-se o contato com a pessoa pela internet,naquela época não existia nada disso. O que marcou muito foi a neve, é um lugar onde a temperatura chega a 40 ou 50 graus negativos. Você tem que colocar um fluído especifico no radiador para não congelar todos os líquidos que tem dentro do carro. Fizemos muitos bonecos de neve. Fomos ao supermercado deslizando um trenó pela neve, não dava para ir de carro. Era utilizado como um carrinho de supermercado que deslizava pelo gelo. Tinhamos uma boa relação com os vizinhos.
Praticava esportes?
Joguei futebol ! Em 1974 os americanos já estavam investindo em futebol, os meninos e as meninas jogavam juntos. Recentemente vimos que o futebol feminino americano é muito forte. O futebol lá pegou mesmo, para as meninas. As opções de estudo e educação eram inúmeras. Por exemplo, perguntavam : “Qual instrumento de música você quer tocar?” Você escolhe, tem todo tipo de instrumento. Eu escolhi flauta. Pergutavam: “Qual esporte vcê quer praticar?” A arte também, “Pintura, desenho, o  que você quer fazer?”. Isso já faz 50 anos! Um olhar  para o desenvolvimento humano bem maior. A preocupação não é só com o objetivo de passar em vestibular. Não bastava ser bom em matemática e inglês, o ensino está voltado para o desenvolvimento completo do ser humano. O ser humano é muito mais complexo e eles trabalham todas as facetas do indivíduo. Dediquei a minha vida inteira para a àrea de ciencias exatas, até inicir um contato maior com as artes, agora estou no Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, na Academia Piracicabana de Letras, estou adorando essa parte de arte. As vezes o mundo nos conduz para a profissão, ser engenheiro. e a arte como é que fica?
Em 1975 voces voltaram para o Brasil?
Exato, e naquela época quando chegava de outro país virava o centro das atenções. Isso aconteceu comigo, assim como com outros amigos cujos pais também trabalhavam na ESALQ e viajaram como  nós. Nossos brinquedos, roupas, eram diferentes. O mercado consumista americano é desenvolvido há muitos anos. Minha mãe cita que nas decadas de 70,80, quando a pessoa viajava para o exterior iam amigos, familiares, até o aeroporto para despedirem-se. Era um acontecimento! Atualmente tornou-se um fato comum. Naquela época era um contecimento excepcional, motivo de festa! Tanto na ida como na volta! Em 1975 fui estudar no Honorato Faustino, onde estudei três anos e meio, a oitava série fui estudar no Dom Bosco. Logo em seguida meu pai foi trabalhar em Sete Lagoas, Minas Gerais, foi chefiar uma unidade da EMBRAPA,  então de setembro de 1979 até o final de 1983 morei em Sete Lagoas. Cheguei, fui apresentado à classe inteira da escola, perguntaram de onde eu era. Respondi: Piracicaba! A sala inteira ficou um bom tempo rindo muito! Não entendi nada. Passados alguns anos conclui que devo ter me expressado no legítimo caipiracicabano, o sotaque forte. O mineiro tem um sotaque muito diferente. Mas foi lá que passei a juventude. Tive duas fases em Sete Lagoas, uma em que moramos dentro da EMBRAPA, para ir para a escola o onibus da EMBRAPA nos levava e trazia. Lá a EMBRAPA tinha uns 500 metros de rua só com plantações de pés de goiaba nas laterais. Outra de amora, tamarindo, e outras frutas. Vivíamos em cima de àrvores comendo uma variedade grande de frutas. Convivemos muito com a natureza. No último ano é fomos morar na cidade. Foi uma libertação! Morava no centro da cidade. Vivemos a vida comum a um jovem da cidade: bailes em clubes. Sempre joguei basquete, na escola, lá eu jogava no time da cidade.
Você é um bom atleta de basquete?
Meia boca! (risos). Quando eu estava no mini do Clube de Campo de Piracicaba, tinha começado a jogar basquete, com treinamento do Marquinhos. No primeiro jogo, fomos jogar em São Paulo, a primeira bola que veio na minha mão fiz a cesta de “chuá” (É a cesta que é arremeçada e não toca no aro vai direto , é muito bonita de ser feita.). Também parou por ai!
De Sete Lagoas a família voltou à Piracicaba?
Tínhamos as opções de permanecer  em Sete Lagoas ou voltar à Piracicaba. Decidimos voltar. Fui fazer engenharia mecânica na Escola de Engenharia de Piracicaba, entrei em 1984.
Você teve um destaque na Escola de Engenharia?
Quando entrei, alguém falou: “Quem for o melhor aluno vai fazer estágio na Petrobrás no Rio de Janeiro!”. Parece que em uma das turmas anteriores alguém conseguiu isso. Resolvi estudar bastante, gosto até hoje de engenharia, estudei muito! Fui considerado o melhor aluno da turma.
E o prêmio?
O prêmio foi um diploma. A época em que fiz engenharia talvez tenha sido no final de um tempo em que havia um Brasil que tinha projetos nacionais. A engenharia no Brasil acabou no final da década de 70. A década de 80 é o que chamam de “década perdida”. Não teve projeto, inflação alta, foi um caos. A engenharia que existia até aqui em Piracicaba, São Paulo, Rio de Janeiro, de grandes obras do Brasil, hidroelétricas, tudo aquilo que os militares fizeram, usou-se muito a mão de obra dos engenheiros. Eu e vários amigos da Escola de Engenharia fomos trabalhar em outras áreas. Como vendedor técnico. Antes de me formar consegui um estágio na Philips, no Departamento de Projetos da Unidade de Piracicaba. Gostei muito disso. Projeto é arte. Vejo na nossa história um fenômeno a separação e o rótulo: você é apto para a área de humanas, ou só de exatas, como se fosse possível concentrar o indivíduo dentro de uma condição absoluta.  A meu ver isso é inexistente, o individuo pode desenvolver várias atividades.
Como foi o desenvolvimento do seu trabalho na Philips?
Após toda a tramitação de seleção, no primeiro dia de trabalho meu chefe me disse: “ Tenho duas notícias para lhe dar, a partir de agora a Philips não vai projetar nada.” Aqui entra  um fato interessante, tinham técnicos, que não eram engenheiros não, fui contratado na Philips sem ter o diploma. Fora do Brasil diploma não funciona, não é o importante. Nós valorizamos muito o diploma, no exterior valoriza-se o conhecimento. Ele então explicou que os projetos viriam de Singapura, da Holanda. Recebíamos muitos desenhos, era o inicio da informática, quando eu estava lá ela tinha uma sala enorme com dois ou três computadores gigantescos. Era de desenho de CAD. Hoje faço o mesmo desenho em um notebook. Meu trabalho era receber desenhos, em papel vegetal, eu tinha que adaptar aquele desenho para o Brasil. Tinha que conferir tudo, alguns números não estavam muito bom, raspava com gilete e desenhava em cima de novo. Trocava a legenda e colocar o selinho da Zona Franca de Manaus. Os produtos eram produzidos lá. Piracicaba era a Unidade Som a Unidade Vídeo era em Guarulhos. A segunda notícia que ele falou foi: “-A Philips vai sair de Piracicaba”. Fui morar em Guarulhos. Aqui entra um detalhe importante, eu tinha dois meses de Philips, surgiu a oportunidade de ir para o Japão, o japonês responsável tinha trabalhado na Usina de Itaipu, queria manter o português dele. Fiquei dois meses no Japão. Isso foi no período em que eu estava estagiando na Philips, parei o estágio e fui.
Em que cidade você ficou?
Fiquei em Tóquio. Isso foi há 30 anos. No Japão as lojas de departamentos. Cada andar é um equipamento. A parte inferior é de fotografia e filmadora. A de cima com eletrodomésticos. Outro andar só de aparelho de som. Era outro mundo! Naquela época fui visitar a Televisão NHK, televisão pública, o pessoal confunde estatal com público. Público significa que os japoneses pagam uma mensalidade para fazer uma televisão de qualidade. Conheci os estúdios onde fazem as novelas dos samurais, de 2000, 3000 anos atrás. Entrei em uma sala e conheci a televisão de alta definição que eles estavam começando a fazer. Naquela época. Depois de 30 anos essa televisão chegou ao Brasil! Piracicaba começou agora! Lá já tinha CD, DVD aqui ainda era o disco de vinil! O Japão de que se fala aqui eu vi lá. Vai asfaltar a rua, em um dia está pronto. O trem lá é maravilhoso. Onde morei, no bairro de Shinjuku é como a Avenida Paulista de São Paulo. A sede das grandes corporações japonesas estão geralmente nesse bairro. Normalmente no Japão você não tem prédio alto, por causa de terremoto. Nesse lugar tem vários prédios. Existe um sistema que conheci na época, é como se fosse uma sapata grande sendo composta por uma camada em aço e outra de borracha, e assim são feitas várias camadas. Hoje deve ter coisas mais avançadas.
E o trânsito? Você dirigiu lá?
Dirigi, é diferente por ser o sistema inglês, o motorista senta-se do lado direito do veículo. Dirigi muito pouco, não há a necessidade de carro lá. Não sei se existe isso escrito, mas saí de lá com a seguinte impressão, se você olhar todos os tipos de transportes que existem, prioridades: o trem; bicicleta que anda na calçada, não anda na rua, tem prioridade sobre o pedestre inclusive. Depois vem o pedestre. Carros e motocicletas não são prioridades. Se você comprar um carro, azar seu. Não tem onde estacionar carro, tudo é muito apertado. Se comprar um carro tem que ter garagem.
Você morava em apartamento?
Eu morava em uma das salas do prédio onde ficava a empresa. Eles alugavam meia dúzia de salas pequenas, em uma dessas salas era onde eu dormia, junto com as caixas, era um depósito na verdade. Tinha épocas em que ficavam caixas até o teto onde eu dormia. O pessoal que trabalha com urbanismo diz que aqui no Brasil é tudo muito compacto, no Japão você tem avenidas largas, parques maravilhosos, há espaço. Na área residencial as ruas são mais estreitas. Mas há grandes áreas abertas, bonitas.
E as cerejeiras?
Existem muitas, na primavera fazem festas com milhares de pessoas no parque, fazendo piquenique embaixo da cerejeira. Os templos são maravilhosos.
E a alimentação?
Pode-se dizer que o ocidental passa um pouco de fome. Não é aquele prato de arroz e feijão que a nossa mãe faz. Não existem coisas que enchem o estômago. Quando somos jovens, o pensamento é “Vou comer isso aí?”. Quando mais velho, o pensamento é: “Que comida saudável!”. Comem peixes, legumes, isso é muito saudável. Senti muita falta de doce. Quando podia comprar um chocolate era uma coisa excepcional, o japonês não tem doce como os nossos. Na família que cuidou de mim ninguém comia doce. Há os doces japoneses, que é bem diferente. Após o tempo em que permaneci no Japão, voltei, continuei estudando. No comecinho de 1989 me formei, fui morar em Guarulhos.
De Tóquio para Guarulhos!
Fui trabalhar na Philips, só que essa empresa japonesa tinha aberto um escritório aqui em São Paulo a Branico-Brasil Nippon Company. Fiquei menos de um ano na Philips de Guarulhos. O pessoal dessa empresa japonesa me chamou para trabalhar na empresa que haviam montado no Brasil. Em 1989 trabalhei nessa empresa em São Paulo. Em 1990 voltei pra o Japão onde permaneci por um ano. Vendíamos um aparelho chamado Video Printer ( impressora de vídeo), ele substituiu o revelador de filme de Raio X, dos aparelhos de ultrassom. Antigamente a pessoa ia fazer ultrassom, com a bexiga cheia, a imagem era enviada para uma reveladora de filme, tinha que ver se o resultado do filme era com boa qualidade, isso levava um tempo enorme, esse aparelhinho de vídeo captava ao imagem do ultrassom e imprimia na hora. Eliminou o processo da pessoa ficar esperando com a bexiga cheia! Foi uma revolução para a área médica. Passei esse tempo que fiquei nessa empresa, participando de congressos da área médica na área de imagem. Vendendo essa idéia para os médicos, vamos trocar essa reveladora gigantesca que consome filmes, produtos químicos que tem que revelar, ter câmara escura, seu consultório não precisa mais de uma sala de revelação. Você tem um aparelhinho embaixo do ultrassom, aperta um botão a imagem sai na hora. As primeiras máquinas eram da Sony. Pegávamos da Sony, no sistema Original Equipment Manufacturer (OEM), trazia esses equipamentos já com a marca trocada lá. Uma prática comum nas indústrias hoje. Já não se usa mais essa tecnologia, joga tudo para o computador. Pode imprimir ou não, sem ter a necessidade de usar papel térmico. Uma coisa que me marcou muito, eu estava em um parque com a família desse japonês, sua mãe, sua esposa, os dois filhos, ele apontou para uma criança junto com seu pai, ambos com uniforme de beisebol. Ele disse-me: “-Está vendo aquele pai? Ele aproveita a vida, eu trabalhei a minha vida inteira”. Hoje fico pensando, o Japão é uma ilha, onde não existe nenhum recurso natural, como construíram aquele país? Com trabalho! Aprendi naquele momento que para construir um país tem que trabalhar! Vinte e quatro horas por dia! Fico admirado, estamos passando este momento da Copa quando tudo para! Esses países que são líderes é porque a maioria das pessoas trabalham. No Japão chegam a extremos. Para o japonês assistir jogos é luxo. Hoje esse japonês tem uma empresa de alta tecnologia, com patentes. E 300 funcionários. O Japão ocupa a posição em que está porque tem muita gente trabalhando muito e sério, organizado. Fiquei alguns anos nessa empresa no Brasil. Foi um período complicado, havia a reserva de mercado, tinha muitos pedidos, mas havia a cota de importação. Os médicos querendo adquirir os equipamentos, mas não tinha como entregar. A empresa mudou para Ribeirão Preto, eu fui para lá, conheci uma moça. E em uma dessas viagens para esses congressos médicos. Fui para o Rio de Janeiro. Em um congresso no Hotel Nacional. Falei para essa amiga de Ribeirão Preto: “Estou indo para o Rio de Janeiro, vou ficar sozinho lá.”. Ela disse-me: “Tenho uma amiga que mora lá. Liga para a Catarina!”. Quando cheguei no Rio liguei para a Catarina, hoje a Catarina é a minha esposa! Neiva Catarina Giacomel. Ela é de Caxias do Sul, os seus pais moravam em São José do Rio Preto.
Você chegou telefonou para ela e qual foi a reação dela?
Ela trabalhava no Hospital da Marinha, é militar. Imagine só, eu ligando para militar! Ela atendeu, disse que não conhecia a moça que era a minha amiga, ai disse-lhe: “-É a Marta de Ribeirão Preto, estudou enfermagem com você, na USP!”. Daí ela lembrou. Como as coisas aqui estavam meio incertas, fui trabalhar no Rio de Janeiro. Lá nos casamos no civil. O casamento religioso foi em São José do Rio Preto.
Um detalhe pessoal, como marido de uma mulher militar, quem manda e quem obedece?
(Risos) Isso independe da condição civil ou militar, a mulher manda no homem há muito tempo! Como ela trabalhava no hospital o ambiente é muito diferente das bases, dos navios. Claro que a hierarquia ajuda, ela comandava a CTI e a Emergência. No ambiente militar, se tiver problema o subordinado pode ser preso. A indisciplina em ambiente militar dá cadeia. Ela trabalhava no maior hospital da marinha brasileira. Por motivo de saúde ela entrou para a reserva.  Nossos dois filhos Leonardo e Eduardo nasceram no Rio de Janeiro.
Isso nos bons tempos do Rio?
Já não eram os bons tempos não. No último bairro em que morei, Tijuca, quase toda noite tinha tiroteio. Os problemas de lá existem há muito tempo. Apesar de tudo, adoro o Rio, fui várias vezes para lá depois de mudarmos para Piracicaba.
Você trabalhou em que área quando foi para o Rio?
 No Rio de Janeiro trabalhei uns tempos em uma empresa de Raio-X, depois mudei para a informática, que é a área que trabalho até hoje. Em 1995 passei a trabalhar com software para engenharia. Em 2000 montei a empresa que tenho até hoje. Trabalho com mapas. São mapas que alguns clientes pedem, mapas de ferrovias no Brasil. Eu produzo desde 2005 para uma editora de São Paulo. Os mapas da Revista Ferroviária eu que faço. Infelizmente não temos grandes mudanças nas linhas ferroviárias. Já fiz mapas para a Raízen, usam em salas de reuniões para planejamento. São mapas de logísticas. Vê toda infra-estrutura de transportes, portos. Tudo no mapa. Tem uma chapa de aço atrás e um vidro na frente, dá para por imã ou escrever.
Você leciona também?
Leciono na FATEP- Faculdade de Tecnologia de Piracicaba. Esse ano comecei a dar aulas na Faculdade Anhanguera em Limeira. Quando voltamos do Rio para Piracicaba, Resolvi voltar a estudar. Eu tinha feito engenharia mecânica e pós-graduação em marketing na ESPM, eu era vendedor. Procurei uma universidade, um dos casos era a UNICAMP. Estudei o projeto que um professor fazia e mandei um projeto para ele. Mais ligado a área de mapeamento. Essa área chama-se Sistemas de Informações Geográficas – SIG.  Fiz um processo de seleção e entrei para fazer mestrado. Fiz doutorado. Acabei indo para ferrovia. Ele estudava redes técnicas. Um dos autores que eu estava estudando era o Dr. José Vicente Caixeta Filho da  ESALQ. Logo que cheguei em Piracicaba Renato Ferrante me ligou, perguntou-me se eu fazia mapas, disse-lhe que fazia, ele então perguntou-me se queria conversar com uma pessoa do Instituto Histórico. Fui lá, conversar com o presidente, o Tiquinho, disse-me que estava precisando de mapas. Fiz  a proposta de mapas para ele. Só que a minha relação com ele foi tão boa, que não fiz mapa nenhum, mas comecei a ajudar o Instituto. Isso foi em 2005. O IHGP fazia parte da vida do Tiquinho, como era conhecido Haldumont Nobre Ferraz. Ele que iniciou o processo de informatização do Instituto. Quando cheguei ele já estava digitalizando jornais. Ele e outros presidentes do Instituto conseguiram formar um acervo tão valioso, que estamos sempre trabalhando em cima desse acervo para colocar na internet.  Uma pessoa que para mim foi muito importante é o Pedro Caldari. Ele deu uma direção administrativa para o Instituto. Como Diretor da Dedini, conhece tudo de administração. As instituições necessitam de gestores. Aprendi muito com ele. Fiquei quatro anos como tesoureiro dele, quando virei presidente estava tranqüilo. Se o Tiquinho abriu as portas o Pedro Caldari deu a direção. Hoje fico muito a vontade para assumir a presidência da Academia Piracicabana de Letras por causa disso. A Academia sempre foi anexa ao IHGP, então a conheço desde quando entrei no Instituto. Faz três anos que escrevo para o Jornal de Piracicaba, meu foco é falar da sociedade brasileira, ou mundial também. O lado social da tecnologia. Fui presidente do Rotary Club Piracicaba-Vila Rezende. No ano passado procurei Evaldo Vicente, disse-lhe da minha especialização em ferrovias, fiz um plano de um ano de artigos, então nas quintas-feiras tenho um espaço que se chama “Ferrovia e Sociedade” na Tribuna Piracicabana.
Sua posse na Academia Piracicabana de Letras foi quando?
Na sexta-feira, dia 23 de junho de 2018.

DEMARISSE MACHADO GOLDMAN


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de maio de 2018
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADA: DEMARISSE MACHADO GOLDMAN

 

Demarisse Machado Goldman e Frank Perry Goldman se conheceram, casaram, são dois cientistas sendo que ele trouxe para o Brasil a cultura da pesquisa científica social, dedicou sua vida à pesquisa. Ela ainda na ativa, ela faz o que está ao seu alcance. Como todos os pioneiros, despertam os mais diversos sentimentos, reservados, avessos a publicidade,  contribuíram e contribuem muito com suas obras para o desenvolvimento sócio-cultural deste continente chamado Brasil. Com inúmeras obras publicadas, disseminaram idéias e conceitos inovadores.
A Congregação das Irmãs de São José surgiu na França, no século XVII, na cidade de Le Puy , com as seis primeiras Irmãs: Francisca Eyraud, Claudia Chatel, Margarida Burdier, Ana Chalayer, Ana Vey e Ana  Brun sob a orientação do Pe. João Pedro Médaille e do Bispo Dom Henrique de Maupas. Foi fundada no dia 15 de outubro de 1.650,e espalhou-se pelo mundo com a missão do “exercício da obras de salvação  e perfeição da misericórdia espiritual e corporal” por intermédio dos trabalhos em hospitais, direção da casa de órfãs, visita aos pobres e aos doentes e mesmo na instrução de moças, em plena Revolução Francesa. Um pequeno grupo da Congregação de São José de Lyon foi enviado em missão à cidade de Chambéry. Tempos depois cresceu, e tornou-se independente, dando início à Congregação Internacional das Irmãs de São José de Chambéry. Dessa cidade, outro grupo foi enviado ao Brasil, em 1858, para a cidade de Itu (SP), com a finalidade de promover a educação feminina. Posteriormente expandiu suas ações em outras cidades do estado de São Paulo, nas áreas social, da saúde e da educação. Eram 7 Irmãs, mas uma veio a falecer sendo sepultada no mar. Na segunda viagem, em 1859, chega Irmã Madre Maria Teodora Voiron, que com apenas 24 anos de idade fica responsável pela missão das Irmãs no Brasil, exercendo seu cargo por 60 anos. Muito humana, Madre Maria Teodora enfrentou barreiras e preconceitos da sociedade, numa época em que reinava a escravidão negra no Brasil. Junto ao Colégio Nossa Senhora do Patrocínio, ela ousou abrir a primeira escola para meninas negras, filhas de escravas. O Colégio Santana teve seu início em 18/12/1892, na Av. Angélica, com cinqüenta pensionistas e nove órfãs. Sua diretora era a Irmã Maria Virgínia Faraldi, da Congregação das Irmãs de São José de Chambéry. Em 2009 foi comemorado o sesquicentenário da chegada de Madre Maria Teodora Voiron no Brasil, a 1ª Provincial das Irmãs de São José de Chambéry. Em 1894, o Colégio, cujo nome era Sagrado Coração de Maria, foi transferido para o bairro de Santana, no alto da colina, passando a chamar-se “COLÉGIO SANTANA” para se diferenciar da Congregação Sagrado Coração de Maria, que abrira um colégio com este nome na cidade de São Paulo. Por muito tempo, a Capela Santa Cruz e o Colégio Santana foram pontos de referência em documentos oficiais da cidade. Este Colégio, junto com o Observatório Astronômico de Santana, são considerados marcos culturais do bairro. A partir de 1893, o Padre Roberto Landell de Moura fazia várias experiências, testando seu aparelho que denominou Telefone Sem Fio (pois já existia o telefone com fio). Nesta época contava com a colaboração de uma Irmã da Congregação de São José de Chambéry, que havia chegado da França e tinha conhecimentos das pesquisas relacionadas. Assim o Colégio Santana entra para a história das telecomunicações do Brasil e do mundo, pois no solo desta escola foram feitas as “primeiras experiências de transmissão de voz humana, sem auxílio de fios, que se tem notícia na história mundial das telecomunicações.”(Em Piracicaba há uma herma com um busto do Padre Landell de Moura, na rotatória da Avenida Independência com a Avenida 31 de Março. (Segundo historiadores, Landell de Moura é o inventor do rádio, sendo que o italiano Marconi recebeu o mérito). As Irmãs do Colégio Santana mobilizaram-se para a instalação da 1ª linha telefônica no bairro, conseguindo que, em 16/03/1912, que a Companhia Telefônica instalasse o 1º aparelho da região, com ligação direta para a cidade em seu prédio.  Demarisse Machado Goldman nasceu a primeiro de outubro, na cidade de Santa Cruz das Palmeiras, filha de João Aranha Machado e Ana Eufrosina Aranha Machado, tiveram quatro filhos: Luis, Laura, José e Demarisse. Seu pai era proprietário de fazenda, falecendo quando Demarisse ainda era criança. Sua mãe casou-se em segundas núpcias com José Marolo.
De Santa Cruz das Palmeiras a família mudou-se para que cidade?
 Moramos por algum tempo em Duartina, depois mudamos para São Paulo. Eu passei um tempo residindo com meus tios Graciliano Leme e Laura Leme.
Em qual escola a senhora fez os seus estudos?  
Fiz os meus estudos no Colégio Santana, na Rua Voluntários da Pátria, em São Paulo. Cheguei lá pela primeira vez em um domingo, subi as escadarias de mármore branquinho. Quando entrava em férias viajava pela Estrada de Ferro Companhia Paulista e pela Estrada de Ferro Sorocabana também. Eu não viajava muito, estava quase sempre interna. O uniforme era composto por sai azul marinho, pregueada, blusa branca todos os dias, havia a blusa para dia festivo, ou de saída. Era um uniforme todo bordado, muito bonito. Usavam-se meias brancas, com sapatos pretos. Por muito tempo estudei e toquei piano.
A que horas da manhã levantavam?
Assistia a missa todos os dias, as 5:45. Tomava café, as 10:00 horas saia para o pátio interno para dar uma voltinha e já voltava para estudar. Naquela época a região era formada por chácaras. Estudei todo o período escolar no Colégio Santana, depois fiz a Escola Normal na atual Escola Estadual “Padre Anchieta”, antiga Escola Normal “Padre Anchieta”, localizada na capital paulista, no bairro do Brás. Ia para a escola de bonde.
Era um colégio comandado por freiras?
A convite do governo brasileiro, com o apoio dos grandes proprietários de terras, as Irmãs de São José para estabelecerem-se no Brasil.
A senhora chegou a tomar chá no Salão de Chá do Mappin Stores da Praça Ramos?
Quando estudante no Colégio Santana, cantei no Teatro Municipal de São Paulo. Comecei a namorar o meu marido Frank Perry Goldman no Mappin! Meu marido deu a vida dele pelo Brasil! Ele queria conhecer o Brasil, começou a estudar na Universidade da Virginia (EUA), o diretor dele na universidade não queria que ele saísse de lá, ele começou a escrever para o Brasil, em português, enfim, ele veio para o Brasil, a principio para São Paulo. Veio para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Ele já veio falando português, a primeira vez conversamos no Mappin Stores, ele tinha chegado ao Brasil fazia pouco tempo, perguntei-lhe: E já fala português?” Ele respondeu-me: “Eu me defendo!” Achei interessante. Casamos a 8 de dezembro de 1954. Em 1945 não existia a USP, não existia nada disso. Ele queria trabalhar com esse pessoal, principalmente ensinar pesquisa. A pesquisa desde aquele tempo era com Perry Goldman. Não existiu uma pessoa que dedicou tanto a vida à pesquisa. É um fato reconhecido em muitas localidades onde esteve presente. O livro “Big Metrópole, América Do Sul” é um estudo de uma metrópole que consta entre as maiores da América do Sul. O processo de desenvolvimento rápido da urbanização, industrialização e comunicação moderna originou o estudo feito por Frank Perry Goldman sobre a cidade de São Paulo. Dr. Frank Perry Goldman utilizou em sua tese de doutorado “A imigração norte-americana para o Brasil após a Guerra Civil” defendida em 12/05/1961teve como orientador Sérgio Buarque de Holanda. Anualmente é realizado o Ciclo de Palestras de Gerontologia “Professor Dr. Frank Perry Goldman”, na Unesp em Rio Claro.
A senhora lecionou no Colégio Santana?
Ainda muito jovem fui convidada pelas irmãs para lecionar lá. Muitos anos depois, representei o Brasil na Assembléia Mundial do Envelhecimento, Frank representou a Europa nesse evento, em 1982.
A senhora mudou-se de São Paulo para o interior?
Sempre morei um pouco em São Paulo e um pouco no interior.
Em que ano a  senhora aposentou-se?
Tenho a impressão de que não me aposentei até agora! Continuo trabalhando! Gosto de escrever, de participar. Não gosto de publicar.
Quantos livros a senhora já escreveu?
Não sei quantos, nunca parei de escrever, tenho um bom número deles. (Nesse momento vejo um dos seus últimos lançamentos, com capa de muito bom gosto cujo nome é: “Um tributo à amizade”, bilíngüe (português/inglês). Para minha surpresa, sobre a mesa o famoso livro de Frank Perry Goldman “BIG METRÓPOLE, América do Sul”, também com uma capa de excelente expressão). 
A senhora tem fluência em português e inglês?
Tenho! Lecionei inglês. Fiz pedagogia aqui em Piracicaba, na ESALQ. Ia fazer o mestrado, cheguei a fazer oito matérias, só que nessa época meu marido adoeceu, nós sempre escrevemos juntos. Gosto de lecionar, na UNESP mesmo vamos fazer o lançamento de um livro, gosto muito de ler em inglês.
A senhora dirigia veículos?
Dirigia, meu marido tinha o carro dele e o meu primeiro carro foi um Fusca , ano 1960, azul. Tenho carteira de motorista americana também. Morei dois anos em Santa Bárbara, Califórnia.
Como foi a sua vida nos Estados Unidos?
Maravilhosa! Escrevi um livro sobre a minha sogra. Ela e o marido tiveram uma participação ativa durante a Segunda Guerra Mundial. Tive a oportunidade de estudar em Miami, Califórnia. Nos Estados Unidos tive uma vida tranqüila, dirigia carro normalmente. Nem eu nem o meu marido temos dupla cidadania. A UNESCO convidou-nos para ir até a França.
Qual é a diferença que a senhora sente dos dias atuais e do passado?
Eu aceito o que me é oferecido. Assim como enfrentei a Assembléia Mundial do Envelhecimento posso participar de qualquer lugar. Visitei o Papa, visitei o Oriente, visitei onde pude.
Como a senhora vê o futuro do Brasil?
Acho que o Brasil está um pouco confuso. A Itália decide e sabe o que quer. Os Estados Unidos decide e sabe o que quer. E nós?
Falta educação?
Também falta emprego. As Universidades do interior é que estão segurando a situação.
Qual é a mensagem que a senhora dá aos jovens?
Acho que eles devem obter as melhores informações, sem informação, sem sabedoria ninguém faz nada. Só fica copiando tudo.
A senhora assiste televisão?
Assisto, mas prefiro ler, na televisão temos muitos extremos, alguns difíceis de aceitar.
A seu ver, há a necessidade do povo brasileiro refletir mais sobre si mesmo?
As pessoas com quem tenho contato estão estudando, procuram melhorar, achei que a UNESP de Rio Claro, por influência do meu marido é muito importante. Frank foi muito bem, principalmente porque ele começou a lecionar pesquisa. Aqui o que precisava, segundo ele, é pesquisa. E foi isso que foi feito.
Com a espiritualidade e experiência de vida, além do grande conhecimento científico, a senhora chegou a conclusão sobre a nossa existência?
Isso não é muito fácil de responder! Podemos ver  que nós todos temos a mesma base, e dessa base podemos melhorar ou piorar. Do começo ao fim. Gosto de sentir o que vem de bom de dentro de outras pessoas.

 

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