Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 13 de janeiro de 2018
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 13 de janeiro de 2018
http://blognassif.blogspot.com/
A professora Alaide Barnez nasceu em Piraju,
a 22 de julho de 1923. Está com 94 anos, filha de Gabriel Barnez e Isabel
Alvarez que tiveram quatro filhas: Helena, Adélia, Neide e Alaide. Seu pai
imigrante espanhol, aos 19 anos, veio de Granada, aportou na Bahia, onde
permaneceu algum tempo, depois se mudou para o Rio de Janeiro onde trabalhou no
comércio, veio da Espanha com um primo, já tinha outro primo morando aqui, Gabriel
Barnez era marceneiro. Alaide Barnez é lúcida, feliz, tem a saúde perfeita,
está sempre sorrindo. Sente às vezes uma “dorzinha” na coluna. Aparenta ser uma
mulher muito decidida, corajosa. Enfrentou preconceitos que hoje a sociedade já
superou, mas que em sua época tinha reflexo social, religioso e até mesmo
profissional. Soube encarar com determinação a sua opção por uma paixão, coisa
que atualmente é mais comum em romances e novelas. Seu avô paterno era Antonino
Barnez e o avô materno José Lorenzo Alvarez.
A senhora estudou em Piraju?
Estudei na Escola Estadual
Nhô-Nhô Braga. Lembro-me do nome da minha segunda professora, Dona Ernestina,
teve uma presença marcante na minha vida. Nessa escola estudei o primário e o
ginásio. Fui fazer o Curso de Magistério em Santa Cruz do Rio Pardo. Naquele
tempo para formar-se como professora as cidades mais próximas existentes eram
em Botucatu; Sorocaba e Santa Cruz do Rio Pardo. Nesta cidade por causa do Deputado Estadual Leônidas
Camarinha.
A senhora mudou-se para Santa
Cruz do Rio Pardo?
Quando fui fazer o Curso Normal
em Santa Cruz do Rio Pardo, minha mãe foi também, e foram mais oito meninas de
Piraju, passamos a residir em uma casa, minha mãe dava pensão às meninas. O
Curso Normal era feito em dois anos, foi assim que me tornei professora, que
naquela época era respeitada como autoridade.
Tinha um salário significativo?
Não era bom não. Agora é pior!
Por quanto tempo a senhora
lecionou?
Foram 31 anos!
A senhora tem idéia do número de
alunos que teve?
Era classe mista, com 40 a 45
alunos. Uma das cartilhas adotadas foi a Caminho Suave.
A senhora se casou?
Não casei. Meu marido era
desquitado. Ele era comerciante, seu nome era João Arruda Guimarães. Naquele
tempo não havia o divórcio. Fui morar com ele. Não tivemos filhos. Gostávamos
muito de viajar. Viajamos muito pelo Brasil afora, tínhamos um fusca bege,
viajamos para o Sul, para o Norte, lembro-me de que no Rio Grande do Norte,
umas quatro horas da tarde, diziam que tinha que passar logo senão a maré subia
e só poderiamos passar no dia seguinte, as estradas eram na maioria de terra. Eu
gostava muito de aventura. Ele também! Tanto que para ir morar com ele já foi
uma aventura, naquele tempo eu fui viver “amasiada” que era o termo usado na
época, e lecionar! Foi uma revolução! Na igreja com os padres e na escola com o
Delegado de Ensino. Fui chamada para falar com ele, disse-me que eu tinha
obrigações, mas disse-lhe que também tinha direitos! Vivi com meu marido por 52 anos! Tivemos uma
vida maravilhosa.
Daquela época o que lhe trás mais
saudade?
As viagens! O Brasil tem coisas
maravilhosas e o brasileiro não dá valor. Por exemplo, Orós, no Ceará. É um
lugar muito lindo. O brasileiro não valoriza o que é seu, vão para a Disney!
A senhora lembra-se do período da
Segunda Guerra Mundial?
Lembro-me! Para nós no Brasil não
houve grandes alterações. Nunca me interessei por política nem por políticos.
Além de viajar, o que mais a
senhora gostava de fazer?
Meu marido dançava muito bem, só
dizia que eu era “muito pesada” para dançar! Eu gostava de Festa do Peão,
eventos mais agitados. Eu tinha grandes amigas, mas elas não me acompanhavam
nessas loucuras não! Naquela época isso tudo era loucura!
A senhora era vista como uma
pessoa arrojada?
Sempre sim. Até uma menina fez uma homenagem, foi minha
aluna, veio me visitar e deixou a mensagem: “Professora Alaíde: Pessoa
dinâmica, equilibrada, positiva e de grande sabedoria, Não deixa nada nem
ninguém interferir nas suas certezas. Otimista contagia a todos com sua alegria
de viver. Maria Teresa Bonetti (Outubro de 2003)” Sempre eu tive uma
personalidade muito forte e ninguém mudava a minha opinião. Estabelecia um
objetivo e chegava lá.
Em que localidade a senhora iniciou a carreira de professora?
Comecei a lecionar perto de
Apiaí, em uma fazenda situada em Ribeirão Branco, tinha que
ir a cavalo da escola para a cidade. Eu morava na fazenda. Atravessava o Rio
Apiaí a cavalo. E adorava, gostava muito! Quando o Delegado de Ensino foi ver o
tamanho da sala em que eu lecionava ficou impressionado com o tamanho minúsculo
da sala de aula. Não dava para andar entre as carteiras escolares. Eram alunos
de todas as séries em uma sala única! Da primeira a terceira série. Era muito
difícil lecionar nessas condições. Ainda não era professora efetiva, fui
lecionar em Tejupá, tudo chão de terra, só terra. Tejupá já era melhor, tinha
ônibus, a famosa jardineira aberta dos lados. Era uma poeira danada.
A senhora chegou a usar
flanelógrafo?
Usei
bastante, O flanelógrafo é uma placa de
papelão colada com uma flanela. Para contar histórias às nossas crianças. Contar histórias e
educar ao mesmo tempo é uma arte. Para que seja possível, as crianças têm de
ser levadas ao mundo dos contos e da fantasia, e o flanelógrafo é perfeito para isso.
A seu ver como eram os alunos
antigamente?
Eram mais simples, mais educados,
respeitavam-nos, os pais cooperavam muito. Naquele tempo não havia a Caixa
Escolar (A estrutura da Caixa Escolar é geralmente
constituída de um presidente, que é o diretor ou o coordenador da escola, de um
tesoureiro e do conselho fiscal), não tinha a Associação de Pais e Mestres
(APM).
E a questão da disciplina?
Quando o menino era terrível eu ia à
casa dele, conversava com os pais, dizia: “Por bem não vai! Se a senhora
autorizar a ser mais enérgica com ele, ai talvez eu possa conseguir alguma
coisa, caso contrário vou abandoná-lo”. De vez em quando eu era mais enérgica
com algum aluno que saísse da linha.
Hoje se a senhora fizer isso!
Nossa mãe! Se eu disser que não
suporto um menino já é uma briga!
A educação atual, a seu ver está na
direção certa?
Eu acho que está na direção errada! Os
pais dão muita liberdade aos filhos, e não dão autoridade nenhuma à professora.
Os pais atualmente trabalham fora de
casa, essa ausência tem conseqüências?
Prejudica muito! Tentam mimar os
filhos com presentes.
A senhora usa telefone celular?
Não uso, embora ache uma coisa
extraordinária. Mas não como vício! Há pessoas que não largam do celular por
cinco minutos!
A senhora viveu em uma época em que
não existia televisão, e ter um rádio era para poucos, a senhora gostava de
ouvir rádio?
Eu gostava! Ouvia Vicente Celestino,
Orlando Silva, Carlos Galhardo. Lembro-me que o programa do Carlos Galhardo era
aos domingos. Ouvia a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a Rádio Mayrink
Veiga emissora de rádio carioca reduto de novos talentos da chamada Era do Rádio. Eram músicas
com letras lindas, hoje não tem jeito.
E televisão, a senhora assiste?
Assisto! Tem programas bons, mas
também tem muita coisa sem valor algum. Assisto muito a Rede Vida. Meu marido e
eu íamos muito ao cinema, naquele tempo em Salto Grande passava filmes quarta,
sábado e domingo, os filmes de sábado eram os mesmos que passavam domingo, nós
assistíamos o mesmo filme duas vezes, de tanto que gostávamos. Após meu marido
falecer, permaneci ainda em Salto Grande por quatro anos, depois mudei para
Ourinhos onde permaneci por 10 anos.
A televisão educa ou deseduca?
Faz as duas coisas!
Como era o Rio de Janeiro?
Era o sonho da minha vida! Fui
visitar o Rio de Janeiro no meu primeiro ano de matrimônio. Eu lia tudo sobre o
Rio. Conheci todos os pontos turísticos do Rio. Fui até a Ilha de Paquetá,
Jardim Botânico, Cristo Redentor, Igreja da Glória, Copacabana , assistimos
desfile de carnaval em pé.
E para São Paulo, a senhora ia
muito?
Meu marido era comerciante, ele
trabalhava com tudo, tecidos, arroz, feijão, ia de caminhão para São Paulo,
para fazer compras. Eu ia junto. A viagem demorava umas doze horas, a estrada
era de terra até São Paulo. Meu marido tinha uma irmã que morava lá, perto do
Cine Paramount, no centro. Durante a viagem parávamos, ele dormia embaixo do
caminhão, com o ajudante, eu dormia na cabine. Paravamos para comer nos
restaurantes da estrada.Foi uma época muito boa, tenho saudade dela.
Como é a saúde da senhora
atualmente?
Muito boa! Pressão normal. Não tenho
nada. Só tenho dor na coluna.
A senhora já conhecia Piracicaba?
Conhecia, no tempo da guerra meu
marido vinha buscar açucar em Piracicaba.
Comparando o passado com o presente,
a senhora acha que as coisas melhoraram ou pioraram?
Piorou muito! A corrupção é muito
grande. Antigamente não era tão grave.
Sob o seu ponto de vista qual é a solução?
Em primeiro lugar é ter Deus. As
pessoas não tem mais Deus na vida deles. Não vamos conseguir corrigir os
corruptos. A corrupção sempre existiu, mas não nessas proporções! Minha mãe era
muito interessada em política, era fã do Adhemar de Barros.
Para qual lugar que a senhora
gostaria de viajar?
Se eu pudesse viajar agora tenho
muita vontade de conhecer novos lugares do Brasil.
Já andou de avião?
Já! Achei muito bom! Não tenho medo.
E cavalo, também gosta?
Muito, já andei bastante a cavalo.
Sempre gostei de animais. Tive capivara no quintal, começaram a procriar muito,
tinha um menino encarregado de alimentá-las, só que nós não estávamos mais
aguentando tantas capivaras, meu marido doou para o Zoológico do Agenor, em São
Paulo. Tinha macaco também, a capivara gostava de dormir embaixo da casinha
dele.
A senhora tem uma religião?
Sou católica.
Para a senhora qual é o significado de Deus?
É tudo! É tudo! (Após uma pausa silenciosa, Da. Alaide
prossegue) É um Ser Superior que não podemos nem pensar em julgar. Faço as
minhas orações, assisto a missa através da televisão, todas as noites.
Qual é o significado do terço para a senhora?
Um terço é a vida de Jesus. Os mistérios mostram a vida
de Jesus. Ontem mesmo fui até a igreja para rezar o terço, gosto de me
concentrar, rezar no meu silêncio.
Qual é o passatempo principal da senhora hoje?
Fazer palavras cruzadas! Torna-se um habito! Quando estou
fazendo palavras cruzadas não me lembro de almoçar, jantar.
Se o tempo voltasse a senhora faria tudo que fez
novamente?
Tudo! Principalmente a vida matrimonial. Uma das coisas
que sempre fiz é não dar importância ao comentário alheio! Contento-me com o
que eu tenho e me sinto feliz com que eu tenho. Sou muito feliz, muito bem
tratada por todos. Recebo muitas visitas de ex-alunos. Eu era muito enérgica,
fazia a criança produzir o que ela podia como professora eu sou famosa na minha
região.
Um dos segredos da vida é saber alimentar-se?
Fico horrorizada em ver a quantidade de alimentos que o
pessoal come! Como apenas o necessário. Não como carne, eu nunca gostei de
carne, como verduras e legumes. Não como macarrão, massas. Como arroz e feijão.